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Sinais Distintivos Não Tradicionais:

O Caso Louboutin* ** Beatriz Vergaça Castro


Bacharela em Direito pela UFRJ, mestranda em Propriedade Intelectual, Inovação e Transferência de Tecnologia pela UFRJ - PROFNIT e
cursa a especialização em Direito da Propriedade Intelectual da PUC-RIO. Atualmente é advogada no Senna & Mariano Advogados,
tendo estagiado no Denis Borges Barbosa Advogados e na Agência UFRJ de Inovação. E-mail: biavcastro@globo.com

Sumário: 1. Introdução - 2. Marcas de posição e cores - 3. O caso Louboutin - 4. Conclusões - Referências bibliográficas

1. Introdução leigos e especialistas, o que fez com que muito fosse discutido sobre
a validade de tal registro, assim como o que ocorreria caso o mesmo
Recentemente, Christian Louboutin, o estilista francês de sapatos
de alta costura, registrou e expandiu ao redor do mundo a caracte- fosse declarado inválido.
rística que torna seu trabalho distinto especialmente em seu meio: Com isso, as marcas não tradicionais, em especial a marca de po-
o solado vermelho presente em seus sapatos, destinados a um nicho sição e a cromática, voltaram a ganhar destaque no meio jurídico
de mercado de alto luxo. especializado em Propriedade Intelectual ao redor do mundo. Tal
Com intenções de proteger sua criação e impedir terceiros de utilizar relevância, porém, não foi suficiente para arguir o tipo marcário em
a cor vermelha em solados de sapatos que não os seus, acabou tra- específico, assumindo-se tratar de marca cromática.
vando diversas batalhas para garantir o uso e exploração exclusivos Tamanha exposição, portanto, gerou o momento oportuno para um
de seus solados vermelhos, litigando com a Yves Saint Laurent,1 a aprofundamento sobre tal matéria e discussão acerca das formas
brasileira Carmen Steffens2 e até mesmo a rede fast-fashion Zara.3 não convencionais de proteção. É válido lembrar, que sequer há um
Tais atos, em especial o concernente a Yves Saint Laurent, ganha- consenso sobre a definição de marcas não convencionais na doutri-
ram um destaque na mídia convencional, atraindo a atenção de na e/ou jurisprudência brasileira.

* 1º lugar na categoria estudante do Concurso de Monografias da ABAPI 2016 Dr. 2. O GLOBO. Christian Louboutin processa marca brasileira de sapatos Carmen Ste-
Carlos Henrique de Carvalho Fróes ffens por copiar solas vermelhas. Disponível em <http://oglobo.globo.com/sociedade/
** Trabalho de conclusão de curso apresentado à Faculdade de Direito da Universidade saude/christian-louboutin-processa-marca-brasileira-de-sapatos-carmen-steffens-por-co-
Federal do Rio de Janeiro, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em piar-solas-vermelhas-2796570> Acesso em 10 de janeiro de 2016.
Direito, sob a orientação do professor dr. Carlos Augusto Silva dos Santos Thomaz. 3. The Fashion Law. Louboutin v. Zara: Battle of the Soles. Disponível em <http://www.
1. IBAIXE JR., João e SABÓIA, Valquíria. Caso Christian Louboutin contra Yves thefashionlaw.com/archive/louboutin-v-zara-battle-of-the-soles> Acesso em 10 de janei-
Saint Laurent: Nascimento do Direito da Moda. Disponível em <http://www.miga- ro de 2016.
lhas.com.br/dePeso/16,MI203478,91041-Caso+Christian+Louboutin+contra+Yv
es+Saint+LaurentNascimento+do> Acesso em 10 de janeiro de 2016.

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Sinais Distintivos Não Tradicionais: O Caso Louboutin

Como a jurisprudência brasileira sobre a matéria ainda é bastante cores, seja como uma combinação de cores ou uma única cor, podem
incipiente, o presente trabalho recorrerá a casos de jurisprudência servir como marca e, dessa forma, em circunstâncias apropriadas, pode-
estrangeira. Por ter gerado um novo despertar sobre o assunto, esco- rão ser passíveis de reconhecimento marcário, proteção e registro”.
lheu-se o caso da marca do solado vermelho como recorte no estudo. No mesmo sentido, a AIPPI6 aprovou uma Resolução (Questão
No Brasil, essa mesma marca possui um pedido de registro pen- 181) em seu Congresso realizado em Genebra, em junho de 2004,
dente, na forma tridimensional, uma vez que não existe o tipo de favorável à proteção de cor por si só, mediante prova de um caráter
registro para marca de posição no Instituto Nacional da Propriedade distintivo adquirido em razão de seu uso.
Industrial - INPI, o que reforça a importância do presente estudo. Como já foi debatido, todo sinal visualmente representado, que é
configurado para o fim específico de distinguir a origem dos produtos
2. Marcas de posição e cores e serviços é registrável, desde que seja novo, distintivo e intrinseca-
mente veraz. Sendo essa a regra, as exceções são aquelas especifica-
2.1. Marca cromática mente listadas na lei. Ou seja, a marca cromática encontra vedação
Em consonância com as definições de marca, uma marca cromática expressa parcial na legislação, mas não encontra permissão.
nada mais seria que um sinal composto por uma cor, ou conjunto delas, Neste contexto pode assumir relevância, impedindo, em princípio,
dispostas ou não de certa forma, de modo a identificar um produto ou o registro, por exemplo, o fato de uma cor poder ser considerada
serviço, ou sua origem e distinguir dos demais congêneres. descritiva,7 usual,8 genérica9 ou até mesmo funcional,10 se a cor
Existem várias espécies de marcas cromáticas possíveis. É possível cumprir certa função utilitária ou se for utilizada para obter um
que se tenha uma marca cromática que seja a cor que reveste o determinado resultado técnico relativo a um produto.
produto, embalagem ou predomina no serviço, de maneira isolada; Do anteriormente exposto, pode-se extrair que o principal requisito
seja uma composição distintiva de cores do produto, embalagem ou para que uma cor se tornasse registrável seria a prova de sua dis-
serviço; seja uma disposição de cores aplicada no produto, emba- tintividade, tornando-se conditio sine qua non. Resta definir se essa
lagem ou serviço; ou ainda seja a própria cor da marca (represen- capacidade distintiva existe (ou pode existir) ab initio ou se, ao
tação gráfica figurativa ou mista do sinal). invés, é (ou tem de ser) adquirida pelo uso do referido sinal (secon-
A marca de cor única, também chamada de per se, ou cor em dary meaning).
abstrato, ou monocromática (em Portugal, monocolor), é a marca Por exemplo, apesar de vedação expressa na legislação, o nome de
composta única e exclusivamente por uma cor específica, uma to- uma cor pode ser registrado quando for para produto ou serviço que
nalidade. Esta pode estar presente no produto, embalagem ou não tenham a ver com a própria cor e/ou adquiram distintividade.
serviço, ou até mesmo na própria marca.
Os maiores obstáculos encontrados11 para o registro de cores no
É possível também que a marca cromática seja formada com uma
mundo são o risco de confusão de tonalidades (também conhecido
composição de cores, formando ou não um padrão, ou havendo
por shade confusion),12 que inclui a dificuldade em determinar e
uma disposição/ordem específica, estando presente no produto, em
estabelecer o quão diferente um tom de cor tem que ser para que
sua embalagem ou no serviço (porém nada impede que seja parte
da representação gráfica figurativa ou mista do sinal). não haja colidência, além do fato de que provavelmente seria ne-
cessária uma escala comum e universal com a maior quantidade de
Quanto à sua registrabilidade, é importante relembrar o artigo 15 tonalidades possível para a definição de seu registro devido à ne-
do Acordo TRIPs4 que diz que os sinais capazes de constituírem cessidade de representação gráfica – não bastará a apresentação de
marcas podem ser formados exclusivamente ou não por cores, fi- uma simples amostra de cor, dado que esta pode alterar-se com o
cando a critério de cada país condicionar o registro e sua percepti- tempo, o ideal seria que fosse feita referência à cor através de um
bilidade visual. código ou classificação internacionalmente conhecido, visto que
Também existe uma recomendação5 da International Trademark Associa- estes códigos são considerados precisos e estáveis, e/ou uma descri-
tion - INTA que diz que “fica resolvido que é posição da INTA que as ção verbal da mesma.

4. Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights, Marrakesh, de 15 de 10. Prateado para serviços ou produtos isolantes, ilustrativamente.
abril de 1994, internalizado através do Decreto nº 1.355, de 30 de dezembro de 1994. 11. Conforme narrado por SNOWDEN, David. United Kingdom. The Registration of
5. INTA Guidelines for Trademark examination (07.05.1997). Tradução livre.6. A Associa- Colours and Scents as Trademarks. Intellectual Property Dissertation, University of
tion Internationale pour la Protection de la Propriété Intellectuelle - AIPPI, é uma organi- Kent. April. 2002.
zação politicamente neutra, sem fins lucrativos, domiciliada na Suíça, dedicada ao desenvol- 12. A teoria diz que, supondo que uma cor é protegida, a existência de apenas um número
vimento e melhoria dos regimes jurídicos para proteção da Propriedade Intelectual. limitado de cores perceptíveis à visão humana geraria a constante incerteza sobre se uma
7. Por exemplo, laranja para vendas ou agricultura de laranja. determinada tonalidade infringiu outra, ou seja, cores e suas diferentes tonalidades
8. As cores azul e vermelha para descrever frio e quente, exemplificando. podem levar à confusão. É muito pertinente especialmente para eventuais ações de
9. A título de ilustração, vermelho para produtos ou serviços que lidam com perigo e atenção. violação marcária e em casos de colidência.

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Ademais, não se deve esquecer do interesse público de não se res- tabelece que não são registráveis como marca “cores e suas denomina-
tringir indevidamente à disponibilidade das cores para os restantes ções, salvo se dispostas ou combinadas de modo peculiar e distintivo”.
operadores no mercado (depletion theory). De maneira simplificada, O legislador brasileiro afirma, ao se utilizar de uma negativa, a possibi-
a teoria narra que ao permitir exclusividade marcária sobre as cores, lidade de registro de cores dispostas ou combinadas de modo peculiar ou
“existindo estas em número limitado, conduziria à limitação e proibi- distintivo, ressaltando a importância da distintividade e distinguibilidade
ção dos restantes agentes econômicos as usarem no mercado para no meio marcário, numa interpretação contrario sensu. Apesar de assim
distinguir os seus produtos ou serviços”,13 de modo que a lista de entender a doutrina, o INPI ainda é muito resistente para registrar cores
cores possíveis num certo segmento, conforme seriam concedidas as sozinhas, embora não o seja para o esquema de cores.
marcas, ficaria deveras restrita, prejudicando a livre concorrência.
Existem algumas marcas figurativas mistas registradas no Brasil nas
Para amenizar o último obstáculo citado, deve-se ser relembrado quais se fazem a reivindicação de uma ou mais cores14 (realizando-se a
que um sinal, quando possui um aspecto funcional, não é passível
proteção de mais de um sinal através de apenas um registro, porém não
de registro. É a chamada Doutrina da Funcionalidade, na qual
uma cor só será passível de registro marcário se a mesma não for somente o nominativo e o figurativo), mas também existem alguns casos
essencial para o uso ou propósito do que se identifica, ou se não de marcas que constituem somente esquema de cores (figurativas). Por
afetar seu custo ou qualidade. exemplo, existe um registro15 pertencente à Visa International Service
Association, e diz respeito ao esquema de cores de seu logo.
Desta doutrina, ainda cabe falar de seu desdobramento: a chamada
Funcionalidade Estética, que expõe que quando um aspecto tem somen- Figura 1
te a intenção de melhorar o seu design e tornar o produto mais desejável, À esquerda, o registro; à direita, o logo
atraente de forma comercial, esse aspecto não padece de proteção, pois Azul
o consumidor é atraído ao design. Como visto anteriormente, para que
uma cor possa ser registrada como marca, é necessário que haja uma
reputação, e, portanto, é difícil definir aonde a funcionalidade estética
começa e aonde o aspecto puramente reputacional acaba.
Dessa forma, a exclusividade cromática não seria injusta com os
competidores diretos, não os prejudicando. Branco Ouro
É importante lembrar que será muito difícil que uma empresa se Fonte: Base de Marcas do INPI.
utilize apenas de uma cor (ou conjunto delas) para identificar os seus
produtos ou serviços, e que esta proteção tem objetivo complementar. Por fim, cabe ressaltar que desde 198516 os Estados Unidos acei-
No Brasil, como pode ser visto na Lei nº 9.279 de 14 de maio de 1996 tam o registro cromático. Na Europa,17 o mesmo ocorre desde
(Lei da Propriedade Industrial - LPI), o inciso VIII do artigo 124 es- 1989, na Inglaterra.18

13. CARVALHO, Maria Miguel. A Possibilidade de Registo como Marca da Cor per 17. A proteção formal de marcas de cor foi introduzida na UE pela Primeira Diretiva do
se. UNIO - EU Law Journal, março de 2013, p. 87. Conselho, de 21 de dezembro de 1988 (Diretiva de Marcas ou Trademark Directive).
14. Exemplo: Registros nº 825711231 e 818608447. Seu objetivo era harmonizar a legislação europeia sobre marcas aonde era possível.
15. Registro nº 006088244. Antes da diretiva, a proteção para marcas cromáticas variava a cada Estado-membro.
16. 221 USPQ 1195 (TTAB 1984), uma cor rosa para fibra de vidro isolada de pro- 18. Reg No B1372291 of 6 February 1989 by Sophia-Jacoba GmbH, registro da cor
priedade da Owens-Corning Fiberglas Corp. Owens-Corning Fiberglas Corp., 774 prata para briquetes de antracite, que são blocos de carvão mineral do tipo puríssimo.
F.2d 1116, 227 U.S.P.Q. 417 (C.A.F.C. 1985)

