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ADAI/LAETA
Departamento de Engenharia Mecânica
Faculdade de Ciências e Tecnologia
Universidade de Coimbra
ANÁLISE DOS INCÊNDIOS FLORESTAIS OCORRIDOS
A 15 DE OUTUBRO DE 2017
Coordenação Geral Domingos Xavier Viegas
Coordenação Técnica Domingos Xavier Viegas, Miguel Figueiredo Almeida, Luís Mário Ribeiro
Equipa de investigação Domingos Xavier Viegas, Miguel Abrantes Almeida, Luís Mário Ribeiro, Jorge
Raposo, Maria Teresa Viegas, Ricardo Oliveira, Daniela Alves, Cláudia Pinto,
André Rodrigues, Carlos Ribeiro, Sérgio Lopes, Humberto Jorge, Carlos Xavier
Viegas
Janeiro de 2019
A equipa de Investigadores e Colaboradores do Centro de Estudos
sobre Incêndios Florestais da ADAI/UC, que participou na elaboração
deste Relatório dedica este trabalho à memória de todas as pessoas
que perderam a vida nos incêndios de 15 de outubro, solidariza‐se
com os seus familiares e amigos e presta homenagem a todos os que
se esforçaram para minimizar o sofrimento das pessoas ou os danos
materiais que estes incêndios produziram
A foto que ilustra a capa deste Relatório é da autoria de Hélio
Madeiras, dos BV de Vieira de Leiria, que a cedeu para este efeito. A
foto foi tirada pelas 17.25h do dia 15 de outubro de 2017, a partir
da torre do Quartel do CB de V. de Leiria, e mostra o
desenvolvimento do incêndio originado em Burinhosa e de vários
focos secundários que dele resultaram
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Siglas e Abreviaturas
AA Área Ardida
ADAI Associação para o Desenvolvimento da Aerodinâmica Industrial
AF Asa Fixa
ANPC Autoridade Nacional de Proteção Civil
APA Agência Portuguesa do Ambiente
AR Asa Rotativa
AU Área Urbana
AVBM Avião Bombardeiro Médio
AVBP Avião Bombardeiro Pesado
BAL Bases de Apoio Logístico
BCIN Brigadas de Combate a Incêndios
BV Bombeiros Voluntários
CA Curso de Água
CADIS Comandante Operacional do Agrupamento Distrital de Operações de Socorro
CAOP Carta Administrativa Oficial de Portugal
CAS Comandante de Assistência
CB Corpo de Bombeiros
CBM Corpo de Bombeiros Municipais
CBV Corpo de Bombeiros Voluntários
CDOS Centro Distrital de Operações de Socorro
CEF Comportamento Extremo do Fogo
CEIF Centro de Estudos sobre Incêndios Florestais
CIF Complexo de Incêndios Florestais
CIM Comunidades Intermunicipais
CLC 2012 Corine Land Cover de 2012
CMA Centro de Meios Aéreos
CNOS Centro Nacional de Operações de Socorro
CODIS Comandante Distrital de Operações de Socorro
CONAC Comandante Nacional
COS Comandante de Operações de Socorro
COS 2007 Carta de Uso e Ocupação do Solo de 2007
COS 2015 Carta de Uso e Ocupação do Solo de 2015
CP Comboios de Portugal
CSP Cover, Slope and Probability
CTO Comunicado Técnico‐Operacional
DC Índice de Secura (Drought Code)
DECIF Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Florestais
DFCI Defesa da Floresta Contra Incêndios
DGT Direção Geral do Território
DON Diretiva Operacional Nacional
EAE Estado de Alerta Especial
ECIN Equipas de Combate a Incêndios
ECMWF European Centre for Medium‐Range Weather Forecasts
EDP Energias de Portugal
EIP Equipas de Intervenção Permanente
EM Estações Meteorológicas
EN Estrada Nacional
EPI Equipamento de Proteção Individual
FAP Força Aérea Portuguesa
FAO Food and Agriculture Organization of the United Nations
FC Faixa de Contenção
FCT Fundação para a Ciência e Tecnologia
FAP Força Aérea Portuguesa
FEB Força Especial de Bombeiros
FWI Índice meteorológico de perigo de incêndio (Fire Weather Index)
GIF Grandes Incêndios Florestais
GIPS Grupo de Intervenção Proteção e Socorro
GNR Guarda Nacional Republicana
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GPS Global Positioning System
GRIF Grupo de Reforço para Incêndios Florestais
GRUATA Grupo de Reforço para Ataque Ampliado
GTF Gabinetes Técnicos Florestais
HEBL Helicóptero Bombardeiro Ligeiro
HEBM Helicóptero Bombardeiro Médio
HEBP Helicóptero Bombardeiro Pesado
ICNF Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas
ICRIF Índice Meteorológico Combinado De Risco De Incêndio Florestal
IF Incêndio Florestal
INE Instituto Nacional de Estatística
INEM Instituto Nacional de Emergência Médica
IP Infraestruturas de Portugal
IPMA Instituto Português do Mar e da Atmosfera
IUF Interface Urbano Florestal (Wildland Urban Interface)
LAETA Laboratório Associado de Energia, Transportes e Aeronáutica
MAI Ministério da Administração Interna
MNDQ Mata Nacional das Dunas de Quiaios
MNU Mata Nacional do Urso
NOAA National Oceanic and Atmospheric Administration
NUTS Nomenclatura das Unidades Territoriais para Fins Estatísticos
PCO Posto de Comando Operacional
PJ Polícia Judiciária
PE Parque Eólico
PMDFCI Planos Municipais de Defesa da Floresta Contra Incêndios
PNSE Parque Natural da Serra da Estrela
PPCQM Paisagem Protegida da Costa de Quiaios‐Mira
PPSA Paisagem Protegida da Serra do Açor
PPSA Paisagem Protegida da Serra do Açor
PROF Plano Regional de Ordenamento Florestal
QA Quadro Ativo
QC Quadro de Comando
R Precipitação acumulada
REN Rede Elétrica Nacional
RCM Índice de Risco de incêndio Conjuntural e Meteorológico
RCP Região Centro de Portugal
RVF Rede Viária Florestal
SCADA Sistema de Supervisão, Controle e Aquisição de Dados (Supervisory Control and Data Acquisition)
SEPNA Serviço de Proteção da Natureza e do Ambiente
SF Sapadores Florestais
SGIF Sistema de Gestão de Informação de Incêndios Florestais
SGO Sistema de Gestão de Operações
SIG Sistema de Informação Geográfica
SIOPS Sistema Integrado de Operações de Proteção e Socorro
SIRESP Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal
SMPC Serviço Municipal de Proteção Civil
TO Teatro de Operações
UC Universidade de Coimbra
UGV Unidades de Gestão Florestal
UTC Coordinated Universal Time
VCOT Veículo de Comando Táctico
VFCI Veículos Florestais de Combate a Incêndios
VLCI Veículo Ligeiro de Combate a Incêndios
VOPE Veículos para Operações Específicas
VPCC Veículo de Planeamento, Comando e Comunicações
VTGC Veículo Tanque de Grande Capacidade
VTTU Veículos Tanque Táticos Urbanos
ZCP Zona de Cultivo/Pomares
ZPA Zona de Proteção Ambiental
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Sumário Executivo
A situação vivida em Portugal no dia 15 de outubro foi completamente excecional. Culminando um
período de seca prolongada em que o País se encontrava, na entrada para um período em que o dispositivo
operacional se encontrava parcialmente desmobilizado, um fenómeno meteorológico muito pouco usual – o
furacão Ophelia – produziu em todo o País, mas de modo especial na região central, ventos muito fortes e
secos que potenciaram as centenas de ignições que se registaram nesse dia, produzindo vários incêndios
que, no seu conjunto destruíram mais de 220 mil hectares em menos de 24 horas, o que constitui um recorde
para Portugal. Nas zonas afetadas pelos incêndios de 15 de outubro, o teor de humidade dos combustíveis
finos foi significativamente inferior a 10%, chegando mesmo a atingir valores muito próximos dos 5%,
estando assim criadas condições de perigo extremo de incêndio.
Consideramos que alguns dos incêndios foram causados por reativações de focos de incêndio pré‐
existentes e que não haviam sido devidamente vigiados durante o dia 15. Houve, no entanto, muitas ignições
resultantes de queimas e queimadas, causadas por pessoas que as realizaram pela necessidade de eliminar
vegetação ou resíduos de atividades agrícolas, na convicção de que haveria de ocorrer chuva, como fora
anunciado, e de facto ocorreu, mas apenas no final do dia 16.
Desta situação resultaram sete complexos principais de incêndios, produzidos por uma ou mais ignições,
que se propagaram de forma contínua principalmente no dia 15 e parte do dia 16, que estudámos
detalhadamente neste Relatório. Cinco deles causaram, no seu conjunto, 51 vítimas mortais e todos
produziram uma devastação ambiental e patrimonial como nunca se havia visto em Portugal.
A definição rígida de períodos de risco de incêndio, baseadas em datas do calendário, sem tomar em
conta as alterações sazonas da meteorologia e uma preocupação com a contenção de despesas terá levado
a reduzir o dispositivo operacional, sem prestar a devida atenção ao risco extremo de incêndio que estava
previsto com alguns dias de antecedência. Esta falta de recursos ter‐se‐á sentido sobretudo na ausência de
uma vigilância mais reforçada, que reduzisse o número de ignições, pelo menos no dia 15, que deram origem
ao registo de 517 ocorrências.
É duvidoso que a existência de mais recursos operacionais, incluindo meios aéreos, pudesse ter feito
uma grande diferença, perante o número e violência dos incêndios ocorridos. Como se disse poderiam ter
feito alguma diferença se tivessem contribuído para reduzir o número de ocorrências e conseguido extinguir
a maioria dos incêndios na sua fase inicial. Com as condições de vento que existiram – induzidas pela
passagem do furacão – quando os incêndios se encontravam desenvolvidos, era virtualmente impossível
enfrentar o fogo em segurança. A própria tarefa de defender pessoas e bens foi limitada pela dificuldade de
gerir os recursos e de os colocar onde fossem requeridos, pela inviabilidade de muitos percursos.
Considera‐se a inexistência de vítimas entre as forças de proteção civil como algo extremamente
positivo, o que deve encorajar todos os envolvidos na estratégia de sensibilização e formação no sentido de
um combate eficaz, mas seguro. O mesmo não se pode dizer, infelizmente, em relação à população civil,
tendo que se lamentar o importante número de 51 vítimas mortais nos incêndios de outubro. Tendo em
conta a extensão e violência destes incêndios, em comparação com o de Pedrogão Grande, podemos
considerar que terá havido algumas lições aprendidas, mas não podemos deixar de apontar a existência,
ainda, de um grande número de falhas. Talvez mais ainda do que os incêndios de junho, estes incêndios
puseram em evidência o potencial de destruição maciça de vidas humanas que os incêndios florestais têm.
Os incidentes que relatámos, associados aos meios de transporte público e às rodovias, mostram que existem
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ainda diversos sistemas, utilizados por um grande número de pessoas, que não estão devidamente
preparados para prevenir incidentes relacionados com os incêndios florestais e para os gerir, sobretudo na
componente de comunicação com o público.
Embora não seja de excluir a ação dolosa na origem de um grande número de ignições, parece estar
estabelecido que muitas delas se deveram, como se disse, a queimas e queimadas intencionais, com fins de
eliminação de combustíveis ou de resíduos de operações agrárias. Não podemos deixar de referir a origem
do incêndio de Lousã, que de acordo com os dados de que dispomos, estará associada à linha elétrica de
15kV, gerida pela EDP perto da localidade de Prilhão. A ocorrência de ventos fortes, como os do dia 15 de
outubro, elevam significativamente a probabilidade de ocorrência deste tipo de acidentes. Tal como
sucedera no incêndio de Pedrógão Grande este incidente constitui mais uma chamada de atenção para as
entidades gestoras ou reguladoras de infraestruturas implantadas nos espaços rurais, como é o caso da EDP,
REN, IP, CP/REFER, ANACOM, para a necessidade de gerirem adequadamente esses espaços para que as
respetivas infraestruturas não constituam uma ameaça para a floresta e também para que estejam
devidamente protegidas em caso de um incêndio florestal.
Cada um dos sete CIF foi objeto de um estudo cuidadoso, baseado numa vasta recolha de dados no
terreno, que nos permitiu inventariar os diversos focos que estiveram na origem de cada um, o modo como
se deu a sua propagação, a resposta operacional que tiveram e o modo como afetaram os territórios em que
se desenvolveram. Este conjunto de dados permitiu‐nos compreender melhor o papel dos vários fatores que
condicionam o comportamento do fogo e identificar modos de propagação dinâmica do fogo, que podem
eventualmente estar associados ao comportamento extremo do fogo, que a nossa equipa tem estudado. A
vasta informação recolhida será explorada em trabalho futuro, tendo em vista aprofundar o conhecimento
destes fenómenos e proporcionar um melhor suporte à tomada de decisões.
Os sete CIF estudados foram os de Seia (17,00 kha), Lousã (54,41 kha), Oliveira do Hospital (51,43 kha),
Sertã (30,98 kha), Leiria (20,01 kha), Quiaios (23,84 kha) e Vouzela (15,96 kha).
As fatalidades registadas entre a população civil evidenciam a necessidade de se criar mais e melhor
prevenção de incêndios, mais e melhores programas de sensibilização e de apoio à população, com vista a
melhorar a sua segurança. Saúda‐se o programa “Aldeia Segura, Pessoas Seguras” que o Governo lançou,
assim como as medidas de gestão de combustível em torno das casas, mas reconhece‐se que há um trabalho
muito amplo a realizar para tornar as comunidades mais resilientes e aptas para se defender dos efeitos do
fogo, mesmo sem o apoio de entidades operacionais. O facto de nestes incêndios terem morrido
relativamente menos pessoas em fuga, ou fora de casa, deveu‐se certamente à perceção, por parte da
população da mensagem que a nossa equipa tem vindo a difundir ‐ reforçada pela experiência de PG – de
que não se deve sair de casa à última hora e com o fogo por perto. Nestes casos, com respeito pelas
indicações das autoridades, é preferível permanecer em casa e procurar defendê‐la desde que em segurança.
É igualmente importante identificar antecipadamente, em cada aldeia ou lugar, locais ou casas seguras, que
possam servir de refúgio ou abrigo, para moradores ou visitantes, em caso de incêndio.
A rapidez com que a maioria dos grandes incêndios progrediram constituiu um elemento de surpresa,
tanto para os operacionais como para a população, mesmo para pessoas que tinham uma longa experiência
dos incêndios. Verificou‐se que em muitos casos faltou não apenas uma informação sobre o comportamento
geral dos incêndios junto da população, como também uma capacidade de avaliação do seu comportamento
local, por exemplo em encostas e desfiladeiros. Este facto esteve associado a vários acidentes fatais. Houve
muitas situações em que, apesar das dificuldades, se poderia ter feito melhor na comunicação com a
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população e no apoio às mesmas. Uma vez mais, tal como sucedera em PG, registámos falhas no socorro
médico.
O facto de que uma parte importante da propagação do incêndio ter ocorrido durante a noite de 15
para 16, contribuiu para que muitas pessoas tivessem sido surpreendidas pelo fogo quando já estavam
recolhidas em casa e a dormir. Esta circunstância deu muito pouco tempo de reação para a maioria das
pessoas e, como se viu, no relato dos casos (Capítulo 4), terá havido um número importante de vítimas que
não tiveram sequer tempo para sair dos respetivos quartos. Ao permanecerem passivas perante o começo
do incêndio na casa, com a entrada de fumos, ficaram incapacitadas para promover estratégias de
sobrevivência.
A prática, que tem sido implementada pelas autoridades, de ordenar evacuações maciças de aldeias e
lugares ameaçados, embora possa ser justificável numa perspetiva de salvaguarda de vidas, pode ser errada
se não estiver bem planeada e não for executada com muita antecedência. Por outro lado, a opção de
permitir que membros devidamente identificados da população possam permanecer nos lugares em que
vivem, de forma organizada e suportada, pode contribuir muito para a salvaguarda do património e
consequentemente para reduzir a pressão sobre as entidades operacionais.
O conjunto dos incêndios ocorridos em 15 de outubro causou danos ambientais, no património edificado
e noutros bens materiais, numa escala nunca antes vista em Portugal. Embora reconheçamos o evidente
interesse que havia em analisar e avaliar o impacto do fogo nas habitações, verificámos que a extensão e o
grau de destruição das habitações nestes incêndios, estava para além da nossa capacidade de estudar este
problema em tempo útil. Optámos assim por estudar o impacto dos incêndios nas áreas industriais, que
foram como que uma imagem de marca destes incêndios. Analisámos, neste âmbito, seis concelhos de seis
dos principais CIF que estudámos, os quais, segundo os dados da CCDR‐Centro de 2 de outubro de 2018,
tiveram mais de 278 empresas total ou parciamente destruídas, correspondendo a cerca de 2974 postos de
trabalho, com prejuízos diretos de financiamento elegível que ascendeu aos 90MEur. Visitámos 140
empresas e verificámos que a larga maioria delas não possuía seguro, não dispunham de sistemas de
proteção contra incêndios vindos do exterior e as próprias zonas industriais, muitas vezes promovidas pelas
autarquias, como forma de atrair e fixar recursos humanos produtivos nos seus territórios, não respeitavam
as regras mínimas de gestão da envolvente florestal. Embora muitas infraestruturas industriais estivessem
diretamente expostas às chamas produzidas por vegetação, que por vezes se encontrava a menos de 2m da
sua periferia, devemos reconhecer que em muitos casos foram projeções de curta e média distância que
contribuíram para a completa destruição de alguns parques empresariais.
Considera‐se que entre junho e outubro de 2017 não terá havido muito tempo para que as entidades
constituintes do Sistema Nacional de Defesa da Floresta Contra os Incêndios tenham alterado os seus
procedimentos, incorporando as lições e as recomendações retiradas dos incêndios de PG e outros, que
foram objeto de análise em diversas sedes, nomeadamente em Viegas et al. (2012), Viegas et al. (2013),
Viegas et al. (2017) e Comissão Técnica Independente (2017). Consideramos por isso ser válido e aplicável,
na sua maioria, o conjunto de comentários e recomendações que ali foram apresentados. Resumimos, no
entanto, aqui algumas das lições que nos parecem ser específicas deste conjunto de incêndios.
Não podemos deixar de reafirmar a nossa posição relativamente à inoperância do ICNF, enquanto pilar
fundamental de todo o sistema de DFCI, na tutela da floresta nacional, no fomento de campanhas de
sensibilização, na gestão das faixas de descontinuidade de combustível e na proteção das áreas florestais que
tem a seu cargo. A destruição de uma parte importante do Pinhal de Leiria, que se encontrava sob gestão do
ICNF, constituiu o corolário do abandono a que a sua gestão fora votada ao longo das últimas décadas.
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A ANPC teve de enfrentar nestes incêndios um desafio para o qual dificilmente poderia estar preparada.
Com alguma complacência das autoridades de tutela, não tomou as medidas que se impunham para preparar
o sistema e o País para enfrentar uma ameaça de efeito dominó que a ocorrência do furacão Ophelia
representava. Voltou a sentir‐se a necessidade de o País dispor de um conjunto mais alargado de Bombeiros
profissionalizados e qualificados, que assegurassem uma disponibilidade mais permanente, com
independência das datas de calendário, para apoiarem a população em situações de crise como a dos
incêndios de 15 de outubro.
As autarquias, incluindo ao nível das Juntas de Freguesia, tiveram um papel de intervenção e apoio muito
importante, dada a sua proximidade relativamente à população. Dada a extensão e violência dos incêndios,
a população encontrou‐se rapidamente na primeira linha dos incêndios, sem grande apoio externo. Estas
circunstâncias reafirmaram a necessidade de preparar as populações para ser autossuficientes no caso de
incêndios de grandes dimensões, que infelizmente, presumimos que tenderão a ser cada vez mais
frequentes.
Não pudemos acompanhar no detalhe as atividades de recuperação das áreas ardidas, nas suas diversas
componentes, incluindo a social. Não podemos deixar de referir que a experiência infeliz de gestão dos
donativos da população que se reunira após o incêndio de PG, levou a que nos incêndios de 15 de outubro,
movimentos similares que surgiram tiveram uma expressão incomparavelmente menor.
Reiteramos a necessidade de fomentar o melhor conhecimento científico e técnico dos diversos e
complexos problemas que se colocam na gestão dos incêndios florestais e, em particular, nos que podem
ocorrer em circunstâncias como as de 15 de outubro. Saudamos por isso como sendo um sinal muito positivo
a criação de um programa nacional de investigação que a FCT lançou, embora possamos discordar do formato
que o mesmo tem. Consideramos ser igualmente muito positiva a iniciativa de lançar um laboratório
colaborativo da floresta e do fogo.
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Executive Summary
The situation of forest fire occurrence and spread in Portugal on October 15th. of 2017 was completely
exceptional. The country was experiencing a prolonged drought, a period when the operational structure
was already partially demobilized, a very unusual meteorological phenomenon – the Hurricane Ophelia –
that was felt throughout the country, but especially in the central region, very strong and dry winds that
boosted the hundreds of ignitions that occurred on that day, producing several fires that together destroyed
more than 220 thousand hectares in less than 24 hours, which is a record for Portugal. In the areas affected
by the fires of October 15, the moisture content of the fine fuels was significantly lower than 10%, even
reaching values close to 5%, thus creating extreme fire hazard conditions.
We believe that some of the fires were caused by pre‐existing fire flares that had not been properly
monitored during the previous day. However, there were many ignitions resulting from agricultural residues
burnings, caused by people who performed them due to the need to eliminate vegetation or residues from
agricultural activities, in the belief that rain would occur, as had been announced, and in fact, occurred, but
only at the end of the 16th.
From this situation resulted seven major fire complexes, produced by one or more ignitions, which
propagated continuously, mainly on the 15th and part of the 16th, that we studied in detail in this Report.
Five of them together caused 51 fatalities and all produced an environmental and property devastation like
was never seen before in Portugal.
The strict definition of fire risk periods, based on calendar dates, without taking into account the seasonal
changes in the weather and a concern with the containment of expenditure, led to a reduction of the
operational structure, without paying due attention to the extreme fire risk that was forecasted a few days
in advance. This lack of resources was felt especially in the absence of more vigilance, which could have
reduced the number of ignitions, at least on the 15th, which led to the registration of 517 occurrences.
It is doubtful that the existence of more operational resources, including air resources, could have made a
great difference, given the number and violence of the fires. As mentioned they could have made some
difference if they had contributed to reduce the number of occurrences and managed to extinguish most
fires in their early stages. With the wind conditions that existed ‐ induced by the passage of the hurricane ‐
when the fires were developed, it was virtually impossible to fight the fire safely. The task of defending people
and property was limited by the difficulty of managing resources and placing them where they were required,
because of the infeasibility of many paths.
The absence of victims among the civil protection forces is considered extremely positive, which should
encourage all those involved in the awareness‐raising and training strategy towards effective but safe
combat. The same cannot be said, unfortunately, about the civilian population, having to regret the large
number of 51 fatalities in the fires of October. Considering the extent and violence of these fires, compared
to that of Pedrógão Grande, we may consider that there have been some lessons learned, but we cannot fail
to point out the existence of a large number of flaws. Perhaps even more than the fires of June, these fires
exposed the potential for massive destruction of human lives that forest fires have. The accidents and
incidents that we reported, associated with means of public transport and highways, show that there are still
many systems, used by a large number of people, who are not properly prepared to prevent incidents related
to forest fires and to manage, in particular the component of communication with the public.
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Although not excluding arsonist action at the origin of a large number of ignitions, it seems that many of
them were due, as stated, to the intentional agricultural residues burning with the purpose of disposing
accumulated fuel or agricultural waste. We cannot fail to mention the origin of the Lousã fire, which,
according to the available data, it will be associated with the 15kV power line, managed by EDP near the
town of Prilhão. The occurrence of strong winds like the ones related on October 15th significantly increases
the probability of occurrence of such accidents. As happened in the fire of Pedrógão Grande (PG), this
incident is a reminder for the management or regulatory entities of infrastructures established in rural areas,
such as EDP, REN, IP, CP / REFER, ANACOM, for the need to properly manage these areas so that their
infrastructure does not constitute a threat to the forest and also to ensure that they are adequately protected
in the event of a forest fire.
Each one of the seven CIFs was subject of a careful study, based on a vast collection of data on the ground,
which allowed us to inventory the different sources that were the origin of each one, how it spread, the
operational response they had and how they affected the territories in which they developed. This dataset
allowed us to better understand the role of the several factors that determine fire behaviour and to identify
ways of fire dynamic propagation that may be associated with the extreme fire behaviour that our team has
studied. The vast information collected will be explored in future work, in order to deepen the knowledge of
these phenomena and to provide better support to the decision‐making.
The seven CIFs studied were Seia (17.00 kha), Lousã (54.41 kha), Oliveira do Hospital (51.43 kha), Sertã (30.98
kha), Leiria (20.01 kha), Quiaios (23.84 kha) and Vouzela (15.96 kha).
The fatalities among the civilian population highlight the need to create more and better fire prevention,
more and better awareness programs and support to the population, with a view to improving their safety.
The "Aldeia Segura, Pessoas Seguras" program that the Government has launched, as well as measures of
fuel management around houses, is acknowledged, but there is a very broad work to be done to make
communities more resilient and apt to defend themselves from the effects of the fire, even without the
support of operational entities. The fact that in these fires we had relatively less people dying on the run, or
away from home, certainly due to the perception, by the population of the message that our team has been
spreading ‐ reinforced by PG experience ‐ that one should not leave the house at the last minute and with
the fire nearby. In these cases, with respect to the authorities' indications, it is preferable to remain at home
and seek to defend it as long as it is safe. It is also important to identify in advance, in each village or town,
safe places or homes that can serve as a refuge or shelter for residents or visitors during a fire event.
The speed with which most of the major fires progressed was an element of surprise for both operational
personnel and population elements, even to people who had had a long experience of fires. It was found that
in many cases not only information on the general behaviour of fires lacked in the population but also an
ability to assess their local behaviour, for example on slopes or canyons. This fact was associated with several
fatal accidents. There were many situations in which, despite the difficulties, communication and support to
the population could have been made better. Once again, as in PG, we recorded failures in medical assistance.
The fact that a significant part of the spread of the fire occurred during the night from 15th to 16th,
contributed to many people having been caught by the fire when they were at home and sleeping. This
circumstance gave very little reaction time to most people and, as it turned out, in the reporting of cases
(Chapter 4), there was a significant number of victims who did not even have time to leave their rooms. By
remaining passive before the start of the fire in the house, with the entry of smoke, they were unable to
promote survival strategies.
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The practice, which has been implemented by the authorities, of ordering massive evacuations of threatened
villages and places, while it may be justifiable in a life‐saving perspective, may be wrong if it is not well
planned and not executed well in advance. On the other hand, the option to allow properly identified
members of the population to remain in the places where they live, in an organized and supported way, can
greatly contribute to the safeguarding of assets and consequently to reduce the pressure on operating
entities.
All the fires that occurred on October 15 caused environmental damage in the built heritage and other
material assets, on a scale never seen before in Portugal. While we recognize the obvious interest in analysing
and evaluating the impact of fire on homes, we found that the extent and degree of destruction of homes in
these fires was beyond our ability to study this problem in a timely manner. For that reason, we chose to
study the impact of fires in business and industrial areas, which is a brand image of these fires. In this context,
we analysed six municipalities of six of the main CIFs that we studied, which, according to the data from
CCDR‐Centro of October 2 of 2018, had more than 278 companies totally or partially destroyed,
corresponding to about 2974 jobs, with direct losses of eligible financing amounting to EUR 90 million. We
visited 140 industries and found that the vast majority of them did not have insurance, did not have
protection systems for fires coming from outside. The industrial areas themselves, often promoted by local
authorities, as a means of attracting and securing productive human resources in their territories, did not
comply with the minimum rules for the management of the forest environment. Although many industrial
infrastructures were directly exposed to the flames, produced by vegetation, which was sometimes less than
2m from its periphery, we must recognize that in many cases it was mostly short‐ and medium‐distance
projections that contributed to the complete destruction of some business areas.
It is considered that between June and October 2017 there was not much time for the agents of the National
Forest Fire Protection System to change their procedures, incorporating the lessons and recommendations
drawn from the fires of PG and others, which were analysed in several venues, namely in Viegas et al. (2012),
Viegas et al. (2013), Viegas et al. (2017) e Comissão Técnica Independente (2017). We consider that the
majority of the comments and recommendations presented there are valid and applicable. We summarize,
however, here some of the lessons that seem to us to be specific to this set.
We cannot fail to reaffirm our position regarding the failure of the ICNF as a fundamental pillar of the whole
DFCI system, in the protection of the national forest, in the promotion of awareness campaigns, in the
management of fuel discontinuities and in the protection of forestry areas that are in its charge. The
destruction of an important part of the historical Leiria pine forest, which was under the management of the
ICNF, constituted the corollary of the abandonment to which its management had been voted over the last
decades.
The ANPC had to face in these fires a challenge for which it could hardly be prepared. With some complacency
of the authorities, it did not take the necessary measures to prepare the system and the country to face a
threat of domino effect that the occurrence of Hurricane Ophelia represented. There was again a need for
the country to have a wider range of professional and qualified firefighters to ensure a more permanent
availability, independent of the calendar dates, to support the population in crises situations such as the fires
of October 15th.
The municipalities, including at the level of the Town Councils, played a very important role of support and
protection, given their proximity to the population. Given the extent and violence of the fires, the population
was quickly in the front line of the fires, without great external support. These circumstances have reaffirmed
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the need to prepare populations to be self‐sufficient in the event of large‐scale fires, which, unfortunately,
we assume that it will tend to be more and more frequent.
We were not able to follow in detail the activities of recovery of the burned areas, in its various components,
including in the social. We have nevertheless to mention that the unfortunate experience of managing the
donations of the population that was gathered after the fire of PG led to similar incomprehensible
performance in the fires of October 15th.
We believe that it is necessary to foster the best scientific and technical knowledge of the many complex
problems involved in the management of forest fires and in particular those that may occur in circumstances
such as on 15th. October. We, therefore, welcome the creation of a national research program that was
launched by FCT, although we may disagree with the format it has. We also welcome the initiative to launch
a collaborative forest and fire laboratory.
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Índice
Siglas e Abreviaturas ......................................................................................................................................... 5
Sumário Executivo ............................................................................................................................................. 7
Executive Summary ......................................................................................................................................... 11
Índice ............................................................................................................................................................... 15
1. Introdução Geral ...................................................................................................................................... 19
Enquadramento ............................................................................................................................... 20
Equipa de Investigação .................................................................................................................... 22
2. Condições ambientais e operacionais ..................................................................................................... 27
Descrição do Território .................................................................................................................... 27
Solos ......................................................................................................................................... 27
Orografia .................................................................................................................................. 29
Ocupação do solo .................................................................................................................... 32
Áreas protegidas ou geridas pelo Estado ................................................................................ 35
Histórico de incêndios ............................................................................................................. 37
Condições Climáticas e Meteorológicas .......................................................................................... 39
Caracterização climatológica ................................................................................................... 40
Perigo de incêndio ................................................................................................................... 41
2.2.2.1. Índice meteorológico de perigo de incêndio florestal – Fire Weather Index (FWI) ........ 41
2.2.2.2. Nível de perigo de incêndio florestal ............................................................................... 42
Caracterização meteorológica ................................................................................................. 46
2.2.3.1. Furacão Ophelia ............................................................................................................... 47
Parâmetros de superfície: temperatura, humidade relativa e vento ...................................... 48
2.2.4.1. Análise de dados das estações meteorológicas .............................................................. 49
2.2.4.2. Análise de dados de parques eólicos ............................................................................... 55
2.2.4.3. Análise geral (parâmetros de superfície) ......................................................................... 59
Humidade dos combustíveis ........................................................................................................... 61
Evolução do teor de humidade de combustíveis finos na Lousã ............................................ 61
Previsão do teor de humidade dos combustíveis finos mortos .............................................. 65
Condições Operacionais .................................................................................................................. 69
Dispositivo operacional previsto ............................................................................................. 69
Pedido de reforço de meios .................................................................................................... 71
Avisos e Alertas ........................................................................................................................ 71
2.4.3.1. Perigo de Incêndio Florestal ............................................................................................ 71
2.4.3.2. Avisos meteorológicos ..................................................................................................... 74
Análise geral ............................................................................................................................ 74
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3. Principais incêndios e resposta operacional ........................................................................................... 77
Complexo de incêndios de Seia ....................................................................................................... 78
Alerta e causa de incêndio....................................................................................................... 78
Propagação inicial do fogo e ataque inicial ............................................................................. 78
Desenvolvimento do incêndio ................................................................................................. 81
Análise da resposta operacional .............................................................................................. 84
Complexo de incêndios da Lousã .................................................................................................... 85
Alerta e causa de incêndio....................................................................................................... 86
Propagação inicial do fogo e ataque inicial ............................................................................. 89
Desenvolvimento do incêndio ................................................................................................. 91
Análise da resposta operacional .............................................................................................. 93
Complexo de incêndios de Oliveira do Hospital .............................................................................. 94
Alerta e causa dos incêndios ................................................................................................... 95
Propagação inicial do fogo e ataque inicial ............................................................................. 98
Desenvolvimento do incêndio ............................................................................................... 102
Análise da resposta operacional ............................................................................................ 104
Complexo de incêndios da Sertã ................................................................................................... 106
Alerta e causa de incêndio..................................................................................................... 106
Propagação inicial do fogo e ataque inicial ........................................................................... 107
Desenvolvimento do incêndio ............................................................................................... 110
Análise da resposta operacional ............................................................................................ 119
Complexo de incêndios de Leiria ................................................................................................... 120
Alerta e causa de incêndio..................................................................................................... 121
Propagação inicial do fogo e ataque inicial ........................................................................... 122
Desenvolvimento do incêndio ............................................................................................... 124
Análise da resposta operacional ............................................................................................ 129
Complexo de incêndios de Quiaios ............................................................................................... 131
Alerta e origem do incêndio .................................................................................................. 131
Propagação inicial do fogo e ataque inicial ........................................................................... 132
Desenvolvimento do incêndio ............................................................................................... 133
Análise da resposta operacional ............................................................................................ 137
Complexo de incêndios de Vouzela ............................................................................................... 138
Alerta e causa de incêndio..................................................................................................... 139
Propagação inicial do fogo e ataque inicial ........................................................................... 140
Desenvolvimento do incêndio ............................................................................................... 143
Análise da resposta operacional ............................................................................................ 145
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Análise integrada do comportamento do fogo ............................................................................. 147
Análise integrada da resposta operacional ................................................................................... 150
4. Os acidentes pessoais ............................................................................................................................ 157
Introdução ..................................................................................................................................... 157
Organização e Tipologia de Acidentes ........................................................................................... 157
Relato dos Acidentes ..................................................................................................................... 160
Incidentes ...................................................................................................................................... 161
Empresa de transporte coletivo de passageiros – Relatos de três motoristas ..................... 162
4.4.1.1. Autocarro da Sucursal da Guarda .................................................................................. 162
4.4.1.2. Autocarro da Sucursal de Coimbra ................................................................................ 163
4.4.1.3. Autocarro da Sucursal de Viseu ..................................................................................... 166
4.4.1.4. Recomendações a ter em conta para o futuro .............................................................. 169
Concessionária de vias terrestres .......................................................................................... 169
Empresa ferroviária ............................................................................................................... 172
Análise global ................................................................................................................................. 174
5. Impactos dos incêndios ......................................................................................................................... 177
Impacto geral ................................................................................................................................. 177
Introdução ............................................................................................................................. 177
Impacto do fogo .................................................................................................................... 178
Impacto nas indústrias .................................................................................................................. 181
Apoios concedidos às empresas afetadas ............................................................................. 182
Complexo de incêndios: Seleção de pontos a visitar e obtenção de dados .......................... 183
Instalações industriais de Seia ....................................................................................................... 187
Caracterização das infraestruturas e meio envolvente ......................................................... 188
Impacte após o incêndio........................................................................................................ 190
Instalações industriais de Tondela (CIF Lousã) .............................................................................. 191
Caracterização das infraestruturas e meio envolvente ......................................................... 192
Impacte após o incêndio........................................................................................................ 195
Instalações industriais de Oliveira do Hospital .............................................................................. 197
Caracterização das infraestruturas e meio envolvente ......................................................... 198
Impacte após o incêndio........................................................................................................ 201
Instalações industriais de Pampilhosa da Serra (CIF Sertã) ........................................................... 204
Caracterização das infraestruturas e meio envolvente ......................................................... 204
Impacte após o incêndio........................................................................................................ 207
Instalações industriais de Mira (CIF Quiaios) ................................................................................ 208
Caracterização das infraestruturas e meio envolvente ......................................................... 208
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Impacte após o incêndio........................................................................................................ 211
Instalações industriais de Oliveira de Frades (CIF Vouzela) .......................................................... 214
Caracterização das infraestruturas e meio envolvente ......................................................... 214
Impacte após o incêndio........................................................................................................ 218
Análise integrada do impacte nas empresas ................................................................................. 219
Impacte após o incêndio........................................................................................................ 224
6. Recomendações .................................................................................................................................... 231
Introdução ..................................................................................................................................... 231
Notas e Recomendações Preliminares .......................................................................................... 231
Sistema operacional ...................................................................................................................... 234
Proteção das populações ............................................................................................................... 239
Outros elementos expostos ao fogo ............................................................................................. 242
Responsabilidades ......................................................................................................................... 243
7. Conclusão .............................................................................................................................................. 247
8. Agradecimentos e contactos ................................................................................................................. 251
9. Referências bibliográficas ...................................................................................................................... 255
10. Anexos ............................................................................................................................................... 259
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1. Introdução Geral
O conjunto dos incêndios que se desenvolveu no território de Portugal Continental nos dias 14, 15 e 16
de outubro de 2017 constituiu um dos eventos mais significativos e graves desde que há registo em Portugal
nesta matéria. A área percorrida pelos incêndios, num período de poucas horas, foi superior a duzentos mil
hectares, atingindo praticamente todo o Centro de Portugal, desde o litoral até à fronteira com Espanha
(Figura 1). Nestes incêndios registou‐se a perda de 51 vidas, para além de muitos outros danos materiais e
imateriais, que são incalculáveis.