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2.2. Marca de posição É o que expõe Juan David Castro GARCÍA22 e SANDRI,23
De acordo com o sua semântica,19 posição pode significar: respectivamente:
posição La combinación del signo y de la posición puede constituir un carácter distinti-
po.si.ção vo debido a la impresión general que produce, mientras que por sí sola la posi-
sf (lat positione) 1 Lugar ocupado por uma coisa ou onde está coloca- ción no sería admisible como marca protegida. Si el signo se coloca cada vez
da uma pessoa ou coisa. 2 Localização própria em relação a outras en un lugar inesperado24 o poco habitual no tendrá la condición de distintivo.
coisas: A posição dos rins na região lombar. 3 Localização geográfica: For instance, in some luxury and elite sectors, certain objects or sculp-
O navio deu a sua posição. 4 Orientação: Posição de um edifício. 5 tures always accompany a product. In the automobile industry, there
Disposição. 6 Situação econômica, moral, social etc.: Ocupar uma boa are well known examples of this practice, which include the flying lady
posição. 7 Modo, jeito, maneira, atitude, postura: Posição do corpo. 8 – “The Spirit of Ecstasy” – which appears above the radiator of the
Med Postura ou atitude particular de um paciente para qualquer Rolls Royce, the Mercedes three-point star, and the Jaguar’s jaguar.
processo terapêutico: Posição dorsal. 9 Em obstetrícia, a situação da These signs, whose figurative symbols are simply conceived and quickly
criança na pelve. 10 Circunstâncias em que alguém se acha: O escân- memorized by the public, are increasingly associated with high fashion
dalo deixou-o em má posição. 11 Mil Área ou lugar ocupado por goods. They usually appear on three-dimensional products such as
unidades de combate para ataque ou defesa: O batalhão tomou posi- buckles, buttons, hooks, clamps, closing devices and the like.
ção no alto da colina. P. defensiva: a que só se destina a defender. P. Ou seja, o pedido de registro de uma marca de posição visa prote-
ecológica, Sociol: a que define a situação de uma unidade ecológica
(zona urbana, suburbana, cidade-satélite etc.), relativamente ao centro ger o local em que o signo pretendido aparece ou é fixado em de-
de dominância. P. equívoca: posição para a qual não se acha explica- terminado produto com habitualidade. Essa habitualidade de po-
ção razoável. P. falsa: apuros, dificuldades, situação comprometedora. sição pode ajudar um sinal, que por si só não possuía distintividade,
P. social: classe social do indivíduo. (grifos nossos) a adquirir a mesma, especialmente ao ser posta, por exemplo, em
Ou seja, se compreende por posição a maneira que se encontra uma posição que não é comum.
posta uma pessoa ou coisa, a sua localização ou disposição. Para que o registro deste tipo de marca possa ser feito e em consonância
O conceito de marca de posição nasceu na Alemanha.20 Posteriormente, com as diretrizes recomendadas pelo Tratado de Singapura, é comum
a Organização Mundial da Propriedade Intelectual - OMPI (World Intelectual que o depositante anexe ao pedido uma representação gráfica, em vista
Property Organization - WIPO) realizou uma pesquisa para saber como os única, do que se pretende registrar. Quanto às partes que estão fora do
países entendiam esse conceito, e acabou sendo mencionada na Regra 3 escopo do pedido de proteção, mas que são essenciais para demonstra-
(8) do Tratado de Singapura,21 mas sem estabelecer uma definição ção da posição do sinal objeto deste pedido, o requerente deverá repre-
clara, apenas abordando linhas gerais para viabilizar seu registro: sentá-las por meio de traços ou linhas pontilhadas. Os escritórios de re-
Rule 3: Details Concerning the Application gistro também poderão requerer que seja indicada qual parte do pedido
(…) está se reivindicando e uma descrição que especifique e esclareça a posi-
(8) [Position Mark] Where the application contains a statement to the ção da marca com relação ao produto ou serviço onde está afixada.
effect that the mark is a position mark, the reproduction of the mark shall Tais recomendações expostas no parágrafo anterior são de suma
consist of a single view of the mark showing its position on the product. importância, uma vez que a marca de posição, em específico, será
The Office may require that matter for which protection is not claimed utilizada em vários objetos homogêneos.
shall be indicated. The Office may also require a description explaining
the position of the mark in relation to the product. Fora isso, os requerimentos para seu registro são os mesmos de
Pode-se dizer que uma marca de posição se caracteriza por um qualquer outra marca visualmente perceptível. A única diferença é
elemento que sempre aparece no produto em uma determinada que o registro não protegerá o sinal parte da marca fora de tal po-
mesma posição, com proporções constantes. A combinação de um sição. Este detalhe é importante, pois pode influenciar na caduci-
sinal com uma posição pode constituir um sinal distintivo por conta dade de uma marca ou sua violação.
da impressão que passa, uma vez que a posição, por si só, jamais Dito isso, pode-se extrair que as marcas de posição, são compostas por
seria admissível para registro como marca. dois elementos, além da habitualidade: outro25 sinal e sua posição.

19. Michaelis Online, Dicionário. Disponível em <http://michaelis.uol.com.br/moderno/ Propiedad Inmaterial, nº 16, p. 297-325, novembro de 2012. Bogotá: Universidad
portugues/definicao/posicao%20_1025814.html>. Acesso em 15 de junho de 2016. Externado de Colombia, p. 319.
20. RIDEAU, Camille. França. Position Mark: A Category of Signs Eligible for Trade- 23. SANDRI, Stefano e RIZZO, Sergio. Op. Cit., p. 151-152.
mark Protection? Different Standards of Examination, Different Scope of Protection?. 24. É importante esclarecer o que o autor quis dizer com a expressão “inesperado”, e até
Centre d’Études Internacionales de la Propriété Intellectuelle, Valorisation des Biens mesmo sua última frase. Ele se referia à característica de habitualidade e não diz respeito
Immatériels, Masters 2 , 2009/2010. Strasbourg: Université de Strasbourg, p. 5. à aquisição de distintividade. Uma posição inesperada ou fora do comum pode ajudar um
21. Assinado em 2006 para atualizar o Trademark Law Treaty - TLT de 1994, que foi sinal a adquirir distintividade, mas quando este sinal se encontra cada vez em uma posição
uma tentativa internacional de harmonizar os procedimentos administrativos de registro diferente (não se sabe onde o sinal estará presente, impossível haver uma previsão), não
marcário. O Brasil não é signatário. há como se dizer que é uma marca de posição, por conta da falta de habitualidade.
22. GARCÍA, Juan David Castro. Colombia. Las Marcas No Tradicionales. Revista La 25. Outro porque a marca de posição em si (união de dois sinais) constitui um sinal distintivo.

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A posição, em particular, de um sinal pode ser considerada distin- Portanto, com base no que foi supra exposto, marcas de posição
tiva quando não é usual (lugar comum) num certo segmento mer- podem ser compostas por sinais que, por si só, seriam distintivos o
cadológico ou quando há certa habitualidade. É preciso, da mesma suficiente para compor outra espécie marcária. Um sinal cromáti-
forma, levar em consideração se um consumidor espera tal disposi- co, por exemplo, pode adquirir a distintividade por conta de seu
ção de sinal naquela posição específica dos produtos daquele ramo, uso como marca de posição, ocorrendo, portanto, um registro de
ou até mesmo a sua presença nele. marca cromática posterior ao registro da marca de posição, até
Já o sinal, deve ser dotado das características já exauridas nos ou- porque o posicionamento da cor gera uma maior aceitação quanto
tros capítulos e subcapítulos, em especial deve ser distintivo. Tam- à sua registrabilidade, vez que dá um “propósito” a ela.
bém como já foi exposto nesse próprio subcapítulo, não necessaria- No Brasil, esse tipo marcário não é expressamente previsto na legislação,
mente o sinal sozinho precisa ter essa distintividade de início, ela ou sequer vedado, sendo possível por não haver qualquer regra ou impo-
pode ser adquirida com o uso (secondary meaning).26 sição contrária. Porém, não é reconhecida expressamente pelo INPI.
Feita essa exposição, cabe discutir se esse sinal distintivo, que é Porém, a ADIDAS AG, é titular de alguns pedidos e registros de
parte da marca de posição, pode ou não possuir a capacidade de marcas que materialmente são de posição, embora classificadas
ser uma marca por si só. Ou seja, se uma marca de posição pode como figurativa, no Brasil. Tal marca concedida28 teve seu pedido
ser formada por outra espécie marcária, porém sempre numa publicado em 2004, tendo sido concedido em 2008. Porém, em
mesma posição, num contexto de produtos ou serviços. 2011, foi contestada judicialmente29 pela ESSEX TRADE
Camille Rideau27 afirma que “It must be pointed out, that neither the COM/ IMP/ EXP/ LTDA, sob alegações de possuir caráter ge-
whole depicted shape nor the sign alone is the protected trademark but nérico. Ainda no mesmo processo, foi pedido, sob as mesmas ar-
protected is the sign in a special position on the good”. Mais a frente, repete guições, o apostilamento das listras em alguns outros registros.30
seu posicionamento de que “the position mark does not consist in a sign Apesar de ter decorrida a prescrição prevista no artigo 174, da
which is completely independent from the appearance of the marked good”. LPI, os desembargadores e magistrado, por amor ao debate, fize-
Contudo, a posição da autora é equivocada, pois se fosse procedida ram considerações acerca do mérito do pedido, em sua sentença31
dessa maneira, cores não poderiam fazer parte de marcas de posi- e acórdão,32 expostos a seguir:
ção, assim como marcas figurativas. Se ocorresse como gostaria Figura 2
Rideau, a Louboutin, por exemplo, estaria vedada de pedir o re- Registro concedido e posteriormente contestado judicialmente
gistro cromático do vermelho presente no solado de seu sapato,
assim como a sua presença em outras marcas de posição de produ-
tos da mesma empresa. O mesmo ocorreria com marcas figurativas
ou mistas, de empresas de vestuário, por exemplo, que sempre
posicionam sua etiqueta num mesmo local não usual, adquirindo
sua distintividade, sendo essa etiqueta no formato de sua logomar-
Fonte: Base de Marcas do INPI.
ca – tal entendimento impediria que um dos dois fosse registrável.