Figura 1 – Incêndios no território de Portugal continental de 14 a 16 de outubro
Sem prejuízo da consideração de outros fatores condicionantes, a gravidade destes incêndios deveu‐se
em grande parte à ocorrência do furacão Ophelia. Num período de seca extrema que Portugal atravessava,
esta tempestade produziu no território do Continente um vento proveniente de Sul, com elevada
turbulência, muito seco e quente, que causou o reacendimento de vários focos de incêndio e queimadas,
que haviam sido dadas como extintas nos dias anteriores. A previsão de chuva que deveria ocorrer nos dias
seguintes, motivou muitas pessoas a realizar queimas e queimadas, dado que se estava a sair do período
crítico de incêndios. Foi assim registado um número recorde de 532 ignições no dia 15 de outubro, que estava
muito acima da capacidade de resposta de um sistema de combate que havia sido reduzido desde o final de
setembro.
Embora alguns dos incêndios reportados neste Relatório se tenham iniciado antes do dia 15 de outubro,
e muitos deles tenham continuado a progredir nos dias seguintes, ficou marcado na memória coletiva o dia
15 de outubro como sendo o que assinala a ocorrência desta tragédia. Por este motivo iremos designar, neste
CEIF/Universidade de Coimbra 19
Universidade de Coimbra Análise dos IF ocorridos a 15 de outubro de 2017
Relatório, o conjunto dos incêndios reportados, como sendo os do dia 15 de outubro de 2017, ou
simplesmente de 15 de outubro.
Na sequência dos graves incêndios florestais que deflagraram nesse dia, o Governo solicitou, uma vez
mais, por intermédio do Ministério da Administração Interna, à equipa do Centro de Estudos sobre Incêndios
Florestais, da Universidade de Coimbra, a preparação e apresentação de um estudo com a análise dos factos
mais relevantes ocorridos nestes incêndios, com particular ênfase para:
• O estudo das condições climáticas, meteorológicas e operacionais em que se desenvolveram os
múltiplos incêndios ocorridos no centro de Portugal nos dias 15 e 16 de outubro, a sua caracterização
geral, em termos de número, localização, área afetada, causalidade, meios disponíveis e utilizados e
principais danos causados.
• O estudo do comportamento de um conjunto selecionado de incêndios que permita caracterizar os
principais processos físicos e fenómenos ocorridos nesses dias, em particular os que estiveram
associados aos danos pessoais e, em concreto, com a perda de vidas, com a análise do desempenho
das principais entidades operacionais.
• O estudo dos acidentes pessoais associados direta ou indiretamente a estes incêndios, com relato
dos mesmos e propostas de recomendações para melhoria da situação.
Atendendo à extensão territorial dos incêndios, à sua gravidade e complexidade, solicitámos ao Governo
um prazo estendido de tempo para podermos realizar o trabalho de campo, a recolha e análise de dados
para podermos completar o nosso estudo. Chegando ao termo desse prazo reconhecemos que apesar do
intenso trabalho desenvolvido pela nossa equipa de investigação, com o apoio de um grande número de
entidades e de pessoas singulares, muito ficou por fazer, para poder proporcionar ao País uma análise
completa e aprofundada dos importantes eventos ocorridos nos incêndios de 15 de outubro. Estamos, no
entanto, cientes de que conseguimos reunir um conjunto de dados que reportam o que considerámos ser
mais importante para facultar a País a compreensão dos principais factos relacionados com estes graves
incêndios.
1.1. Enquadramento
No dia 15 de outubro de 2017 registou‐se um total de 532 ocorrências, destas apenas um pequeno
número evoluiu para grandes IF provocando um total de 51 vítimas mortais, centenas de feridos entre graves
e ligeiros, com sérios impactes sociais e económicos, e uma destruição ambiental e patrimonial,
nomeadamente em áreas de Interface Urbano Florestal (IUF) e industrial, numa escala nunca antes registada
em Portugal. Do conjunto de IF registados neste período, trataremos neste relatório com detalhe os sete
principais complexos de incêndios florestais (CIF) registados. São eles, por ordem de hora de ocorrência, o
complexo de IF de Seia, Lousã, Oliveira do Hospital, Sertã, Quiaios e Vouzela (Figura 2), com as áreas indicadas
na Tabela 1.
CEIF/Universidade de Coimbra 20
Universidade de Coimbra Análise dos IF ocorridos a 15 de outubro de 2017
Figura 2 – Mapa dos IF em Estudo
Fazemos notar que neste trabalho utilizámos os perímetros finais que foram disponibilizados pelo ICNF
em janeiro de 2018, com base nos dados do sistema Copernicus da União Europeia (UE). Sempre que o nosso
trabalho de campo produziu dados diferentes daqueles, utilizámos os nossos. Temos conhecimento de que
mais recentemente o ICNF disponibilizou uma cartografia dos incêndios, diferente da anterior, que fora
atualizada com novos dados de satélite e do terreno. Tendo verificado que não existiam diferenças
significativas que o justificassem, mantivemos a cartografia inicial, a não ser que se refira algo em contrário.
Tabela 1 – Os sete principais CIF ocorridos em 15 de outubro estudados neste Relatório.
Ref Designação Hora de Área total Vítimas
Ocorrências analisadas
do CIF alerta (ha) mortais
Sabugueiro 06.03h
1 Seia 17003 1
Casal da Boavista 22.30h
2 Lousã Prilhão 08.41h 54407 15
Sandomil 10.26h
Oliveira do Esculca 12.28h
3 51429 23
Hospital Monte Frio / Relva Velha 14.00h
Casas Figueiras 23.00h
Ponte das Portelinhas 12.02h
4 Sertã Nespereira 18.41h 30977 2
Maria Gomes 21.35h
Praia da Légua 13.51h
5 Leiria 20014 0
Burinhosa 14.33h
6 Quiaios Cova da Serpe 14.36h 23844 0
Albitelhe 17.21h
7 Vouzela 15959 10
Varzielas 18.50h
CEIF/Universidade de Coimbra 21
Universidade de Coimbra Análise dos IF ocorridos a 15 de outubro de 2017
2. Condições ambientais e operacionais
2.1. Descrição do Território
O elevado número de ocorrências registadas no dia 15 de outubro de 2017 afetou de modo particular a
Região Centro de Portugal (RCP), que é uma região administrativa do território de nível II (Nomenclatura de
Unidade Territorial II, NUTS II) criada pelo Decreto‐Lei nº 46/89 de 15 de fevereiro. As Regiões NUTS II, são
compostas por 7 unidades territoriais, que correspondem às áreas de atuação das Comissões de
Coordenação Regional. Territorialmente a RCP é limitada a norte pela NUTS II Região Norte, a leste por
Espanha, a sul pela NUTS II do Alentejo com as suas sub‐regiões do Alto Alentejo e da Lezíria do Tejo, a
sudoeste pela Área Metropolitana de Lisboa e a oeste pelo oceano Atlântico (Figura 3).
Figura 3 – Mapa de Portugal Continental por NUTS II
A área que a RCP ocupa no território é de 28405km2, ou seja, 31% do território de Portugal Continental.
Os Censos de 2011 registaram na RCP um total de 2327580 habitantes, ou seja, 22% do total Nacional, o que
corresponde a uma densidade populacional de 81,9hab/km2. Esta região integra 8 unidades de nível III (NUTS
III) ou Comunidades Intermunicipais (CIM): CIM de Coimbra, de Aveiro, Beiras e Serra da Estrela, Viseu Dão‐
Lafões, Beira Baixa, Médio Tejo, de Leiria e do Oeste, totalizando 8 distritos, descritos de oeste para leste e
de norte para sul, o distrito de Aveiro, Viseu, Guarda, Coimbra, Castelo Branco, Leiria, Santarém e Lisboa,
totalizando 100 municípios.
Solos
O tipo de solo de uma região, nomeadamente a sua consistência, permeabilidade, densidade ou
composição química, juntamente com o clima, são determinantes na capacidade produtiva das espécies
vegetais aí existentes.
CEIF/Universidade de Coimbra 27
Universidade de Coimbra Análise dos IF ocorridos a 15 de outubro de 2017
1.2. Equipa de Investigação
A equipa de investigação multidisciplinar do Centro de Estudos sobre Incêndios Florestais da Associação
para o Desenvolvimento da Aerodinâmica Industrial (CEIF‐ADAI) da Universidade de Coimbra, foi constituída
pelas pessoas que se apresentam em seguida, que trabalharam de forma dedicada e articulada, desde o início
do nosso mandato, em março de 2018, até à data de apresentação do Relatório.
A coordenação geral dos trabalhos esteve a cargo de Domingos Xavier Viegas, Diretor do Centro. A
Coordenação técnica esteve a cargo de Miguel Almeida e de Luís Mário Ribeiro.
Domingos Xavier Viegas
É Professor Catedrático do Departamento de Engenharia Mecânica da Faculdade de
Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra.
É Presidente do Conselho de Administração da Associação para o Desenvolvimento
da Aerodinâmica Industrial (ADAI), unidade de investigação pertencente ao
Laboratório Associado de Energia, Transportes e Aeronáutica (LAETA), a cuja direção
pertence. Na ADAI coordena o Centro de Estudos sobre Incêndios Florestais (CEIF),
para a investigação, formação avançada e prestação de serviços na gestão dos
incêndios florestais.
Participou em 27 projetos com financiamento internacional e em 30 com
financiamento nacional na temática dos incêndios florestais, muitos deles como
coordenador. Orientou ou coorientou 14 teses de doutoramento e 46 dissertações de
mestrado na área.
Foi membro da Comissão de Inquérito, designada pelo Governo Português, de um
acidente ocorrido na Guarda em 2006 e pelo Governo Croata, de um acidente
ocorrido num incêndio florestal na Croácia em 2007.
Foi testemunha pericial, designada pelo tribunal, no âmbito dos processos
relacionados com acidentes ocorridos em Portugal, em 2005 e 2006 e em Espanha
em 2005 e no âmbito de um processo relacionado com um incêndio ocorrido na
Austrália, em 2003.
Foi responsável pela elaboração de um estudo sobre as condições iniciais de
propagação de um incêndio florestal no Monte Carmelo em 2010, a convite das
Autoridades Israelitas.
A convite do Ministério da Administração Interna, foi o coordenador do estudo sobre
o grande Incêndio Florestal ocorrido em 2012, no Algarve, do estudo sobre os dois
grandes incêndios florestais ocorridos em 2013 e dos acidentes mortais ocorridos
nesse ano e também do estudo sobre o incêndio de Pedrógão Grande, em junho de
2017.
Em novembro de 2004, foi distinguido com o Prémio El Batefuegos de Oro para o
“Melhor Trabalho no Plano Internacional”, atribuído pelo Ministério do Meio
Ambiente de Espanha, pelo seu contributo para a investigação dos incêndios
florestais.
Em julho 2005, a Ordem dos Engenheiros Região Centro promoveu uma Sessão de
homenagem ao CEIF pelo seu contributo para a investigação na área dos incêndios
florestais.
Recebeu em janeiro de 2017, o prémio internacional “Fire Safety Award”, em
reconhecimento do seu trabalho em prol da segurança pessoal nos incêndios
florestais.
É autor de cinco livros, de dezasseis capítulos de livros e de mais de setenta artigos
publicados em revistas internacionais, na temática dos incêndios florestais.
CEIF/Universidade de Coimbra 22
Universidade de Coimbra Análise dos IF ocorridos a 15 de outubro de 2017
Miguel Figueiredo Almeida
Miguel Almeida é licenciado em Engenharia do Ambiente e tem o grau de Mestre em
Gestão e Políticas Ambientais, ambos pela Universidade de Aveiro. Em 2009 concluiu
o seu Doutoramento em Riscos Naturais e Tecnológicos pela Universidade de
Coimbra. É investigador Sénior do Centro de Estudos sobre Incêndios Florestais
(CEIF) da Associação para o Desenvolvimento da Aerodinâmica Industrial (ADAI),
com o qual tem vindo a colaborar a tempo parcial desde 2003 e com total dedicação
desde 2007. É membro integrado do Laboratório Associado para Energia,
Transportes e Aeronáutica (LAETA) desde 2012. Anteriormente, durante cerca de 10
anos, realizou atividades de docência no Instituto Politécnico de Tomar e no
Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade de Coimbra. Miguel
Almeida está regularmente envolvido nos cursos de formação de Bombeiros tendo
participado em vários cursos sobre comportamento do fogo e segurança pessoal no
combate a incêndios.
Miguel Almeida é editor de dois livros, é coautor de diversos artigos de investigação
em revistas internacionais com revisão pelos seus pares, e conta com dezenas de
artigos em proceedings de conferências internacionais. É revisor regular de quatro
revistas internacionais de referência na temática dos incêndios florestais. No seu
percurso profissional, coorientou várias teses de doutoramento e de mestrado. Para
além disso, participou como coautor em dois relatórios nacionais no contexto de
grandes incêndios florestais (Tavira/São Brás de Alportel, 2012; Grandes Incêndios
Florestais, 2013) e foi corresponsável pela coordenação técnica do relatório sobre os
incêndios de Pedrógão Grande e Gois, 2017. O seu trabalho foi reconhecido com três
prémios de investigação: Melhor Trabalho de Pesquisa Científica (Nacional) e dois
melhores apresentações (Internacional).
Até à data, Miguel Almeida participou em 19 projetos de investigação, nacionais e
europeus, no contexto dos incêndios rurais.
Luís Mário Ribeiro
Luís Mário Ribeiro, é licenciado em Engenharia Florestal (1998) pela Universidade de
Trás‐os‐Montes e Alto Douro, em Vila Real, onde em 2002 concluiu também uma pós‐
graduação em Engenharia de Recursos Florestais. É mestre em Dinâmicas Sociais,
Riscos Naturais e Tecnológicos pela Universidade de Coimbra (2016), curso que
terminou com um reconhecimento da Faculdade de Economia da UC pela boa
prestação curricular.
Desde 1998 integra a equipa do Centro de Estudos sobre Incêndios Florestais (CEIF)
da ADAI, onde tem participado ativamente na realização de diversos projetos de
investigação científica, nacionais e internacionais, no domínio dos incêndios
florestais. Leciona regularmente nos cursos e formações promovidos pela ADAI,
assegurando lições relacionadas com as matérias em que adquiriu especialização:
incêndios na interface urbano‐florestal, combustíveis florestais, sistemas de apoio à
decisão e normas e regras de segurança no combate aos incêndios florestais.
Desde o início da sua colaboração com o CEIF publicou como autor e coautor diversas
publicações em revistas científicas e técnicas, bem como 3 capítulos de livros sobre
incêndios florestais. Tem apresentado inúmeras comunicações em conferências e
seminários, quer científicos quer operacionais ou de divulgação, em Portugal e no
CEIF/Universidade de Coimbra 23
Universidade de Coimbra Análise dos IF ocorridos a 15 de outubro de 2017
estrangeiro, tendo sido premiado com a distinção de melhor apresentação numa
conferência internacional. Participou também na elaboração de relatórios oficiais
sobre o incêndio florestal de Tavira/São Brás de Alportel de 2012, sobre os grandes
incêndios florestais ocorridos em 2013 e sobre o complexo de incêndios de Pedrógão
Grande em 2017.
Jorge Raposo
Jorge Rafael Nogueira Raposo obteve o seu Doutoramento em Engenharia Mecânica
pela Universidade de Coimbra, em junho de 2016. Exerce atividade de investigação
na área do comportamento do fogo na equipa da ADAI, com especial ênfase no
comportamento extremo do fogo. É autor de vários trabalhos científicos na temática
dos fogos de junção e de vórtices de fogo. Foi coautor dos relatórios sobre os grandes
incêndios, ocorridos em Portugal, nos anos de 2012 e 2013. É Formador de quadros
de Bombeiros no âmbito do Protocolo entre a ADAI e a Escola Nacional de
Bombeiros. É também professor auxiliar convidado do departamento de Engenharia
Mecânica da Universidade de Coimbra (Portugal) e professor Adjunto Convidado do
Instituto Superior de Engenharia de Coimbra (ISEC).
Maria Teresa P. Viegas
Maria Tersa Viegas é licenciada em Silvicultura pelo Instituto Superior de Agronomia
da Universidade Técnica de Lisboa. Integrou a equipa da ADAI a partir de 1990. Tem
desenvolvido trabalho nas áreas de caracterização de combustíveis florestais, risco de
incêndio florestal e efeitos do fogo. Participou na elaboração dos relatórios anteriores
sobre incêndio florestal de Tavira/São Brás de Alportel de 2012, sobre os grandes
incêndios florestais ocorridos em 2013 e sobre o complexo de incêndios de Pedrógão
Grande em 2017.
Ricardo Oliveira
Ricardo Filipe Silva de Oliveira é Mestre em Dinâmicas Sociais, Riscos Naturais e
Tecnológicos desde 2010, pela Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra.
Atualmente é estudante do Doutoramento em Território, Risco e Políticas Públicas
no Instituto de Investigação Interdisciplinar da Universidade de Coimbra. Integra a
Equipa da ADAI desde 2009 onde desenvolve trabalho de investigação nas áreas do
comportamento do fogo e aspetos socioeconómicos dos incêndios florestais.
Participou na elaboração dos relatórios anteriores sobre incêndio florestal de
Tavira/São Brás de Alportel de 2012, sobre os grandes incêndios florestais ocorridos
em 2013 e sobre o complexo de incêndios de Pedrógão Grande em 2017. Exerce
funções de bombeiro voluntário desde 2006, sendo detentor de cursos
especializados no âmbito da Gestão da Emergência (ENB), emergência pré‐hospitalar
(TAS), resgate em meio aquático (ISN) e incêndios florestais.
Daniela Alves
Daniela Alves é Mestre em Engenharia do Ambiente pela Faculdade de Ciências e
Tecnologia da Universidade de Coimbra. Exerce investigação na Equipa da ADAI,
desde 2016, onde tem desenvolvido trabalhos no âmbito da calibração de dados
meteorológicos e de risco de incêndio e trabalhos sobre mecanismos de contenção e
supressão do fogo, que visem a proteção de habitações e estruturas críticas.
CEIF/Universidade de Coimbra 24
Universidade de Coimbra Análise dos IF ocorridos a 15 de outubro de 2017
Participou na elaboração do relatório sobre o complexo de incêndios de Pedrógão
Grande em 2017.
Cláudia Pinto
Cláudia Pinto é Mestre em Engenharia do Ambiente pela Universidade de Coimbra.
Atualmente é Bolseira de Investigação do CEIF‐ADAI e estudante de Doutoramento
em Engenharia Mecânica na Universidade de Coimbra. Desenvolve trabalhos de
investigação na área dos incêndios florestais e comportamento do fogo, com
especial incidência no comportamento extremo do fogo, especificamente em
vórtices de fogo, tendo uma publicação científica com revisão por pares.
Humberto Jorge
Humberto Jorge é Doutorado em Engenharia Eletrotécnica e de Computadores na
especialização em sistemas de energia, pela Universidade de Coimbra (1999),
exercendo funções de Professor Auxiliar na Faculdade de Ciências e Tecnologia da
Universidade de Coimbra (FCTUC). Como doutorado já orientou seis teses de
doutoramento e é autor e coautor de 57 publicações com revisão por pares, sendo
distribuídas por capítulos de livro (1), revistas científicas internacionais (19) e atas
congressos internacionais (37).
As áreas de interesse da sua atividade, exercida tanto como docente, bem como no
âmbito do desenvolvimento de diversos projetos de I&D e de trabalhos de consultoria
prestados, incluem: eficiência energética, sistemas de gestão técnica, resposta
dinâmica à procura (Demand Response), qualidade de energia, redes elétricas
inteligentes (smart grids) e sistemas de energia elétrica. A sua atividade de consultor
especializado tem sido desenvolvida em diversos trabalhos tanto no segmento dos
grandes operadores do setor elétrico e entidade reguladora do sector da energia
como em atividade de consultadoria na área da eficiência energética ligada ao setor
autárquico.
É Membro Sénior (nº 20134) da Ordem dos Engenheiros exercendo atualmente
funções de membro eleito com lugar de Vogal do Conselho Fiscal na Região Centro. É
Membro do IEEE ‐ Institute of Electrical and Electronics Engineers (EEE Power & Energy
Society Membership #03181112). Atualmente é Presidente da Comissão Técnica nº 8
(CTE 8) do Instituto Português da Qualidade, sobre os aspetos do sistema de
fornecimento de energia elétrica
André Rodrigues
André Filipe Branco Rodrigues é licenciado e mestre em Engenharia Mecânica pela
Universidade de Trás‐os‐Montes e Alto Douro e pós‐graduado em Proteção Civil e
em Gestores de Emergência e Socorro pelo Instituto Superior de Ciências da
Informação e Administração. Atualmente é aluno no 3º ano de doutoramento em
Engenharia Mecânica na Universidade de Coimbra no percurso dos Riscos Naturais
e Tecnológicos. Exerce atividade de investigação na área do comportamento do fogo.
É autor e coautor de trabalhos científicos na área do comportamento extremo do
fogo. Foi coautor do relatório sobre o Grande Incêndio Florestal de Pedrógão
Grande. É bombeiro voluntário desde 2009, possuindo diversos cursos técnicos,
alguns na área dos Incêndios Florestais. Desempenha funções de Adjunto de
Comando nos Bombeiros Voluntários de Tabuaço.
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Carlos Ribeiro
Carlos Ribeiro é Licenciado em Ciências de Engenharia Mecânica desde 2012, mestre
em Engenharia Mecânica desde novembro de 2014 pela Universidade de Aveiro e
pós‐graduado em Gestores de Emergência e Socorro e em Gestão Municipal de
Proteção Civil pelo Instituto Superior de Ciências da Informação e Administração de
Aveiro. Atualmente é aluno de doutoramento em Engenharia Mecânica no percurso
de Aerodinâmica, Riscos Naturais e Tecnológicos na Universidade de Coimbra com
uma tese de doutoramento na área dos incêndios florestais. Exerce atividade de
investigação na área do comportamento do fogo no Centro de Estudos sobre
Incêndios Florestais da Universidade de Coimbra, com ênfase no comportamento
extremo do fogo em topografia complexa. Desde 2005 é Bombeiro Voluntário,
possuindo diversos cursos técnicos na área da gestão de emergência e socorro e
frequenta o curso de Análise de Incêndio e Uso do Fogo de Supressão reconhecido
pela Autoridade Nacional de Proteção Civil.
Carlos Viegas
Carlos Viegas concluiu o seu doutoramento em Engenharia Mecânica ‐ Gestão e
Robótica Industrial, na Universidade de Coimbra. Atualmente é investigador de pós‐
doutoramento da ADAI, no Centro de Estudos Sobre Incêndios Florestais (CEIF), com
o qual colabora desde 2009, com dedicação exclusiva desde 2017. É também
professor auxiliar convidado do departamento de Engenharia Mecânica da
Universidade de Coimbra (Portugal).
Sérgio Lopes
Sérgio Lopes é Licenciado em Engenharia do Ambiente, Mestre em Termodinâmica e
Fluidos e Doutorado em Riscos Naturais e Tecnológicos pela Universidade de
Coimbra.
É Professor Adjunto no Departamento de Ambiente da Escola Superior de Tecnologia
e Gestão do Instituto Politécnico de Viseu. É investigador do Centro de Estudos de
Incêndios Florestais da Associação para o Desenvolvimento da Aerodinâmica
Industrial e do Centro de Estudos em Educação, Tecnologias e Saúde do Instituto
Politécnico de Viseu.
Nuno Luís
Nuno Luís é técnico de laboratório no CEIF desde 1996, dando apoio a todas as
atividades científicas e de formação aí desenvolvidas.
Gonçalo Rosa
Gonçalo Rosa é Técnico Superior de Proteção Civil e técnico de laboratório no CEIF,
dando apoio a todas as atividades científicas e de formação aí desenvolvidas.
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2. Condições ambientais e operacionais
2.1. Descrição do Território
O elevado número de ocorrências registadas no dia 15 de outubro de 2017 afetou de modo particular a
Região Centro de Portugal (RCP), que é uma região administrativa do território de nível II (Nomenclatura de
Unidade Territorial II, NUTS II) criada pelo Decreto‐Lei nº 46/89 de 15 de fevereiro. As Regiões NUTS II, são
compostas por 7 unidades territoriais, que correspondem às áreas de atuação das Comissões de
Coordenação Regional. Territorialmente a RCP é limitada a norte pela NUTS II Região Norte, a leste por
Espanha, a sul pela NUTS II do Alentejo com as suas sub‐regiões do Alto Alentejo e da Lezíria do Tejo, a
sudoeste pela Área Metropolitana de Lisboa e a oeste pelo oceano Atlântico (Figura 3).
Figura 3 – Mapa de Portugal Continental por NUTS II
A área que a RCP ocupa no território é de 28405km2, ou seja, 31% do território de Portugal Continental.
Os Censos de 2011 registaram na RCP um total de 2327580 habitantes, ou seja, 22% do total Nacional, o que
corresponde a uma densidade populacional de 81,9hab/km2. Esta região integra 8 unidades de nível III (NUTS
III) ou Comunidades Intermunicipais (CIM): CIM de Coimbra, de Aveiro, Beiras e Serra da Estrela, Viseu Dão‐
Lafões, Beira Baixa, Médio Tejo, de Leiria e do Oeste, totalizando 8 distritos, descritos de oeste para leste e
de norte para sul, o distrito de Aveiro, Viseu, Guarda, Coimbra, Castelo Branco, Leiria, Santarém e Lisboa,
totalizando 100 municípios.
Solos
O tipo de solo de uma região, nomeadamente a sua consistência, permeabilidade, densidade ou
composição química, juntamente com o clima, são determinantes na capacidade produtiva das espécies
vegetais aí existentes.
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A Figura 4 apresenta o tipo de solos encontrados na área afetada pelos incêndios analisados. Esta
informação foi obtida no Altas Digital do Ambiente (Agência Portuguesa do Ambiente), sendo a sua
classificação feita de acordo com a terminologia da Food and Agriculture Organization of the United Nations
(FAO) de 1991 (Ferreira, 2000). Na constituição dos solos a natureza das rochas, o clima e a própria
geomorfologia são elementos determinantes. A classificação proposta pela FAO é divida em nove grandes
grupos, que se encontram todos representados na RCP.
O tipo de solo predominante em Portugal Continental é o cambissolo, caracterizado por ser um solo
jovem e moderadamente desenvolvido. É característico de áreas húmidas e de relevo mais acentuado
constituídas por rochas graníticas ou calcárias, nomeadamente do maciço calcário estremenho (Ferreira,
2000). Este tipo de solo está presente nos Complexos de Incêndios Florestais (CIF) da Lousã, Vouzela, Oliveira
do Hospital e parte de Seia e Sertã.
O litossolo é o segundo tipo de solo com maior expressão em Portugal Continental, caraterizado por ser
um solo com pouca profundidade, assente sobre rocha dura, que pode secar ou alagar rapidamente em
função do pouco volume que apresenta, levando ao seu arrastamento, em função das condições
meteorológicas. Este tipo de solo está presente no CIF da Sertã, que na sua progressão para norte intercala
o litossolo com o cambissolo, anteriormente caracterizado, até ao limite administrativo do município de
Pampilhosa da Serra.
Figura 4 – Tipos de solos da zona dos IF analisados
A área ardida no CIF de Seia é ocupada sensivelmente em 50% por cada tipologia de solo. Na área oeste
do CIF está presente o cambissolo, e a leste o ranker. O ranker é um solo do grupo dos leptossolos,
caracterizado por ser um solo extremamente delgado.
Por último, o regassolo que apresenta uma morfologia determinada pelo tipo de rocha mãe associada,
e pelo clima em que ocorre, caracteriza‐se por finos horizontes, superfícies com baixo teor de matéria
orgânica, localizados em pequenas áreas adjacentes aos fluvissolos e arenossolos (podzóis). O CIF Quiaios
desenvolveu‐se em regassolos a oeste e em podzóis a leste. O CIF de Leiria desenvolveu‐se num solo do tipo
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podzol, predominante em formações detríticas com uma forte acumulação de ferro, alumínio ou matéria
orgânica sob o horizonte lixiviado, sendo também muitas vezes classificados como arenossolos, devido à
espessura do horizonte lixiviado (Ferreira, 2000).
Orografia
Na Figura 5 é apresentado o mapa orográfico das áreas afetadas pelos IF em estudo, que como se vê é
muito heterógena. Morfologicamente é na RCP que se registam as maiores amplitudes orográficas de
Portugal Continental, variando desde os 0m no litoral até aos 1993m na Torre (Serra da Estrela) no Sistema
Central.
Figura 5 – Orografia da zona dos IF analisados
Com base nos elementos da figura apresentada, e recorrendo a um Sistema de Informação Geográfica
(SIG), determinaram‐se as cotas mínimas e máximas em cada CIF em estudo, apresentando os valores obtidos
na Tabela 2.
Tabela 2 – Altimetria mínima e máxima dos CIF
CIF Total AA Altitude Altitude
(ha) mínima (m) máxima (m)
Seia 17002,9 362 1586
Lousã 54407,0 40 595
Oliveira do Hospital 51429,2 135 1264
Sertã 30977,3 248 1082
Leiria 20013,7 5 140
Quiaios 23844,4 7 84
Vouzela 15959,4 110 1032
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O CIF de Seia localizado junto ao Sistema Central, foi o que registou a cota altimétrica mais elevada,
situando‐se nos 1586m a leste e a nordeste da área ardida, e a cota altimétrica mínima de 362m a noroeste.
Este é o CIF em estudo localizado mais a leste da RCP.
A área ardida no CIF da Lousã apresenta diferenças de altimetria entre os 40m de cota mínima, localizada
no flanco oeste, mais próximo do litoral da RCP, e a sua cota altimétrica máxima de 595m de altitude
localizada a sul, junto ao seu ponto de início.
Com diferenças altimétricas distintas do CIF da Lousã, o CIF de Oliveira do Hospital teve como cota
altimétrica mínima os 135m, no seu flanco oeste, e cota altimétrica máxima 1264m no seu flanco leste. O
flanco leste deste CIF localiza‐se geograficamente na orla oeste do Sistema Central.
O CIF da Sertã, tal como, os três CIF´s que lhe antecederam está localizado no interior da RCP, os valores
de altitude variaram entre a cota altimétrica mínima dos 248m, localizada no centro da sua área ardida, e a
cota máxima dos 1082m a sul do perímetro final, repetindo valores altimétricos semelhantes a norte, junto
à área de contacto com o CIF de Oliveira do Hospital.
Diferenciado dos CIF anteriormente descritos, o CIF de Leiria localiza‐se num troço junto ao litoral
relativamente extenso e sem amplitudes altimétricas relevantes. Os valores de altitude variaram entre a cota
altimétrica mínima dos 5m a norte, e a cota altimétrica máxima dos 140m a sul. Esta diferença de cotas
altimétricas tem pouca expressão quando comparado com os CIF´s do interior da RCP.
Semelhante em termos orográficos ao CIF de Leiria, foi o CIF de Quiaios, que progrediu também num
troço junto ao litoral, localizado a norte do Cabo Mondego. A área afetada por este CIF é caracterizada
igualmente por uma extensa e relativamente plana área, que se inicia na Serra da Boa Viagem a sul, até ao
estuário do rio Vouga em Aveiro, a norte. Os valores de altitude variaram entre a cota altimétrica mínima dos
7m a sul, e a cota altimétrica máxima dos 84m a norte
Por fim, o CIF de Vouzela, semelhante orograficamente aos restantes CIF´s do interior da RCP, registou
valores de altitude que variaram entre os 110m de cota altimétrica mínima a norte, e os 1032m de cota
altimétrica máxima a sul e a leste.
À semelhança da orografia, também os declives são muito variáveis na região dos IF analisados. A Figura
6 apresenta os declives, calculados com uma resolução de 30m, encontrados em cada uma das áreas ardidas,
sendo visível a diferença entre as zonas menos declivosas dos CIF do litoral e os declives acentuados
presentes nos CIF’s do interior, sobretudo nas zonas montanhosas.
Por definição, o parâmetro declive é referente a um valor percentual, no entanto, para uma melhor
compreensão, na sua análise referimo‐lo em graus (de inclinação do terreno, em relação ao plano horizontal).
Uma simples análise visual da Figura 6 permite constatar a diferença vincada entre os declives dos
diferentes CIF’s.
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Figura 6 – Declives da zona dos IF analisados
A Tabela 3 mostra os declives mínimo, máximo e médio, bem como a percentagem de área ardida em
declive superior a 15° por cada CIF analisado. O declive mínimo em todas as áreas ardidas é de 0°, o que
corresponde a áreas planas, que se verificaram independentemente da orografia em ocorreram.
Tabela 3 – Relação de declives (em graus) nos CIF analisados
CIF Declive Declive Declive Área com declive >15
mínimo máximo médio (% da área total do CIF)
Seia 0 45 12 29,26
Lousã 0 45 8 8,37
Oliveira do Hospital 0 52 10 24,68
Sertã 0 55 15 43,55
Leiria 0 26 3 0,16
Quiaios 0 18 2 0,00
Vouzela 0 41 10 19,54
O declive máximo do CIF de Seia foi de 45°, sendo o seu declive médio de 12°. A percentagem da área
ardida com declives superiores a 15° foi de 29,26%, constituindo‐se esta área como a segunda mais elevada,
nesta classe de declives.
Embora com os mesmos valores mínimos e máximos de declive que o CIF de Seia, o desenvolvimento
em orografia mais suave do CIF da Lousã, registou um declive médio de 8°, e a mais baixa percentagem de
área ardida em declives superiores a 15° do conjunto dos CIF´s do interior da RCP, ou seja, afetou 8,37% do
total da área ardida.
O CIF de Oliveira do Hospital registou a terceira maior percentagem de área afetada com declives
superiores a 15°, o que representou quase um quarto da área ardida total, com 24.68%. O declive máximo
foi de 52°, o segundo maior de todos os CIF´s em estudo, e o declive médio de 10°.
Com 43,55% da área ardida em declives superiores a 15°, o CIF da Sertã constitui‐se como o CIF que
regista a maior área ardida nesta classe de declives. O declive máximo da área afetada por este CIF foi o mais
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elevado de todos os CIF’s em estudo com 55° e o seu declive médio foi de 15°. Os declives deste CIF vão ao
encontro do que é a complexidade da orografia do interior da RCP em particular, e em especial da orografia
do Sistema Central.
Diferenciado dos anteriormente descritos, o CIF de Leiria localiza‐se num troço do litoral relativamente
extenso e plano, com um declive máximo de 26°, e um declive médio de 3°. A análise à área ardida em
declives acima dos 15° foi de 0,16% do seu total, o que tem pouca expressão quando comparado com os CIF´s
anteriores.
Semelhante em termos de declives ao CIF de Leiria, foi o CIF de Quiaios, também ele localizado num
troço do litoral relativamente extenso e plano, interrompido do troço anterior, pela Serra da Boa Viagem a
sul. Este CIF não registou qualquer percentagem de área ardida acima dos 15° sendo o declive máximo 18° e
o declive médio 2°.
Por fim, o CIF de Vouzela, que aproxima os valores dos declives para o conjunto dos CIF em estudo no
interior da RCP. Aproximadamente um quinto da sua área ardida total (19,54%) ocorreu em declives
superiores a 15°, o seu declive máximo foi 41°, muito aproximado do declive dos CIF´s de Seia e Lousã, e o
declive médio foi 10°, o mesmo que no CIF de Oliveira do Hospital e aproximado aos declives médios dos
CIF´s de Seia e Lousã.
Ocupação do solo
A caracterização da ocupação e uso do solo onde ocorreram os CIF em estudo foi efetuada com recurso
a cartas temáticas fornecidas pela Direcção‐Geral do Território (DGT), nomeadamente a Carta de Uso e
Ocupação do Solo de 2015 (COS 2015) e a Corine Land Cover 2012 (CLC 2012). Estas ferramentas são utilizadas
para uso oficial em Portugal e fornecidas em suporte digital. A COS 2015 têm uma resolução mínima de 1ha.
Na RCP estão representadas 9 megaclasses, sendo que nas áreas afetadas pelos CIF estão maioritariamente
representadas 3 megaclasses de ocupação e uso do solo: agricultura, floresta e matos (Figura 7).
No CIF de Seia foram afetadas maioritariamente três megaclasses distintas: a oeste agricultura e
floresta, a sul matos e floresta, e a norte matos intercalando com parcelas agrícolas. O CIF da Lousã percorreu
área agrícola e floresta a sul, e a leste matos. O CIF da Lousã afetou maioritariamente floresta, com exceção
da zona a norte, onde a floresta intercalava com parcelas agrícolas.
O CIF de Oliveira do Hospital apresenta diferenças relativamente ao CIF da Lousã: a sudeste e a norte da
sua área ardida, os matos tinham expressão na ocupação do solo, sendo a sua área intermédia ocupada por
floresta alternando com parcelas agrícolas. O CIF da Sertã afetou maioritariamente área de floresta, ainda
que com algumas parcelas agrícolas, a sul, e matos, a norte.
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Figura 7 – Carta de ocupação do solo 2015.
A área afetada pelo CIF de Leiria foi maioritariamente floresta. Este incêndio desenvolve‐se
praticamente em povoamento florestal, no entanto, no seu flanco leste e a norte da área afetada, está
também representada a megaclasse das áreas artificializadas. O CIF de Quiaios desenvolve‐se
maioritariamente em floresta. Na metade sul, é limitado no flanco leste por áreas agrícolas. Na metade norte,
existem também áreas agrícolas, intercaladas com zonas artificializadas. A ocupação por matos quase não
tem expressão em toda a extensão da área afetada.
As classes representadas no CIF de Vouzela são a floresta a oeste, os matos a sul e a sueste, e os
territórios artificializados e as parcelas agrícolas a norte.
A ocupação do solo com recurso a análise da COS 2015 não traduz as perdas em termos de comunidades
biológicas. Para compreensão das comunidades biológicas afetadas pelos CIF em estudo, elaborou‐se uma
cartografia de biótopos fornecida pelo Atlas Digital do Ambiente da DGT. Um biótopo é uma área geográfica
de dimensão variável, por vezes pequena, de especial interesse paisagístico que importa preservar, pela
oferta de condições constantes ou cíclicas às espécies que constituem a sua comunidade biológica, ou seja,
as inter‐relações entre os seres que nela habitam.
A Figura 8 representa os biótopos Corine Land Cover (CLC 2012) conforme a classificação do Atlas Digital
do Ambiente, afetados por alguns dos incêndios de 15 de outubro em estudo: no CIF de Seia o Parque Natural
da Serra da Estrela (PNSE), no CIF de Oliveira do Hospital a área de Paisagem Protegida da serra do Açor
(PPSA), no CIF de Leiria o Pinhal de Leiria e a Mata Nacional do Urso (MNU), no CIF de Quiaios a área de
Paisagem Protegida da Costa de Quiaios‐Mira (PPCQM) e o estuário da Ria de Aveiro.
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Figura 8 – Biótopos CLC de 2012
O PNSE foi criado em 1976 pelo Decreto‐Lei nº 557/76 de 16 de julho, tem uma dimensão de 88850ha,
alberga uma paisagem variada quer em ambiente lacustre, pastagens em altitude, turfeiras, carvalhais,
floresta de produção quer em ocupação humana, sendo afetado na sua área oeste pelo CIF de Seia.
A área de PPSA foi criada pelo Decreto‐Lei nº 67/82 de 3 de março, está situada na Serra do Açor,
concelho de Arganil, em altitudes que oscilam entre a cota mínima dos 400m e a máxima dos 1016 m. Embora
seja uma área pequena em termos de dimensão, alberga duas unidades biológicas de interesse: a Reserva
Natural da Mata da Margaraça, e a Reserva de Recreio da Fraga da Pena criadas pelo Decreto‐Lei nº 67/82
de 3 de março. Esta área foi afetada na quase totalidade pelo CIF de Oliveira do Hospital.
O CIF de Leiria afetou em grande parte o secular Pinhal de Leiria, de que somente uma pequena área é
considerada biótopo, e a MNU a norte que ficou afetada em aproximadamente 50% da sua área. A MNU
assume‐se como um prolongamento do Pinhal de Leiria, composto na sua maioria por povoamento de
pinheiro‐bravo. Tem uma área de 6102ha que confronta: a norte com a povoação da Leirosa, freguesia da
Marinha das Ondas no concelho da Figueira da Foz, a leste com a Guia no concelho de Pombal, a sul com
Coimbrão no concelho de Leiria e a oeste com uma faixa de 14,5 km de costa atlântica.
Por último, a PPCQM foi afetada em mais de 80% dos seus 6050ha pelo CIF Quiaios. Era uma área
arborizada maioritariamente com pinheiro‐bravo e folhosas, inserida no Plano Regional de Ordenamento
Florestal (PROF) do Centro Litoral com duas sub‐regiões homogéneas: Região da Gândara Norte e as Dunas
Litorais e Baixo Mondego. Estas sub‐regiões apresentam uma tripla funcionalidade, o recreio e a estética da
paisagem, a proteção da faixa costeira e conservação da fauna e da flora.
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Áreas protegidas ou geridas pelo Estado
As áreas de paisagem protegidas definidas no ponto anterior não têm de coincidir geograficamente na
sua totalidade com os biótopos identificados, que como descrito anteriormente, são áreas geográficas com
dimensão variável que interessa preservar para manutenção da comunidade biológica. A própria área de
paisagem protegida (Figura 9) não tem de ser gerida em exclusividade pelo Estado, quem executa a gestão
destas áreas são as pessoas que as habitam, mediante legislação específica.
Como se observa na figura, apenas o complexo de incêndios de Seia percorreu significativamente uma
área protegida, o Parque Natural da Serra da Estrela.
Figura 9 – Áreas protegidas e de conservação
A floresta portuguesa ocupa 35,4% do território Nacional o que corresponde a 3,2 milhões de hectares.
A espécie predominante é o pinheiro bravo com uma área estimada de 1 milhão de hectares entre
povoamentos puros e mistos, seguindo‐se o eucalipto com uma área estimada de 826441 hectares entre
povoamentos puros e mistos e por fim o sobreiro com 801405 hectares entre povoamentos puros e mistos
(Louro, 2015).
A dimensão da propriedade florestal apresenta uma distribuição muito vincada na Região Norte e Centro
do País, onde se estima que exista mais de meio milhão de pequenos proprietários florestais com
propriedades de dimensões inferiores a 1ha. Apesar deste entrave ao desenvolvimento da fileira florestal, os
bens produzidos sustentam uma importante e integrada cadeia industrial suportando mais de 113 mil
empregos diretos, ou seja, 2% da população ativa.
Quanto à detenção do título de proprietário, a floresta portuguesa é maioritariamente privada.
Aproximadamente 84,2% da área florestal, ou seja, 2,8 dos 3,2 milhões de hectares ocupados pela floresta
são detidos por pequenos proprietários de cariz familiar (77,7%), e por grupos empresariais ligados ao sector
florestal (6,5%). As áreas públicas representam 15,8% da área florestal, sendo que, destes, apenas 2% estão
no domínio próprio do Estado, a menor percentagem da Europa. Mesmo perante uma percentagem tão
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diminuta da área florestal sob domínio privado do Estado, estas áreas não passam incólumes à ocorrência de
GIF.
As entidades ou proprietários responsáveis pela gestão das Matas e Perímetros Florestais na Região
Centro, onde ocorreram os CIF em estudo estão representadas na Figura 10: ICNF, Câmara Municipal de
Ferreira do Zêzere, Fundação Mata do Bussaco e alguma Propriedade Privada. O tipo de regime de gestão
destas propriedades pode ser total ou parcial, conforme apresentado na Figura 11.
Figura 10 – Entidade responsável pelas Matas Nacionais e Figura 11 – Tipo de regime nas Matas e Perímetros Florestais
Perímetros Florestais da região em estudo e área dos incêndios da região em estudo e área dos incêndios analisados
analisados
Da intersecção das áreas ardidas com as Matas Nacionais e Perímetros Florestais resulta que, destas,
apenas 18,9% tinham um Regime Florestal público com gestão exclusiva do Estado, e na sua totalidade na
alçada do ICNF. No entanto, na área ardida, apenas em pequenas áreas em Leiria (1,6%) e Quiaios (16,6%) o
ICNF tem uma gestão total a seu cargo.
A Tabela 4 relaciona a distribuição de área ardida total em cada um dos CIF em estudo em função das
tipologias dos Regimes Florestais: público com gestão exclusiva do Estado e público com gestão parcial do
Estado.
Tabela 4 – Área ardida no Regime Florestal do Estado (total e tipo de regime)
Área ardida em relação ao total do CIF
Regime Florestal do Regime Florestal do
Total AA Estado (total) Estado (tipo de regime)
CIF
(ha) Reg. Parcial Reg. Total
ha (%)
(%) (%)
Seia 17002,9 5507,2 32,4 32,4 0
Lousã 54407,0 1345,7 2,5 2,5 0
Oliveira do Hospital 51429,2 5711,7 11,1 11,1 0
Sertã 30977,3 722,8 2,3 2,3 0
Leiria 20013,7 14712,5 73,5 72,2 1,6
Quiaios 23844,4 9682,0 40,6 23,7 16,6
Vouzela 15959,4 2797,4 17,5 17,5 0
Total 213633,9 40479,2 18,9
O CIF de Seia totalizou 17002,9ha de área ardida, destes 5507,2ha estavam sob gestão parcial do Estado,
o que representa 32,4% do total da área ardida em Seia. O Perímetro Florestal mais afetado neste CIF foi o
da Serra da Estrela nos seus núcleos de Gouveia com 20,8% e Seia com 11,6%. O Perímetro Florestal de
Manteigas também sob gestão parcial do Estado apresentou danos muito pontuais, pelo que, na
contabilidade geral do território sob gestão parcial do Estado não tem expressão.
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Com uma dimensão de 54406,9ha de área ardida, o CIF da Lousã afetou 1345,6ha que estavam em
regime de gestão parcial do Estado. Os Perímetros Florestais mais afetados foram os das Matas de: Sobral,
Braçal, Cabeça Gorda, São Pedro Dias e Alveito o que corresponde a 2,5% do total da área ardida.
A área afetada sob regime de gestão parcial do Estado pelo CIF de Oliveira do Hospital foi de 11,1% o
que representa 5711,7ha do total de 51429,2ha dessa área ardida, repartidos pelos Perímetros Florestais da
Pampilhosa da Serra, Senhora das Necessidades, Serra da Aveleira, Serra da Estrela núcleo de Vide e São
Pedro do Açor.
O CIF da Sertã foi o que menos afetou áreas sob gestão do Estado, registando 2,3% de área em gestão
parcial do Estado, o que representa 722,76ha de um total de 30977ha de área ardida. Os Perímetros
Florestais com gestão parcial afetados foram o de Gois com 0,7% e o do Rabadão com 1,7%.
A área ardida no CIF de Leiria foi de 20013,7ha, dos quais, 14712,5ha de matas nacionais, que equivalem
a 72% de matas sob gestão total do Estado, distribuídos pelas matas Nacionais de: Leiria, Pedrogão e do Urso,
e pelos perímetros florestais da Alva da Mina, Alva do Azeche, Pataias e Senhora da Vitória. Destes
14712,5ha, arderam 310ha que tinham gestão parcial do Estado o que equivale a 1,6% da área ardida,
perfazendo o seu somatório 73,6% do total do CIF, constituindo‐se este como o que mais danos registou em
área sob intervenção total e parcial do Estado.
Embora menor em área afetada sob intervenção total ou parcial do Estado relativamente ao CIF de
Leiria, o CIF de Quiaios registou 23844,4ha de área ardida total. Destes, 9682ha estavam sob gestão do
Estado, o que representa 40,6% do total do CIF, divididos em 19,6% de gestão total do Estado, referente as
matas Nacionais das Dunas de Quiaios e Vagos, e 23,7% sob gestão parcial, os Perímetros Florestais de
Cantanhede e Pinhais de Mira.
Em Vouzela a percentagem de área afetada pelo CIF sob gestão parcial do Estado foi de 17,5%, o que
representa 2797,3ha de área ardida num total de 15959,4ha. As áreas afetadas sob gestão parcial do Estado
foram os Perímetros Florestais da Penoita, Serra de Arca, São Pedro do Sul, Caramulo, Ladário, Préstimo,
Vouga e a Reserva Botânica do Camarinho.
Histórico de incêndios
A RCP é ciclicamente afetada por grandes incêndios florestais (GIF) como se mostra na Figura 12, que
representa as áreas ardidas no quinquénio 2013‐2017. Este quinquénio foi escolhido por ser o mais recente
até aos CIF em estudo, por se constituir como um parâmetro de entrada na cartografia de risco estrutural, e
por último mas não menos importante, porque é comumente aceite que uma área ardida, com condições de
regeneração ótimas, passados cinco anos reúne condições para arder de novo com intensidade. Embora o
número de ignições não seja tão elevado como em outras regiões de Portugal Continental, nomeadamente
a Região Noroeste, é na RCP que se registam as áreas ardidas mais extensas. A distribuição geográfica
apresentada na Figura 12 distingue claramente a atipicidade do ano de 2017 relativamente à dimensão das
áreas ardidas, comparando com os restantes anos do quinquénio.
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Figura 12 – Áreas ardidas entre 2013 e 2017
Este mapa tem como finalidade o enquadramento das áreas ardidas na RCP no quinquénio 2013‐2017;
estender o período de dados em análise condicionaria a legibilidade gráfica e não acrescentava informação
relevante ao pretendido. A elevada dimensão das áreas ardidas da RCP comparativamente ao resto do País,
poderá ser explicada parcialmente pela orografia da RCP que, como se descreveu anteriormente, possui a
amplitude de altimetria mais significativa, com declives muitos acentuados e a tipologia dos solos a oeste. Se
no interior da RCP a progressão dos meios de combate fica dificultada pelas ruturas de declive, junto ao
litoral, a natureza do solo maioritariamente constituída por rochas sedimentares (areias) condiciona‐a de
igual.
O mapa de perigosidade de incêndio (Figura 13) foi criado pelo ICNF com base na metodologia CSP
(Cover, Slope and Probability), desenvolvida pela Autoridade Florestal Nacional, e tem uma resolução
geométrica de 80m, utilizando a seguinte informação de base:
i) Carta de ocupação do solo de 2007 Nível 3 (COS2007).
ii) Carta de declives produzida a partir do MDE pan‐europeu (eudec_tm06.tif), baseado na fusão por
média ponderada das medições altimétricas SRTM e ASTER GDEM. Modelo digital de declives
percentuais, derivado do MDE.
iii) Cartografia de áreas ardidas (1997‐2016).
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Figura 13 – Classes de perigosidade de incêndio florestal (zona centro) e áreas dos incêndios de 15/10.
Os parâmetros de entrada para o cálculo da perigosidade de incêndio florestal, definidos na metodologia
CSP podem necessitar de alguma atualização, nomeadamente ao nível da COS 2015 que é um documento
revisto, atualizado e de uso oficial em Portugal.
Analisando cada um dos CIF em estudo verificamos que nem sempre existe concordância entre a
perigosidade de incêndio florestal fornecido pelo ICNF e as áreas ardidas. Os CIF localizados em áreas de
declive acentuado, e porque o declive, é um parâmetro que além de imutável entra no cálculo da
perigosidade, coincidem com o risco máximo ou elevado, como é o exemplo dos CIF de Seia, Oliveira do
Hospital, Sertã e Vouzela. O CIF da Lousã situa‐se em zonas de risco elevado a moderado. Os CIF do litoral,
de Leiria e Quiaios não obtiveram qualquer coincidência entre a área ardida e o risco apresentado, que está
assinalado como moderado a reduzido.
Dada a forte dependência destes incêndios em relação às condições meteorológicas, o perigo local de
incêndio acabou por ser melhor traduzido pelo índice de perigo meteorológico de incêndio florestal,
caracterizado pelo FWI (Fire Weather Index), como se verá mais adiante, na secção 2.2.2 (Perigo de incêndio).
2.2. Condições Climáticas e Meteorológicas
O papel desempenhado pelas condições climáticas e meteorológicas nas fases iniciais e na propagação
de um incêndio florestal é amplamente reconhecido. As condições climáticas estão associadas ao estado da
atmosfera e do ambiente, nomeadamente do solo e da vegetação, relacionadas com os fatores de longa
duração e as condições meteorológicas estão associadas aos fatores de curta duração. Estas condições foram
determinantes no desenvolvimento dos incêndios de 15 de outubro e por isso iremos analisá‐las em detalhe.
Em Portugal o IPMA é a instituição de referência para o estudo e monitorização do clima e da
meteorologia, nomeadamente na vertente operacional associada aos incêndios florestais. No âmbito da
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colaboração estreita existente entre a ADAI e o IPMA, trabalhámos desde o início do nosso estudo com os
técnicos do IPMA para analisar e documentar esta parte do Relatório. Cientes de que os relatórios produzidos
pelo IPMA sobre estes temas, são muito completos, fazemos referência a dados desses relatórios (“Os
Incêndios Florestais de 14 a 16 de outubro de 2017 em Portugal Continental”, “Elementos para análise da
variabilidade observada no campo de vento no dia 15 de outubro de 2017” e “Apoio meteorológico na
prevenção e combate aos incêndios florestais”), complementando‐os com outros documentos que
consideramos importantes.
Caracterização climatológica
A situação climática do País durante a Primavera e início do Verão de 2017, caraterizou‐se por um estado
de secura muito grande, resultante do deficit de precipitação registado no País. Segundo o relatório
produzido pelo IPMA, intitulado de Apoio meteorológico na prevenção e combate aos incêndios florestais, o
mês de outubro de 2017 em Portugal Continental foi extremamente seco e excecionalmente quente, tendo
sido o mais quente nos últimos 87 anos (desde 1931) e o mais seco dos últimos 20 anos. Ocorreram duas
ondas de calor, de 1 a 16 e de 23 a 30 de outubro, abrangendo grande parte do território, com exceção das
regiões do litoral.
A precipitação média no Continente em outubro de 2017 foi 30 % do valor normal relativamente ao
período de 1971‐2000. Durante o mês de outubro quase não ocorreu precipitação registando‐se, apenas,
precipitação com algum significado no Minho (Departamento de Meteorologia e Geofísica do IPMA, 2017).
A equipa da ADAI tem vindo a utilizar o valor da precipitação acumulado no ano hidrológico, a partir do mês
de setembro, como um indicador do estado de secura do ano, que é possível estimar mesmo no início do
Verão e desta forma, de algum modo, antecipar o que poderá ser a gravidade do período de incêndios nesse
ano. Em concreto verificamos que a precipitação registada em Coimbra constitui um bom indicador desta
perigosidade. Na Figura 14 mostra‐se a precipitação acumulada no ano hidrológico num conjunto de anos,
incluindo 2017. Como se pode ver a precipitação acumulada no ano hidrológico em 2017 foi das mais baixas
de que há registo e situou‐se ao nível da do ano 2005, em que o valor da área ardida foi a terceira, depois de
2017 e de 2003.
Figura 14 – Evolução da precipitação acumulada no ano hidrológico em Coimbra, para um conjunto de anos, em comparação com
os valores médios de 1970‐2009
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A condição de secura é bem traduzida pelo índice de secura DC (Drought Code) do sistema Canadiano.
A título indicativo apresentamos na Figura 15 a evolução de DC em Coimbra (dados do IPMA) para o ano de
2017, o seu valor médio entre 2000 e 2016 e apresenta‐se a sua evolução para outros anos de referência
(2003 e 2005). Destaca‐se na figura o dia 15 de outubro, com um valor de DC muito acima do normal.
Figura 15 – Evolução do índice de secura DC de Coimbra, em 2017 e noutros anos de referência. Dados IPMA.
Em outubro de 2017, o valor de DC era muito superior à média e ao valor registado em 2003 e em 2005.
Em regiões mais interiores muito possivelmente, os valores de DC seriam superiores aos de Coimbra, mas a
sua evolução relativa neste conjunto de anos não seria muito diferente.
Perigo de incêndio
2.2.2.1. Índice meteorológico de perigo de incêndio florestal – Fire Weather Index (FWI)
O perigo de incêndio, considerado como sendo a possibilidade de ocorrer um incêndio, condicionada
pelos fatores ambientais variáveis, refere‐se em geral às condições meteorológicas (Viegas et al., 2004).
Em Portugal, para se estimar o perigo de incêndio é comum utilizar‐se o sistema canadiano,
caracterizado pelo seu índice de perigo de incêndio Fire Weather Index (FWI). É o resultado de anos de
investigação aplicada realizada naquele País, a partir de 1968, que culminou com a apresentação do sistema
num documento coligido por Van Wagner, 1987. O FWI é um indicador do comportamento e perigo de
incêndio e constitui o parâmetro de saída do sistema que mais diretamente se relaciona com a possibilidade
de ocorrência de incêndios e com a respetiva perigosidade (Viegas et al., 2011).
A situação climatológica do ano de 2017 e as condições meteorológicas do mês de outubro, refletiram‐
se em valores excecionais do índice meteorológico de perigo de incêndio florestal. A fim de ilustrar o elevado
nível de perigo, que tivemos em outubro de 2017, apresenta‐se na Figura 16 a evolução do índice FWI para
a estação de Coimbra no ano de 2017. Esta figura apresenta também a evolução do índice para os anos de
2003 e 2005, anos de severa ocorrência de incêndios no país, e a média de valores de FWI entre 2000 e 2016.
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Figura 16 – Evolução dos valores de FWI em Coimbra para os anos de 2003 e 2005 e para o ano de 2017. Representação dos valores
médios de FWI para os anos de 2000 a 2016 (dados IPMA)
Em 2017, à semelhança de 2003 e 2005, observam‐se valores muito elevados deste índice face à média
de FWI entre 2000 e 2016. No dia 17 de junho de 2017 o FWI tomou o valor de 26 o que corresponde a nível
Muito Elevado de risco de incêndio, o segundo nível mais grave na escala de risco. No entanto, a 15 de
outubro de 2017 o FWI atingiu o valor recorde de 82, correspondendo a nível Máximo, o nível mais grave na
escala de risco.
2.2.2.2. Nível de perigo de incêndio florestal
A interpretação do índice de perigo é feita através de uma escala de risco constituída por 5 classes, cuja
gravidade vai progressivamente aumentando consoante o aumento do valor do FWI (Tabela 5)
Tabela 5 – Classes de risco de incêndio – definição adotada em Portugal
Nível Classe de risco (IPMA)
1 Reduzido
2 Moderado
3 Elevado
4 Muito Elevado
5 Máximo
A equipa da ADAI, em conjunto com o IPMA tem desenvolvido estudos de adaptação do sistema
Canadiano e, em especial, do FWI à estimativa do risco de incêndio em Portugal. Em 1999, foi feita uma
calibração conjunta IPMA/ CEIF do índice FWI para cada um dos distritos de Portugal, estabelecendo valores
limite para cada nível, diferentes de um distrito para outro (Viegas et al., 2004). Este trabalho foi
complementado por outro mais recente, (Rocha, 2014) que estendeu esta calibração ao nível concelhio.
Embora nos pareça ser mais válida esta calibração, por ser baseada num grande número de dados, não a
iremos utilizar porque não foi testada operacionalmente, ao contrário da calibração conjunta.
Esta calibração, que designaremos por calibração IPMA/CEIF, foi adotada pelo IPMA durante vários anos,
mas foi descontinuado o seu uso em 2012, tendo a partir daí o IPMA adotado um conjunto de valores único
para definir os níveis de perigo para todo o território português (Novo et al., 2015).
A Figura 17 apresenta a localização de nove estações meteorológicas do IPMA utilizadas na análise do
FWI.
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Figura 17 – Localização das estações meteorológicas do IPMA usadas na análise do FWI e área dos incêndios de 15/10
Para a determinação dos valores observados do índice FWI, os cálculos utilizam a observação nas
estações dos parâmetros meteorológicos (temperatura e humidade relativa do ar a 2m, velocidade do vento
a 10m e precipitação acumulada em 24 h) e os valores previstos utilizam as previsões do modelo de previsão
numérica do Centro Europeu de Previsões Meteorológicas a médio prazo (European Centre for Medium‐
Range Weather Forecasts, ECMWF).
A Tabela 6 apresenta o valor de FWI previsto a 72h, 48h e 24h e o observado no dia 15 de outubro nas
nove estações meteorológicas. O índice de risco meteorológico FWI mais elevado no dia 15 de outubro foi
registado na estação da Lousã, com o valor de 86,5.
Tabela 6 – Valores de FWI previstos e valores de FWI observado a 15 de outubro. Dados IPMA
Previsão Observado
Distrito Estação
72h 48h 24h 15/10
Coimbra Lousã 63,8 57,8 51,0 86,5
Coimbra Coimbra 78,9 59,6 100,5 81,9
Guarda Penhas Douradas 67,1 50,7 53,4 58,2
Viseu Viseu 81,5 69,9 79,5 69,0
Viseu Nelas 85,5 70,9 74,3 76,8
Coimbra Pampilhosa da Serra 71,3 77,4 80,3 48,9
Castelo Branco Proença‐a‐Nova 55,2 57,2 56,4 52,0
Leiria Leiria 75,8 53,0 73,5 79,8
Coimbra Figueira da Foz 76,1 42,9 73,5 71,9
Nas estações próximas das áreas afetadas pelos incêndios (Lousã, Penhas Douradas, Nelas, Proença‐a‐
Nova e Leiria) verifica‐se que o valor de FWI observado no dia 15 de outubro foi, mais alto que o valor de FWI
previsto. A estação da Lousã teve a diferença mais significativa entre o valor previsto a 24h (FWI=51,0) e o
observado (FWI=86,5). O valor de FWI observado na estação da Pampilhosa é consideravelmente mais baixo
que o previsto, no entanto salienta‐se que esta estação deixou de transmitir dados meteorológicos a partir
das 2h de dia 15 de outubro, dados estes essenciais para o cálculo do FWI observado.
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Os valores de FWI da Tabela 6, quando traduzidos em classe de risco indicam, no dia 15 de outubro, que
o nível de perigo era Muito Elevado e Máximo para as estações selecionadas. Esta classificação foi feita
segundo as calibrações do IPMA/CEIF e do IPMA e é apresentada na Tabela 7.
Verifica‐se que as duas classificações conduzem a resultados semelhantes. O resultado dos níveis de
perigo segundo a classificação do IPMA é mais penalizador, verificando‐se que esta calibração previa nível
máximo de risco em todos os distritos. A calibração do IPMA resulta numa escala única para divisão das
classes para todo o território português, o valor de FWI limite que define a passagem a nível Máximo é de
38,3 para todos os concelhos, como se observa na tabela anterior todas as estações registaram valores
superiores a esse valor limite.
Tabela 7 – Classificação do índice meteorológico de perigo de incêndio florestal FWI para o dia 15 de outubro
Divisão de Previsão Observado
Estação
classes 72h 48h 24h 15/10/2017
Lousã 5 5 5 5
Coimbra 5 5 5 5
Leiria 5 5 5 5
Nelas 5 4 5 4
Figueira da Foz 5 5 5 5
IPMA/CEIF
Viseu 5 4 5 4
Penhas Douradas 5 5 5 5
Proença‐a‐Nova 4 4 5 4
Pampilhosa da
5 5 5 5
Serra
Lousã 5 5 5 5
Coimbra 5 5 5 5
Leiria 5 5 5 5
Nelas 5 5 5 5
Figueira da Foz 5 5 5 5
IPMA
Viseu 5 5 5 5
Penhas Douradas 5 5 5 5
Proença‐a‐Nova 5 5 5 5
Pampilhosa da
5 5 5 5
Serra
Os valores de FWI são calculados diariamente no IPMA para um conjunto de estações meteorológicas e
podem ser interpretados através dos seus percentis (Figura 18 a). Os valores dos percentis dos componentes
do índice FWI foram calculados com base num conjunto de 68 estações meteorológicas do continente,
estações que continuamente têm sido utilizadas para o cálculo dos componentes do índice FWI, para a série
de anos entre 2000 e 2013 e para o período de 15 de junho a 15 de setembro.
O risco de incêndio definido pelo ICNF através do risco estrutural é determinado com base nos três
parâmetros, referidos na seção 2.1.5: ocupação do solo, declives e áreas ardidas entre 1997‐2016. Deste
modo, a classe de perigosidade que uma determinada zona apresenta é a mesma ao longo de um ano, neste
caso 2017 (Figura 18 b).
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(a) (b)
Figura 18 – Comparação entre (a) os percentis de FWI para o dia 15/10 às 12UTC em Portugal (IPMA); e (b) Classes de
perigosidade de incêndio florestal em 2017 (ICNF) na zona centro de Portugal e áreas dos incêndios de 15/10
Pela comparação das figuras, observa‐se que o índice perigo meteorológico de incêndio florestal,
caracterizado por valores elevados do percentil de FWI coincide melhor com as áreas percorridas pelos
grandes incêndios.
No dia 15 de outubro, na RCP, verificou‐se que nas zonas litorais o percentil de FWI foi máximo (P99).
Esta observação significa que estas regiões tinham o seu FWI superior a 50, o que indica fogo de excecional
intensidade com extrema dificuldade de controlo do incêndio (IPMA, 2018). Através da carta de perigosidade
de incêndio florestal verifica‐se que as áreas afetadas pelos incêndios em Leiria e Figueira da Foz apresentam,
na sua maioria, risco Moderado a Elevado, quando no dia 15 de outubro estas zonas estavam claramente
com valores de FWI muito elevados e perigo de incêndio máximo.
O índice de Risco Conjuntural Meteorológico (RCM) também calculado diariamente pelo IPMA, vem
diminuir estas diferenças, pois resulta da integração do índice FWI com o risco conjuntural em Portugal
Continental. O RCM para o dia 15 de outubro é apresentado na Figura 19.
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Figura 19 – Risco Conjuntural e Meteorológico (RCM) para o dia 15 de outubro em Portugal Continental. Fonte: IPMA
Observa‐se que em determinadas zonas, principalmente no litoral, o RCM, que é transmitido
diariamente à ANPC para previsão, e como ferramenta de suporte de apoio à decisão no combate aos
incêndios florestais, também não interpreta da melhor forma a situação observada no dia 15 de outubro, de
risco máximo indicado pelo FWI. O RCM para dia 15 de outubro, na região centro no litoral, apresenta na
maioria das zonas Risco Elevado. Confirma‐se assim, que o risco meteorológico teve mais influência do que
o risco estrutural.
A interpretação da ANPC a estes valores de RCM previstos e a outros Avisos do IPMA é apresentada no
ponto 2.4 – Condições Operacionais, onde é analisada a situação operacional do país antes do dia 15 de
outubro de 2017 e os Estado de Alerta Especial (EAE) definidos.
Caracterização meteorológica
O IPMA elaborou relatórios sobre os fenómenos meteorológicos associados aos incêndios de 15 de
outubro. Neste tema, fazemos referência a dados desses relatórios: “Os Incêndios Florestais de 14 a 16 de
outubro de 2017 em Portugal Continental”, “Apoio meteorológico na prevenção e combate aos incêndios
florestais ‐ Relatório Outubro 2017 e “Elementos para análise da variabilidade observada no campo de vento
no dia 15 de outubro de 2017”.
No mês de outubro de 2017, em Portugal continental, a situação meteorológica predominante foi de
anticiclone, por vezes com passagem de superfícies frontais que não originaram precipitação. A persistência
desta situação anticiclónica originou tempo seco, com valores baixos da humidade relativa do ar, e
temperaturas elevadas.
As condições meteorológicas anómalas registadas foram mais pronunciadas durante a primeira metade
do mês de outubro com destaque para os períodos de 6 a 8 e 14 e 15 de outubro, em que valores da
temperatura máxima do ar acima de 30°C no Continente coexistiram com valores da humidade relativa
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mínima do ar inferiores a 25%, com o vento predominante de leste e valor médio de intensidade abaixo de
10km/h.
No dia 15 de outubro, devido à proximidade da passagem do furacão Ophelia à Península Ibérica,
centrado aproximadamente a 485 km de Viana do Castelo nesse dia, introduziu uma perturbação no fluxo de
sul já estabelecido no território continental, aumentando a intensidade do vento em especial no litoral oeste
e terras altas, o que favoreceu tanto a ignição como a progressão de incêndios neste dia.
A precipitação ocorrida no início de dia 17 de outubro contribuiu significativamente para o
desagravamento meteorológico da situação excecional de incêndios florestais vivida no período de 14 a 16
de outubro no território do Continente. Para este desagravamento, contribuiu também um segundo período
de precipitação verificado a partir do final da tarde do dia 17, associado à perturbação frontal que se
deslocava rapidamente do Atlântico em direção ao território. No Minho, Douro Litoral e alguns locais do
interior Centro, os valores da precipitação acumulada em 24 horas foram significativos, da ordem de 20 a
30mm.
2.2.3.1. Furacão Ophelia
No dia 14 de outubro, no Atlântico, a sudoeste dos Açores, encontrava‐se o furacão Ophelia, oscilando
a sua intensidade entre as categorias 2 e 3 na escala de Saffir‐Simphson (determina a intensidade de um
furacão com valores entre 1 e 5), deslocando‐se lentamente para nordeste, em aproximação aos Açores.