26. Para maiores explicações, retornar ao capítulo 1 do presente trabalho. 31. JFRJ - Sentença: 0803946-89.2011.4.02.5101, Juíza: Marcia Maria Nunes de Bar-
27. RIDEAU, Camille. Op. Cit., p. 6. ros, Data da Sentença: 02/10/2013, 13ª Vara Federal do Rio de Janeiro, Data de
28. Registro nº 826054978. Publicação: 08/10/2013, Disponibilização: DJe 07/10/2013.
29. Até a presente data, não havia trânsito em julgado, cabendo recursos ao STJ e STF. 32. TRF2 – Acórdão: 0803946-89.2011.4.02.5101, Relator: Des. Fed. Messod Azulay Neto,
30. Registros nº 740148923, 800150350, 800158393, 800158407, 800158423, Data da Sentença: 30/09/2014, 2ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª
821805037, 821805045 e 822262800. Região, Data de Publicação: 23/02/2015, Disponibilização: DJe 20/02/2015.

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Assim, tendo sido os registros números 740.148.923, 800.150.350, Figura 3


800.158.393, 800.158.407, 800.158.423, 821.805.037 e Tabela dos registros discutidos judicialmente
821.805.045 concedidos entre 1982 e 2004, resta evidentemente
prescrita a pretensão de nulidade parcial, ou mesmo de alteração ou
modificação, de forma a incluir restrição de apostilamento.
Em outras palavras, mesmo permanecendo os registros da parte ré para
que os use com exclusividade como marca comercial, nada obsta que
listras sejam utilizadas por outras pessoas ou mesmo por seus concorren-
tes, desde que, neste caso, acrescidas de outros elementos que lhes
confiram distintividade, de forma a diferenciá-los das marcas das rés.
(...)
No caso dos autos, é indene de dúvidas, conforme amplamente de-
monstrado na petição exordial, que o elemento listras está presente
tanto na natureza quanto em diversas manifestações do espírito huma-
no, desde priscas eras. O que se protege com os registros em lide,
entretanto, são conjuntos de três listras, formando uma disposição es-
pecial (no caso do registro nº 821.805.037) ou insertos na figura de
um calçado tipo tênis (no caso do registro nº 821.805.045).

I - Em que pese a falta de previsão legislativa para o apostilamento, é


de se reconhecer que sua prática, além amplamente consagrada pelos Fonte: Base de Marcas do INPI.
Tribunais, produz efeitos indiscutivelmente restritivos, só conferíveis
aos casos de nulidade parcial do registro (art 165, par. único), deven- Com isso, os exames de mérito de outros registros33 ficam aguardan-
do se regular pelo decurso de prazo assinalado no artigo 174, da LPI, do o trânsito em julgado dos anteriores para determinar sua validade.
fazendo com que o entendimento do Magistrado, ao pronunciar a Figura 4
prescrição, afigure-se como o melhor direito aplicável a controvérsia. Outros pedidos de registros sobrestados, aguardando
II - Diz o artigo 124, VI, da LPI, que os sinais de caráter genérico, trânsito em julgado da ação
comum e vulgar só não podem ser registrados como marca se tiverem
relação com o produto ou serviço a distinguir.
III – No caso, nada autoriza a conclusão de que um sinal constituído
por três listras abstratamente concebidas, apresentadas lado a lado,
com a mesma largura, distância e proporção, tenha relação com vestu-
ário em geral ou com produtos esportivos.
III - Cumprindo reconhecer que o uso maciço das três listras nas late-
rais de calças, blusas e agasalhos, associado ao famoso slogan – ADI-
DAS A MARCA DAS TRÊS LISTRAS – reforçou soberana-
Fonte: Base de Marcas do INPI.
mente a identidade da marca – fazendo com que o consumidor
começasse a perceber as três listras como verdadeiras assinaturas dos Todavia, o caso brasileiro mais antigo de marca materialmente de
produtos. posição (embora formalmente figurativo) é anterior à atual legislação
IV - De sorte que, comungo com o entendimento do Magistrado, vi- de Marcas. Depois de 29 anos34 de discussão judicial35 a Levi
sualizando distinguibilidade nas marcas da Apelada, calcadas em um Strauss (também conhecida por Levi’s) conseguiu sua primeira36
conjunto de três listras, igualmente dispostas em largura, distância e marca materialmente de posição (formalmente figurativa). Desde
proporção, reconhecendo, ainda, a impossibilidade jurídica do pedido então, já requereu outra.37 A decisão38 tomada pelo Superior Tribunal
alternativo pelas mesmas razões expostas na sentença. de Justiça - STJ é interessante, pois chega a mencionar a utilização de
V - Apelação improvida. linhas pontilhadas, que é característico dessa natureza de pedido:
33. Pedidos nº 826054986, 823362604, 826054994 e 823362612. 36. No processo judicial consta que seria o Registro 005385/79, porém tal numeração é incon-
34. Na consulta da Justiça Federal do Rio de Janeiro consta o seguinte movimento proces- sistente com o atual sistema de base de dados. O registro correto/atual é de nº 790053853.
sual na data de 17/09/1984: “Registro de Proc. Antigo”; o Acórdão do STJ foi 37. Registro nº 007178085, que protege a posição da etiqueta no bolso.
proferido em 2013, e o processo transitou em julgado em 25/03/2013. 38. STJ - AgRg no REsp: 638033 RJ 2004/0003983-5, Relator: Ministro Ricardo
35. Processo nº 0000033-13.1991.4.02.0000 Villas Bôas Cueva, Data de Julgamento: 07/02/2013, T3 - Terceira Turma, Data de
Publicação: DJe 19/02/2013

44 Revista da ABPI –  nº 148 –  Mai/Jun 2017


Sinais Distintivos Não Tradicionais: O Caso Louboutin

Figura 5 3. O caso Louboutin


Registro concedido por via judicial
Graças às conceituações e discussões anteriores, é possível, agora,
analisar a natureza jurídica da marca da Louboutin, no estudo de
seu caso mais significativo, ocorrido nos Estados Unidos.
3.1. Christian Louboutin S.A. v. Yves Saint Laurent Am.
Holding, Inc.
Antes de adentrar o caso objeto desse estudo, é importante que alguns
Fonte: Base de Marcas do INPI. fatos sejam esclarecidos e atentar que boa parte da narrativa que será
exposta, se não toda, é fruto de uma tradução livre dos documentos
Todavia, verifica-se que não pretendeu a apelante o registro como originais em inglês, que podem estar ou não em consonância com a
marca, de figura que representa a parte superior de uma calça. legislação brasileira e interpretação dos mesmos termos.
A figura da calça, apresentada em linhas pontilhadas, foi oferecida
com o pedido unicamente para mostrar em que partes dela seriam Nos Estados Unidos, as leis marcárias estão dispostas no Lanham Act.39
colocadas as marcas e sinais distintivos, quais sejam, nos bolsos trasei- Nessa lei, está disposto que designers de moda podem obter uma marca
ros, e na parte superior onde localizados os passadores de cinto. cromática se aquela cor está sendo usada num padrão ou combinação de
Essas marcas, ressalte-se, já estão registradas em nome da apelante, tonalidades de cores distintivas. Apesar disso, é a jurisprudência america-
como demonstram os documentos anexados as folhas 160 a 163, es- na que definiu as principais normas com relação a cores, especificamente
tando em vigor esses registros. através do caso Qualitex v. Jacobson em 1995, no qual a Suprema Corte
Nem na Lei nº 5.772/1971, nem na atual que disciplina a matéria americana deliberou que seria possível a existência de uma marca que
(Lei nº 9.279/1996), há proibição do registro em conjunto de marcas consista pura e simplesmente de uma cor.40 Desde 2008 a Christian
já registradas em nome da requerente. Louboutin41 possui o registro marcário42 de um solado vermelho (Utiliza-
Figura 6 se a tonalidade Pantone43 18-1663 TPX), na Classe 25.
Registro adquirido posteriormente Figura 7
Figura constante no Registro “Red Sole Mark”

Fonte: Base de Marcas do INPI. Fonte: Base de Marcas do USPTO.

39. Lanham Act, Disponível em <http://www.bitlaw.com/source/15usc/> Acesso em 1º expressões “Christian Louboutin” e “Louboutin” para se referir à empresa.
de abril de 2016. 42. Red Sole Mark USPTO Registration nº 3361597
40. Em 1995, a Suprema Corte decidiu no caso Qualitex v. Jacobson que o registro de uma 43. Pantone é a linguagem padrão para a comunicação nas fases do processo de gerencia-
marca que consista pura e simplesmente de uma cor (“registration of a trademark that mento de cores em várias indústrias. São cores prontas, ou seja, cores exatas que, há
consists, purely and simply, of a color”) é possível. mais de quarenta anos, mantêm uma alta regularidade e padrão na produção que for-
41. “Christian Louboutin” se refere tanto ao ser humano designer quanto à marca de alta mam esse sistema numérico de cores de tintas, por isso é utilizada como escala.
costura. A não ser que esteja indicado de outra forma, esse trabalho utilizará das

Revista da ABPI –  nº 148 –  Mai/Jun 2017 45


Sinais Distintivos Não Tradicionais: O Caso Louboutin

O designer, após anos trabalhando como freelancer, decide abrir sua A Yves Saint Laurent então, em sua contestação, alega que o re-
própria loja especializada em calçados de luxo e passou a laquear os gistro que ela supostamente teria violado (“Red Sole Mark”) de-
solados de seus sapatos com a cor vermelha a partir de 1992,44 o que veria ser cancelado, pois o solado não seria distintivo, possuiria
se tornou um símbolo que remetia à sua marca de calçados. características ornamentais e ser funcional, o que impossibilitaria
Em sua coleção Cruise45 de 2011, a Yves Saint Laurent, outra casa de ser passível de registro marcário, e que a Louboutin teria conse-
especializada em alta costura, relançou mais uma versão de seus sa- guido seu registro por meio de fraude. Também alegou sofrer danos
patos monocromáticos,46 entre eles quatro modelos47 inteiramente por interferências em seus negócios e concorrência desleal.
vermelhos cujo solado, segundo Christian Louboutin, lembraria sua No que corresponderia ao Juízo de primeira instância, Louboutin tem
criação por apresentar um tom de vermelho igual ou muito similar ao seus pedidos negados enquanto os da Yves Saint Laurent são atendidos.
de sua marca, tendo sido dado um maior destaque para esse aspecto Por ter dúvidas acerca da possibilidade de existência do registro
do calçado. O designer, então, entra em contato com a casa de alta marcário e se haveria de fato uma confusão entre os consumidores
costura, pedindo para que os modelos fossem retirados do mercado. de ambas as marcas acerca da origem dos sapatos, o Juiz de pri-
Em abril, após a negativa, o designer ingressou com uma ação judi- meira instância, Victor Marrero, recusou o pedido liminar e ainda
cial48 no Southern District of New York em face da Yves Saint determinou que se cancelasse o registro do designer junto ao
Laurent por violação marcária e pirataria, falsa designação de origem USPTO,51 sob o entendimento de que uma cor não poderia ser
e concorrência desleal e diluição marcária (entre outros pedidos ba- apropriada como marca no ambiente da indústria da Moda basea-
seados nas leis estatais),49 além de ter pedido uma liminar50 para que do na doutrina da Funcionalidade Estética.
a venda e marketing dos sapatos inteiramente vermelhos parasse. Em sua decisão, o juiz comparou o registro da Louboutin ao de outras
marcas do mesmo ramo, Burberry52 e Louis Vuitton,53 dizendo que as
Figura 8
mesmas possuem uma complexidade muito maior que apenas uma des-
Imagens meramente ilustrativas dos modelos dos sapatos da
Yves Saint Laurent. Em cima, os modelos “Tribute”, “Tribtoo”,
crição vaga de “solado vermelho esmaltado”. Ele também ponderou que,
“Palais” respectivamente, e, embaixo, o modelo “Woodstock” se ao laquear o solado há um aumento no custo da produção, e, portanto,
no seu preço, seria razoável dizer que ele possuiria um aspecto funcional
Sapatos monocromáticos
e não um indicador da procedência de um sapato, pois essa característica
também influenciaria em sua qualidade. Lembrou que a cor, para, por si
só, constituir uma marca, deveria possuir secondary meaning, identificar a
origem e distinguir o produto dos outros. O juízo então se voltou para o
quanto garantir a marca do solado vermelho poderia causar uma signifi-
cante obstrução para os concorrentes, enfatizando a natureza artística da
indústria da moda, e fazendo uma analogia a uma hipotética disputa entre
Picasso e Monet acerca de um tom de azul e por fim concluiu que dar o
controle de uma cor para um só artista atrapalharia as inovações no
campo da moda e traria sim prejuízos para os concorrentes.
Louboutin então recorre da decisão e alega que a Yves Saint Lau-
rent reconhece e tem conhecimento de que solados vermelhos são
sua marca registrada, e que ainda assim a copia. Afirma também
que tal atitude irá trazer confusão a seus consumidores e danos à
sua fama, e insiste que por isso a liminar deva ser concedida.
Então a Tiffany & Co.54 e a INTA,55 preocupados com o prece-
Fonte: Elaborada pela autora com imagens disponíveis na base da Google. dente aberto de que uma cor, sozinha, não poderia constituir uma

44. Informação retirada do registro do Red Sole Mark. de má-fé. Nos Estados Unidos, as marcas podem ser regulamentadas tanto por leis de
45. “Cruise” é como se chama a coleção lançada entre o inverno e a primavera, começando âmbito federal como de estadual.
a ser vendida em novembro. 50. Traduzido livremente de “Preliminary injunction”.
46. Segundo os autos processuais, este tipo de sapato faz parte de suas coleções desde 51. Escritório de Marcas e Patentes Americano (United States Patent and Trademark
1970. Office).
47. Os modelos de sapato são: “Tribute”, “Tribtoo”, “Palais” e “Woodstock”. Segundo os 52. “Burberry Check”: Registro americano nº 1241222. Burberry tem o registro desse
autos, uma versão do modelo “Tribute” todo em vermelho já havia aparecido na coleção padrão de xadrez desde 1996.
Cruise da Yves Saint Laurent em 2008. 53. LV Monogram: Registro americano nº 79062586 e 79049581.
48. Docket Nº 11-3303-cv, Christian Louboutin S.A. vs. Yves Saint Laurent Am. Holding, Inc. 54. “Tiffany (NJ) LLC” and “Tiffany and Company”, também poderão ser referidas
49. Os pedidos com base nas leis estaduais quase não diferem dos feitos com base no La- como somente “Tiffany”.
nham Act: violação de marca, concorrência desleal, diluição marcária e atos e práticas 55. Previamente já introduzida nesse trabalho.