Estas categorias são caracterizadas, respetivamente, por velocidades do vento entre 154‐177 km/h e 178‐
209 km/h (National Hurricane Center, 2018).
De acordo com a National Oceanic and Atmospheric Administration (NOAA), o furacão Ophelia bateu
vários recordes:
Foi o furacão que se formou mais a leste no Atlântico;
Foi aquele que atingiu maior intensidade no Atlântico Leste, a categoria 3 no dia 14 de outubro;
Foi a 10ª tempestade a atingir a força de furacão no Atlântico em 2017, superando o número
máximo anual.
Um furacão, tem associado grandes quantidades de calor e humidade, introduzindo alterações
dinâmicas e termodinâmicas significativas na atmosfera da região onde se insere e sua vizinhança. O furacão
Ophelia atingiu a sua maior proximidade ao território entre as 15h UTC (Coordinated Universal Time) e as
21UTC do dia 15 de outubro (centro do furacão, ainda com categoria 1 às 21h UTC a noroeste de Viana do
Castelo).
Consequências da passagem do furacão Ophelia:
Originou períodos temporais com elevadas temperaturas e com reduzida humidade do ar,
estando‐lhe associado valores de velocidade do vento muito elevados.
A sua aproximação ao território resultou uma descida no campo da pressão atmosférica,
aumento do correspondente gradiente em especial na parte ocidental da Península Ibérica e
intensificação do fluxo, de sul/sueste sobre o território.
Durante o dia 15, a velocidade de propagação do Ophelia aumentou. O seu deslocamento para
nordeste revelou‐se decisivo no quadro das condições meteorológicas, agravando a situação
meteorológica no território continental português.
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Provocou a expansão dos incêndios do dia 15 de outubro sob a influência do vento de sul até
cerca das 16.00h, momento em que o vento terá enfraquecido.
O efeito do Ophelia foi menos notório a partir das 21h UTC do dia 15 de outubro aquando o seu
deslocamento para nordeste da Península Ibérica. Foi durante as 15h UTC e as 21h UTC (período de maior
aproximação do furacão ao território) que se observaram os máximos valores de vento médio e rajada. No
entanto, na maior parte dos locais, os valores máximos da intensidade do vento foram observados antes das
18h UTC.
A Figura 20 apresenta uma esquematização do deslocamento do furacão Ophelia de 14 de outubro às
00.00h e 15 de outubro às 18.00h. A data e hora (UTC) são representadas na figura com a seguinte
formatação: dia; hora. No horário de verão, em Portugal Continental e na Região Autónoma da Madeira, a
hora local é igual a UTC+1.
Figura 20 – Esquematização do deslocamento do furacão Ophelia entre dia 14/10 às 09h UTC e 16/10 às 03h UTC. Fonte: NOAA,
2017
Parâmetros de superfície: temperatura, humidade relativa e vento
As condições meteorológicas durante a sua propagação de incêndios, no período de 15 a 17 de outubro,
é descrita nesta secção através da análise dos seguintes parâmetros de superfície: temperatura do ar, a
humidade relativa e o vento (intensidade e rumo). Foram analisadas seis estações meteorológicas do IPMA
e a quatro parques eólicos (PE) da IBERWIND.
A Tabela 8 apresenta as estações meteorológicas do IPMA e os parques eólicos para análise, estas
estações foram selecionadas por serem consideradas representativas da evolução do ambiente atmosférico
nas regiões de maior interesse, nomeadamente o litoral e o interior Centro. A sua localização é apresentada
na Figura 21.
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Tabela 8 – Estações meteorológicas utilizadas. Dados do IPMA e da IBERWIND.
Figura 21 – Localização das estações do IPMA e dos parques eólicos da IBERWIND na análise dos parâmetros de superfície
2.2.4.1. Análise de dados das estações meteorológicas
A análise dos parâmetros de estações meteorológicas do IPMA é feita através de dados recolhidos na
estação de 10 em 10 minutos.
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Estação meteorológica de Penhas Douradas
A estação meteorológica das Penhas Douradas, representativa do distrito da Guarda, é representada
Figura 22.
Figura 22 – Dados meteorológicos na estação de Penhas Douradas entre os dias 15 e 17 de outubro (dados de 10 em 10 minutos)
Observa‐se nas primeiras horas do dia (00.00h – 06.00h) temperaturas altas e a humidade relativa baixa.
A temperatura média foi 20ºC e a humidade relativa foi de 38% no referido período. A temperatura máxima
atingida foi de 23,4ºC ao 12.1h0 e manteve‐se constante até às 16.00h, instante que terá diminuído, embora
com baixas variações até dia 16 de outubro às 01.00h. A humidade relativa do ar entre o 12.00h de dia 15 e
a 01.00h de dia 16 oscilou entre os 31% (15.20h) e os 35%.
No dia 16 de outubro a partir das 03.30h da manhã observa‐se uma descida significa da temperatura e
um aumento da humidade relativa, mudanças estas influenciadas pela ocorrência de precipitação. Às 07.20h
registou‐se a temperatura mínima de 12,2ºC e a uma humidade relativa de 70%.
A estação de Penhas Douradas, das seis estações em análise, foi a que registou o maior valor de rajada
do vento, com 78,84 km/h às 15.50h de dia 15. Na Figura 22, no gráfico referente à da velocidade do vento,
verifica‐se o efeito da passagem do furacão Ophelia nesta região com o aumento da intensidade do vento no
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a partir das 11.00h e diminuição a partir das 17h.00 de dia 15 de outubro, no entanto nesta estação verificou‐
se instabilidade do vento até aproximadamente às 05.00h de dia 16 de outubro.
Estação meteorológica da Lousã
Os parâmetros meteorológicos na estação da Lousã são apresentados na Figura 23.
Figura 23 – Dados meteorológicos Lousã entre os dias 15 e 17 de outubro (dados 10 em 10 minutos)
Os valores mínimos da temperatura do ar durante a noite e início da manhã (00.00h e 06.00h) de dia 15
foram consideravelmente altos, oscilaram entre os 24ºC e 29ºC, enquanto os valores de humidade relativa
do ar variaram entre 20% e 34%. Das estações em análise, a da Lousã foi a que registou o valor mais alto de
temperatura com 36,4ºC às 14.20h de dia 15, e foi simultaneamente a que registou o valor mais baixo de
humidade relativa do ar com 10% à mesma hora.
Verifica‐se na figura, a coexistência de valores elevados da temperatura do ar, baixos valores de
humidade relativa do ar e um escoamento moderado e turbulento. No período entre 06.30h de dia 15 e a
00.00h de dia 16, o vento foi mais intenso, tendo também exibido um regime mais turbulento, contribuindo
para consolidar um ambiente atmosférico particularmente adverso. Os valores mais elevados do vento
médio e da rajada (26,28km/h e 58,68km/h) registaram‐se no início da tarde do dia 15, às14.30h, coincidindo
com os mínimos da humidade relativa do ar e máximos da temperatura do ar.
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Estação meteorológica de Viseu
A Figura 24 apresenta os parâmetros meteorológicos registados na estação de Viseu, estação
selecionada por ser representativa dos incêndios ocorridos na região.
Figura 24 – Dados meteorológicos Viseu entre os dias 15 e 17 de outubro (dados 10 em 10 minutos)
Em Viseu, nas primeiras horas de dia 15 a temperatura registada foi, em média de 23ºC e a humidade
relativa do ar foi de 34%. A partir das 07.00h observa‐se um aumento significativo da temperatura e um
decréscimo significativo da humidade relativa até às 15.00h de dia 15.
O do vento intensificou‐se a partir das 07.00h e prolongou‐se até dia 16 com alguma turbulência. Esta
turbulência foi mais notória durante o período de valores mínimos de humidade relativa do ar e valores
máximos de temperatura do ar.
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Estação meteorológica de Proença‐a‐Nova
As condições meteorológicas representativas do distrito de Castelo Branco foram analisadas através dos
parâmetros medidos na estação meteorológica de Proença‐a‐Nova, apresentada na Figura 25. Nesta estação
ocorreram erros no registo dos valores da humidade relativa do ar durante todo o período de análise (15 a
17 de outubro) pelo que este parâmetro não se encontra representado na figura.
Figura 25 – Dados meteorológicos Proença‐a‐Nova entre os dias 15 e 17 de outubro (dados 10 em 10 minutos)
A temperatura do ar, bem como a velocidade do vento, tenderam a aumentar significativamente a partir
das 07.00h de dia 15 de outubro. A temperatura atingiu o valor máximo de 32,9 às 14.40h, e o valor máximo
do vento médio e da rajada foi atingido às 15.10h com 23,8km/h e 43,6 km/h, respetivamente. Após o pico
máximo, a temperatura desceu gradualmente até ao início do dia 16 assim como se sucedeu com o vento
que apresentou baixas oscilações.
O rumo do vento que se apresentava de E/NE desde o início do dia 15, pelas 12.20h observa‐se alguma
turbulência e altera‐se o seu rumo para S/SE. Ao longo do dia 15 observa‐se as suas variações de rumo entre
S/SW até às 05.00h de dia 16. No dia 16 observam‐se significativas alterações do rumo do vento ao longo do
dia.
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Estação meteorológica de Leiria
Os dados meteorológicos registados na estação de Leiria são apresentados na Figura 26.
Figura 26 – Dados meteorológicos Leiria entre os dias 15 e 17 de outubro (dados 10 em 10 minutos)
A temperatura mínima apresenta valores consideravelmente altos nas primeiras horas do dia 15 de
outubro, o seu valor mínimo foi de 24,3ºC e pelas 09.00h aumentou gradualmente até aos 35,7ºC às 15.00h
de dia 15. A diminuição mais acentuada da humidade relativa também ocorre pelas 09h.00 e atinge o valor
mínimo de 15% às 13.30h de dia 15.
O rumo predominante dos valores mais elevados do vento médio e da rajada foi sueste, estes
parâmetros registavam o valor máximo, às 13.20h, de 31,3km/h e 53,6 km/h, respetivamente.
No dia 16 de outubro, verifica‐se o desagravamento das condições (diminuição da temperatura,
aumento da humidade do ar e diminuição da velocidade do vento).
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Estação meteorológica da Figueira da Foz
A Figura 27 apresenta os parâmetros meteorológicos na estação da Figueira da Foz que é representativa
das condições presentes na deflagração do incêndio de Quiaios e na sua propagação. Face ao seu
enquadramento geográfico encontra‐se a uma altitude de apenas 4m.
Figura 27 – Dados meteorológicos Figueira da Foz entre os dias 15 e 17 de outubro (dados 10 em 10 minutos)
Nesta região observa‐se, pelas 07.00h de dia 15 de outubro, que há uma mudança evidente das
condições meteorológicas, a temperatura aumenta de 16ºC às 07.00h para 24ºC às 08.00h, enquanto a
humidade relativa no mesmo intervalo decresce de 71% para 50%. A partir das 08.00h também se verifica
um aumento na velocidade do vento.
Os valores mais elevados do vento médio (36 km/h) e da rajada (55,4 km/h) que se registaram coincidem
com os máximos da temperatura do ar e com os mínimos da humidade relativa do ar.
2.2.4.2. Análise de dados de parques eólicos
Para uma análise mais detalhada sobre o parâmetro do vento, que influenciou as condições de
propagação dos incêndios iniciados a 15 de outubro foram utilizadas também estações meteorológicas de
parques eólicos próximos das áreas afetadas. Os parâmetros meteorológicos, a localização e altitude dos
parques, bem como as alturas dos mastros, foram fornecidos pela empresa IBERWIND.
Um parque eólico é constituído por diversas turbinas e cada uma possui uma estação. Na presente
análise, foi selecionada a turbina que registou os valores mais elevados da velocidade do vento para ser
representativa desse parque.
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Os dados meteorológicos, para os quatro parques eólicos em análise, são apresentados do dia 14 de
outubro às 00.00h até ao dia 17 de outubro às 00.00h sob a forma horária. A velocidade do vento apresentada
é sempre referente ao vento médio.
Parque eólico da Lousã
Os dados do parque eólico da Lousã, situado a 1000 m de altitude, é apresentado na Figura 28.
Figura 28 – Intensidade, direção do vento e temperatura para o PE da Lousã do dia 14/10 às 00h ao dia 17/10 às 00h.
Constata‐se que pelas 16.00h de dia 14 de outubro há um aumento significativo da velocidade do vento
até cerca das 10.20h de dia 15 de outubro onde atingiu o valor máximo de 69,1 km/h e a intensidade
permaneceu elevada até ao dia 16 de outubro.
O rumo do vento durante o dia 15 de outubro manteve‐se praticamente de S/SE, no entanto pela
observação da figura verifica‐se a interrupção da aquisição de dados entre as 18.20h de dia 15 e as 08.30h
de dia 16.
A temperatura variou entre os 22ºC e os 26ºC até às 18.20h de dia 15, a partir deste instante observa‐
se uma diminuição progressiva da temperatura. No dia 16 de outubro a temperatura baixou
consideravelmente, registando‐se o valor máximo de 20ºC às 00.00he os 15ºC às 08.00h da manhã.
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Parque eólico da Freita I
O parque eólico da Serra da Freita em Arouca, a 1090m, foi selecionado por ser o parque mais próximo
da área afetada pelo incêndio de Vouzela. Os seus dados são apresentados na Figura 29.
Figura 29 – Intensidade, direção do vento e temperatura para o PE da Freita do dia 14/10 às 00h ao dia 17/10 às 00.
No dia 14 de outubro, pelas 06.00h, observa‐se o aumento da velocidade do vento, este aumento
gradual ocorreu até aproximadamente às 17.00h de dia 15 de outubro, momento em que se registou o valor
mais elevado (54 km/h). A partir deste momento verifica‐se a falha de dados até ao dia 16 de outubro, no
entanto com o decorrer do tempo observa‐se que a velocidade do vento se encontra alta nas primeiras horas
do dia, acabando por diminuir a partir das 02.30h de dia 16 de outubro.
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Parque eólico da Pampilhosa da Serra
A Figura 30 apresenta os parâmetros meteorológicos no parque na Pampilhosa da Serra situado a 900m
de altitude.
Figura 30 – Intensidade, direção do vento e temperatura para o PE da Pampilhosa da Serra do dia 14/10 às 00h ao dia 17/10 às 00h
Na Pampilhosa da Serra a intensidade do vento teve um comportamento similar ao caso anterior para a
Serra da Freita, no entanto o parque da Pampilhosa da Serra observa‐se um aumento acentuado da sua
velocidade e da temperatura do ar. A velocidade do vento às 11.50h de dia 15 de outubro aumentou de 35
km/h ao 12.00h para 70 km/h às 14.00h e a temperatura aumentou de 21ºC para 27ºC.
O pico máximo do vento foi registado às 00.50h de dia 16 de outubro. O rumo manteve‐se de S/SW
durante o dia 15 e o dia 16, embora se verifiquem problema de registo no dia 16.
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Parque eólico da Sra. da Vitória
O parque eólico da Sra. da Vitória situado na Nazaré, a 65 m de altitude, foi escolhido para ser
representativo na região litoral atingida pelos incêndios (Figura 31). Nesta figura não é apresentado o rumo
do vento devido à inexistência de dados deste parâmetro no parque.
Figura 31 – Intensidade, direção do vento e temperatura para o PE da Sra. da Vitória do dia 14/10 às 00h ao dia 17/10 às 00h
Na figura verificam‐se variações bruscas da velocidade do vento, principalmente no dia 15 de outubro
onde se registou a máxima velocidade do vento (45 km/h às 08.00h) e a temperatura máxima (34,8ºC às
16.00h).
2.2.4.3. Análise geral (parâmetros de superfície)
De um modo geral, através da observação das figuras, pode verificar‐se que entre os dias 15 e 17 de
outubro as temperaturas máximas eram superiores a 30°C e com valores de humidade relativa do ar
inferiores a 30%. Observou‐se em todas as estações, especialmente até às 15.00h do dia 15, a passagem do
furacão Ophelia que agravou a situação meteorológica sentida no Continente.
Durante o período diurno de dia 15, observaram‐se a intensificação dos ventos, atingindo valores de
velocidade máxima de 50 km/h, temperaturas muito elevadas e baixa humidade relativa do ar. O fenómeno
Ophelia contribui para o aumento das condições de instabilidade devido às alterações na massa de ar quente
e húmido da zona frontal, e, contribuiu, também, para a advecção de ar quente e seco, ocorrendo uma
intensificação do fluxo de sul/sueste (Departamento de Meteorologia e Geofísica ‐ IPMA, 2017)
Os valores mais altos de temperatura máxima, nas seis estações representativas, foram registados nas
estações da Lousã (36,4ºC) e Leiria (35,7ºC). Estas estações registaram ainda os valores mais baixos de
humidade relativa, com 10% na estação da Lousã e 15% na estação de Leiria. Assinala‐se que estes elevados
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valores da temperatura do ar coexistiram, nas horas centrais do dia e em especial na faixa costeira, com os
baixos valores de humidade relativa do ar.
Em Viseu, ao contrário no sentido nas restantes estações onde houve um desagravamento da
intensidade do vento, a estação registou o prolongamento das elevadas velocidades do vento pela noite de
15‐16 de outubro. Este comportamento poderá ter sido influenciado pelo transporte, em níveis baixos, de
massas de ar situadas mais a sudoeste, provenientes de áreas onde ocorriam incêndios de grandes
proporções.
Em todas as estações verificou‐se a coexistência de valores elevados da temperatura do ar, baixos
valores de humidade relativa do ar e um escoamento moderado e turbulento, durante um determinado
período constituiu um facto importante. As figuras apresentadas, tanto nas estações do IPMA como nos
parques eólicos, mostram que pelas 14.00h de dia 15 de outubro registaram‐se os valores mais elevados do
vento médio e da rajada em grande parte das estações.
A Figura 32 apresenta a velocidade máxima do vento (rajada) e a respetiva hora a que foi atingida em
18 estações meteorológicas do IPMA no período entre 14 de outubro e 17 de outubro.
Figura 32 – Velocidade máxima registada em estações do IPMA entre 14/10 e 17/10
No período em análise, as velocidades máximas atingidas pelo vento registaram‐se entre as 10.30h de
dia 15 de outubro, com maior intensidade nas primeiras horas da tarde, e as 02.00h de dia 16 de outubro,
ou seja, todas as estações representadas na figura registaram os seus valores máximos neste intervalo.
Os menores valores da velocidade máxima do vento (U<45) foram registados na estação de Anadia
(37,08 km/h), Moimenta da Beira (38,16 km/h), Arouca (43,20 km/h), Covilhã (43,20km/h) e Proença‐a‐Nova
(43,56km/h). Na estação do Cabo Carvoeiro, Tomar e Trancoso foram registados os valores de vento entre
45 e 50 km/h.
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A velocidade atingida pelo vento superior a 50km/h ocorreu a partir das 13.00h de dia 15 de outubro e
foi registada em Leiria (53,64km/h). A estação de Nelas, distrito de Viseu, foi a estação com U>50km/h que
atingiu mais tardiamente o seu valor de velocidade máxima, às 01.50h de dia 16 com 55,44km/h, as restantes
estações com U>50km/h registaram os seus valores no dia 15 entre as 13.20h e as 16.00. Como referido
anteriormente, ao contrário no sentido nas restantes estações onde houve um desagravamento da
intensidade do vento, o distrito de Viseu registou o prolongamento das elevadas velocidades do vento pela
noite de 15 e 16 de outubro.
A maior intensidade do vento registou‐se no dia 15 de outubro entre as 14.30h e as 16.00h, neste
intervalo inclui‐se: a estação da Lousã com 58,68km/h às 14.30h; a estação da Guarda com 68,40 km/h às
15.00h; a estação de Penhas Douradas com 78,84 km/h (a que registou o maior valor de rajada do vento) às
15.50h; e a estação de Coimbra com 59,04 km/h às 16.00h.
2.3. Humidade dos combustíveis
Evolução do teor de humidade de combustíveis finos na Lousã
O teor de humidade dos combustíveis finos é determinante para a análise das condições de ignição de
um incêndio, da viabilidade de focos secundários e também da propagação das frentes de chamas. De entre
estes combustíveis, assumem particular importância os que compõem a manta morta que, na Região Centro
de Portugal, é constituída essencialmente por folhada de Eucalipto (Eucalyptus globulus) e de Pinheiro Bravo,
(Pinus pinaster). São igualmente importantes os combustíveis do estrato arbustivo, representados nesta
região pela Urze (Calluna vulgaris) e pela Carqueja (Pterospartum tridentatum). Para o estudo dos fogos de
copas é importante conhecer o teor de humidade das folhas do estrato arbóreo, nomeadamente do Eucalipto
e do Pinheiro.
O CEIF efetua, há cerca de trinta anos, um programa de amostragem do teor de humidade das espécies
mais representativas das zonas florestais da região Centro, no seu Laboratório de Estudos sobre Incêndios
Florestais. Folhas vivas e mortas de Eucalipto e de Pinheiro destas duas espécies e as extremidades de ramos
de Urze e Carqueja, são colhidas semanalmente durante todo o ano, na zona do Freixo, Lousã, sendo que
durante o período de junho a outubro esta amostragem é realizada diariamente.
A análise dos dados de que dispomos, permite obter uma boa indicação do estado higroscópico dos
combustíveis na região afetada pelo incêndio. Deste modo, nas figuras seguintes (Figura 33 à Figura 38),
mostra‐se a evolução do teor de humidade destas espécies no ano de 2017 assim como a média do teor de
humidade medido entre 1996 e 2016.
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Figura 33 – Evolução do teor de humidade da folhada morta de Pinus pinaster medido em 2017 e média do teor de humidade da
folhada morta de Pinus pinaster medido entre 1996 e 2016
Figura 34 – Evolução do teor de humidade da folhada morta de Eucalyptus globulus medido em 2017 e média do teor de humidade
da folhada morta de Eucalyptus globulus medido entre 1996 e 2016
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Figura 35 – Evolução do teor de humidade de folhas vivas de Pinus pinaster medido em 2017 e média do teor de humidade da de
folhas vivas de Pinus pinaster medido entre 1996 e 2016
Figura 36 – Evolução do teor de humidade de folhas vivas de Eucalyptus globulus medido em 2017 e média do teor de humidade de
folhas vivas de Eucalyptus globulus medido entre 1996 e 2016
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Figura 37 – Evolução do teor de humidade da Calluna vulgaris medido em 2017 e média do teor de humidade da Calluna vulgaris
medido entre 1996 e 2016
Figura 38 – Evolução do teor de humidade da Pterospartum tridentatum medido em 2017 e média do teor de humidade da
Pterospartum tridentatum medido entre 1996 e 2016
Como se pode verificar nas figuras anteriores, os valores do teor de humidade da folhada morta do
Pinheiro Bravo e do Eucalipto foram significativamente reduzidos nos períodos correspondentes ao
complexo de incêndios de Pedrógão Grande e concelhos limítrofes e aos incêndios ocorridos a 15 de outubro.
Estes valores mínimos do teor de humidade apenas se verificaram também durante alguns dias de agosto.
Vários estudos realizados pelo Centro de Estudos de Incêndios Florestais mostram que se o teor de
humidade dos combustíveis florestais finos da manta morta for inferior a 10% as condições de perigo são
muito elevadas; se for inferior a 6 ou 7% as condições são extremas. Foi isto que se observou na Lousã
durante o período dos incêndios referidos, com valores do teor de humidade a rondar os 6%.
Como se pode verificar nas figuras anteriores, também para as espécies arbóreas (Pinheiro Bravo e
Eucalipto) e arbustivas (Urze e Carqueja) o teor de humidade foi, ao longo do corrente ano, sistematicamente
reduzido.
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Para todas as espécies, é possível verificar que os valores registados em 2017 foram significativamente
mais reduzidos do que os valores médios registados entre 1996 e 2016.
Previsão do teor de humidade dos combustíveis finos mortos
É importante dispor de uma estimativa mais precisa do teor de humidade da vegetação nas zonas dos
incêndios. A previsão do teor de humidade dos combustíveis florestais finos mortos foi realizada utilizando
os dados medidos de temperatura e humidade relativa do ar e de velocidade do vento nas estações
meteorológicas do IPMA mais próximas das zonas onde ocorreram os incêndios florestais de 15 de outubro
de 2017, neste caso as estações da Lousã (697), Penhas Douradas (568), Viseu (560), Pampilhosa da Serra
(686), Leiria (718) e Figueira da Foz (713). A sua localização é apresentada na Figura 39.
Figura 39 – Localização das estações IPMA na análise do teor de humidade dos combustíveis finos mortos
Utilizou‐se a equação de Henderson e Pabis Modificado (Henderson & Pabis, 1961) e as equações de
Simard (Simard, 1968), utilizando para isso a temperatura e humidade relativa do ar, tal como descrito em
Lopes (2014). Os valores do teor de humidade previstos foram ainda corrigidos de acordo com a velocidade
do vento registada, que produz uma redução dos valores do teor de humidade com o aumento da velocidade
do vento.
Para validar a metodologia adotada, foi realizada uma previsão do teor de humidade de caruma de
Pinheiro bravo, utilizando os dados horários medidos na estação meteorológica da Lousã no período entre 1
de junho de 2017 e 31 de dezembro de 2017. Estas previsões foram comparadas com as medições do teor
de humidade da caruma de Pinheiro bravo realizadas na Lousã, no mesmo período da simulação. Os
resultados apresentam‐se na Figura 40.
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Figura 40 – Comparação entre a variação horaria do teor de humidade de caruma de Pinus pinaster modelado e medido na Lousã
no período entre 1 de junho a 31 de julho de 2017
Como se pode ver na Figura 40, existe uma boa concordância entre os valores medidos e os valores
modelados para a zona da Lousã para o período em análise, validando desta forma a metodologia de
simulação do teor de humidade utilizada para as restantes zonas do incêndios de 15 de outubro de 2017.
Para as estações da Lousã, Penhas Douradas, Viseu, Leiria e Figueira da Foz o teor de humidade dos
combustíveis florestais finos mortos foi modelado para o período entre 10 e 20 de outubro de 2017. Para a
estação da Pampilhosa da Serra foi modelado até à primeira hora do dia 15 de outubro, pois a partir desta
hora a estação deixou de transmitir dados. Para a estação da Lousã é ainda apresentada a comparação entre
os valores do teor de humidade da caruma de Pinheiro bravo medidos e os valores modelados entre 10 e 20
de outubro de 2017.
Figura 41 – Teor de humidade dos combustíveis finos mortos, medido e modelado para a zona da Lousã, no período entre 10 e 20 de
outubro de 2017
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Como podemos verificar na Figura 41, para a zona da Lousã, nos dois dias anteriores ao incêndio de 15
de outubro e nos dias seguintes ao dia 16 de outubro, o teor de humidade dos combustíveis finos mortos
apresentou ciclos diários bem definidos com valores máximos a ocorrer entre as 05.00h e as 8.00h da manhã
e os valores mínimos a ocorrer entre as 15.00h e as 17.00h da tarde, contrastando com o valores do dia 15 e
16 de outubro, maioritariamente muito próximos dos 5%.
Tal como referido anteriormente, na Figura 41 podemos também verificar a boa concordância entre os
valores medidos e os valores modelados para a zona da Lousã para o período em análise.
Figura 42 – Teor de humidade dos combustíveis finos mortos, modelado para a zona das Penhas Douradas, no período entre 10 e 20
de outubro de 2017
Figura 43 – Teor de humidade dos combustíveis finos mortos, modelado para a zona de Viseu, no período entre 10 e 20 de outubro
de 2017
Como podemos verificar na Figura 42 e Figura 43, respetivamente para a zona das Penhas Douradas e
de Viseu e, os cinco dias que antecederam o incêndio de 15 de outubro apresentaram sempre valores muito
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reduzidos do teor de humidade dos combustíveis finos mortos, culminando com a catástrofe do incêndio de
15 de outubro. Nos dias seguintes ao dia 16 de outubro, o teor de humidade dos combustíveis finos mortos
voltou a apresentar ciclos diários definidos, com uma tendência geral de aumento do teor de humidade dos
combustíveis finos mortos.
Figura 44 – Teor de humidade dos combustíveis finos mortos, modelado para a zona da Pampilhosa da Serra, no período entre 10 e
14 de outubro de 2017
Como podemos verificar na Figura 44, para a zona da Pampilhosa da Serra, os cinco dias que
antecederam o incêndio de 15 de outubro apresentaram sempre valores muito reduzidos do teor de
humidade dos combustíveis finos mortos. A estação deixou de transmitir dados a partir das 02.00h do dia 15
de outubro, no entanto prevê‐se que a evolução do teor de humidade não seja diferente do verificado para
a estação de Penhas Douradas e Viseu, isto é, nos dias seguintes ao dia 16 de outubro, este voltar a
apresentar ciclos diários definidos.
Figura 45 – Teor de humidade dos combustíveis finos mortos, modelado para a zona de Leiria, no período entre 10 e 20 de outubro
de 2017
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Figura 46 – Teor de humidade dos combustíveis finos mortos, modelado para a zona da Figueira da Foz, no período entre 10 e 20 de
outubro de 2017
Para as zonas de Leiria (Figura 45) e da Figueira da Foz (Figura 46), nos dias anteriores ao incêndio de 15
de outubro e nos dias seguintes ao dia 16 de outubro, o teor de humidade dos combustíveis finos mortos
apresentou ciclos diários bem definidos com valores máximos a ocorrer entre as 05.00 e as 08.00 da manhã
e os valores mínimos a ocorrer entre as 15.00h e as 17.00h da tarde, contrastando com o valores do dia 15 e
16 de outubro, maioritariamente muito próximos dos 5%.
Como pode ser verificado da Figura 41 à Figura 46, aquando do período crítico dos incêndios florestais
ocorridos a 15 de outubro de 2017, os valores do teor de humidade modelados para todas as estações
meteorológicas anteriormente referidas, foram significativamente inferiores a 10%, chegando mesmo a
atingir valores muito próximos dos 5%, resultado das condições de temperatura, humidade relativa e
velocidade do vento aí verificadas, estando assim criadas condições de perigo extremo de incêndio.
2.4. Condições Operacionais
Dispositivo operacional previsto
O Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Florestais (DECIF) de 2017 estava organizado de forma a
funcionar de um modo distinto e em conformidade com as fases de perigo associadas ao risco temporal de
IF. As fases estabelecidas pela Diretiva Operacional Nacional (DON‐2) da ANPC eram: fase Alfa, que decorre
de 1 de janeiro a 14 de maio; fase Bravo, que decorre de 15 de maio a 30 de junho; fase Charlie de 1 de julho
a 30 de setembro; fase Delta de 1 de outubro a 31 de outubro; e por último, fase Echo que decorre de 1 de
novembro a 31 de dezembro.
A DON‐2 preconizava que na fase Charlie se pudessem empregar 7043 meios humanos dos Corpos de
Bombeiros, da Força Especial de Bombeiros (FEB), do Grupo de Intervenção Proteção e Socorro (GIPS)da GNR
e das Equipas de Sapadores Florestais (ESF), apoiados por 1510 meios terrestres e por 48 meios aéreos: heli‐
bombardeiros ligeiros (HEBL), médios (HEBM) e pesados (HEBP) e aviões médios (AVBM) e pesados (AVBP).
Na fase Delta estavam contemplados 4073 meios humanos das entidades supramencionadas, apoiados por
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818 meios terrestres e 18 meios aéreos. O dispositivo do DECIF reduziu da fase Charlie para a fase Delta
51,5% dos meios humanos, 55,1% nos meios terrestres e 62,5% nos meios aéreos.
A Tabela 9 apresenta o referido dispositivo operacional e também o dispositivo operacional preconizado
na fase Bravo (no mês de junho).
Tabela 9 – Estrutura operacional na fase Bravo, Charlie e Delta no ano 2017
Bravo Charlie Delta
DECIF
(15/5 a 30/6) (1/7 a 30/9) (1/10 a 31/10)
3644 (maio)
Meios humanos 7043 4073
5018 (junho)
717 (maio)
Meios terrestres 1510 818
1025 (junho)
6 (até 31/5)
22 (até 5/10)
11 (até 14/6)
Meios aéreos 48 18 (até 15/10)
28 (até20/6)
2 (até 31/10)
32 (até30/6)
Relativamente à prontidão dos meios aéreos nas três fases apresentadas na Tabela 9, na fase Bravo, os
meios aéreos são no máximo 6 até 31 de maio, 11 até 14 de junho, 28 até 20 de junho e 32 até 30 de junho;
na fase Charlie, o número de meios aéreos é o mesmo durante toda a fase; e na fase Delta, os meios aéreos
são 22 até 5 de outubro, 18 até 15 de outubro, e 2 até 31de outubro podendo ser reforçado até um máximo
de oito sendo seis da frota própria do Estado.
Figura 47.
Figura 47 – Distribuição dos meios aéreos na fase Delta (até 15 de outubro)
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Pedido de reforço de meios
No final do mês de setembro, em função da permanência de severidade meteorológica e da redução do
efetivo operacional resultante da passagem da fase Charlie para a fase Delta, a ANPC fez um pedido ao
Ministério da Administração Interna (MAI) para reforçar os meios terrestres e aéreos previstos no DECIF. Não
obstante da existência de comunicações anteriores, este pedido de reforço de meios foi feito a 27 de
setembro e a 9 de outubro – a 27 de setembro de 2017 foi pedido o reforço com 105 equipas de combate a
incêndios, tendo sido autorizadas 50 equipas; o pedido de 9 de outubro solicitava:
Pedido de 164 equipas de combate a incêndios;
Pedido adicional de 70h para dois aviões anfíbios médios;
Locação de dois aviões anfíbios pesados até 31 de outubro;
Prolongamento de locação de oito helicópteros médios até 31 de outubro;
Locação de quatro aviões anfíbios médios para o período de 13 a 31 de outubro.
Avisos e Alertas
Analisamos no âmbito deste ponto, a situação prévia referente aos avisos emitidos pelo IPMA e alertas
feitos pela ANPC para o dia 15 de outubro.
2.4.3.1. Perigo de Incêndio Florestal
Diariamente, para apoio ao combate aos incêndios florestais, o IPMA disponibiliza ao Comando Nacional
de Operações de Socorro (CNOS) as previsões a 72h, 48h e 24h e as observações do próprio dia, do Risco
Conjuntural Meteorológico (RCM) e do índice meteorológico combinado de risco de incêndio florestal (ICRIF).
Como referido anteriormente no subcapítulo 2.2, as classes do RCM resultam da integração do índice FWI,
calculado pontualmente em cada uma das estações meteorológicas do IPMA, com o risco conjuntural em
Portugal Continental (risco estrutural atualizado com as áreas ardidas do ICNF).
A Tabela 10 apresenta as classes de risco adotadas por cada entidade. Constata‐se que a diferença de
designações atribuídas a cada nível pode gerar confusão e dificuldade de interpretação. As classes do IPMA,
com base no RCM, permitem transmitir diariamente a informação de perigo de incêndio florestal à ANPC e
gerar os Avisos à população, estes últimos com carácter público. Os Alertas emitidos pela ANPC têm carácter
reservado, que não se destinam à divulgação pública tendo como objetivo a transmissão de determinações
operacionais às entidades que integram o Sistema Integrado de Operações de Proteção e Socorro (SIOPS). A
classificação do Alerta Especial para SIOPS compreende os níveis verde (monitorização), azul, amarelo,
laranja e vermelho, progressivos conforme a gravidade da situação e o grau de prontidão que esta exige para
o Dispositivo Especial de Combate a Incêndios Florestais (DECIF).
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Tabela 10 – Classes de risco de incêndio – definição adotada pelo IPMA e ANPC para o seu dispositivo operacional
Classes IPMA Classes DECIF
Nível
(RCM) DON Nº 2/2017 e SIOPS
1 Reduzido Verde Estado normal
2 Moderado Azul
3 Elevado Amarelo Estado de Alerta
Especial
4 Muito elevado Laranja
(EAE)
5 Máximo Vermelho
Salienta‐se que a definição dos níveis de Alerta pela ANPC, não tem em conta apenas a informação
emitida pelo IPMA, nomeadamente, o RCM. No entanto, e como o que temos vindo a referir, nomeadamente
no relatório sobre o complexo de incêndios de Pedrógão Grande (Viegas et al., 2017), chamamos a atenção
para a confusão que continua a existir entre avisos e alertas e a distinta definição de cores.
Apresenta‐se na Tabela 11 o nível de perigo de incêndio observado e previsto a 24h, 48h e 72h pelo
IPMA através do RCM, e a avaliação da ANPC para o seu dispositivo operacional através da elaboração de
Comunicado Técnico‐Operacional (CTO) de caráter nacional, mas de acesso restrito ao seu dispositivo.
Tabela 11 – Nível de perigo de incêndio florestal – informação emitida pelo IPMA e definição do estado de alerta pela ANPC
IPMA (RCM) ANPC
CTO 64/2017 CTO 65/2017 CTO 66/2017
Distrito Obs. (até 15/10 às (de 14/10 às (de 14/10 às
72h 48h 24h 20h até 16/10
15/10 20h) 20h até 16/10
às 08h) às 20h)
Coimbra 4 4 4 4 4 5 5
Leiria 3 3 3 3 4 5 5
Aveiro 3 3 3 3 4 5 5
Viseu 4 4 4 4 4 5 5
Guarda 5 5 5 5 4 5 5
Castelo
4 4 4 4 4 5 5
Branco
Desde o início de outubro, grande parte do país, tinha o Estado de Alerta Especial (EAE) Laranja acionado.
No dia 10 de outubro, com base no Aviso do IPMA, a ANPC elaborou o CTO 64/2017 que determinava o
prolongamento do EAE como nível Laranja, para dia 15 de outubro até às 20.00h para todos os Comandos
Distritais (CDOS). Na avaliação seguinte, no CTO 65 emitido a 14 de outubro, elevou‐se o nível de Alerta para
Vermelho entre as 20.00h de dia 14 de outubro e as 08.00h da manhã de dia 16 de outubro; face à gravidade
da situação foi feita uma nova avaliação a 15 de outubro, onde se prolongou o nível de Alerta Vermelho até
às 20.00h de dia 16 de outubro.
As avaliações feitas no CTO Nº65 e CTO Nº66 para o período entre 14 de outubro e 16 de outubro
determinaram a passagem para nível Vermelho para todos os distritos. As condições foram agravadas em
virtude da passagem ao largo de Portugal Continental do Furação Ophelia:
Temperaturas máximas no intervalo entre os 35 e os 38º C em muitas regiões do país;
Humidade relativa do ar entre 10 – 30 % em todas as regiões de Portugal continental, sem
recuperação durante o período noturno.
O vento moderado (até 35 km/h) de sul com intensificação para o início da tarde de domingo e
com mais incidência no litoral e terras altas. Nas terras altas, o vento moderado a forte (até
50km/h) do quadrante sul e com rajadas que poderão atingir os 80 km/h nas terras altas e os 90
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a 100km/h nas terras altas da região do Minho e Douro Litoral, com possibilidade de emissão
de Aviso meteorológico;
Previsível a ocorrência de precipitação, na madrugada/manhã de segunda‐feira (16 de outubro)
com uma progressão do litoral para o interior, sendo pontualmente forte no período da tarde.
No CTO 65 destacava‐se que o índice de risco de incêndio previsto para domingo (15 de outubro),
apontava para valores acima da classe de muito elevado em todo o território continental, com um elevado
número de concelhos nas classes de risco muito elevado e máximo, em particular no interior Norte e Centro
no Baixo Alentejo e no Algarve. No CTO 66 voltou a destacar‐se esta informação, mencionando também a
precipitação prevista para a faixa mais litoral.
Resumidamente, a Tabela 12 apresenta o nível de Alerta à hora do CTO de dia 10 de outubro e o nível
de Alerta estabelecido nas avaliações seguintes (14 de outubro e 15 de outubro).
Tabela 12 – Estados de Alerta Especial para DECIF definidos entre 14/10 e 16/10. Dados ANPC
DECIF
Data emissão
Nível de Alerta Período Distritos abrangidos
10 de outubro 15h
4 Laranja Até dia 15/10 às 20h Todos os distritos
CTO Nº 64/2017
14 de outubro 15h De 14/10 às 20h até 16/10 às
5 Vermelho Todos os distritos
CTO Nº 65/2017 08h
15 de outubro 21h De 14/10 às 20h até 16/10 às
5 Vermelho Todos os distritos
CTO Nº 66/2017 20h
A passagem para estado de Alerta Especial Vermelho, determinou a manutenção do pré‐
posicionamento de meios, com os grupos de reforço indicados na Tabela 13, definidos no CTO 65 e na
avaliação seguinte, vertida no CTO 66. Os grupos de reforço incluíam: um Grupo de Reforço para Ataque
Ampliado (GRUATA) da Força Especial de Bombeiros (FEB), Grupos de Reforço para Incêndios Florestais
(GRIF) ambos sediados em Bases de Apoio Logístico (BAL), Brigadas de Combate a Incêndios (BCIN) e Grupo
de Reforço Ligeiro (GREL) dos Grupo de Intervenção de Proteção e Socorro (GIPS).
Tabela 13 – Prontidão dos grupos de reforço e o seu local de pré‐posicionamento definidos no CTO 65 e CTO 66
CTO Meio Local do pré‐posicionamento
GRUATA FEB BAL de Vila Real
GRIF 2 de Lisboa BAL de Paredes
GRIF 1 de Setúbal BAL de Albergaria à Velha
CTO 65/2017
GREL 1 GIPS Vila Real
GREL 2 GIPS Viseu
BCIN 1 GIPS Faro
GRUATA FEB BAL de Mangualde
GRIF Porto BAL de Ponte de Lima
GRIF 1 Lisboa BAL de Vila Real
GRIF 2 de Lisboa BAL de Chaves
CTO 66/2017
GRIF 1 de Setúbal BAL de Albergaria à Velha
GREL 1 GIPS Vila Real GREL 1 GIPS Vila Real
GREL 2 GIPS Viseu GREL 2 GIPS Viseu
BCIN 1 GIPS Faro BCIN 1 GIPS Faro
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2.4.3.2. Avisos meteorológicos
Os avisos meteorológicos emitidos pelo IPMA (de nível Amarelo), para disponibilização à ANPC, davam
conta da persistência de tempo quente entre 14 de outubro e 16 de outubro, e precipitação a partir do dia
16 de outubro. Estes avisos não determinam um Estado de Alerta Especial do SIOPS para o DECIF do mesmo
nível, no entanto também têm influência na avaliação do estado de alerta. A Tabela 14 apresenta os avisos
meteorológicos para esse período.
Tabela 14 – Avisos meteorológicos emitidos pelo IPMA de 14/10 a 16/10.
Avisos Data emissão Período de Nível e tipo Notas Distritos abrangidos
IPMA (UTC) observação de aviso
(UTC)
Persistência de valores
14/10/2017 14/10/2017 11h Tempo Porto, Aveiro, Coimbra e
186/2017 elevados de temperatura
00h45 15/10/2017 20h quente Leiria
máxima
Viana do Castelo, Braga,
16/10/2017 03h Porto, Vila Real, Viseu,
Precipitação Períodos de chuva ou
16/10/2017 21h Aveiro, Coimbra, Leiria,
aguaceiros, podendo ser
Lisboa e Setúbal
por vezes fortes e
Bragança, Guarda, Castelo
15/10/2017 acompanhados de
187/2017 16/10/2017 18h Branco, Santarém,
09h56 Precipitação trovoada
17/10/2017 12h Portalegre, Évora, Beja e
Faro
15/10/2017 Persistência de valores
Tempo Porto, Aveiro, Coimbra e
09h52 elevados de temperatura
quente Leiria
15/10/2017 21h máxima
Viana do Castelo, Braga,
16/10/2017 18h
Precipitação Porto, Aveiro, Coimbra,
17/10/2017 06h Períodos de chuva ou
Leiria e Santarém
aguaceiros, podendo ser
16/10/2017 Vila Real, Bragança, Viseu,
188/2017 17/10/2017 00h por vezes fortes e
02h46 Precipitação Guarda, Castelo Branco e
17/10/2017 12h acompanhados de
Portalegre
trovoada
17/10/2017 18h Viana do Castelo, Braga e
Precipitação
18/10/2017 03h Porto
A informação sobre a ocorrência de precipitação teve consequências no comportamento da população.
A previsão de chuva nas primeiras horas do dia 16 de outubro, levou a que muitas pessoas no dia 15 de
outubro, domingo, programassem fazer queimadas e queimas para este dia contando que iria chover
passado pouco tempo. No entanto, a previsão para períodos de chuva ou aguaceiros, podendo ser por vezes
fortes e acompanhados de trovoada, nos distritos abrangidos, como Viseu, Aveiro, Coimbra e Leiria, só se
verificou no final da tarde de dia 16 de outubro.
A realização de queimadas, autorizada fora do período crítico, só seria permitida desde que o índice de
risco de incêndio florestal fosse inferior ao nível elevado. Como referido anteriormente na Tabela 11, o RCM
previsto a 72h, 48h e 24h para o dia 15 de outubro, variou entre o de nível elevado (exemplo do distrito de
Leiria e Aveiro), muito elevado (Coimbra, Viseu e Castelo Branco) e máximo (distrito da Guarda).
Análise geral
No dia 1 de outubro e à semelhança do que estava previsto no DECIF, houve uma redução do efetivo
operacional. Devido a essa redução e à situação meteorológica prevista, foi solicitado ao MAI um pedido de
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reforço de meios (27 de setembro e 9 de outubro). Deste pedido resultou um incremento de meios terrestres
e de meios aéreos, embora em número inferior ao solicitado. As 164 equipas de combate autorizadas no
pedido de 9 de outubro, foram atribuídas a Corpos de Bombeiros sob a forma de Equipas de Combate a
Incêndios (ECIN) e os grupos de reforço mencionados nos CTO resultaram do dispositivo que já estava
previsto para a fase Delta. Os meios aéreos (apesar de ter sido recusado o reforço de quatro aviões anfíbios
médios) mantiveram‐se os que estavam previstos no DECIF para a fase Delta, ainda que consideravelmente
menos do que os existentes na fase Charlie.
No dia 8 de outubro foi acionado o nível Laranja para todo o país, com pré‐posicionamento de meios
nas zonas onde historicamente o número de ignições era mais elevado e onde poderia haver mais problemas.
No dia 10 de outubro, através do CTO 64 e em função do briefing com o IPMA, a situação meteorológica
adversa ia manter‐se e agravar‐se no fim‐de‐semana. Nesse momento foi prolongado o nível de Alerta
Laranja até 15 de outubro às 20.00h em todos os distritos com um conjunto de recursos preposicionados.
A 14 de outubro, após informação do IPMA sobre a gravidade das condições meteorológicas
especialmente para domingo (15 de outubro) a ANPC fez nova avaliação da situação e subiu para Alerta
Vermelho todos os distritos de 14 de outubro às 20.00h até 16 de outubro às 08h.00.
No dia 15 de outubro, o IPMA, através do seu Aviso 187, dava indicação de precipitação a partir das
03.00h de dia 16 de outubro e indicava persistência de valores elevados de temperatura máxima. A primeira
referência a precipitação dada à ANPC em termos de informação oficial foi feita neste Aviso, mas
internamente mantiveram briefings com o IPMA que os alertavam para a existência de vento acima do
normal, temperaturas altas e precipitação. Havia ainda assim da parte do Comando Nacional alguma
incerteza relativamente ao que se iria passar no final do dia 15 de outubro, porque por um lado o IPMA
alertava para a severidade das condições meteorológicas, mas por outro lado tinha um Aviso de precipitação
Amarelo para o país a partir das 03.00h da manhã de 16 de outubro. A previsão de chuva manteve‐se no
Aviso 187 a 16 de outubro, com a diferença de que neste Aviso só se previa precipitação a partir das 18.00h
de dia 16 de outubro.
No dia 15 de outubro às 21.00h foi feita nova avaliação e prolongado o nível de Alerta Vermelho até às
20.00h de dia 16 e em resultado deste CTO determinou‐se, a manutenção do pré‐posicionamento de meios
de reforço.
Perante a previsão do IPMA para condições meteorológicas adversas, valores de RCM de nível elevado,
muito elevado e de máximo para o dia 15 de outubro em grande parte do território e com a previsão de
precipitação para dia 16 de outubro a partir das 03.00h da manhã, consideram‐se apropriadas as
determinações operacionais definidas pela ANPC no período entre 14 e 16 de outubro, colocando todos os
distritos com o Estado de Alerta Especial Vermelho, ou seja, nível de alerta máximo.
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3. Principais incêndios e resposta operacional
Neste capítulo será feita uma descrição dos sete complexos de incêndios selecionados, anteriormente
mencionados, seguindo uma vez mais, a ordem da hora da primeira ignição. Da descrição de cada complexo
de incêndios, consta: um subcapítulo relacionado com a causa provável das principais ignições,
acompanhado do mecanismo de alerta; um subcapítulo que se foca no comportamento inicial do fogo e no
ataque inicial efetuado, considerando este período como aquele que decorre entre a chegada dos primeiros
meios de combate ao fogo e o momento em que se altera a estratégia de resposta por se ter perdido o
controlo do incêndio; um subcapítulo relativo à análise geral da propagação do fogo; e um subcapítulo final
que avalia a resposta operacional que teve lugar em cada teatro de operações. Depois da descrição
individualizada de cada complexo de incêndios, é feita uma análise global das várias ocorrências, tanto no
que respeita à evolução conjunta dos vários focos se incêndio, como no que respeita à resposta operacional
numa perspetiva integrada.
Devido ao forte vento que se fazia sentir na sequência do Furacão Ophelia mencionado anteriormente,
os focos secundários tiveram um papel preponderante na propagação do fogo, o que fez com que surgissem
várias novas ignições, as quais apenas são mencionadas e descritas quando tiverem tido uma influência
relevante no complexo de incêndios. Em certos casos, estas novas ignições deram origem a um novo registo
de ocorrência, muitas vezes não porque se tratava de um evento independente do original, mas para facilitar
o envio de meios de primeira intervenção.
A propagação do fogo foi estimada tendo como base a realização de entrevistas a operacionais e
populares, entre outros, que viveram este incêndio em primeira mão. Destas entrevistas, resultou um
conjunto de milhares de pontos georreferenciados com uma hora associada, a qual foi indicada pela pessoa
entrevistada, e que em muitos casos foi confirmada pelo registo em telemóvel, uma vez que muitas pessoas
tentavam telefonar quando o fogo chegava às suas imediações. Para além disso, foram disponibilizadas várias
fotografias e vídeos da progressão do fogo, as quais tinham hora de registo associado. Embora tenha sido
despendido um grande esforço na obtenção de uma determinação rigorosa da propagação do fogo, devido
à extensão a área ardida e à complexidade dos eventos, é natural que em casos pontuais surjam desvios à
realidade.
Como foi referido, o fogo propagou‐se essencialmente por focos secundários, o que levou a que
frequentemente, numa mesma direção da progressão predominante do fogo, existissem várias frentes de
chama que progrediam paralelamente, até que após interação, se juntavam mais tarde formando muitas
zonas não ardidas, vulgarmente conhecidas por “ilhas”. Sendo muito difícil reproduzir este processo, as
estimativas de propagação do fogo de desenvolvimento do fogo exibidas ao longo deste capítulo são
apresentadas como se o fogo tivesse progredido de forma contínua, salvo algumas exceções de focos
secundários a longa distância com um desenvolvimento que apresentou alguma autonomia.
A análise aos meios humanos e materiais usados neste capítulo basearam quase em exclusivo aos
registos nos relatórios de ocorrência respetivos. No entanto, estes dados nem sempre têm a exatidão
necessária, em virtude da situação complexa que se viveu e do grande volume de comunicações, nem sempre
fácil, que se registou neste dia. Nesta perspetiva, as informações relativas aos meios empregues nas
operações de socorro devem ser vistos com a reserva de serem valores aproximados.
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3.1. Complexo de incêndios de Seia
De entre os vários grandes incêndios do dia 15 de outubro, a ocorrência do Sabugueiro foi aquela que
mais cedo teve início e como tal, das poucas ocorrências que tiveram uma resposta operacional, pelo menos
numa primeira fase, sem a limitação de meios motivada pela existência de várias ocorrências em simultâneo.
No entanto, no decorrer do incêndio, várias equipas de combate foram transferidas para outros
incêndios, deixando esta ocorrência sem meios suficientes para a sua dimensão crescente.
De entre vários focos de incêndio que se foram sucedendo, alguns pela projeção de fagulhas, os quais
mais tarde eram apanhados pela frente de chama original, destacam‐se duas ignições, aparentemente
independentes, que dominaram este complexo de incêndios. A primeira ignição, designada de “Ocorrência
do Sabugueiro”, iniciada pouco antes das 06.00h, progrediu para norte e nordeste, ficando com uma
extensão substancial do seu perímetro adjacente a outras áreas previamente queimadas. A “Ocorrência do
Casal da Boavista” terá tido início entre as 22.00h e as 22.30h, a leste da primeira ocorrência, progredindo
igualmente para nordeste, interrompendo a sua progressão quando as condições meteorológicas se
tornaram desfavoráveis para a propagação do fogo, diminuindo a sua intensidade e potenciando as ações
de combate.
Uma parte substancial da área ardida neste incêndio insere‐se em zona de floresta ou mato com poucas
pessoas a testemunhar de perto a progressão do fogo. Neste sentido, a real perceção da localização no tempo
das frentes de chama foi dificultada pelo que algumas manchas isócronas apresentam uma precisão menor.
Alerta e causa de incêndio
A causa de qualquer das duas ocorrências mencionadas não é evidente. Não havendo incêndios a
montante do vento predominante na altura das ignições, não havendo indícios de atuação negligente nos
locais de origem, nem tampouco o registo de trovoada seca ou outras causas naturais que pudessem dar
início a estes incêndios, a origem criminosa com dolo acaba por ser a possibilidade para onde pendem as
principais suspeitas.
Embora o alerta da ocorrência do Sabugueiro esteja registado às 06.03h, o fogo foi detetado um pouco
antes por alguns populares que afirmam ter ouvido, por volta das 05.30h, o ruído de motas a passar no local
das ignições, sem que tivessem sido apresentadas evidências ou testemunhos oculares de associação factual
do envolvimento dessas motas às ignições. Pela extensão que o fogo apresentava no momento do alerta, e
mesmo considerando a rápida propagação inicial que se verificava, acredita‐se que o seu início tenha
ocorrido 15 a 30 minutos antes da hora de registo de alerta.
Propagação inicial do fogo e ataque inicial
Quando pouco antes das 06.00h foi dado o alerta, já o fogo tinha uma extensão que fazia acreditar que
a ignição inicial já se vinha a desenvolver há algum tempo. O fogo progredia em várias direções, espalhando
vários focos secundários a curta distância sem um alinhamento claramente definido. O forte vento
dominante provinha de SE, no entanto, localmente, era errático, como consequência da turbulência
provocada pela topografia complexa do vale onde o fogo se desenvolvia (Figura 48). Estas variações
meteorológicas locais, associadas ao declive, dificultaram a operação desde uma fase precoce. O combustível
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florestal presente com cerca de 50cm de altura, constituído maioritariamente por herbáceas, fetos e alguns
arbustos, não era muito denso na sua generalidade permitindo o combate direto, mas era suficientemente
concentrado para que o fogo se propagasse com facilidade naquelas condições ambientais.
Figura 48 – Vista geral do local de início da ocorrência do Sabugueiro. Os números “1” e “2” na imagem são referenciados na
designação da Figura 49.
(a) (b)
Figura 49 – Fotografias do local de início do incêndio: a) parte cimeira junto ao Centro de Limpeza de Neve (indicado como “1” na
Figura 48); b) parte fundeira que se estende até à linha de água (indicado como “2” na Figura 48).
Logo numa fase inicial de combate, formaram‐se três frentes principais (Figura 50): 1) para noroeste, 2)
para sudoeste e 3) uma frente ampla para sudeste com períodos em que as rajadas de vento faziam
desenvolver o seu flanco esquerdo para norte. Neste cenário, a estratégia inicial passou por proteger a aldeia
do Sabugueiro, conter a frente que se dirigia para NW e enfraquecer a intensidade a frente que se propagava
para SE. Esta última frente queimava sobretudo mato e, como se dirigia a subir a encosta, mas contra o
sentido do vento dominante, esperava‐se que pudesse ser combatida mais tarde junto a uma das duas
estradas que se lhe apresentavam transversais, tal como veio a acontecer.
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Figura 50 – Desenvolvimento do incêndio na fase inicial. A mancha a vermelho na imagem representa uma aproximação da área do
incêndio pelas 08.30h.
Embora o combate fosse difícil, a situação parecia sob controlo, até que pelas 08.30h, de entre vários
focos secundários que surgiam a curta distância, em várias direções, e que iam sendo prontamente
combatidos, surgiu um foco secundário a cerca de 1000m de distância, que veio tornar a situação
descontrolada. Mesmo tendo sido imediatamente detetado, e sido prontamente enviados meios na tentativa
de o debelarem, este novo foco de incêndio, localizado numa encosta (Figura 50 e Figura 51) com exposição
alinhada ao forte vento dominante de SEE, desenvolveu‐se rapidamente, apresentando uma dimensão
considerável logo nos primeiros minutos. A progressão foi tão rápida que, quando ainda os primeiros meios
de combate se dirigiam para o local de início, cerca de cinco minutos depois da ignição, cruzaram‐se com um
grupo de combate que vinha no sentido contrário, o qual informou que esta nova frente de chama já tinha
atravessado a estrada secundária na cumeada da encosta, e progredia de forma descontrolável para NW.
Figura 51 – Vista do local onde se iniciou o foco secundário, por volta das 08.30h.
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Perante esta situação, a partir da qual se deixou de ter o conhecimento absoluto do perímetro do
incêndio, a estratégia passou a ser a de continuar a proteger a aldeia do Sabugueiro com os meios que já
estavam no local. Os meios que chegavam de norte e oeste (e.g. CB de Seia), deveriam combater o complexo
de frentes resultantes do foco secundário descontrolado e da frente de chama original que se dirigia para
norte e que, pelas 09.30h, se juntou ao flanco direito do foco secundário. Os meios provenientes de sul e de
leste (e.g. GRIF de Castelo Branco) deveriam debelar a frente que se dirigia para SE.
(a) (b)
(c) (d)
(e) (f)
Figura 52 – Sequência de imagens da propagação do fogo entre as 07.56h e as 11.33h. Fotografias cedidas por João Correia – 2º
Comandante do CB de Tábua.
Desenvolvimento do incêndio
A área onde o fogo progredia era sobretudo de mato e alguma floresta, com a presença de algumas
povoações dispersas. Assim, com o vento a empurrar o fogo para NW, a prioridade foi a de proteger as
povoações dispersas, nas quais se incluía inicialmente o Sabugueiro, e sobretudo a de acompanhar a ameaça
do fogo à cordão urbano entre Seia e Eirô/Trancosinho. O combate propriamente dito, nunca foi totalmente
descurado neste incêndio e as operações foram muito para além da proteção de locais e povoações.
Ancorado pelo cordão urbano e pelas atividades operacionais, depois das 15.00h, o fogo passou a dirigir‐se
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para nordeste (Figura 53). As frentes a Sul, nunca chegaram a constituir verdadeiro perigo, não apenas
porque se situavam a montante do vento, mas também porque a ausência de povoados ameaçados permitia
a definição de uma estratégia mais estável.
Figura 53 – Progressão geral das ocorrências do Sabugueiro e de Casal da Boavista.
Embora o vento tivesse uma influência dominante sobre o comportamento do fogo, também a
topografia assumiu nesta ocorrência um papel determinante. A Figura 54 permite verificar que a encosta
onde o fogo se desenvolveu nas primeiras 10 horas está voltada para noroeste, ficando sujeita a uma
turbulência atmosférica acrescida quando os ventos sopram do quadrante sudeste, o que justificou a
propagação de diversas frentes de chama com várias velocidades e com diferentes direções.
Figura 54 – Vista oblíqua da área ardida, permitindo perceber a influência da topografia no comportamento do fogo.
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Este aspeto explica as áreas traçadas pelos perímetros iniciais que não são propriamente aquelas formas
alongadas seguidas por incêndios dominados pelo vento, vulgarmente chamada de “forma de charuto”,
como aconteceu por exemplo nas ocorrências costeiras de Leiria e de Quiaios (cf. subcapítulos 3.5 e 3.6) em
que a topografia teve menor influência no comportamento do fogo.
Pode observar‐se na Figura 55 que, na ocorrência do Sabugueiro, a existência de áreas previamente
queimadas foi essencial para a contenção do fogo no perímetro final. Estas faixas delimitadoras foram
fundamentais para que, por volta das 22.00h, antes da ocorrência do Casal da Boavista pelas 22.30h, a
situação, embora difícil, sobretudo devido ao vasto perímetro do incêndio, se pudesse considerar que o
combate estava a evoluir favoravelmente.
Figura 55 – Progressão da ocorrência do Sabugueiro entre as 22h00 e as 24h00 e a existência de áreas queimadas em ocorrências
anteriores.
Nesta altura, as linhas de defesa concentravam‐se sobretudo na cordão urbano Seia‐Pinhanços‐Gouveia,
não apenas para proteção das povoações, mas também porque esta faixa proporcionava oportunidades de
combate, e nas frentes de Vila Nova de Tazem e a norte de Gouveia onde o fogo se dirigia para áreas que
haviam ardido em 2016 e 2017 e como tal, apresentando uma menor carga de combustível, o combate era
facilitado. Embora esta ocorrência tivesse ficado circunscrita na área planeada na estratégia de combate, o
aparecimento da ocorrência do Casal da Boavista trouxe um novo desafio. A rápida e intensa propagação
inicial desta segunda ocorrência, que veio a causar uma vítima mortal (cf. Capítulo 4), foi de muito difícil
combate e as ações concentraram‐se sobretudo na proteção das povoações, quando tal era viável, uma vez
que nem sempre o trânsito das viaturas de combate entre povoações era possível. Também nesta nova
ocorrência, embora com muito menor expressão, as áreas previamente ardidas foram importantes para
reduzir a propagação do fogo no flanco esquerdo.
Embora o percurso seguido pelas duas ocorrências seja sensivelmente paralelo, as duas frentes de
chama não chegaram a convergir em simultâneo, tendo sido o flanco esquerdo da ocorrência do Casal da
Boavista a juntar‐se e a extinguir‐se na área previamente queimada pela ocorrência do Sabugueiro.
Naturalmente que a área ainda aquecida pela primeira ocorrência terá criado correntes convectivas que
“puxaram” o flanco esquerdo da segunda ocorrência, mas sem que este efeito tenha tido consequências
relevantes no desfecho final.
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Com base na estimativa da propagação do fogo anteriormente apresentada, foi feito o cálculo da
velocidade de propagação do fogo dos dois principais incêndios, tal como consta da Figura 56. Desta mesma
figura consta a direção assumida pelas frentes e a taxa de crescimento de área ardida. Sem surpresa, verifica‐
se que o fogo evoluiu mais rapidamente nos períodos em torno das 10.00h, 16.00h e 00.00h. A grande
velocidade de propagação do fogo assumida pelo incêndio de Casal de Boavista, que causou uma vítima
mortal, aparece traduzida no período entre as 00.00h e as 02.00h.
Figura 56 – Apresentação dos resultados do cálculo da velocidade média de propagação da frente principal nos dois incêndios do CIF
de Seia, acompanhado do sentido da propagação (setas) e da taxa média de crescimento da área ardida no complexo de incêndios.
Análise da resposta operacional
Num cenário muito complexo que conciliava vento forte, declives acentuados e combustíveis florestais
com humidade muito baixa, por duas vezes que o incêndio do Sabugueiro esteve prestes a ceder à estratégia
de combate definida, antes do aparecimento da ignição no Casal da Boavista. Embora neste período de
apenas 16 horas já tivessem ardido cerca de 9200ha, em função das condições excecionais referidas,
considera‐se que a estratégia foi bem definida e implementada. No entanto, o novo incêndio veio acrescentar
um foco de preocupação e dispersão de meios no período noturno em que a utilização de meios aéreos era
inviável, pelo que se considera difícil conceber qualquer estratégia que pudesse alterar o rumo que este
complexo de incêndios veio a tomar.
Na Figura 57 apresenta‐se a evolução de meios neste teatro de operações. Tal como referido
anteriormente, sendo este o primeiro grande incêndio a ter início, houve muitos meios de várias corporações
a ser deslocados para esta ocorrência. Naturalmente que o aparecimento de novos grandes incêndios
noutras áreas fizeram alguns meios de combate regressar às suas áreas de intervenção, embora este aspeto
não se consiga constatar na evolução dos meios que constam dos relatórios destas ocorrências. O surgimento
do incêndio do Casal da Boavista fez deslocar alguns meios da ocorrência do Sabugueiro para esta nova
ocorrência. Para além disso, houve alguns meios do município de Gouveia que, estando em prevenção ou
em combate noutras ocorrências, se deslocaram para este novo incêndio, fazendo aumentar os meios neste
complexo de incêndios.
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(a) (b)
Figura 57 – Evolução dos meios no(s) teatro(s) de operações: a) meios humanos; b) meios terrestres (MT) e meios aéreos (MA).
Fonte: ANPC: RO 2017090031401 (Sabugueiro) e RO 2017090031515 (Casal da Boavista).
Numa fase inicial, durante cerca de duas horas e meia, atuaram dois meios aéreos, no entanto depois
deste período, foi assumido que o helibombardeiro pesado (H03) tinha poucas condições para continuar a
operar com eficiência em virtude da grande turbulência atmosférica verificada que é uma consequência do
forte vento que se fazia sentir numa área com orografia muito complexa. Até ao final do dia, a grande área
que o incêndio assumiu foi combatida apenas pelo helibombardeiro médio (H17), também ele com
dificuldades de operara em zonas de montanha. Pelo que nos foi reportado, as dificuldades de combate
aéreo sentidas são normais em incêndios que decorrem em dias com forte vento nesta região montanhosa.
Estas dificuldades e as suas causas são similares àquelas que foram descritas num estudo que os autores
deste relatório fizeram aos incêndios que ocorreram na ilha da Madeira entre 8 e 13 de agosto de 2016. Após
esses incêndios, foram realizados vários estudos sobre o potencial da utilização de meios aéreos para
combate a incêndios florestais nesta ilha. Verifica‐se neste caso uma realidade similar que deveria ser
analisada em cooperação.
3.2. Complexo de incêndios da Lousã
O complexo de incêndios da Lousã teve uma ignição principal que deu sequência aos diversos impactes
registados neste complexo de incêndios – a ocorrência de Prilhão em Vilarinho/Lousã. No contexto deste CIF
foram observados e registados vários focos secundários, com maior ou menor afastamento da ocorrência
original, tendo alguns deles sido tratados como novas ocorrências (e.g. Fundo da Vila / Tábua;
Arnosa/Tondela). Desta forma, a descrição que se segue irá incidir primordialmente nesta ocorrência
principal, no entanto, a análise à resposta operacional irá considerar as diversas ocorrências registadas.
Este incêndio teve início no Prilhão (Lomba da Mó), na freguesia de Vilarinho, concelho da Lousã, pelas
08.20h do dia 15 de outubro. Como se irá perceber pela descrição que se segue, este incêndio teve uma
propagação inicial extremamente rápida, caracterizada por inúmeras projeções que foram uma
consequência direta dos fortes ventos que se fizeram sentir. Pelas 07.35h tivera início uma outra ocorrência
que, mesmo tendo tido pouca expressão em termos de área ardida, teve um papel de relevo neste complexo
de incêndios.
A zona onde a ignição no Prilhão terá ocorrido, sob uma linha elétrica como será detalhado adiante,
apresentava uma gestão de combustíveis aceitável, no entanto, numa área relativamente próxima deste
local, tanto sob a linha, como na área adjacente, o terreno apresentava uma carga de combustíveis elevada,
que foi importante na propagação inicial do fogo. Entre os fatores com maior influência para que esta
ocorrência viesse a ter as dimensões que se registaram, inclui‐se igualmente a redução do dispositivo de
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combate, o que atrasou a constituição de equipas e a alocação de meios presentes na primeira intervenção.
No entanto, como iremos ver de seguida, devido aos inúmeros focos secundários que se iam dispersando
pela área do sinistro, é difícil assegurar que a presença de mais meios de combate no ataque tivessem
garantido um desfecho diferente nesta ocorrência.
A par com a ocorrência do Sabugueiro/Seia anteriormente descrita, esta foi uma das primeiras grandes
ocorrências deste fatídico dia, o que permitiu a mobilização de muitos meios para o seu combate. O elevado
risco desta ocorrência foi desde logo reconhecido pelas autoridades, quer pela zona onde decorria, com
muita vegetação e orografia complexa, a que se somavam as condições meteorológicas adversas, quer pela
existência de diversos aglomerados populacionais e muitas casas dispersas potencialmente ameaçadas pelo
fogo. Salienta‐se que esta foi a ocorrência do dia 15 de outubro com mais meios dedicados, quer no ataque
inicial, quer no ataque ampliado. Foi também, de acordo com os nossos registos, a que maior área percorrida
teve. Mais tarde, com o aparecimento de outras ocorrências, vários meios foram compreensivelmente
desmobilizados deste teatro de operações, quando este incêndio ainda estava por resolver.
Alerta e causa de incêndio
O alerta foi dado por um popular, pouco antes das 08.41h, diretamente para o CB da Lousã que o
transmitiu ao CDOS, que por sua vez ativou uma equipa helitransportada do GIPS da Lousã que estava a atuar
numa ocorrência já em fase de rescaldo na localidade de Medas, no Concelho de Vila Nova de Poiares a cerca
de 10km da nova ocorrência.
Logo após a ocorrência do incêndio, tivemos referência de que o mesmo se havia iniciado junto de uma
linha elétrica de 15kV gerida pela EDP, próximo da localidade de Prilhão, Vilarinho, Lousã. A localização do
ponto de origem e da linha elétrica de média tensão, bem como dos apoios que são mencionados no texto,
estão representados na Figura 58.
(a) (b)
Figura 58 – Imagem captada através do Google Earth do local provável da ignição (a) e vista a partir do local do apoio 23/24, com o
apoio 25/26 ao fundo.
Realizámos um conjunto de diligências com vista a apurar os factos e a determinar a veracidade da
suposição de que o incêndio teria sido causado por um defeito numa linha de média tensão, originado por
uma queda de um pinheiro sobre a linha. Ao longo destas diligências, ouvimos os depoimentos de algumas
pessoas cuja identidade conhecemos, algumas das quais pediram para se manter anónimas, a fim de evitar
serem prejudicadas de alguma forma na sua atividade. Resumimos as principais diligências efetuadas na
Tabela 15.
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Tabela 15 – resumo das diligências efetuadas para análise da origem do incêndio do Prilhão.
De acordo com o relatório da ocorrência das 08.29h, do dia 15 de outubro relativo à linha de média
tensão de Góis da Subestação da Lousã, o qual no foi facultado pela EDP, o incidente que motivou a
deslocação de um piquete da empresa Helenos, ao serviço da EDP, foi causado pela queda de um pinheiro
sobre a linha, entre os apoios 23/24 e 25/26, próximo da localidade de Prilhão. Segundo os testemunhos que
ouvimos, a árvore em causa ter‐se‐á quebrado, devido à ação do vento e a sua parte superior caiu, ficando
encostada primeiro ao condutor inferior e depois ao superior, permanecendo apoiada nos dois.