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Sinais Distintivos Não Tradicionais: O Caso Louboutin

marca (contrariando diversas decisões), se habilitam como Amicus Satisfeita com o resultado, a Yves Saint Laurent decide não dar
Curiae na fase recursal. prosseguimento à batalha judicial, assim como a Christian Lou-
A Tiffany também é uma empresa do mercado de luxo no ramo das boutin, se encerrando, assim o litígio entre ambas, com a Yves
joalherias, famosa por suas caixas e embalagens azuis cuja tonalidade Saint Laurent podendo comercializar seus sapatos monocromáti-
lembra os ovos de um tordo-americano,56 possuindo também esse re- cos e a Christian Louboutin ter seu registro de solado vermelho.
gistro cromático 57 da tonalidade Pantone 1837. Em sua petição, sa- Em 27 de setembro de 2012, o tribunal emitiu um mandato diri-
lienta que a decisão tomada pela primeira instância contraria jurispru- gido ao USPTO para fazer a retificação apropriada no registro da
dência consolidada do Tribunal e da Suprema Corte, pois afasta a Red Sole Mark. Em 25 de janeiro de 2013, Louboutin apresen-
possibilidade de uma cor ser marca sozinha, mesmo quando conseguiu tou uma petição solicitando a modificação da redação do apostila-
desenvolver um secondary meaning, associando a tal cor a uma marca mento. Em março de 2013 teve seu pedido negado.
e mudando essa percepção se feita caso-a-caso para uma regra geral e
desnecessária. Também salientou que a funcionalidade só deve ser le- 3.2. Análise do caso
vada em consideração após resolvidas outras questões, como a possibi- Sobre as decisões, as análises serão somente sobre o que diz respei-
lidade de confusão. Pede então, que todas essas questões sejam anali- to à Propriedade Intelectual.
sadas e que as regras anteriormente consolidadas sejam reafirmadas.
Um dos pontos mais controvertidos do caso em tela foi a possibilidade
Já a INTA, apenas trata dos erros cometidos pela primeira instân- de uma cor ser objeto de um registro marcário, especialmente no meio da
cia quanto à validade da marca da Louboutin, sem entrar no mé- moda, apesar de já haver jurisprudência consolidada da Suprema Corte.
rito das acusações proferidas pelas partes de violação, ou diluição, Como já previamente relatado, o juiz de primeira instância negou sua
ou se a liminar deveria ou não ser concedida. possibilidade com base na doutrina da Funcionalidade Estética.
Pronta e novamente Yves Saint Laurent contrarrazoa que sapatos Características puramente estéticas de um produto podem ser pro-
monocromáticos são parte de um conceito consolidado desde 1970 da tegidas como marcas se elas são fonte de identificação e não funcio-
casa, e que inclusive teria utilizado sapatos com solados vermelhos nos nais. Características de produtos ou embalagens que não são pura-
oito anos precedentes à ação. Então segue para ataque às alegações da mente utilitárias, mas são esteticamente agradáveis e é um
Louboutin, INTA e Tiffany, dizendo que em momento algum o juízo ingrediente importante no sucesso comercial de um produto, não
de primeira instância teria negado que uma cor por si só não poderia são elegíveis para proteção marcária.
constituir marca. Finalmente, diz que a decisão tomada foi correta e Quando um recurso estético de um produto tem uma função não
que a Louboutin não deve obter sucesso em seus pedidos. marcária significante, o recurso não pode ser protegido como marca.
Então, o United States Court of Appeals for the Second Circuit, Isso é porque sufocaria a concorrência legítima. A significante função
órgão colegiado de segunda instância, reforma em parte a sentença não marcária de um produto estético pode ser determinada pela
proferida pelo juízo de primeira instância, ao reconhecer o secon- utilização ou finalidade do artigo, ou seu custo ou qualidade.
dary meaning da marca de Christian Louboutin, e consequente- Se for a estética que está impulsionando a decisão de compra, se a
mente seu registro, porém com um apostilamento de que tal marca própria estética é o que é a principal associação entre a cor, neste
só seria válida contra sapatos cuja parte interior da sola e/ou seu caso, e o produto, então isso é funcionalidade estética e não é
exterior contrastassem com o solado vermelho. possível obter proteção sobre ele.

56. O tordo-americano (Turdus migratorius) é um pássaro migratório presente na América 57. Registros Americanos nº 2184128, 2359351, 2416795, 2416794.
do Norte.

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Sinais Distintivos Não Tradicionais: O Caso Louboutin