É nossa convicção que o embate produzido pela árvore nos cabos terá causado uma oscilação de ambos,
fazendo com que no troço entre o apoio 23/24 e o ponto de contacto com a árvore, a distância entre os
condutores se tenha reduzido momentaneamente ao ponto de se entrar em curto‐circuito entre duas fases,
que ficou registada no sistema SCADA (Supervisory Control and Data Acquisition) na hora indicada. O sistema
de proteção da rede reagiu com duas tentativas de rearme automático, para repor a linha em serviço,
procedimento normal para as linhas aéreas, mas sem sucesso. Após a última tentativa foi considerado defeito
permanente e mantida a linha fora de serviço necessitando de intervenção do piquete de reparação de
avarias.
Os habitantes de casas próximas reportaram a ocorrência de perturbações na rede elétrica, por volta
desta hora. Algumas pessoas testemunharam ter avistado clarões devidos a descargas elétricas na zona e
outros reportaram o avistamento de fumo proveniente da zona que identificámos como tendo sido o local
de origem do incêndio, entre as 08.20h e as 08.50h.
Na Figura 59 mostram‐se fotografias obtidas por nós, por meio de um drone ou tiradas ao nível do chão,
que permitem identificar uma zona que foi percorrida por um fogo de baixa intensidade, compatível com um
foco nascente, envolvido por vegetação não ardida. Os testemunhos de pessoas que intervieram no ataque
inicial, quer por meios terrestres quer aéreos, confirmaram ser esta a localização da origem.
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(a) (b)
(c) (d)
Figura 59 – Fotografias do local da ignição. a) e b) vistas aéreas obtidas através de um drone (fotografias de 19jun2018); c) e d)
vista ao nível do chão fotografias de 09out2018.
Como se pode ver, trata‐se de um ponto situado por baixo da linha de media tensão, a cerca de 20
metros do apoio 23/24 e a cerca de 210m do local em que caiu o pinheiro. A localização do ponto de origem
é compatível com a nossa interpretação de que, devido à oscilação dos cabos causada pela queda da árvore
e pelo vento, estes se terão aproximado ou mesmo tocado perto do ponto de origem do incêndio. O arco
elétrico produzido pelo curto‐circuito entre fases terá causado a fusão de partes de um ou dos dois
condutores. Estes pedaços de material a alta temperatura, ao caírem no chão, poderão ter produzido a
ignição do combustível existente no solo e iniciado o incêndio, dada a extrema secura da vegetação.
O piquete de técnicos da EDP dirigiu‐se ao local para prestarem apoio aos técnicos da empresa Helenos
que iriam retirar a árvore caída sobre a linha. Terão chegado ao Prilhão pouco antes das 10.00h e começaram
por acionar os seccionadores, para colocar fora da rede o troço da linha onde iriam intervir. Tiraram algumas
fotos do local em que trabalharam, que foram inseridas no seu relatório, para comprovar que a zona onde a
árvore caíra não poderia ter sido o local de origem do incêndio, pois só viria a ser atingida pelo fogo cerca
das 11.30h.
Concordamos em que o ponto de queda da árvore não coincide com o de origem, pois distam cerca de
210 metros. Não podemos concordar com a eventual inferência que se pudesse querer retirar de que a
origem do incêndio nada teria a ver com a linha elétrica.
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A configuração da fixação das linhas nos apoios 23/24 e 25/26 não são iguais, tendo as configurações
representadas esquematicamente na Figura 60.
Figura 60 – Configuração da fixação das linhas nos apoios, com as respetivas distâncias entre condutores. a) fotografia do poste
23/24; b) fotografia do poste 25/26; c) esquema do poste 23/24; d) esquema do poste 25/26.
Admitindo para efeitos de simplificação que os dois condutores em causa têm o comprimento de 300m,
se situam e permanecem no mesmo plano e que estão fixos nas suas extremidades em dois pontos situados
à distância referida, estudámos os diferentes modos de oscilação dos dois cabos a fim de estimar a distância
entre eles ao longo do seu comprimento. Verificámos que em determinados modos de vibração, mesmo com
amplitudes de oscilação inferiores a um metro, se obtêm distâncias entre os cabos muito próximas de zero,
na zona em que foi observada a origem do incêndio. Não dispondo de dados rigorosos sobre o modo de
vibração de uma linha desta natureza, que nos permitam ser conclusivos a este respeito, não podemos senão
afirmar que existe a possibilidade de contacto ou aproximação entre as linhas, face ao impacte da árvore
sobre as mesmas.
Em face dos dados que obtivemos e das observações que realizámos afirmamos a nossa convicção de
que o incêndio florestal da Lousã, originado perto da localidade de Prilhão, terá sido causado por um defeito
entre fases na linha de média tensão que tem vindo a ser identificada. Esta descarga terá ocorrido por cima
do local por nós identificado como sendo o de origem do incêndio e está registada no sistema da EDP. A sua
causa próxima terá sido a queda de um pinheiro localizado na proximidade da linha que, ao cair sobre dois
dos três condutores, terá produzido a sua oscilação e despoletado a descarga entre fases referida.
Embora neste caso se pudesse estar a respeitar a obrigação de manter uma distância adequada entre a
vegetação e os condutores, para evitar que houvesse um contacto direto entre a vegetação e a linha, a queda
de uma árvore da envolvente que pudesse afetar a linha, não terá sido devidamente acautelada por parte da
entidade gestora da linha elétrica, o que deve ser corrigido no futuro.
Propagação inicial do fogo e ataque inicial
Na Figura 61 apresenta‐se a área tomada pelas chamas quando os primeiros meios de combate (equipa
helitransportada do GIPS da Lousã – H09) chegaram ao local e, depois de uma primeira avaliação, se
posicionarem no local referenciado na figura, tentando combater os vários focos secundários que
ameaçavam a povoação de Prilhão. Pouco depois juntou‐se a esta missão uma equipa dos Sapadores
Florestais de Vilarinho.
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Figura 61 – Área tomada pelas chamas quando os primeiros meios de combate chegaram ao local. Na imagem poderá ver‐se a
localização da equipa de GIPS e dos sapadores florestais (SF).
Numa fase inicial, antes da chegada dos primeiros meios de combate, o fogo propagou‐se para sudoeste,
subindo um pequeno talude que protegia a zona em chamas do vento predominante de SSE. Chegado ao
cimo do talude, ficando exposto ao vento forte de SSE, o fogo passou a propagar‐se para norte com grande
velocidade, originando vários focos secundários.
Já com o meio aéreo dos GIPS e a respetiva equipa a atuar, para além dos Sapadores Florestais de
Vilarinho, outros meios terrestres de combate foram chegando ao local, nomeadamente: um VFCI dos CB da
Lousã que na deslocação para o TO, ao ver a dimensão e intensidade da coluna de fumo, solicitou um reforço
de meios, um VCOT da mesma corporação e um VFCI do CB de Serpins. Com o fogo a dirigir‐se para o cordão
urbano de Prilhão e Casais, as equipas do GIPS e de sapadores, continuaram a proteger a primeira povoação,
enquanto os restantes meios, defenderam a aldeia de Casais. O comandante do CB da Lousã assumiu o
comando das operações, enquanto o comandante dos BV de Serpins assumiu a função de COPAR
(Coordenador de OPerações AéReas).
Após 12 largadas de água, às 09.31h, o helibombardeiro H09 do CMA da Lousã que transportou a equipa
do GIPS, em função da pouca autonomia que tinha devido a sua atuação prévia na ocorrência das Medas
mencionada anteriormente, teve de abandonar o teatro de operações, deixando‐o sem meios aéreos de
combate até às 10.11h, quando regressou. Destaca‐se a grande dificuldade que este meio aéreo teve na sua
atuação devido ao forte vento e grande turbulência no local, tendo‐nos sido referido que perdeu a sua
sustentação em pelo menos duas ocasiões.
Entretanto, chegou ao TO uma parelha de Canadairs que realizou algumas descargas de água, embora
com grande dificuldade devido às condições atmosféricas locais – “parecemos penas transportadas pelo
vento”, disseram os pilotos destas aeronaves ao COPAR. Atuou ainda um helicóptero pesado Kamov que fez
apenas uma largada de água, tendo de abandonar o teatro de operações devido à falta de segurança e de
eficácia da operação devido à adversidade das condições meteorológicas.
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Entretanto o incêndio progrediu com grande velocidade em direção a Casais, onde chegou pelas 10.15h
(Figura 62), quando se deu uma projeção que causou um foco secundário a cerca de 200m, junto à povoação
de Boque. Logo de seguida, deu‐se outra projeção para a Póvoa de Serpins, do lado contrário do Rio Ceira.
Para agravar a situação, a ocorrência de São Miguel de Poiares anteriormente mencionada, reativou‐se –
recorda‐se que a equipa de GIPS abandonou o rescaldo desta ocorrência para efetuar a primeira intervenção
na ocorrência do Prilhão. Se a situação anterior já era de controlo muito difícil, o que motivou a chegada de
vários meios de combate, inclusivamente meios pesados, após esta catadupa de eventos, a situação ficou
ainda mais descontrolada.
Figura 62 – Evolução do fogo na sua fase inicial – área ardida até às: 08.55h (mancha a verde), 09.15h (castanho), 09.45h (azul),
10.15h (amarelo).
Desenvolvimento do incêndio
Na Figura 63 apresenta‐se a propagação estimada do complexo de incêndios, considerando como ponto
basilar o local de ignição da ocorrência de Vilarinho. Poderá verificar‐se que, até cerca das 21.00h, a cabeça
do incêndio prosseguiu com grande velocidade para norte, impulsionado pelo vento do quadrante Sul,
notando‐se uma propagação ténue, em termos de área ardida, dos flancos do incêndio que evoluíam
relativamente devagar. Os diversos focos secundários a curta e média distância que surgiam a jusante do
vento, e que mais tarde eram apanhados pela frente de chama original, tiveram uma grande relevância na
grande velocidade de propagação verificada.
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Figura 63 – Progressão geral do complexo de incêndios da Lousã.
Após as 21.00h quando soprava de Sul, o vento sofreu uma rotação gradual para passar a soprar
marcadamente de SW por volta das 24.00h. Desta forma, todo o flanco direito, que anteriormente progredia
de forma lenta, passou a ter uma propagação impulsionada pelo vento, o que motivou uma propagação
muito rápida e intensa para nordeste. Refira‐se que ao longo do dia, quando a propagação era sobretudo
feita para norte empurrada pela cabeça do incêndio, o combustível próximo do flanco direito, foi aquecendo
e desidratando, o que facilitou a propagação do fogo quando o vento empurrou as chamas para NE. Este
efeito, em que o flanco de um incêndio regido pelo vento passa a assumir‐se como a cabeça do incêndio, já
foi registado em vários incêndios, tanto em Portugal como noutros países, destacando‐se internacionalmente
o incêndio de Kilmore, na Austrália, a 9 de fevereiro de 2009, o qual originou 180 vítimas mortais. Também
neste complexo de incêndios, muitas pessoas foram surpreendidas neste período, o que resultou em 11
vítimas em episódios que serão descritos em detalhe no Capítulo 4.
A rápida propagação do fogo para sudoeste fez‐se sentir até cerca das 02.00h do dia 16 de outubro.
Embora nesta região, o vento meteorológico tenha reduzido drasticamente a sua velocidade, devido ao
escoamento convectivo provocado pelo fogo e pela área ardida ainda a libertar muito calor, na área do
incêndio a acalmia do vento apenas se sentiu depois das 02.00h. As oscilações na taxa de propagação do fogo
aparecem traduzidas na Figura 64.
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Figura 64 – Apresentação dos resultados do cálculo da velocidade média de propagação da frente principal no incêndio dominante
do CIF da Lousã, acompanhado do sentido da propagação (setas) e da taxa média de crescimento da área ardida no complexo de
incêndios.
A partir das 03.00h, quando previsão meteorológica apontava para uma diminuição dos efeitos do
Furacão Ophelia, foi possível delinear uma estratégia mais estável que passava pela avaliação do perímetro
do incêndio, pela contabilização dos impactes e pelo realocação dos meios de combate. A situação era de tal
ordem desfavorável que, a partir desta hora, as ações continuaram a ser pontuais em algumas zonas de maior
gravidade (e.g. proteção de povoações) e no combate em determinadas zonas em que o fogo teimava em
manter‐se intenso, sobretudo devido à elevada carga de combustível e em zonas de maior topografia. O
perímetro do fogo era de tal forma extenso, que os meios exaustos e em número limitado devido às várias
ocorrências, não eram suficientes para dominar o incêndio. Felizmente, o aumento da humidade relativa do
ar, que culminou no aparecimento de precipitação, fizeram com que o incêndio fosse dado como dominado
pelas 02.00h do dia 17 de outubro.
Análise da resposta operacional
Tal como nas ocorrências anteriores, os focos secundários tiveram uma influência gritante no fracasso
da estratégia de contenção do fogo numa fase inicial. Depois desta fase, e até cerca das 03.00h do dia 16 de
outubro, nunca chegou a haver uma estratégia estável de ataque ampliado, visto que a rápida propagação
do fogo e o aparecimento de inúmeros focos secundários a média e longa distância, anulavam qualquer
planeamento que se fosse sendo concebido. Nesta perspetiva, neste longo período, as atividades
operacionais foram sobretudo reativas ao comportamento do fogo, baseando‐se sobretudo na proteção de
povoações. A falha do sistema de comunicações que se verificou a meio da tarde do dia 15 de Outubro, veio
complicar de sobremaneira a coordenação das operações que, enquanto numa primeira fase era feita tendo
a ocorrência como referência, numa fase mais adiantada passou a ser feita ao nível do distrito, ou ao nível
municipal.
Tal como se poderá verificar nos gráficos da Figura 65, o número de meios afetos a este complexo de
incêndios foi muito elevado, chegando a estar presentes no teatro de operações mais de 800 operacionais
em simultâneo. A evolução destes meios, que se baseou nos respetivos relatórios de ocorrência, é bastante
duvidosa. A curva da evolução de meios humanos apresentada na Figura 65a indica uma chegada crescente
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de operacionais a este teatro de operações, no entanto, as informações que obtivemos nas várias
corporações que consultámos, indicam que muitos dos seus meios que inicialmente foram alocados nas
ocorrência do Prilhão, a determinada altura, regressaram à sua área de intervenção em virtude dos grandes
incêndios que também aí se desenrolaram. Não sendo claramente visível esta saída de meios nos registos
que nos foram facultados, acreditamos que a dificuldade nas comunicações possa justificar algumas omissões
de saída de meios. Para efeitos de análise, admitimos que estas informações são válidas.
(a) (b)
Figura 65 – Evolução dos meios no(s) teatro(s) de operações: a) meios humanos; b) meios terrestres (MT) e meios aéreos (MA) no
complexo de incêndios da Lousã. Fonte: ANPC: RO 2017060046260 (Prilhão), RO 2017060046375 (Fundo da Vila) e RO
2017180056312 (Arnosa).
Mesmo perante esta informação contestável, é indiscutível que a ocorrência do Prilhão foi aquela que
mais meios teve afetos, de entre as várias ocorrências do dia 15 de outubro. No entanto, esta grande
afluência de meios, tanto numa fase de ataque inicial, como em ataque ampliado, não foi suficiente para que
o fogo tomasse as proporções registadas, uma vez que as condições associadas ao combustível, meteorologia
e topografia proporcionaram uma intensidade do fogo que ia para lá das capacidades atuais de combate
direto e indireto. Realça‐se, no entanto, que as operações de combate foram essenciais para que os impactes
resultantes deste incêndio não fossem ainda mais trágicos.
3.3. Complexo de incêndios de Oliveira do Hospital
O complexo de incêndios de Oliveira do Hospital foi o evento com maiores impactes tendo causado 23
vítimas mortais. Para além disso, destruiu várias habitações e instalações industriais, para além de ter
resultado numa vasta área florestal ardida.
Este complexo de incêndios consiste num conjunto de incêndios que, evoluindo numa fase inicial com
relativa independência, acabaram posteriormente por interagir causando episódios de grande intensidade
do fogo. De entre várias ignições registadas, pela sua importância no contexto geral do complexo de
incêndios, destacam‐se quatro ocorrências, nomeadamente: 1) ocorrência de Sandomil com início registado
às 10.26h, 2) ocorrência de Esculca a partir das 12.28h, 3) ignições de Relva Velha e Monte Frio às 15.15h e
4) ocorrência de Vide com início pelas 23.00h. A descrição que se segue incide maioritariamente na evolução
destas quatro ocorrências e na interação entre si.
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Alerta e causa dos incêndios
Incêndio de Sandomil
A primeira ocorrência deste complexo de incêndios teve início em Sandomil pelas 10.26h tendo o alerta
sido dado por um popular através de uma chamada para o 112. Tudo indica que esta ocorrência tenha tido
causa humana. O seu início provável, a meio de um talude, cerca de 15m acima de uma estrada e cerca de
110m abaixo de um aglomerado de casas mantém a dúvida sobre a origem dolosa desta ignição. Sendo esta
uma área de olival com bastantes herbáceas secas e alguns arbustos, os autores deste relatório suspeitam
que uma atividade de gestão de combustíveis possa ter sido a causa desta ignição, no entanto, no local não
foi avistada qualquer indício que confirme esta suspeita.
Incêndio de Esculca
Para fazer um enquadramento da ocorrência de Esculca é necessário enquadrá‐la no contexto de um
incêndio florestal que teve início no dia 6 de outubro, pelas 23.21h, na localidade de Fajão, no Concelho da
Pampilhosa da Serra, o qual se estendeu ao Concelho de Arganil, consumindo mais 8000 hectares, uma boa
parte na Mata da Margaraça (Arganil). Ao longo da semana, até ao dia 15 de outubro, esta ocorrência teve
várias reativações que foram sendo prontamente debeladas. Perante este historial de reativações, e porque
a ocorrência ainda não tinha encerrado, na área do sinistro existiam vários meios de combate a fazer
vigilância, estando preparados para uma primeira intervenção. No dia 15 de outubro, pelas 12.28h, uma
Equipa de Sapadores Florestais de Arganil, que estava em vigilância nas imediações, detetou uma coluna de
fumo a cerca de 4km de distância, no local de início desta ocorrência.
Embora o local de início desta ocorrência diste cerca de 500m da área previamente queimada e aquela
faixa periférica da área ardida tivesse sido consolidada com máquinas de rasto, os autores deste estudo
consideram possível que a ignição tenha resultado da projeção de uma ou mais fagulhas incandescentes da
ocorrência de Fajão. Analisando a área a sul do local da ignição de 15 de outubro (Figura 66), poderá ver‐se
que se trata de um vale com múltiplos desfiladeiros, o que, perante o vento com rajadas fortes de sul, poderá
ter causado a elevação de uma massa de ar com fagulha(s) na encosta, as quais acabaram por aterrar logo
depois da linha de cumeada.
(a) (b)
Figura 66 – Imagens do local da área onde se registou a ignição de Esculca.
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Ignições de Monte Frio e Relva Velha
Estas ignições foram detetadas pelo Comandante do CB da Arganil que quando se deslocou a um ponto
alto para tentar analisar a situação do incêndio de Esculca, antes das 14.00h, se apercebeu de duas colunas
de fumo a cerca de 4km de distância. A hora destas ignições não é certa, mas terão acontecido entre as
13.30h e as 14.00h, uma vez que o ponto de situação feito pelo 2º Comandante do CB de Coja, pelas 13.28h,
foi realizado desde uma localização onde facilmente teria avistado estas ignições, o que não aconteceu.
Refere‐se que, segundo o Comandante do CB da Arganil, a deteção das duas colunas de fumo foi de imediato
transmitida para o Comando Distrital de Operações de Socorro, no entanto, talvez pela azáfama da existência
de várias ocorrências em simultâneo, esta informação não aparece registada no relatório de ocorrência.
(a) (b)
Figura 67 – Imagens que enquadram as ignições de Esculca, de Monte Frio e de Relva Velha. A fotografia da imagem (a) foi feita a
partir do local onde o Comandante do CB de Arganil detetou as duas plumas de fumo e que aparece referido na imagem (b) como
“Fotos”.
Estas duas ignições a sensivelmente 400m e 1900m do perímetro do incêndio de 07 de outubro, poderão
resultar de projeções de fagulhas daquela área queimada. Há também a possibilidade de que esta ignição
tivesse sido um foco secundário da ocorrência de Esculca que vinha a ser sujeita a ventos com rajadas que se
sentiam provenientes de várias direções. Neste caso, seriam projeções com cerca de 3km de distância.
Em função da distância destas ignições aos supostos pontos de origem e da falta de alinhamento entre
elas, dando voz a algumas testemunhas ouvidas, deixa‐se também em aberto a possibilidade de uma causa
independente com origem criminosa. Tal como iremos ver adiante, neste período surgiram mais ignições
perto da aldeia de Bocado, no lado oeste da ocorrência de Esculca, o que pode dá força a esta teoria. No
entanto, esta dispersão de novas ignições a longas distâncias pode ser igualmente justificada pelos ventos
erráticos fortes que se faziam sentir.
Incêndio de Casas Figueiras
Os instantes iniciais da ocorrência de Casas Figueiras, pelas 23.00h, foi observada por alguns elementos
do CB de Loriga que se encontravam nas imediações em ações de reconhecimento avançado do complexo
de incêndios anteriormente referidos que já propagava à cerca de 12.00h e apresentava um vasto perímetro.
Estes elementos o início de um foco de incêndio que rapidamente se desenvolveu junto à entrada da
localidade de Casas Figueiras, por baixo de uma linha elétrica (Figura 68).
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Figura 68 – Local onde se deu a ignição do incêndio de Casas Figueiras.
A origem desta ignição é desconhecida, mas os autores deste relatório acreditam que poderá ter
resultado de uma projeção com cerca de 20km da ocorrência de Maria Gomes, do complexo de incêndios da
Sertã, que, como iremos ver adiante, por esta hora teve um incremento drástico na sua intensidade dirigindo
o fogo precisamente no sentido desta nova ignição (Figura 69). Uma projeção com esta distância poderá
causar surpresa, mas é perfeitamente possível face às condições de vento forte, combustíveis muito secos e
grande intensidade do fogo a propagar‐se em locais de topografia acidentada o que produz uma pluma
térmica com grande elevação. Este novo foco de incêndio, poderá igualmente resultar de uma projeção a
menor distância da área anteriormente queimada pelo incêndio resultante das ignições de Monte Frio e
Relva Velha. Refere‐se ainda que algumas pessoas ouvidos acreditam que esta ocorrência possa ter tido uma
origem criminosa, havendo também algumas pessoas que apontam a linha elétrica que passa sobre o local
de ignição como a causa principal. Não foi obtido qualquer indício que suporte estas últimas suspeitas.
Figura 69 – Enquadramento da ignição de Casas Figueiras face à propagação do complexo de incêndios da Sertã pelas 23.00h.
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Propagação inicial do fogo e ataque inicial
Incêndio de Sandomil
O alerta da ocorrência de Sandomil motivou a deslocação de vários meios de combate para o local do
início deste incêndio. Embora o incêndio decorresse no concelho de Seia, para além dos meios afetos à
triangulação operacional, muitos outros meios de combate acederam na primeira intervenção a esta
ocorrência, nomeadamente os meios de Oliveira do Hospital visto que o incêndio se desenvolvia a menos de
3km deste concelho.
Chegados ao local do sinistro por volta das 10.40h, 14 minutos depois do alerta, os Bombeiros
depararam‐se com um incêndio bastante desenvolvido, pelo que de imediato pediram o reforço de meios. O
fogo subia rapidamente uma encosta de olival com aproximadamente 25% de inclinação, com uma grande
carga de herbáceas secas e alguns arbustos. O vento soprava moderado com rajadas fortes de leste. A
primeira preocupação foi a de proteger as habitações ameaçadas pelo fogo e a de usar a estrada N17, no
cimo da pequena encosta, como oportunidade para a contenção da sua propagação (Figura 70).
Figura 70 – Situação do incêndio de Sandomil quando os primeiros meios que chegaram ao teatro de operações fizeram a primeira
intervenção por volta das 10.40h.
Embora fosse reconhecido o potencial deste foco de incêndio, sobretudo devido ao vento que se sentia
e aos combustíveis finos e mortos da área onde o fogo se propagava, esperava‐se que o fogo pudesse ser
rapidamente contido. No entanto, uma rajada prolongada de vento muito forte de sudoeste provocou
inúmeros focos secundários e espalhou o fogo numa extensa área (Figura 71), o que fez perder o controlo da
situação. A partir deste episódio, os meios no terreno dedicaram‐se sobretudo à proteção de habitações e o
vento continuou a progredir de forma descontrolada.
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Figura 71 – Evolução do fogo no incêndio de Sandomil até cerca das 11.00h.
Incêndio de Esculca
Após darem o alerta, os Sapadores Florestais seguiram de imediato para a área de onde provinha a
coluna de fumo. O mesmo sucedeu com um veículo do CB de Arganil que terá chegado ao local menos de 10
minutos depois do alerta. As viaturas foram posicionadas junto à estrada de terra batida, tal como
representado na Figura 72. A área em chamas apresentava dois cenários distintos de combustível: 1) na parte
cimeira da encosta, o solo era ocupado por arbustos até meio metro de altura, que permitiam a penetração
das linhas de combate; 2) mais abaixo havia uma faixa de pinheiros de meia idade com um subcoberto
arbustivo denso que se unia às copas das árvores, não permitindo a entrada dos elementos de combate.
Pouco depois da chegada e posicionamento dos meios, uma rajada de ventos de sul provocou vários focos
secundários fazendo o fogo ultrapassar um caminho que poderia vir a ser vantajoso no combate ao fogo para
ultrapassar a dificuldade de penetração no terreno. Logo nesta altura foi pedido um reforço de meios, o qual
foi negado por não haver recursos disponíveis suficientes em função das várias ocorrências em decurso.
Figura 72 – Situação da ocorrência de Esculca pelas 12.45h.
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Os focos secundários a sul interagiram entre si e com a frente de chama original, afilando a área ardida.
No entanto, o vento errático, tanto em velocidade como na sua direção, levou ao alargamento da área do
incêndia e ao aparecimento de vários focos secundários não alinhados (Figura 73) dos quais se destacam as
ignições de Relva Velha e Monte Frio, já antes descritas, e as ignições de Alqueve. Perante esta nova situação,
o Comandante do CB de Arganil, que vinha desempenhando as funções de COS, deslocou as suas viaturas
para a aldeia de Bocado e para a proteção de Alqueve, uma vez que esta zona faz parte da sua área de
intervenção. Entretanto tinham chegado os meios de Coja que tomaram conta da ocorrência original,
fazendo a proteção de Luadas e, mais tarde, de Esculca. Uma vez mais, foi pedido um reforço de meios, o
qual foi negado uma vez mais. Entregues aos seus parcos meios de apenas quatro viaturas de combate – o
CB de Coja tinha enviado viaturas para a ocorrência da Lousã ‐ que foram usados na proteção das povoções
referidas, a situação estava claramente fora de controlo.
Figura 73 – Situação da ocorrência de Esculca pelas 13.30h.
Ignições de Monte Frio e Relva Velha
Como foi referido anteriormente, estas ignições terão ocorrido entre as 13.30h e as 14.00h, embora
permaneçam algumas dúvidas sobre esta hora porque várias pessoas afirmam apenas ter visto este incêndio
por volta das 15.00h. De qualquer forma, uma vez que os meios de combate existentes já eram
manifestamente insuficientes para dar resposta à ocorrência de Esculca, as ignições de Monte Frio e Esculca
estiveram a arder livremente, sem combate, até depois das 18.30h quando ali chegaram dois veículos de
combate das CBs de Oliveirinha e de Tábua, acompanhados de um VCOT do CB de Coja. Chegados ao local,
depararam‐se com uma área de incêndio enorme (Figura 74a), tendo o fogo atingido uma habitação em
Monte Frio, ameaçando outras moradias (Figura 74b). Assim, a primeira intervenção, tardia, dos Bombeiros,
restringiu‐se à proteção de algumas construções, até que a água nas suas viaturas se esgotasse. Sem
possibilidades de reabastecimento nesta aldeia, os Bombeiros saíram deste incêndio e as povoações ficaram
uma vez mais à sua mercê, com o incêndio a progredir à sua livre vontade.
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(a) (b)
Figura 74 – a) Fotografia da área conjunta das ignições da Relva Velha e Monte Frio quando os primeiros Bombeiros chegaram ao
local do sinistro; b) A primeira intervenção dos Bombeiros em Monte Frio foi a proteção da casa ao fundo da rua quando a casa
atrás já estava envolta em chamas. Fotografias feitas às 18.35h e 18.40h por João Correia – 2º Comandante do CB de Tábua.
Face à grande extensão de área ardida e ao muito fumo no local, a área deste incêndio aquando da
chegada dos Bombeiros é duvidosa, embora haja testemunhos que afirmam que os dois incêndios já se
tinham juntado na parte sul, tal como representado na Figura 75. Este desenvolvimento do fogo é bastante
estranho porque, perante o vento forte de sul que se sentia, tal traçado da área ardida, levaria a uma
evolução muito rápida do fogo para norte, unindo os flancos direito e esquerdo dos incêndios de Esculca e
Monte Frio/Relva Velha, respetivamente, o que não se veio a verificar como será descrito adiante.
Figura 75 – Suposta situação do incêndio pelas 18.30h considerando a junção das duas áreas de incêndio.
Incêndio de Casas Figueiras
A primeira intervenção do incêndio de Casas Figueiras, que começou na entrada da povoação de Casas
Figueiras, resumiu‐se à retirada de pessoas das suas povoações e residências, levando‐as para o centro de
Casas Figueiras. Estima‐se que em menos de duas horas tenham sido deslocadas perto de 200 pessoas de
várias povoações dispersas numa vasta área. Analisando a forma como o fogo se propagou nas primeiras
horas (Figura 76), considera‐se que esta intervenção poderá ter salvado a vida a muitas pessoas. Infelizmente,
como iremos ver no Capítulo 4, houve duas pessoas que não se salvaram, após voltar atrás quando já haviam
saído da zona do sinistro.
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Figura 76 – Evolução estimada do incêndio de Casas Figueiras até cerca das 02.15h.
Desenvolvimento do incêndio
Na Figura 77 apresenta‐se a evolução estimada do fogo em todo o complexo de incêndios de Oliveira
do Hospital. Da análise a esta imagem, destaca‐se a rápida evolução que o fogo teve quando, por volta das
19.00h, os incêndios de Esculca e Relva Velha/Monte Frio se encontraram. Este episódio de convergência de
frentes, impulsionado pelo forte vento que se fez sentir neste período, levou a que a frente de chama
conjunta progredisse mais de 10km num período inferior a uma hora. Já anteriormente se referiu que, numa
primeira fase estes dois incêndios poderão ter‐se juntado a sul do incêndio, tal como representado, deixando
uma área por arder na sua área intermédia (cf. Figura 75). Com o forte vento de sul, seria de esperar que esta
situação de convergência de frentes motivasse uma rápida aceleração do fogo para norte, o que não se veio
a verificar. Talvez o arranjo orográfico com um alinhamento de linhas de cumeada com direção SEE‐NWW,
criando vorticidade local com a mesma direção, e a ocupação do solo, com uma zona urbana (Benfeita) e
uma encosta previamente gradada tenham alterado a propagação do fogo. Destaca‐se, no entanto, que
subsiste alguma dúvida sobre a junção efetiva das duas ocorrências a sul por ter sido percecionada a alguma
distância, num ambiente imerso em fumo, o que pode ter originado uma deficiente interpretação da área
efetivamente em chamas.
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Figura 77 – Evolução da área ardida no complexo de incêndios de Oliveira do Hospital.
Depois deste período, o fogo continuou a progredir com grande velocidade motivado, uma vez mais,
pelo vento forte e pela interação entre a frente resultante da convergência daquelas duas ocorrências e o
flanco esquerdo do incêndio de Sandomil que sofreu um desvio para NW para se aproximar da outra frente,
mesmo com o vento meteorológico dominante proveniente de SSW a empurrá‐lo no sentido contrário. Uma
vez mais, a interação entre as frentes provocou uma aceleração forte do fogo, o qual progrediu
aproximadamente 15km entre as 20.00h e as 22.00h. Esta propagação rápida surpreendeu diversas pessoas,
o que, como irá ser descrito no Capítulo 4, originou várias vítimas mortais. A frente conjugada das três
ocorrências continuou a progredir de forma rápida e intensa até cerca das 02.00h, quando o vento acalmou
na sua velocidade.
O incêndio de Casas Figueiras seguiu igualmente o sentido do vento forte progredindo para norte, no
início de forma muito rápida e intensa, deixando no seu percurso quatro vítimas mortais, para desacelerar
após as 02.00h, quando o vento acalmou. Depois desta hora, dirigiu‐se para nordeste, quando a retaguarda
do perímetro do incêndio de Sandomil progredia lentamente para sudeste, na sua direção. Houve
inicialmente a ideia de que também aqui tivesse havido o encontro destas duas frentes na faixa que separa
os concelhos de Gouveia e de Oliveira do Hospital, entre Rio de Mel (Oliveira do Hospital) e Silvadal (Gouveia),
no entanto, há evidências no terreno de que estas duas frentes nunca chegaram a tocar‐se verdadeiramente.
Há inclusivamente um episódio em que alguns populares de Silvadal se deslocaram para norte para fugir à
frente desgovernada do incêndio de Casas Figueiras, no entanto, estas pessoas retrocederam o sentido do
seu trajeto quando se depararam com a estrada obstruída pelo avanço da retaguarda do incêndio de
Sandomil. Quando chegaram à faixa do limite dos concelhos, verificaram que o incêndio de Casas Figueiras
já não constituía uma ameaça por se ter desviado para leste, permitindo assim o regresso a Silvadal.
A variação da velocidade de propagação das principais frentes deste complexo de incêndios é
apresentada na Figura 78. Nesta figura, é possível verificar que o abaixamento da velocidade de propagação
do fogo por volta das 00.00h não foi acompanhado por uma diminuição da taxa de crescimento de área
ardida, uma vez que a rotação da velocidade do vento para nordeste reativou o extenso flanco direito deste
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CIF fazendo com que se desenvolvesse uma nova frente de chamas com grande largura, embora ardendo a
uma velocidade inferior aquelas registadas anteriormente.
Figura 78 – Apresentação dos resultados do cálculo da velocidade média de propagação da frente principal nos quatro incêndios do
CIF de Oliveira do Hospital, acompanhado do sentido da propagação (setas) e da taxa média de crescimento da área ardida no
complexo de incêndios.
A progressão do fogo diminuiu drasticamente depois das 02.00h com o vento já a soprar de SW. Durante
o resto do dia 16 de outubro, as várias frentes que desenhavam um perímetro vasto de área do sinistro
continuavam a arder com menor intensidade, sendo já possível fazer algum combate, direto e indireto, quase
sempre na sequência de vários pedidos de ajuda que iam chegando. Ao longo do dia a humidade relativa do
ar foi aumentando até que por volta das 00.00h começaram a cair as primeiras gotas de chuva, que foram
ganhando cada vez maior expressão até que pelas 03.00h já chovia com alguma intensidade, passando o
complexo de incêndios para a fase “em resolução”. Mesmo com tempo chuvoso, devido a várias reativações
que se iam verificando pontualmente, esta ocorrência apenas passou a fase de conclusão pelas 11.24h de 18
de outubro, sendo encerrada às 07.15h do dia 21 de outubro.
Análise da resposta operacional
O aspeto mais sonante da resposta operacional a este complexo de incêndios resulta da falta de resposta
operacional nas primeiras 4 horas do incêndio resultante das ignições de Relva Velha e Monte Frio. Com estas
duas povoações ameaçadas, logo desde uma fase inicial, é lastimável que o socorro apenas se tenha
resumido à proteção de algumas habitações em Monte Frio entre as 18.30h e as 19.30h. Havendo consciência
do risco que estas aldeias corriam e de que os meios no terreno não eram suficientes para que pudesse ser
feita uma primeira intervenção nestas novas ocorrências, foram pedidos reforços, os quais foram negados
devido às inúmeras ocorrências com gravidade que surgiam em várias zonas do País. Acreditamos que o envio
de um ou dois VFCIs para estas ignições não teriam feito grande diferença na propagação do fogo, mas
poderiam ter salvado algumas das casas que se perderam. Pensamos igualmente que numa fase inicial destas
ocorrências, o uso de meios de primeira intervenção, apoiados por meio(s) aéreo(s), poderiam ter alterado
o desfecho final deste complexo de incêndios, uma vez que o fogo que resultou destas ignições e que
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convergiu com a frente de chama da ocorrência de Esculca teve um papel determinante na rápida
propagação para norte que a frente conjunta tomou quando as duas frentes convergiram, assim como nos
impactes que daí advieram.
Com a situação em Sandomil descontrolada, alguns meios afetos a esta ocorrência foram deslocados
para tentar reforçar o combate nestas ocorrências mais a Sul, no entanto, esta movimentação coincidiu com
o forte avanço do fogo registado por volta das 19.00h, impossibilitando a deslocação dos meios para Sul, os
quais passaram à proteção de povoações nos locais onde foram intercetados pelo fogo.
Nos gráficos da Figura 79 é possível observar a evolução dos meios nos diferentes teatros de operação.
Para além das ocorrências de Sandomil e Esculca, aparece nesta análise a ocorrência “Oliveira do Hospital”
que resultou da chegada do fogo a este município. A abertura de uma nova ocorrência terá permitido
justificar a inclusão de meios de primeira intervenção e terá facilitado a organização de meios e atividades
quando o fogo entrou acelerado neste concelho. O incêndio que decorreu das ignições de Relva Velha e
Monte Frio não aparece na Figura 79 porque não foi considerado uma nova ocorrência.
(a) (b)
Figura 79 – Evolução dos meios no(s) teatro(s) de operações: a) meios humanos; b) meios terrestres (MT) e meios aéreos (MA) no
complexo de incêndios de Oliveira do Hospital. Fonte: ANPC: RO 2017090031426 (Sandomil), RO 2017060046391 (Esculca) e RO
2017060046391 (Oliveira do Hospital).
Poderá verificar‐se que as oscilações no número de operacionais afetos a cada incêndio é o reflexo da
variação inversa de meios nas outras ocorrências, o que se deve aos meios empregues serem principalmente
locais sem que tenha havido um reforço claro de meios de outras regiões. Após as 19.00h, com todos os
meios locais ativados, os meios no terreno mantiveram sensivelmente nos 200 operacionais e 30 viaturas de
combate, sem que, nesta fase, tenha sido utilizado qualquer meio aéreo, os quais apenas atuaram numa
reativação que se verificou no final do dia de 17 de outubro.
Não há dúvida de que o uso de meios aéreos ao longo do dia 15 de outubro teria sido importante,
sobretudo nas fases iniciais de cada ocorrência e na diminuição da intensidade do fogo quando as frentes de
Esculca e de Relva Velha/Monte Frio se encontraram. Esta última intervenção poderia ter acontecido antes
da junção por humidificação dos combustíveis no local provável da junção. Uma intervenção direta poderia
não ser possível, não apenas pelo adiantado da hora (~19.00h), mas também porque o forte vento que se
formou e a grande intensidade do fogo poderiam ter impossibilitado a ação de meios aéreos. Por outro lado,
o ror de focos secundários que se formaram poderia dado continuidade à propagação do fogo na zona da
junção das duas frentes, mesmo com a ação dos meios aéreos, no entanto, mesmo que a progressão do fogo
não parasse, seguramente que a sua intensidade e aceleração seria menor. Relembra‐se, contudo, que todos
os meios aéreos disponíveis estavam a ser usados nas várias ocorrências em decurso.
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Para além da limitação de meios operacionais de combate, a falha no sistema de comunicações que se
verificou a partir das 18.30, aproximadamente, veio complicar ainda mais as operações. Até àquele
momento, a coordenação do combate era confusa, sem que houvesse uma estratégia clara de combate, mas
apenas ações de proteção de povoações pouco concertadas. Este aspeto fez‐se sentir sobretudo na
ocorrência de Esculca, considerando que nas ocorrências de Relva Velha/Monte Frio e de Casas Figueiras as
operações de combate ao fogo e proteção foram praticamente nulas. Em Esculca, o teatro de operações foi
dividido em função das áreas de intervenção das duas corporações, sem que houvesse um combate
integrado, mesmo numa fase inicial. Uma evidência deste facto é a atribuição de COS ao 2º Comandante do
CB de Coja (RO 2017060046391), quando no mesmo teatro de operações estava em ação o 1º Comandante
do CB de Arganil, embora a atuar noutra zona, a menos de 1km de distância. Parece‐nos que a complexidade
da situação, quer pela rápida propagação do fogo, quer pela limitação de meios disponíveis, suscitou uma
estratégia de separação por zonas de intervenção, quando deveria ter desencadeado uma coordenação
integrativa das várias ignições. Esta forma de coordenação desconexa foi seguida ao longo de praticamente
toda a ocorrência, sem uma estratégia global, mas com as atividades de combate a serem coordenadas
localmente de forma reativa. Naturalmente que a dificuldade de comunicações agravou esta situação.
3.4. Complexo de incêndios da Sertã
O complexo de incêndios da Sertã teve início na Ponte das Portelinhas, na Freguesia de Ermida e
Figueiredo, no Concelho da Sertã, pelas 12.02h. Tal como será detalhado adiante, de entre várias ignições
resultantes de vários focos secundários, houve duas outras ignições que mereceram destaque pela
importância que tiveram no desfecho final deste incêndio, sobretudo na dispersão dos meios de combate,
as quais deram origem a dois relatórios de ocorrência adicionais: a ocorrência de Nespereira, cujo alerta foi
registado às 18.41h, e a ocorrência de Maria Gomes, com registo de alerta às 21.35h. Sabe‐se, contudo, que
a ocorrência de Maria Gomes se deu pelas 19.30h uma vez que o 2º Comandante do CB de Pampilhosa da
Serra, que se encontrava em vigilância naquela zona, viu ao longe o aparecimento desta ignição, reportando‐
a de imediato. O atraso verificado no registo e na abertura do novo relatório de ocorrência não terá tido
qualquer implicação na resposta operacional que não deixou de ser imediata, dentro dos limites que a
situação impunha.
A adversidade das condições de risco de incêndio no dia 15 de outubro era previamente conhecida, pelo
que todo o dispositivo estava em prontidão máxima como resultado de uma missiva que foi previamente
distribuída a todos os agentes. No entanto, tal como aconteceu em outras ocorrências, quando foi dado o
alerta, uma parte do dispositivo operacional tinha sido enviado para as ocorrências de Seia e da Lousã,
anteriormente descritas. Por exemplo, devido ao alerta vermelho deste dia, no CB da Sertã, o número de
ECINs (Equipas de Combate a INcêndios) foi duplicado para quatro equipas, no entanto, uma destas equipas
havia sido mobilizada para a ocorrência de Seia, fazendo com que nas primeiras horas da ocorrência iniciada
em Ponte das Portelinhas, para além dos elementos de comando, apenas estivessem três ECINs disponíveis
para combate.
Alerta e causa de incêndio
A ocorrência da Ponte das Portelinhas foi detetada por uma Equipa de Sapadores Florestais (SF 09‐166
da Aproflora/Sertã) que deu o alerta que foi registado às 12.02h. Naturalmente que o incêndio terá
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começado algum tempo antes, uma vez que quando os primeiros meios chegaram ao local, cerca de 10
minutos depois do alerta, a área do incêndio já era superior a 2 hectares. A análise do comportamento inicial
do fogo e dos fatores condicionantes permitem presumir que o fogo tenha tido início junto a uma construção
em ruínas, localizada num local remoto, a cerca de 20m de um caminho florestal em terra batida (Figura 80).
(a) (b)
Figura 80 – Local provável da ignição: a) vista aérea através de satélite (Google Earth); b) vista da construção em ruínas a partir do
caminho florestal em terra batida.
A causa do incêndio não é clara, no entanto, a inexistência de incêndios a SSE, de onde provinha o vento,
que pudessem originar focos secundários nesta localização, a ausência de vestígios de operações de corte de
mato, fogueiras ou outros sinais que pudessem supor origem não intencional, e o afastamento da
possibilidade de causas naturais da ignição, fazem crer que este incêndio tenha tido origem dolosa. Para além
disso, a localização discreta do ponto provável de ignição, pouco afastado do caminho florestal, e a distância
desta via a uma via de circulação principal que permitia uma saída insuspeita, suportam a ideia de uma ação
bem planeada, ficando em aberto a possibilidade de a ignição ter sido feita com chama direta ou de ter sido
utilizado um qualquer artefacto retardador da ignição escondido por trás da construção em ruínas. Tendo,
no âmbito deste estudo, esta área sido visitada alguns meses depois da ocorrência, não foram encontrados
quaisquer materiais ou indícios que confirmem esta hipótese. Segundo indicações do CB da Sertã, as
características desta ignição coincidem com um padrão que desde há alguns anos tem vindo a ser verificado
em várias ignições de origem aparentemente dolosa na região.
Propagação inicial do fogo e ataque inicial
Na Figura 81 apresenta‐se a área tomada pelas chamas quando os primeiros meios de combate
chegaram ao local e, depois de uma primeira avaliação, se posicionaram nos locais apresentados como VFCI1
tentando flanquear pela esquerda a propagação do fogo que pendia para noroeste e cortar a cabeça junto à
estrada de terra na linha de cumeada. Considera‐se que esta última posição era um tanto arriscada podendo
aprisionar a equipa entre a cabeça do fogo e uma eventual frente que progredisse eruptivamente pelas linhas
de água a leste, no entanto, foi dito que esta equipa estaria vigilante e preparada para uma eventual saída
de emergência, para além de que a progressão esperada do fogo tendia para o outro flanco.
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Figura 81 – Situação do incêndio quando os primeiros meios chegaram ao sinistro e se colocaram nos locais assinalados (a direção
dos veículos não é a real).
O forte vento de SSE que se sentia fazia antever o surgimento de focos secundários quando a frente de
chamas atingisse a linha de cumeada, pelo que os meios que chegaram nos minutos seguintes foram alocados
no ponto assinalado como VFCI2. Embora difícil, a situação ia progredindo favoravelmente e os vários focos
secundários (FS1 e FS2 na Figura 82) que emergiam, primeiro antes e depois da ribeira, eram prontamente
combatidos, quer pelos meios terrestres, quer pelo helibombardeiro médio H16, do CMA do Sardoal, que
deu entrada no TO cerca de 20 minutos depois do alerta.
Figura 82 – Situação do incêndio pelas 12.45h. Dentro da elipse amarela surgiu o foco secundário situado numa zona que alia o
sentido do vento ao declive, o que causou uma grande velocidade inicial de propagação que levou à perda de controlo da situação.
Pelas 12.45h, houve um novo foco secundário que surgiu no local assinalado na Figura 82, o qual aliou
os sentidos do vento forte e do declive levando a uma rápida propagação inicial. Tendo sido avistado
imediatamente após a sua formação, e porque se estimou que a intervenção com meios terrestres iria
demorar alguns minutos, foi prontamente feita uma descarga de água através do meio aéreo, a qual se veio
a verificar ser insuficiente. O fogo desceu um pouco até encontrar a linha de água, a partir da qual acelerou
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rapidamente o que fez com que quando os meios terrestres chegassem a este local, apenas uns 4 minutos
depois do seu início, a situação já fosse considerada como perdida.
Perante estes novos acontecimentos, a estratégia de combate foi redefinida, passando então a uma
tentativa de conter o fogo junto à estrada nacional N238, a menos de 1km de distância. A estratégia
considerava igualmente a possibilidade de tirar vantagem da estrada nacional N238‐1, um pouco mais a
jusante. Houve uma tentativa de reposicionamento de meios de combate nestas faixas, no entanto,
rapidamente se concluiu que esta opção oferecia pouca segurança aos combatentes, para além de ser
infrutífera, devido à longa distância das inúmeras projeções de partículas incandescentes que se observava.
A partir deste momento, por volta das 14.00h, com a situação fora de controlo, a prioridade de ação passou
a ser a da proteção povoações ameaçadas e de algumas infraestruturas dispersas.
Figura 83 – Desenvolvimento do fogo pelas 13.00h quando o fogo passou as estradas nacionais N238 e N238‐1 e gorou a estratégia
de contingência que passava por travá‐lo nestas faixas. Os seis focos secundários representados pelas chamas depois das estradas
são meramente representativos, uma vez que os relatos apontam para dezenas de novas ignições que se formaram.
Não se pode concluir que a existência de mais meios de combate no local pudesse ter conduzido a um
desfecho diferente. O descontrolo da situação verificou‐se quando pelas 12.45h surgiu um foco secundário
que não pôde ser intervencionado prontamente através dos meios terrestres. Naturalmente que um
combate imediato neste foco secundário, e considerando que não surgiriam outros focos secundários com
as mesmas características, poderia ter limitado o incêndio à área ardida até então, mas a imprevisibilidade
do local de aparecimento de focos secundários alterou a história desta ocorrência.
Analisando a progressão do fogo impulsionado pelo vento, percebe‐se que o local onde pelas 12.45h
surgiu o foco secundário era um local crucial por ser aquele que, após a curva da ribeira, alinhava o sentido
do vento com a ascensão da encosta (cf. Figura 82 e Figura 83), fazendo perceber que qualquer ignição nesta
zona teria uma propagação inicial muito rápida que carecia de intervenção imediata. Fazendo uma reflexão
sobre a melhor alocação de meios na intervenção inicial deste incêndio, sendo esta tarefa facilitada por este
episódio já ter ocorrido, percebe‐se que por motivos de precaução deveria ter sido alocado pelo menos um
meio de combate com acesso imediato a este local. Como aprendizagem para situações futuras, resulta que
numa situação de forte vento, com condições propícias para o aparecimento de focos secundários, se deve
identificar o local com maior probabilidade para a sua ocorrência e com maior dano potencial devido a
características como a topografia ou o tipo de combustíveis que possam aumentar drasticamente a sua
propagação inicial levando à perda de controlo da ocorrência ou provocando acidentes. Naturalmente que
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esta análise da situação deve considerar simultaneamente a localização da frente de chama no que respeita
ao seu potencial para a produção de partículas incandescentes e a capacidade das projeções em função da
intensidade de fogo esperada.
Desenvolvimento do incêndio
Após a passagem do fogo pelas estradas EN238 e EN238‐1 entre as 13.00h e as 14.00h, as operações
centraram‐se principalmente na defesa perimétrica das povoações ameaçadas e na proteção de algumas
infraestruturas dispersas. Nesta altura, devido ao forte crescimento que a intensidade do fogo teve na
encosta ascendente que levou o fogo até à estrada, e que se apresenta vários desfiladeiros com a linha de
água alinhada com o sentido do vento, a projeção de partículas incandescentes foi de tal ordem que
começaram a surgir outras ignições em localizações a distâncias superiores a 3km. A sequência de imagens
apresentada na Figura 84 permite ver o desenvolvimento dos vários focos secundários formados e a rápida
progressão que o fogo teve durante este período.
(a) (b)
(c) (d)
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(e) (f)
Figura 84 – Sequência de imagens da propagação do fogo entre as 13.52h e as 15.36h. A imagem (a) refere‐se à área estimada do
incêndio pelas 14.00h e indica o local de onde foram feitas as fotografias apresentadas nas imagens de (b) a (e). (Fotografias
cedidas por Cátia Pirão)
Para além da proteção das povoações, houve uma tentativa fracassada de impedir que o flanco direito
do incêndio passasse a sul de Troviscal, uma vez que o historial de incêndios na região indicava que nesta
situação o fogo iria acelerar, sobretudo devido ao desfiladeiro acentuado com orientação SW‐NW que rodeia
por baixo esta povoação. Uma vez mais, o grande número de projeções fez fracassar esta operação tática,
sendo que o fogo contornou Troviscal a partir das 16.30h (Figura 85). Na verdade, devido à dimensão
astronómica que o incêndio apresentava, este facto acabou por ter pouco relevo no resultado final.
Figura 85 – Avanço médio estimado da frente de chama principal até às 18.45h.
Ocorrência da Nespereira
Pouco antes das 18.45h, teve início uma nova ignição perto da povoação da Nespereira, na Freguesia de
Pedrógão Pequeno (Figura 86). Esta ocorrência foi importante no contexto geral não apenas pelo aumento
da velocidade de propagação do fogo que causou quando chocou com a área que vinha sendo consumida
pela ignição da Ponte das Portelinhas, mas também porque, devido ao seu potencial de destruição, fez
deslocar uma parte de um grupo de reforço que vinha a combater no flanco direito da primeira ocorrência,
onde acabou por fazer falta.
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Figura 86 – Enquadramento geral da situação pelas 18.45h.
A origem deste incêndio é incerta. Se por um lado, também pelas 18.45h, se iniciou um foco secundário
perto de Portela de Fojo (Figura 86), também no flanco esquerdo do incêndio original – o aparecimento de
várias ignições em simultâneo é um padrão do mecanismo de focos secundários –, por outro lado, o
afastamento desta ignição do eixo principal do fogo e do sentido do vento torna esta hipótese pouco
provável. A esta última perspetiva, acrescem os argumentos de que a ignição se deu junto a uma estrada, o
que é comum nos casos de “fogo posto”, e que a encosta onde o fogo começou é voltada para norte, quando
o vento era proveniente de Sul.
Quando os primeiros meios chegaram ao local da ignição da Nespereira, a situação com que se
depararam era a que se apresenta na Figura 87 com uma área de incêndio de cerca de 0,13ha que progredia
num leito de arbustos com cerca de 40cm de altura média. O vento empurrava o vento para norte, no sentido
descendente da encosta, tendo os bombeiros usado um caminho florestal em terra existente (na Figura 87
referenciado como “estradão) para tentar parar a progressão do fogo. Entretanto, o vento projetou algumas
fagulhas para baixo da encosta, onde a carga de combustível era mais alta, originando alguns focos
secundários, o que fez com que os bombeiros perdessem o controlo da situação. Ouvimos algumas críticas
sobre o facto de os bombeiros terem desistido do combate quando estes novos focos de incêndio ainda
estavam numa fase precoce, no entanto consideramos que o procedimento seguido foi o mais correto. Como
poderemos ver na Figura 87, a zona onde caíram os focos secundários seguem‐se a uma depressão no terreno
e a uma descontinuidade da copa das árvores. Esta condição, associada ao vento forte e com rajadas
proveniente de Sul, é altamente favorável para a criação de uma esteira, ou seja, para a criação de vorticidade
horizontal, alterando o sentido do vento junto ao solo, alinhando‐o com o declive da encosta. A conjugação
do declive e do sentido do vento, com a interação do foco original de fogo poderia desencadear uma
progressão rápida do fogo, apanhando os bombeiros no caminho de terra. Esta cenário, designado de “colina
dupla” tem vindo a ser simulada laboratorialmente pela Equipa da ADAI, sendo que os resultados
demonstram um grande potencial de perigosidade. Desta forma, consideramos que, por motivos de
segurança, o abandono daquela localização foi a decisão mais acertada, embora tenha causado a perda de
controlo da situação.
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(a) (b)
Figura 87 – Situação da ocorrência de Nespereira na fase inicial. Na imagem da esquerda (a) aparece a indicação do local de onde a
fotografia da imagem (b) foi tirada – no sentido da esquerda para a direita.
O fogo progrediu para norte ajudado pelo vento, tendo o maior esforço de combate sido realizado no
flanco esquerdo para proteger as localidades de Nespereira e Pedrógão Pequeno. Sempre que possível, foi
igualmente feita a defesa perimétrica a outras povoações que eram ameaçadas.
Num contexto influenciado pelo vento, pela topografia e de ocupação de solo o fogo bifurcou‐se,
envolvendo a aldeia de Vale da Galega, passando a formar duas frentes (Figura 88). Uma destas frentes
continuou a progredir flanqueada pelo Rio Zêzere, no sentido de Arrochela. A segunda frente seguiu no
sentido da Madeirã, atingindo o flanco ainda ativo do incêndio da Ponte das Portelinhas, junto à Aldeia de
Bravo, pouco depois das 20.00h. Este episódio originou um comportamento extremo do fogo que conjugou
a interação entre estes dois incêndios e o incêndio de Maria Gomes que tinha tido início pelas 19.30h. A
interação entre as três colunas de fumo poderá ser vista na Figura 89.
Figura 88 – Enquadramento geral da situação pelas 20.30h.
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Figura 89 – Interação entre várias colunas de fumo às 18.18h a partir do PCO junto à localidade de Cruz de Casal Novo. A imagem
final resultou de uma montagem feita a partir de um vídeo cedido por Luís Martins do CB da Sertã.
Ocorrência de Maria Gomes
Antevendo que o incêndio chegasse à sua área de intervenção prioritária, o 2º Comandante do CB de
Pampilhosa da Serra, que estava naquela data no comando da sua corporação, pré‐posicionou vários veículos
de combate junto ao concelho vizinho. Alguns meios mantinham vigilância na zona de Soutelinho da Ribeira
e Portela do Fojo, tendo impedido que a projeção das 18.45h, anteriormente referida, tivesse
prosseguimento. Os restantes meios percorriam a zona entre Maria Gomes e Trinhão, tal como consta da
Figura 90.
Figura 90 – Situação do incêndio pelas 19.30h quando se iniciou o foco secundário de Maria Gomes e posicionamento prévio de
meios de combate.
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Quando pelas 19.30h a frente de fogo subiu com grande intensidade a encosta íngreme que precede a
Aldeia da Frazumeira, deu‐se a projeção de várias fagulhas que levaram ao início de um foco secundário na
margem norte do Rio Zêzere, perto de Maria Gomes, já no Concelho da Pampilhosa da Serra. O início deste
novo incêndio foi observado pelo 2º Comandante do CB da Pampilhosa da Serra (Figura 91), que de imediato
deu o alerta.
Figura 91 – Vista do 2º Comandante do CB de Pampilhosa da Serra quando observou da VCOT o início da ocorrência de Maria
Gomes.
Embora houvesse um VRCI e um veículo de Sapadores posicionados a menos de 1,5km de distância do
local da ignição, a velocidade de propagação inicial deste foco secundário foi de tal ordem, que os meios
depressa desistiram da tentativa de combaterem este foco de incêndio e rapidamente passaram à proteção
das populações. Qualquer estratégia como a contenção do fogo junto à estrada N351 foi desde logo
abandonada porque se percebia que não era seguro nem eficaz montar linhas de combate.
A primeira povoação ameaçada foi a aldeia de Maria Gomes à qual acudiram as equipas mais próximas,
entre as quais estava o 2º Comandante do CB da Pampilhosa da Serra que assumiu o comando das operações
de socorro. A velocidade e tempo de residência do fogo era tal, que estas equipas, por motivos de segurança
e intransitabilidade das vias de comunicação, ficaram retidas nesta localidade por mais de duas horas,
quando muitas outras povoações clamavam por socorro. Todos os meios disponíveis iam, dentro do possível,
protegendo as povoações, no entanto, esta ação era limitada pelo elevado número de situações a carecerem
de ajuda face aos meios existentes, e porque muitos destes meios não poderem transitar em segurança, não
apenas em Maria Gomes, mas por toda a área interior do sinistro.
Ocorrência da Lomba do Barco
Pelas 20.15h, com o fogo a ser empurrado pelo vento para NNE, começou a observar‐se a formação de
vários novos focos secundários nas duas margens do Rio Zêzere, a norte da aldeia de Álvaro, formando‐se
uma nova frente de fogo perto da aldeia de Lomba do Barco que se propagou paralelamente à frente iniciada
em Maria Gomes. A situação no terreno não possibilitou que esta ocorrência tivesse intervenção operacional.
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Situação geral
A Figura 92 permite perceber o panorama geral do complexo dos quatro principais incêndios em curso
pelas 20.30h. Neste período, em qualquer das ocorrências, o fogo progredia descontroladamente, sobretudo
por focos secundários, com os meios operacionais quase exclusivamente empenhados na defesa de
povoações, muitos deles retidos nas localidades que tinham ido proteger.
Figura 92 – Situação geral do complexo de incêndios pelas 20.30h.
Mesmo sem se tocarem, os vários incêndios iam interagindo aumentando ainda mais a grande
intensidade de fogo que as condições de declive acentuado, forte vento e grande disponibilidade de
combustível muito seco proporcionavam. Destaca‐se a aldeia de Álvaro que, tendo ficado encurralada entre
a frente principal do incêndio da Ponte das Portelinhas e o novo incêndio em Lomba do Barco, viu arder cerca
de 40 das suas casas. Na Figura 93 poderá verificar‐se que esta povoação se encontrava numa situação de
grande risco, não apenas pela elevada carga de combustível na sua envolvente, mas também porque se situa
ao longo da linha de cumeada. Este exemplo permite constatar a grande vulnerabilidade de algumas das
povoações portuguesas aos incêndios florestais, sem que haja medidas evidentes de mitigação do risco de
incêndio, tais como a faixa de gestão de combustíveis com 100m de largura em torno da povoação, tal como
é exigido pela legislação, e/ou a existência de sistemas de proteção ativa (e.g. linha periférica de aspersores
aproveitando o grande volume de água proporcionada pelo Rio Zêzere), que deveriam ser legalmente
exigidos em determinadas situações.
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(a) (b)
Figura 93 – Imagens da aldeia de Álvaro antes (a) e após (b) ter sido atingida pelo incêndio de 15 de outubro. Fonte: (a)
https://casadoshospitalarios.com; (b) https://whotrips.com
Durante a noite o complexo de incêndio continuou a progredir para NNE com grande intensidade e
velocidade, empurrado vento e impulsionado por incontáveis focos secundários que se formavam. O fogo de
Ponte das Portelinhas, embatendo na área consumida a norte pelos incêndios de Maria Gomes e de Lomba
do Barco, passou a ver limitada a sua progressão para leste, no que anteriormente era o seu flanco direito, e
foi interagindo com o incêndio de Nespereira, acabando por consumir a área a oeste limitada pelo Rio Zêzere.
As duas ocorrências mais a norte foram progredindo até embaterem em áreas que tinham sido consumidas
em incêndios anteriores. Na Figura 94 representa‐se a evolução geral do fogo.
Figura 94 – Evolução da área ardida no complexo de incêndios da Sertã.
Na Figura 95 apresenta‐se o cálculo da velocidade média de propagação das diversas frentes de chama
e a taxa de crescimento da área total ardida, tendo como base a figura anterior.
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Figura 95 – Apresentação dos resultados do cálculo da velocidade média de propagação da frente principal nos quatro incêndios do
CIF da Sertã, acompanhado do sentido da propagação (setas) e da taxa média de crescimento da área ardida no complexo de
incêndios.
A partir das 01.00h do dia 16 de outubro, com as condições meteorológicas mais favoráveis para o
combate ao fogo, sobretudo pela drástica diminuição da velocidade do vento, para além de socorro que ia
sendo prestado em várias povoações, passou‐se à ancoragem do incêndio em algumas zonas definidas. Uma
destas faixas perimétricas foi realizada durante a noite no perímetro a SW, entre Vilar da Carga e Ribeira de
Cilhas. Esta ação acabou por sair frustrada porque no final da manhã deste dia, deu‐se uma reativação que
queimou uma área que foi limitada pela área ardida nas ocorrências de Nespereira e de Ponte das Portelinhas
(Figura 94 – 20171016).
O flanco esquerdo da ocorrência da Nespereira tinha sido limitado pelas condições de topografia e maior
humidade do Rio Zêzere, não tendo, no entanto, tido qualquer intervenção de consolidação. Desta forma,
este flanco passou várias horas em combustão lenta, a qual reativou nas primeiras horas da manhã,
progredindo para nordeste, na direção de Portela do Fojo (Figura 94 – 20171016_0700_1200), juntando a
área ardida no dia anterior à área ardida no incêndio de Góis, a 17 de Junho de 2017 (Figura 96).
Deu‐se ainda uma terceira ocorrência (Figura 94 – 20171016_0700_20171016_0300), que poderá ter
resultado de um novo foco secundário deste incêndio ou, sendo o mais provável, terá resultado de um
reacendimento do incêndio de Fajão que teve início a 6 de outubro e que, noutras localizações, dois
reacendimentos anteriores tinham dado origem ao complexo de incêndios de Oliveira do Hospital, descritos
anteriormente. Este novo incêndio fez dispersar meios de combate, mantendo‐se ativo até às 03.00h de 17
de outubro.
A Figura 96 permite verificar que o perímetro final do incêndio foi maioritariamente definido pela
existência de área ardida noutros incêndio e pelos efeitos do vento que empurrava o fogo
predominantemente para NE. Dos lados NW e norte do perímetro final, o fogo foi embater nas áreas
previamente ardidas nos incêndios de Góis (17 de junho) e de Fajão (6 de outubro), respetivamente. Entre
estes dois lados, na direção de Arganil, a propagação do fogo foi interrompida numa linha de cumeada com
sentido SW‐NE, quando a influência do vento e dos efeitos convectivos do incêndio de Oliveira do Hospital
empurraram o fogo para NE. Nos lados sul e sudeste do perímetro final, a propagação do fogo foi sobretudo
definida pelo efeito do vento, mas também pela existência de áreas previamente ardidas. Naturalmente que
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em muitos destes casos, o papel do combate terá sido determinante, sobretudo nas operações de rescaldo
e consolidação.
Figura 96 – Área ardida desde as 01.00h do dia 16 de outubro e as 03.00h do dia 17 de outubro. Enquadramento geral do complexo
de incêndios relativamente à área ardida no incêndio de Góis (17/Jun/2017) e o incêndio de Fajão (06/Out/2017).
Análise da resposta operacional
Como referido anteriormente, o incêndio da Ponte das Portelinhas teve uma oportunidade de
circunscrição na sua fase inicial, no entanto, o foco secundário que surgiu num desfiladeiro que originou uma
propagação inicial muito rápida, anulou a estratégia de ataque inicial que até aquele momento vinha a
apresentar bons resultados. Numa segunda fase em que se pretendeu travar a propagação do fogo nas
estradas EN238 e EN238‐1, o forte vento que formou pouco depois das 13.00h acabou também por invalidar
aquela estratégia de contingência. Neste período, a existência de mais meios pouco ou nada teria alterado o
rumo dos acontecimentos uma vez que o fogo progredia em condições que ultrapassavam a capacidade de
combate.
A partir 13.00h‐13.30h, durante o resto do dia 15 de outubro, as operações passaram a ser sobretudo
reativas ao avanço do fogo. No cômputo geral, o efeito do combate efetivo ao fogo acabou por se resumir
essencialmente ao flanco direito do incêndio, uma vez que o seu flanco esquerdo e cabeça acabaram por se
findar em áreas queimadas por incêndios ocorridos anteriormente. Destaca‐se, no entanto, que uma parte
substancial das operações foram realizadas no interior da área do sinistro com a proteção de povoações e
outros elementos críticos.
A evolução dos meios de combate no complexo de incêndios poderá ser analisada com recurso à Figura
97. Poderá verificar‐se uma chegada rápida e robusta de vários meios em ataque inicial, tendo sido mantido
o crescimento de chegada de mais meios até cerca das 19.00h, quando o contexto nacional era de tal forma
grave que todos os meios disponíveis já se encontravam alocados. Assim, quando surgiram os incêndios da
Nespereira e de Maria Gomes, os meios foram deslocados da ocorrência da Ponte das Portelinhas,
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mantendo‐se no mesmo complexo de incêndios um efetivo operacional entre 250 e 350 elementos, com
variações no número justificadas pela existência de outras ocorrências, fora deste complexo de incêndios,
que motivavam a saída e regresso de operacionais deste teatro de operações.
(a) (b)
Figura 97 – Evolução dos meios no(s) teatro(s) de operações: a) meios humanos; b) meios terrestres (MT) e meios aéreos (MA) no
complexo de incêndios da Sertã. Fonte: ANPC: RO 2017050030693 (Ponte das Portelinhas), RO 2017050030728 (Nespereira) e RO
2017060046399 (Maria Gomes).
Durante o período diurno do dia 15 de outubro houve três meios aéreos a operar, tendo a sua operação
coincidido entre as 15.22h e as 16.15h. Durante o período entre as 13.29h e as 15.10h, quando o fogo se
propagou com grande velocidade, tal como descrito anteriormente, o teatro de operações ficou sem este
importante recurso porque, quer o meio ligeiro, quer o helibombardeiro médio, tendo grandes dificuldades
de operação face ao forte vento que se sentia, foram obrigados a regressar à base, aproveitando para
reabastecer. Em função da grande extensão e intensidade deste incêndio, conclui‐se que a existência de mais
meios aéreos poderia ter sido um apoio importante nas operações de combate, no entanto, a situação
nacional com muitas ocorrências com iguais características não permitiu a alocação de mais meios aéreos
neste complexo de incêndios.
3.5. Complexo de incêndios de Leiria
O complexo de incêndios de Leiria foi dominado por duas ocorrências, designadas de “Ocorrência da
Légua” e “Ocorrência da Burinhosa”, com inícios às 13.51h e 14.33h, respetivamente. Distanciadas em cerca
de 9km, estas ocorrências aparentemente resultantes de ignições independentes, evoluíram inicialmente
para NW, posteriormente para norte e na fase final para NE, sempre fortemente impulsionadas pelo vento
que dominou o comportamento do fogo e que provocou inúmeros focos secundários que rapidamente
interagiram entre si e com as frentes de chama originais. Progredindo numa área com uma topografia suave
e com grande homogeneidade ao nível do combustível, a capacidade de combate foi muito limitada, em
função da grande intensidade do fogo e da velocidade de propagação, uma vez que o vento foi o fator que
determinou o comportamento do fogo observado. A elevada carga de combustível de superfície e nas copas,
e o solo arenoso em praticamente toda a área do incêndio, foram fatores adicionais que dificultaram o
combate.
Embora dramático pelas graves perdas ambientais e económicas resultantes, das quais se destaca a
perda de cerca de 80% de área queimada no secular Pinhal de Leiria, este incêndio não provocou qualquer
vítima mortal a lamentar.
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Alerta e causa de incêndio
O alerta da ocorrência da Praia da Légua foi dada pelas 13.51h através da linha de emergência 112. O
primeiro COS desta ocorrência foi um Chefe do CB de Pataias, embora o relatório de ocorrência,
erradamente, refira o Comandante do CB da Nazaré como o primeiro comandante das operações de socorro
nesta ocorrência.
Quando uma equipa do CB de Maceira se deslocava para a ocorrência da Praia da Légua, observou uma
coluna de fumo, já com alguma dimensão que presumia ser o começo de uma nova ocorrência. Após dar
conhecimento ao Comando Distrital, e solicitar autorização para se desviar da missão original, deslocou‐se
ao local da proveniência do fumo constatando que se tratava de uma nova ocorrência. Pela dimensão da
coluna de fumo, e pela extensão da área ardida quando da chegada dos primeiros meios de combate,
surpreende que esta ocorrência não tivesse sido detetada mais precocemente, sendo provável que a
ocorrência da Praia Légua, mesmo localizando‐se a cerca de 10km, desviasse as atenções ou mesmo
dificultasse a distinção entre as duas colunas de fumo. Relata‐se ainda um episódio em que, desde a torre de
vigia de uma instalação fabril a cerca de 7km de distância, foi dado o alerta para uma nova ignição em Casal
da Lebre que se veio a verificar ser um falso alarme – este facto indica que o ambiente de fumo em toda
aquela área confundia a perceção dos focos de ignição, retardando a sua deteção e o início do ataque inicial.