Se, no entanto, há algo a mais, se a razão que motiva a compra de Se o vermelho fosse a única característica da marca, constituindo
um sapato ou o interesse nele é a associação feita mentalmente assim, marca cromática per se, a discussão deveria ter abordado o
entre este sapato e a sua fonte, causada pelo vermelho contrastante fato de que, no registro, não está delimitado qual que é o tom que
único, então ele é passível de proteção pela lei de marcas e sujeito a empresa possuiria exclusividade numa certa classe. Não há refe-
aos recursos regulares como qualquer outra marca. rência alguma à tonalidade no registro constante no USPTO,
Vermelho é uma cor popular, pessoas compram sapatos vermelhos e somente é descoberto qual é a tonalidade que a Louboutin utiliza
não os associam a nenhuma marca, nenhuma origem específica. Mas em todos os seus sapatos em fontes externas a esse registro.
o caso em tela retrata um solado vermelho. Solados vermelhos não Possivelmente o registro tenha se procedido de forma proposital, assim
representam um aspecto funcional, afinal a cor de um solado não a Louboutin gozaria de uma proteção mais ampla (em tese), pois seu
interfere trazendo benefícios ou alterações práticas para seu uso. registro abarcaria todos os tipos de vermelho – e isso sim seria um
Portanto, quando pessoas compram sapatos com solas vermelhas, problema, e acredito que foi o que tentou se discutir, só que de manei-
elas os estão fazendo por conta da reputação e tradição da marca ra torta. Se fosse o caso de uma marca cromática, também deveria se
Christian Louboutin. analisar se a tonalidade do vermelho utilizado pela Yves Saint Laurent
Ao determinar a funcionalidade da Red Sole Mark, o juízo de pri- seria a mesma tonalidade de vermelho utilizada pela Louboutin, ou
meira instância amplamente analisou o papel da cor na indústria da uma tonalidade próxima (e isso sim levaria a uma discussão interessan-
moda como um todo e não individualmente, de acordo com o fato e te, posto que não é um assunto muito discutido na doutrina).
sua situação específica apresentada no caso. Conforme dito anterior- Acredito que tal marca seja amplamente divulgada como cromática,
mente, uma característica é funcional se é essencial para a utilização apesar de claramente de posição, por tal espécie de representação
ou a finalidade do artigo ou se afeta seu custo ou qualidade. marcária ter sua origem na Europa, e, portanto, possivelmente não
Se o juízo tivesse examinado especificamente se uma sola vermelha ter um destaque ou relevância no ordenamento jurídico americano,
é essencial para o uso ou propósito de um sapato, em vez de olhar sendo abarcada por outras espécies como uma simples característica.
para saber se a cor vermelha é essencial para a indústria da moda,
ele teria descoberto que a marca não é funcional. Numa situação hipotética, transpondo o caso em tela para o ordenamen-
to jurídico brasileiro, é interessante se questionar como se sucederia.
Ademais, o tribunal cometeu deslizes ao utilizar a doutrina funcionalida-
de para analisar qual era o efeito sobre custo ou qualidade, que gerou a Conforme já foi analisado neste trabalho, é imprescindível que uma
conclusão de que a Red Sole Mark era funcional porque ela tornava o marca, para que possa pleitear um registro, seja suscetível de repre-
sapato mais caro. Acontece que o objetivo deste ponto da doutrina da sentação gráfica. A forma mais condizente com a marca em ques-
funcionalidade é criar uma proteção de modo a evitar que um concorren- tão seria a proteção por marca de posição (apesar de, por motivos
te obtenha uma vantagem injusta monopolizando um formato de maior burocráticos, ser registrada como figurativa).
custo-benefício e eficiência de produzir seus produtos. Inclusive, cabe ressaltar que, no Brasil, a Christian Louboutin possui o
Ao determinar que a Red Sole Mark é funcional porque aumenta o pedido de registro (ou registro pendente) nº 901514225 para a mesma
custo do sapato, o juízo confundiu a disposição que o público possui marca, sendo tratada como marca de posição pelo próprio INPI.
para pagar mais pela marca Louboutin, cuja origem é indicada pela Apesar de haver a possibilidade fática, seria difícil conseguir um regis-
própria Red Sole Mark, com os custos de produção de Louboutin, tro cromático, juridicamente ou até mesmo administrativamente falan-
como se a adição de um solado laqueado vermelho trouxesse um do, pois existe uma aceitação muito maior quando é um esquema de
impacto significante no preço final do produto. No entanto, como um cores, e não uma cor somente, então é compreensível tal tratamento.
par de Louboutins pode ultrapassar os U$3.000,00 (três mil dóla-
res), é forçoso afirmar que a adição do acabamento laqueado verme- Ainda assim, caso não fique claro que a proteção da cor vermelha em
lho afete o preço de forma significativa. solados é de apenas uma tonalidade específica, haveria conflitos não só
com a Yves Saint Laurent, mas também com a Carmen Steffens, que
A primeira instância também cometeu um erro ao caracterizar a
marca como uma reivindicação somente da cor vermelha, que é ocasionalmente pinta de vermelho seus solados (num tom diferente,
apenas um elemento da marca. A Red Sole Mark consiste da cor mais aberto e vibrante), assim como com diversas outras lojas.
vermelha, acabamento laqueado, posicionado na sola dos calçados,
sendo sua validade limitada por sua exata forma registrada. 3.3. Outros conflitos marcários da Louboutin
Ou seja, de acordo com o que foi previamente exposto ao longo A decisão da segunda instância foi uma das decisões mais importantes
deste trabalho, resta claro que não se trata de uma marca cromática na indústria da moda, particularmente desde que a Cour de Cassation,
e sim uma marca de posição, já que o elemento “posição” é rele- a mais alta corte de apelações da França, decidiu contra Louboutin em
vante para a marca. É possível que o revés sofrido pela Christian favor da Zara, uma varejista de mercado de massa que vende mais
Louboutin tivesse sido evitado se assim fosse tratada. barato e durante um tempo vendeu sapatos de solado vermelho.

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Sinais Distintivos Não Tradicionais: O Caso Louboutin

No caso supramencionado, Louboutin inicialmente processou a Também em 2011, quase que concomitantemente com a ação propos-
Zara em 2008 por conta da venda de um sapato peep toe que ta contra a Yves Saint Laurent, a Louboutin notifica extrajudicialmen-
possuia solado vermelho por €49 (quarenta e nove euros), pois te59 a marca brasileira Carmen Steffens na França, alguns meses de-
dizia ser semelhante ao seu modelo “Yo Yo”. A Zara, então, ale- pois dessa abrir uma loja na Rue de Grenelle, em Paris, a poucos
gou que não haveria como ter risco comprovado de confusão entre metros de distância de uma de suas lojas, apesar de, com base nos
seu calçado e os vendidos pela Louboutin. preços, ser possível presumir que elas fazem parte de segmentos distin-
O judiciário concordou com a tese da Zara, e a Louboutin inter- tos de mercado (os modelos Carmen Steffens são mais acessíveis).
pôs recurso dessa decisão. Em 2012, a Cour de Cassation, que é a A Carmen Steffens alegou que, além de não se tratar do mesmo tom
última instância de recurso, confirmou a decisão em favor da Zara de vermelho (que acompanharia o tom de um dos logos da marca),
e determinou que a Louboutin pagasse a Zara €2.500 (dois mil e os sapatos Carmen Steffens contêm solas de todas as cores, incluindo
quinhentos euros) de indenização. o vermelho, desde 1996, muito antes do registro do solado da Lou-
Em uma decisão proferida em 2011, o tribunal de apelação disse boutin, possuindo inclusive catálogos como fonte de prova. Até a
que os termos de registro da marca da Louboutin eram muito presente data, não houve uma judicialização da questão.
vagos, observando que ele não continha uma referência de cores Figura 10
Pantone para as solas vermelhas. Com tal decisão favorável à Exemplos de sapatos da marca Carmen Steffens com
Zara, Louboutin se prontificou a então modificar sua marca fran- solado colorido
cesa para citar um tom específico (Pantone 18-1663TP, “Chinese
Red”) em vez da cor vermelho em geral.
Figura 9
À esquerda, o modelo vendido na Zara, e à direita o da
Christian Louboutin

Fonte: Fashion Law Notes.60

Na Holanda, em 2013, o a Corte do Distrito de Haia confirmou


ao designer de sapatos de alta costura Christian Louboutin a pro-
Fonte: Czerwone Dywany.58

58. Disponível em <http://czerwonedywany.pl/2012/06/18/christian-louboutin-przegral-z- Louboutin-sues-second-footwear-designer-copying-signature-red-sole.html>. Acesso


zara-nie-ma-monopolu-na-czerwone-podeszwy/sporne-buty/> Acesso em maio de 2016. em 20 de junho de 2016.
59. Daily Mail. Christian Louboutin sues second footwear designer for ‘copying’ signature 60. Disponível em <http://www.fashionlawnotes.com/2012/01/battle-continues-louboutin-
red sole. Disponível em <http://www.dailymail.co.uk/femail/article-1376169/Christian- v-carmen.html> Acesso em maio de 2016.

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Sinais Distintivos Não Tradicionais: O Caso Louboutin

teção da sua marca sola vermelha na marca de maneira incidental, Cabe ressaltar que a Louboutin também possui o registro de suas
durante um processo de infração movido contra a varejista de sapa- solas vermelhas em outros lugares, como na União Europeia,
tos holandesa Van Haren Schoenen. Van Haren oferecia sapatos China, Rússia, Austrália, Ucrânia, Mônaco e Singapura.
altos de cor preta com solado vermelho de sua coleção “5th Avenue
by Halle Berry” em suas lojas e através do seu site por €39,90
(trinta e nova euros e noventa centavos). A Louboutin então move 4. Conclusões
ação de violação marcária contra a varejista (seu registro holandês Diante do exposto ao longo deste trabalho, foi possível sintetizar
é datado de 2009), com um pedido de liminar para que os sapatos importantes desenlaces.
em questão parem de ser vendidos.
Para se analisar a validade, a viabilidade registral e, em especial,
Apesar dos pedidos da varejista holandesa de que o registro do identificar a espécie marcária do solado vermelho da Christian
solado vermelho devesse ser considerado uma marca cromática Louboutin de forma mais precisa, discorreu-se sobre os requisitos
– e que, portanto, normas mais severas quanto ao registro se gerais para que um sinal seja considerado uma marca – afinal, se
aplicariam –, o juízo entendeu que se trata de uma marca híbri- não os fossem preenchidos, não haveria como se discutir sua viabi-
da: a marca seria sim uma marca cromática, mas também uma
lidade registral baseada em normas vigentes.
marca tridimensional. Também menciona na decisão que a
marca possui suficiente distintividade. O processo ainda aguar- Ao estudar os requisitos, restou clara a importância da distintividade.
da conclusão, no entanto. Ela confere registrabilidade a um sinal marcário tanto quando esta
Figura 11 nasceu com ele, quanto quando um sinal a adquire posteriormente
À esquerda, o modelo comercializado pela Christian (secondary meaning). Sem ela, não há qualquer tipo marcário.
Louboutin, e à direita, o da varejista holandesa Porém, nem todos os tipos marcários existentes são aceitos ou reco-
nhecidos ao redor do mundo, e em especial no Brasil. Cada um
possui suas próprias especificidades que podem ou não entrar em
conflito com a legislação vigente em certo território.
Foi possível perceber que a aceitabilidade dessas marcas não tradi-
cionais no Brasil é questão complexa e encontra forte resistência
por parte do INPI, já que seria necessário realizar alterações legis-
lativas, e demandaria uma regulamentação do órgão para, além de
tudo, tornar possível a análise, busca, comparação com anteriorida-
Fonte: Fashionista.61 des e arquivamento.
Apesar dessa resistência, é possível notar algumas conjunções que
Recentemente, ainda na Europa, em 2016, Louboutin também embaçam as imposições burocráticas, e possuindo o registro forma-
sofreu um revés ao tentar expandir seu registro britânico do solado to convencional, porém como materialidade não convencional,
para a Suíça.62 A Corte Federal Administrativa recusou o recurso, como os citados, ilustrados e pacíficos casos de holograma da Visa
alegando que o vermelho é apenas decorativo. O interessante nessa (Registro nº 800243056), embalagem tátil da Nestlé (Registro nº
decisão é que a Suíça é um país que admite tanto a marca cromá- 820817155), as mãos se conectando da Nokia (Registro nº
tica quanto a marca de posição. Em sua decisão, a primeira instân- 826006248), conjunto de cores apresentada de modo isolado da
cia administrativa também opinou que a cor vermelha na sola do logo da Visa (Registro nº 006088244). Não obstante, conforme
sapato seria banal e percebido como um elemento decorativo e, também foi exposto, existem alguns casos de registros conturbados,
portanto, não seria concretamente distintiva, pertencendo ao domí- concedidos por via judicial (Registro nº 790053853 da Levi’s) ou
nio público e indo na contramão de todas as outras decisões. Dessa por meio dela contestados (Registro nº 740148923, 800150350,
decisão, ainda cabe recurso. 800158393, 800158407, 800158423, 821805037, 821805045,
Como é possível perceber, ainda está longe de estar pacificada a va- 822262800 e 826054978 da Adidas).
lidade da marca da Louboutin, e, portanto, não se parte para a É necessário salientar que tal listagem e exposição de registros não
discussão acerca da materialidade de seu registro. Isso também se é exaustiva, somente traz alguns casos a título de exemplo, de modo
deve ao fato de que nem todas as marcas não tradicionais são ampla- a ilustrar a pequena, porém não menos relevante, tentativa de se
mente difundidas e aceitas (quanto à sua existência, não validade). subverter a presente burocracia impeditiva no país.

61. Disponível em <http://www.fashionista.be/vanharen-vs-louboutin/> Acesso em maio 62. International Application nº 1031242.


de 2016.

50 Revista da ABPI –  nº 148 –  Mai/Jun 2017


Sinais Distintivos Não Tradicionais: O Caso Louboutin

Foi essencial dissecar o posicionamento brasileiro quanto às marcas BARBOSA, Denis Borges. Novos Estudos em Propriedade Intelectu-
não tradicionais, já que há um pedido de registro (Pedido nº al 2011-2013. Vol. I. 1ª ed. Rio de Janeiro: Instituto Brasileiro da
901514225) do mesmo solado vermelho em andamento (até o Propriedade Intelectual, 2015.
presente momento) no INPI, o que pode levantar discussões tão _______. Marcas em movimento: proteção possível em direito brasilei-
acirradas quanto às expostas no presente estudo. ro. Revista Eletrônica do IBPI, nº 8.
Cabe aqui ressaltar que a extenuante diferenciação entre marca de _______. O fator semiológico na construção do signo marcário. 2006.
posição e marca cromática permitiu melhor identificar qual tipo Tese (Doutorado em Direito) - Universidade do Estado do Rio de
marcário seria o mais correto para designar tal sinal, assim como o Janeiro, Rio de Janeiro, 2006.
estudo dos conflitos mais relevantes que o envolveram – com o _______. Propriedade Intelectual. Disponível em <www.denisbarbosa.
devido destaque ao caso de notoriedade internacional envolvendo addr.com/ibmec4.rtf>. Acesso em 10 de janeiro de 2016.
a Yves Saint Laurent. _______. Proteção de marcas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009.
Ora, se onde se encontra o sinal vermelho de forma habitual é o BERMAN, Richard J. Color Me Bad: A New Solution to the Debate
mais relevante, e não a sua tonalidade, está claro que se trata de Over Color Trademark Registration. The George Washington Law
marca de posição e não cromática. Afinal, uma marca cromática Review. Volume 63, November 1994
seria se, por exemplo, estivesse descrito no registro uma tonalidade BRASIL. JFRJ - Sentença: 0803946-89.2011.4.02.5101, Juíza:
específica de vermelho para a classe de calçados, independente se Marcia Maria Nunes de Barros, Data da Sentença: 02/10/2013,
sua posição, ou um esquema de cores. É comum haver essa confu- 13ª Vara Federal do Rio de Janeiro, Data de Publicação:
são em países cuja possibilidade de existência de marca não é am- 08/10/2013, Disponibilização: DJe 07/10/2013.
plamente difundida. _______. STJ - AgRg no REsp: 638033 RJ 2004/0003983-5, Rela-
Portanto, não há imprecisão ao se afirmar que o Solado Vermelho tor: Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Data de Julgamento:
da Louboutin é um sinal válido, ainda que não convencional, dado 07/02/2013, T3 - terceira turma, Data de Publicação: DJe
19/02/2013.
que é uma marca de posição em sua essência, tornando-se possível
registrar aonde não houver vedação a esse tipo de registro, pois é _______. TRF2 - Acórdão: 0803946-89.2011.4.02.5101, Relator:
visualmente perceptível e se afasta da vedação do artigo 124 VII Des. Fed. Messod Azulay Neto, Data da Sentença: 30/09/2014,
por seu uso de cor de forma peculiar. Cabe apenas adequar e ob- 2ª Turma Especializada do Tribunal Regional Federal da 2ª Re-
gião, Data de Publicação: 23/02/2015, Disponibilização: DJe
servar a legislação de cada território em que se pretender realizar 20/02/2015.
o depósito.
_______. Lei nº 9.279 de 14 de maio de 1996 (Lei da Propriedade
Industrial).
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