De acordo com as conclusões das autoridades competentes, e pelo que consta no Sistema de Gestão de
Incêndios Florestais, ambas as ocorrências terão tido origem em reacendimentos de fogachos anteriormente
ocorridos, nomeadamente: a) ocorrência da Légua (NO ANPC 2017100055976), iniciada às 17.49h do dia 12
de outubro e com hora de extinção às 19.20h do mesmo dia, sendo associada à ocorrência da Légua; e b)
ocorrência do Beco da Longra – Burinhosa (NO ANPC 2017100056464), iniciada às 06.53h no dia 15 de
outubro, tendo sido considerado extinto 15 minutos depois, às 07.08h, dando posteriormente origem à
ocorrência de Burinhosa. Na visita ao terreno efetuada pelos autores deste estudo, foi possível constatar que
não há um contato direto entre as áreas queimadas nas duas ocorrências, tal como se pode constatar na
Figura 98. A área resultante da ignição de Burinhosa situa‐se a cerca de 75m do perímetro da área
previamente ardida, que ainda estaria incandescente por ter ardido cerca de sete horas antes, para além de
se localizar no enfiamento do sentido do vento forte sentido naquele período. A ignição da Praia da Légua,
ocorreu a cerca de 1km do perímetro da área ardida cerca de três dias antes, sendo possível que continuasse
em combustão lenta, mas seguramente que o perímetro deste incêndio estaria muito mais arrefecido que
no caso da Burinhosa. Não há registo de ter havido um reacendimento de qualquer dos fogachos anteriores,
supostamente extintos. Os terrenos que intermedeiam os perímetros previamente ardidos e as ignições do
dia 15 de outubro mais próximas são relativamente planos. No entanto, no caso da Praia da Légua, existe
uma floresta densa no terreno intermédio, enquanto que no caso da Burinhosa, a área interposta é isenta de
obstáculos (Figura 99). Desta forma, consideramos aceitável a conclusão de que o incêndio da Burinhosa
possa ter resultado de um reacendimento, no entanto, julgamos ser pouco provável que a ignição da Praia
da Légua resulte do incêndio que o antecedeu.
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(a) (b)
Figura 98 – Localização das ignições das ocorrências da Praia da Légua (a) e da Burinhosa (b) relativamente aos perímetros das
áreas queimadas das ocorrências da Légua (a) e do Beco da Longra – Burinhosa (b) ocorridas previamente.
(a) (b)
Figura 99 – Fotografias das áreas da Praia da Légua (a) e da Burinhosa (b) onde se iniciaram os respetivos incêndios e onde é
possível ficar com uma ideia do tipo de vegetação local.
Pelo exposto, consideramos que, mesmo não havendo contacto direto entre o perímetro da área
previamente ardida e o novo local de ignição, é possível que na ocorrência da Burinhosa tenha havido um
foco secundário por arrastamento junto ao solo de uma partícula incandescente proveniente da área
queimada na ocorrência que se deu entre as 06.53h e as 07.08h do mesmo dia. O tempo de apenas 15
minutos entre o alerta e a hora de extinção poderão ser indicativos de um deficiente esforço de consolidação
na periferia da área ardida. No entanto, novas ignições até poucas dezenas de metros de distância poderão
resultar de partículas incandescentes provenientes do interior da área queimada que, impulsionadas por
vento forte, como aquele sentido no período em que foi dado o alerta, são arrastadas junto ao solo. Nestes
casos de vento forte, uma vigilância mais prolongada, até que toda a área previamente ardida arrefeça,
poderá ser a única solução para garantir que não há novos incêndios secundários. Em incêndios de menor
dimensão, o rescaldo de toda a área ardida, e não apenas da periferia do incêndio poderá ser igualmente
uma solução válida.
Propagação inicial do fogo e ataque inicial
Ocorrência da Praia da Légua
Quando os primeiros veículos de combate das CBs de Pataias e Nazaré chegaram ao local da ocorrência
da Praia da Légua, cerca de 15 minutos depois do alerta, de imediato se depararam com uma situação que
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fazia acreditar que iria prolongar‐se para lá do ataque inicial, com duas frentes muito intensas, em que uma
delas ameaçava seriamente um conjunto de habitações (Figura 100). Desta forma, a primeira intervenção
consistiu na defesa perimétrica destas infraestruturas no flanco esquerdo, sem que houvesse meios
suficientes para fazer um combate efetivo à restante fração desta frente de incêndio, nem tampouco à frente
de incêndio a leste, que acabou por se extinguir pouco depois junto a um eucaliptal, sem que haja
conhecimento de ter havido qualquer intervenção que fosse responsável por tal desfecho positivo. O vento
forte de sul que se fazia sentir, provocando vários focos secundários, rapidamente levou à perda de controlo
da situação, limitando a intervenção dos meios que chegaram pouco depois.
Figura 100 – Situação do incêndio da Praia da Légua nos instantes iniciais.
Ocorrência da Burinhosa
O primeiro meio a chegar à ocorrência da Burinhosa foi um veículo do CB de Maceira que, conforme
reportado anteriormente, se encontrava em trânsito para o Incêndio da Praia da Légua. Aproveitando uma
linha de água existente (linha a azul claro na Figura 101), começaram a flanquear o fogo. Embora a área do
incêndio já ultrapassasse 3ha, pelas 14.50h (Figura 101), a perceção era a de que o combate evoluía
favoravelmente e que, com a chegada de mais alguns meios esperados, aquela ocorrência iria rapidamente
chegar ao fim.
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Figura 101 – Situação do incêndio da Burinhosa entre as 14.50h e as 15.00h e respetiva primeira intervenção.
Pouco antes das 15.00h, após uma rajada de vento, verificou‐se uma série de projeções a curta distância.
Poucos minutos depois, formaram‐se alguns focos de copas passivos e, após uma nova rajada de vento,
seguiu‐se um novo episódio com inúmeras projeções, desta vez a média distância. Os focos secundários que
se formaram, inviabilizaram os caminhos de fuga, pelo que o comandante de operações, tomando
consciência da ameaça, ordenou aos operacionais no tereno que se concentrassem numa zona (assinalada
como na Figura 101) com herbáceas baixas e que molhassem a área na envolvente. Em seguida deu ordem
para que fosse feita uma descarga aérea de água sobre a zona onde se refugiaram, e ali permaneceram até
que a situação lhes permitisse sair. Em momento algum se serviram dos fire shelter, uma vez que o terreno
com herbáceas não permitia a utilização em segurança destes equipamentos, e o tempo escasso de que
dispunham não permitia a criação de uma clareira sem combustíveis.
Os focos secundários interagiram entre si e com a frente de chamas original fazendo evoluir o fogo
consideravelmente. A partir desta altura, chegaram mais meios de combate, mas a situação já estava
descontrolada, e era necessário definir uma nova estratégia de combate.
Desenvolvimento do incêndio
A propagação do fogo em ambos os incêndios foi essencialmente dominada pelo sentido e intensidade
do vento proveniente de sudeste, numa fase inicial, sofrendo uma rotação para soprar de sul sensivelmente
entre as 13.00h e as 23.00h, passando a soprar de SW, desde essa hora, até à madrugada do dia 16 de
outubro. Desta forma, sem que outros fatores como o declive ou a heterogeneidade do combustível tivessem
grande relevo na propagação do incêndio, o fogo progrediu de acordo com o sentido do vento, tal como se
pode constatar na Figura 102.
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Figura 102 – Evolução da área ardida no complexo de incêndios de Leiria.
Muito foi dito e noticiado sobre a eventual origem criminosa tanto deste incêndio, como das inúmeras
ignições que surgiram posteriormente. Sem ter em posse toda a informação factual deste processo, e como
tal, fazendo uma avaliação meramente baseada nos conhecimentos técnicos no âmbito do comportamento
do fogo e na observação do terreno, acompanhada por entidades operacionais, que participaram no
combate, os autores deste relatório consideram que o aparecimento das várias ignições alinhadas que
sucederam a jusante dos ventos fortes que se fizeram sentir, são compatíveis com os processos de formação
de focos secundários, sendo esta a possibilidade mais provável. Salienta‐se, contudo, que a esta conclusão
podem faltar outras informações factuais que sustentem uma eventual tese de origem criminosa de alguns
dos focos registados posteriormente.
Existe alguma controvérsia sobre a possibilidade das frentes das ocorrências de Légua e de Burinhosa,
terem convergido, promovendo a intensificação da frente de chamas resultante, o que teria conduzido a uma
rápida propagação do fogo para norte, no sentido de Vieira de Leiria. Da análise efetuada aos dados
existentes e aos testemunhos ouvidos, os autores deste relatório concluíram que a frente de chamas da
Ocorrência da Légua atingiu a área anteriormente queimada pela Ocorrência da Burinhosa por volta das
01.00h do dia 16 de outubro, não se tratando propriamente de um episódio de frentes convergentes, mas
sim no encontro de uma frente com uma área previamente queimada, mas ainda quente. A interação entre
as duas ocorrências de incêndio terá sido, no entanto, efetiva, entre outros mecanismos, pelo efeito da pluma
térmica da frente de chamas da Ocorrência da Légua que, incidindo nos combustíveis florestais a norte,
posteriormente queimados pela frente da Burinhosa, levou ao seu pré‐aquecimento e consequentemente à
diminuição da sua humidade e à produção de uma combustão mais intensa. Nesta perspetiva, e de acordo
com a estimativa de propagação apresentada na Figura 102, os dois incêndios foram quási‐independentes.
Ocorrência da Praia da Légua
Depois da fase inicial de desenvolvimento e correspondente ao incêndio, o fogo mostrou um
comportamento relativamente constante progredindo para norte, com arranques que coincidiam com o
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aumento súbito do vento. Na Figura 103 apresenta‐se uma ampliação da progressão estimada do fogo nesta
ocorrência.
Figura 103 – Detalhe da propagação estimada do incêndio da Praia da Légua, com inclusão da área ardida em 2015.
A estratégia de combate tinha em consideração dois aspetos fundamentais. Por um lado, o
desenvolvimento do flanco esquerdo do incêndio, conduzia‐o para o mar e, excetuando o aglomerado de
casas na Légua, para norte e para o flanco direito, apenas algumas habitações dispersas exigiam uma
proteção perimétrica. Por outro lado, os meios de combate eram escassos, visto que muitos recursos eram
desviados para a Ocorrência da Burinhosa, onde a situação era mais preocupante.
Mais tarde, com o avanço rápido da cabeça do fogo, a localidade de Paredes Velhas passou a ser uma
prioridade, pelo que foi criada uma linha de proteção que circundava a zona Sul desta povoação e o Parque
de Campismo existente, também na zona Sul. A deslocação dos poucos meios de combate para esta zona,
fez com que a frente de chama progredisse um apouco mais para leste, que ficou mais desprotegido.
Neste período, com o vasto perímetro de área queimada registado, assumiu‐se como inevitável que a
frente de chama fosse colidir com a área queimada na ocorrência mais a norte, pelo que a estratégia de
gestão do incêndio passou a ser definida por duas prioridades: 1) a proteção dos aglomerados urbanos junto
à costa, o que foi facilitado pela inflexão que o fogo teve pelo combate a sul de Paredes Velhas e pela ligeira
rotação para NE que o vento vinha evidenciando; e 2) o flanqueamento direito da cabeça do incêndio na
tentativa de o fechar na zona previamente queimada pelo incêndio da Burinhosa, evitando que esta
povoação pudesse vir a ser atingida pelas chamas. Esta estratégia foi bem‐sucedida.
Depois de o incêndio ir ao encontro da área queimada da ocorrência da Burinhosa, por volta das 01.30h,
as atividades de combate, direto e indireto, passaram a incidir no fecho de zonas em combustão lenta a oeste
do perímetro do incêndio. Neste período, destaca‐se uma zona queimada em 2015 (Figura 103) que permitiu
um trabalho de fecho mais eficiente.
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Ocorrência da Burinhosa
Neste incêndio, o fogo progrediu de uma forma ainda mais rápida do que no incêndio mais a Sul, tendo
o combustível florestal do Pinhal de Leiria, em certas áreas bem gerido, enquanto em outras áreas sem
qualquer gestão, sido um fator de grande relevo. Com muitas zonas de incêndios de copas passivo e ativo, a
propagação do fogo por projeções conheceu uma velocidade anormalmente elevada. A propagação do fogo
com velocidade extrema permaneceu ao longo de várias horas, praticamente desde o seu início, até por volta
das 01.30h, quando o vento diminuiu de intensidade após alterar a sua direção para NE, na direção do cordão
urbano entre Marinha das Ondas e Carriço que, com a diminuição do aparecimento de focos secundários a
média e longa distância, levou à interrupção da propagação da cabeça do incêndio.
Após a fase inicial, anteriormente descrita, sensivelmente entre as 15.00h e as 16.00h a principal
preocupação passava pela ameaça do fogo a Marinha Grande, pelo que os meios disponíveis se concentraram
sobretudo no flanco direito do incêndio. Na Figura 104 poderá ver‐se que a área queimada, sujeita a ventos
maioritariamente de Sul, apresenta uma proeminência para oeste, o que será um resultado desta ação de
combate no flanco direito. Depois desta hora, com a chegada de mais meios de combate e com os
aglomerados populacionais na orla costeira sob ameaça, os meios dispersaram‐se nos dois flancos.
Figura 104 – Detalhe da propagação estimada do incêndio da Burinhosa.
Com o fogo a progredir de forma rápida e intensa para norte, e perante a impossibilidade de combate
em zona de floresta, devido à grande intensidade do fogo, numa altura em que o combate se fazia apenas
nos flancos e na proteção de elementos críticos, foi delineada uma estratégia que passava por aproveitar o
corredor de combustível mais reduzido, com cerca de 1,6km de largura entre dois aglomerados populacionais
– Vieira de Leiria e Praia da Vieira –, tal como representado na Figura 105. Esta oportunidade de combate
era ainda apoiada pelo Rio Liz, que se apresenta transversalmente à direção de propagação do fogo. Esta
estratégia fazia todo o sentido, mas tinha um senão – a grande carga de combustível fino existente nesta
faixa que tinha ardido apenas em 2003, sem que, entretanto, tivesse havido uma ação concertada de gestão
de combustível. Perante esta adversidade, foram usadas uma máquina de rastos e uma retroescavadora para
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reduzir o combustível e consequentemente a intensidade do fogo e a projeção de fagulhas, permitindo assim
a criação de uma linha de combate potencialmente mais eficaz. Foram pedidas, sem sucesso, mais máquinas
de rasto que pudessem acelerar a operação. Embora correta, esta estratégia acabou por fracassar porque a
frente de fogo progrediu mais rapidamente do que o esperado, impedindo as máquinas de acabar o seu
trabalho de redução de combustível, obrigando‐as a retirar. Considera‐se que houve neste caso uma falha
na prevenção, uma vez que sendo aquela uma zona estratégica, a gestão dos combustíveis deveria ser
constante. Por outro lado, houve uma falha na previsão do comportamento do fogo, que foi efetivamente
excecional, e consequentemente na resposta operacional. A importância da estratégia definida deveria ter
levado a uma atuação anterior e ao emprego de mais maquinaria para diminuição da carga de combustível.
Figura 105 – Situação do complexo de incêndios pelas 17.00h, quando foi definida uma nova estratégia de contenção do fogo antes
de este atingir o Rio Liz.
A estratégia anteriormente descrita falhou também porque o forte vento que se registou a partir das
17h00 permaneceu, não apenas fazendo com que a frente de fogo atingisse aquela zona antes do trabalho
de diminuição da carga de combustível estivesse concluído, mas também que produzisse um elevado número
de focos secundários a média distância que frustravam qualquer estratégia que passasse pela criação de uma
linha de contenção do fogo. A sequência de fotografias (Figura 106) tirada desde o Quartel do CB de Vieira
de Leiria permite ter uma ideia da grande propagação que o fogo teve entre as 17.15h e as 18.25h.
Figura 106 – Sequência de imagens da passagem do incêndio por Vieira de Leiria com a formação de diversos focos secundários a
média distância. Imagens tiradas por Hélio Madeiras a partir do Quartel do CB de Vieira de Leiria.
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O vento continuou a soprar forte até cerca das 01.00h, mantendo o combate desfavorável e a situação
fora de controlo. A partir desta hora, com a velocidade do vento a cair drasticamente, a propagação do fogo
desacelerou e o combate tornou‐se possível quando a cabeça do incêndio atingiu a faixa urbana com menos
combustível. Durante o resto do dia 16 de outubro, com o vento mais ameno e com a humidade relativa do
ar a aumentar, o fogo passou a progredir de forma gradual, mas, devido ao grande perímetro e à limitação
de meios que se apresentavam exaustos, o fogo apenas foi dominado quando por volta das 22h00 quando
começou a chover.
A Figura 107 permite avaliar o comportamento oscilante da velocidade com que o incêndio da Burinhosa
progrediu, o qual foi acompanhado pela taxa de crescimento da área total ardida. O incêndio da Légua teve
uma velocidade de propagação mais constante. Acredita‐se que o pré‐aquecimento feito pela ocorrência da
Légua à massa de ar trazida pelo vento de sul com rajadas tenha causado esta maior oscilação na velocidade
de propagação do fogo do incêndio da Burinhosa, mais a norte.
Figura 107 – Apresentação dos resultados do cálculo da velocidade média de propagação da frente principal nos dois incêndios do
CIF de Leiria, acompanhado do sentido da propagação (setas) e da taxa média de crescimento da área ardida no complexo de
incêndios.
Análise da resposta operacional
A estratégia de combate seguida foi anteriormente descrita, considerando‐se que na sua globalidade foi
bem definida, tendo sido claramente limitada pela falta de meios de combate disponíveis, estando muitos
destes recursos alocados nas diversas ocorrências simultâneas.
Enquanto na ocorrência da Praia da Légua, a estratégia a definir era sobretudo dependente da
quantidade de meios para combate efetivo, na ocorrência da Burinhosa, em determinadas situações, devido
à intensidade do fogo, o combate era virtualmente impossível, pelo que mais meios não iriam alterar a
situação. Nesta ocorrência, era preciso definir uma estratégia que aproveitasse as poucas “janelas de
oportunidade” com grande antecipação. A possibilidade, anteriormente descrita, de conter o fogo entre
Praia da Vieira e Vieira de Leiria, parecia a mais acertada, mas foi malsucedida devida à reação tardia ao
rápido avanço da frente de chamas que se verificou sobretudo entre as 15.00h e as 17.00h. A
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indisponibilidade de máquinas de rasto neste período e a deficiente gestão de combustíveis em zonas
nevrálgicas para mega incêndios evidenciam igualmente a necessidade de uma melhor preparação prévia.
Houve ainda uma dificuldade acrescida que resultou da existência de vários caminhos interiores em
areia que, mesmo com os veículos adaptados para estas circunstâncias (e.g. pneumáticos com pressão baixa)
a progressão era mais complicada.
Na Figura 108 apresenta‐se a evolução de meios de combate nos dois teatros de operação. Poderá
verificar‐se que numa fase inicial foram destacados mais meios para a primeira ocorrência na Praia da Légua
no entanto, o potencial crescente do incêndio da Burinhosa que se propagou no Pinhal de Leiria e que
ameaçou um número superior de povoações, inverteu a situação, fazendo com que neste teatro de
operações chegassem a estar mais de 300 operacionais em simultâneo.
(a) (b)
Figura 108 – Evolução dos meios no(s) teatro(s) de operações: a) meios humanos; b) meios terrestres (MT) e meios aéreos (MA).
Fonte: ANPC: RO 2017100056537 (P. da Légua) e RO 2017100056554 (Burinhosa).
Os meios aéreos presentes permitiram acudir em algumas situações importantes. Ao contrário do que
aconteceu nas outras ocorrências, embora com algumas dificuldades, a atuação de meios aéreo foi possível,
uma vez que, perante uma orografia suave daquela área, os ventos sentidos eram predominantemente
unidirecionais. Na ocorrência da Praia da Légua houve um helibombardeiro médio (H13) a atuar
praticamente durante todo o período diurno do incêndio de 15 de outubro, excetuando o período entre as
15.27h e as 16.10h quando este meio teve de regressar ao centro de meios aéreos para reabastecimento. O
incêndio da Burinhosa apenas teve meios aéreos em operação no segundo dia, quando o incêndio da Praia
da Légua perdeu relevância depois da frente de chamas ter atingido a área ardida do outro incêndio e o
helicóptero H13 ter passado a atuar mais a norte. Posteriormente, a partir das 13.15h, juntou‐se de forma
intermitente um meio aéreo pesado (H03) para o apoio nas operações de combate. Manifestamente que a
atuação de mais meios aéreos poderiam ter feito a diferença no combate, sobretudo se tivesse havido um
reforço destes meios na implementação da estratégia que pretendia interromper o avanço das chamas no
estrangulamento entre a Praia de Leiria e Vieira de Leiria.
Devemos referir dois incidentes ocorridos neste incêndio, que envolveram viaturas e elementos dos
Bombeiros. O primeiro, próximo de Água Formosa (Talhão 86), cerca das 17.00h, envolveu um grupo de
combate dos BM de Leiria, que teve de retirar, abandonando o VFCI que os transportava, o qual ficou
destruído. Felizmente não houve danos pessoais. O outro incidente ocorreu cerca das 17.30h, próximo de
Grou e envolveu um VLCI dos BV de Vieira de Leiria, que ficou parcialmente danificado.
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3.6. Complexo de incêndios de Quiaios
O complexo de incêndios de Quiaios teve origem na Ocorrência de Cova da Serpe, sendo constituído por
vários focos de incêndio alinhados segundo a direção do vento. Alguns destes focos são claramente focos
secundários da ocorrência original, ao passo que outros tiveram uma origem indefinida. Embora a ignição
em Cova da Serpe, pelas 14h36, seja a que mais se destaca neste CIF, quer pela extensão da área ardida, quer
pela velocidade de propagação do fogo registada, a que se iniciou mais cedo foi a Ocorrência de Quintã, em
Vagos, pelas 13h34. Sendo flanqueada pela estrada nacional N109, do lado esquerdo, e por uma zona agrícola
húmida de sapal do lado direito, esta ocorrência teve pouca expressão nas primeiras horas deste complexo
de incêndios, embora tenha ganho maior relevância quando reativou depois das 18.00h. Há neste complexo
de incêndios uma outra ocorrência, designada “Ocorrência de Águas Boas”, que merece realce, não apenas
pela grande área ardida que originou, mas também por ter sido fundamental para que a frente de fogo
proveniente de Cova da Serpe interrompesse a sua progressão quando atingiu a área ardida desta ocorrência
que teve início pouco antes das 16.00h.
Uma vez que grande parte da área ardida neste complexo de incêndios resulta da ocorrência de Cova
da Serpe, e porque não houve uma interação evidente na progressão das três ocorrências mencionadas,
excetuando a delimitação da progressão do fogo da maior ocorrência quando esta atingiu a área queimada
das duas ocorrências a norte, a descrição que se segue irá focar‐se maioritariamente na ocorrência de Cova
da Serpe.
A análise da resposta operacional a esta ocorrência deve ter‐se em consideração o CIF da Lousã, também
no distrito de Coimbra, que deflagrava com grande intensidade numa vasta área de sinistro desde há várias
horas, empenhando vários recursos de combate daquela região e das suas imediações. Para além disso, o
distrito de Aveiro, para onde o complexo de incêndios se dirigiu, foi ao longo do dia sujeito a muitos
incêndios, alguns com grande extensão e intensidade.
Alerta e origem do incêndio
As condições meteorológicas vividas nos dias anteriores e previstas para o dia 15 de outubro, assim
como o alerta vermelho definido pela ANPC, levaram ao nível de prontidão máximo das forças de prevenção
e combate, pelo que vários meios humanos e materiais foram preposicionados em locais estratégicos. Às
14.36h, uma Equipa de Sapadores Florestais que se encontrava estacionada junto ao Miradouro da Bandeira,
na vertente norte da Serra da Boa Viagem no Concelho da Figueira da Foz, deu o alerta de uma ignição nas
imediações do Centro Hípico da Figueira da Foz, a cerca de 4,5km de distância, tendo como ponto de
referência as instalações da Empresa Microplásticos, em Cova da Serpe, na freguesia de Quiaios. As imagens
da Figura 109 permitem ter uma ideia das características do local da ignição.
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(a) (b)
Figura 109 – Imagem (a) do local onde a ocorrência de Cova da Serpe terá tido início. Na imagem b) poderá ver‐se o tipo de
vegetação característico do local antes do incêndio, segundo informação de populares que residem nas imediações.
Não há evidências sobre a causa deste incêndio, sendo plausível a interferência humana na ignição. Os
autores deste relatório também não conseguiram apurar a causa das outras duas ocorrências.
Propagação inicial do fogo e ataque inicial
Devido ao posicionamento prévio dos meios de combate, a chegada ao teatro de operações após o
alerta foi relativamente rápido. Assim, a chegada do primeiro veículo pesado de combate verificou‐se pelas
14.50h, sendo que em menos de 30 minutos depois do alarme, já se encontravam no TO meios pesados e
ligeiros das três corporações que constituem a estratégia de triangulação definida para aquele local. O ataque
inicial foi desprovido de apoio aéreo, uma vez que tinha havido uma desmobilização anterior resultante da
transição de fases do DECIF (Fase Charlie para Fase Delta), o que limitou a eficácia do ataque inicial e reduziu
as possibilidades de um desfecho precoce desta ocorrência.
Quando chegaram ao local, a situação encontrada foi a de uma frente de chama que se desenvolvia para
norte com grande intensidade. Na Figura 110 apresenta‐se a situação encontrada pelos primeiros meios que
chegaram ao local. O primeiro ataque ao fogo consistiu no seu flanqueamento a leste e oeste na tentativa
de enfraquecer a “cabeça do fogo” até à sua extinção. No entanto, a grande velocidade que o fogo tomou na
fase inicial (Figura 111), o surgimento de vários focos secundários e o aparecimento de vários episódios de
fogo de copas passivo rapidamente fez intuir que aquela ocorrência não poderia ser dominada unicamente
com os parcos meios de combate terrestre que haviam sido disponibilizados. Desta forma, a estratégia de
combate passou a priorizar o flanco leste onde se encontravam várias populações que passaram a estar
ameaçadas. Para além disso, perante a já grande extensão da área da frente de chamas, o flanco a oeste
estava limitado pelo Oceano Atlântico, sem que houvessem elementos críticos ou estratégicos na área
intermédia, pelo que se reduziu a relevância dada ao combate neste flanco.
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Figura 110 – Situação do incêndio de Cova da Serpe pelas 14.50h quando os primeiros meios acederam ao local da ignição.
Figura 111 – Imagem do incêndio às 15.14h evidenciando a grande intensidade que o fogo assumiu logo na sua fase inicial
(fotografia cedida por Nuno Osório dos BM da Figueira da Foz).
Por volta das 15.00h deflagrou uma nova ignição no Paião, cerca de 15km a sul de Cova da Serpe, fora
do perímetro final deste CIF. Para que o município não ficasse com duas grandes ocorrências em simultâneo,
alguns dos poucos recursos disponíveis foram desviados para esta nova ocorrência. Os reforços em trânsito
para a ocorrência da Cova da Serpe, que poderiam reforçar o combate das chamas, foram também desviados
e alocados nesta nova ocorrência, tornando a situação em Cova da Serpe ainda mais descontrolada.
Desenvolvimento do incêndio
Na Figura 112 apresenta‐se a evolução do fogo ao longo do dia 15 de outubro nas diversas ocorrências
do CIF de Quiaios. A ocorrência da Quintã teve início numa zona de interface entre espaço urbano, a oeste,
e uma área agrícola húmida (zona de sapal) a leste. Com o forte vento de sul, este incêndio progrediu para
norte, ao longo de uma faixa estreita, até que foi dominado pelas 18.00h.
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Figura 112 – Evolução do fogo no Complexo de Incêndios de Quiaios.
Pelas 15.30h, quando o fogo iniciado em Cova da Serpe progredia a grande velocidade para norte, surgiu
um foco secundário que não pôde ser prontamente resolvido. Este foco secundário foi‐se desenvolvendo
paralelamente, mas atrasado relativamente à frente de chama original, mantendo uma faixa por queimar
entre as duas manchas de progressão do fogo (Figura 113). Esta faixa por arder, a sul com cerca de 200m de
largura, foi‐se estreitando com o avanço para norte dos dois focos de incêndio, aproximando as duas áreas
de progressão que se encontraram pouco depois das 18.00h, na estrada nacional EN335‐1, junto à Praia da
Tocha, depois de terem progredido mais de 7km em paralelo. O forte vento de sul terá mitigado o efeito de
aproximação entre os dois focos, dissipando o calor formado entre eles e a correspondente célula convectiva.
Após a junção, estes dois focos de incêndios progrediram de forma acelerada, tal como é típico num episódio
de frentes convergentes, ameaçando um parque de campismo e várias habitações na área a norte da Praia
da Tocha. Também a faixa anteriormente por queimar que os separava, foi rapidamente imersa num mar de
chamas com grande intensidade.
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Figura 113 – Imagem da progressão da Ocorrência de Cova da Serpe às 15:56h permitindo observar o foco secundário iniciado pelas
15.30h a progredir paralelamente à frente original. Fotografia feita desde o Posto de Vigia do Palheirão (fotografia cedida por João
Maduro do CB de Mira).
Entre vários focos secundários, este episódio de frentes convergentes terá originado uma nova ignição
perto de Bustos, em Oliveira do Bairro, que progrediu sem domínio para norte. Estando a ocorrência de
Quintã dominada, e vendo que as chamas provenientes de Bustos progrediam sem controlo, tendo já entrado
no concelho de Vagos, os meios de combate da primeira ocorrência deslocaram‐se para este novo foco de
incêndio sem que tivessem realizado um rescaldo efetivo. No entanto, pouco tempo depois de abandonarem
o primeiro teatro de operações, quando o vento reorientou o seu sentido, passando a soprar com maior
componente de leste, a parte sul deste incêndio reativou, dirigindo uma nova frente de chama para nordeste,
a qual mais tarde acabou por encontrar a área queimada pelo foco secundário de Bustos. Por sua vez, este
foco secundário iniciado depois das 18.00h foi ao encontro da área queimada pela ocorrência de Águas Boas.
Desta forma, este complexo de incêndios caracteriza‐se pela sequência de ocorrências que, entre as 22.30h
e as 01.00h, embateram nas áreas queimadas umas das outras, especificamente: a) o IF de Cova da Serpa e
o IF de Quintã atingiram a área queimada pelo foco secundário de Bustos; e b) o foco secundário de Bustos
extinguiu‐se na área previamente queimada pela ocorrência de Águas Boas.
Com base na estimativa de propagação apresentada na Figura 112, foi feito o cálculo da velocidade de
propagação da frente de chama original do incêndio de Cova da Serpa, assim como da taxa de variação da
área ardida em todo o CIF (Figura 114). Nesta imagem é possível verificar o aumento da velocidade de
propagação resultante da junção dos dois focos de incêndios depois das 18.00h. O aumento da taxa de
crescimento da área ardida observado por volta das 21.00h reflete a intensificação das ocorrências de águas
Boas e de Quintã, assim como a evolução do foco secundário de Bustos.
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Incêndio de Cova da Serpa
Figura 114 – Apresentação dos resultados do cálculo da velocidade média de propagação da frente principal no incêndio dominante
do CIF de Quiaios, acompanhado do sentido da propagação (setas) e da taxa média de crescimento da área ardida no complexo de
incêndios.
Na sua progressão de sul para norte, na área florestal da Praia da Costinha, freguesia do Bom Sucesso,
norte da Figueira da Foz, registou‐se uma diminuição da intensidade do fogo junto à Estrada Florestal nº1, o
que resultou da gestão de combustíveis efetuada naquele local, na sequência do Programa de Sapadores
Florestais. Porém, esta janela de oportunidade de combate acabou por não se constituir verdadeiramente
como tal, em função do avanço rápido da frente de chamas com episódios frequentes de fogo de copas
passivo. Esta oportunidade poderia ter sido melhor aproveitada caso tivesse havido uma deslocação
antecipada dos meios de combate, no entanto, quer a sua limitação em número, quer o avanço rápido da
frente de chamas que muitas vezes dificultava a movimentação das viaturas, impediram que esta
oportunidade fosse aproveitada em todo o seu potencial.
Pelas 18.10h, o incêndio com uma frente original a leste e outra frente a oeste, resultante do foco
secundário que se iniciou por volta das 15.30h, anteriormente referido, e que já tinha uma largura estimada
de 5km, chegou à estrada nacional N335‐1 que liga a vila da Tocha à Praia da Tocha. Esta via é uma reta com
aproximadamente 6km de comprimento e 35m de largura média, com um alinhamento perpendicular ao
avanço das frentes de fogo. Cientes de que este local poderia constituir‐se igualmente como uma boa
oportunidade para travar a progressão do incêndio, foi levantada a possibilidade da realização de uma
manobra de fogo de supressão no sentido Praia da Tocha para a Vila da Tocha até às Berlengas, uma vez que
a frente oeste progredia ligeiramente mais atrasada que a frente leste. No entanto, a falta de condições de
segurança para realizar esta manobra, levou a que não viesse a acontecer. Na Figura 115 pode ver‐se a grande
intensidade com que o fogo chegou a esta zona eliminando a possibilidade de uma intervenção em
segurança.
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Figura 115 – Aspeto da frente de fogo à chegada à estrada que liga a vila da Tocha à Praia da Tocha Fonte (fotografia cedida por
Nuno Osório dos BM da Figueira da Foz).
O avanço das frentes de fogo provocou ainda um outro foco secundário de maior evidência, o qual teve
início pouco depois das 19.00h, na Barra de Mira. De entre vários outros focos secundários, esta nova ignição
destaca‐se pela distância de projeção com cerca de 15km. Para além disso, devido à limitação de meios de
combate e porque este foco se desenvolveu numa zona húmida delimitada pelo Oceano e pela Ria de Aveiro,
acabou por não ter qualquer intervenção de combate, extinguindo‐se sozinho quando o fogo atingiu o
combustível mais húmido, mesmo depois de ter ultrapassado vários braços da Ria de Aveiro através da
projeção de fagulhas. A formação deste foco secundário foi observada por um popular residente naquela
área que testemunhou ter visto várias partículas incandescentes, aparentemente cascas do tronco de
pinheiro (vg. corcódea), a cair no local onde pouco minutos depois se iniciou este novo foco de incêndio.
Análise da resposta operacional
Tal como referido anteriormente, não foram utilizados meios aéreos de combate em qualquer das três
ocorrências referidas. A utilização destes meios poderia ter tido consequências positivas no ataque inicial,
no entanto, a rápida progressão que o fogo assumiu e o aparecimento de diversos focos secundários nesta
fase, poderiam ter reduzido a eficácia destes meios de combate. Por outro lado, os meios aéreos teriam sido
um auxílio importante no combate ao foco secundário que surgiu pelas 15.30h e que progrediu
paralelamente à frente de chama original. Caso este foco secundário tivesse sido resolvido, a forte
propagação verificada depois das 18.00h, quando os dois focos secundários de incêndio se uniram, poderia
ter sido mitigada, assim como os seus efeitos.
Considerando o combate realizado nas diversas ocorrências como independente, a Figura 116
apresenta‐se a evolução dos meios de combate unicamente na ocorrência de Cova da Serpe. Nesta imagem
poderá verificar‐se que houve uma rápida afluência dos meios de combate, sobretudo porque se tratava de
meios essencialmente locais, visto que os meios das corporações de bombeiros vizinhas estavam
empenhados no combate às diversas ocorrências que surgiram neste dia e nesta região. A convocatória de
mais elementos voluntários começou a ficar dificultada por falhas de comunicação das redes móveis, que se
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começou a verificar depois das 16.00h. Também a comunicação através das redes operacionais (e.g. SIRESP)
conheceu grande dificuldades a partir desta hora.
(a) (b)
Figura 116 – Evolução dos meios no teatro de operações da ocorrência de Cova da Serpe: a) meios humanos; b) meios materiais
terrestres (MT). Fonte: ANPC: RO 2017060046330 (Cova de Serpe). Não foi considerada nesta figura a evolução dos meios nas
ocorrências de Quintã e de Águas Boas.
De um modo geral, considera‐se que as oportunidades de combate foram bem avaliadas e a estratégia
previamente delineada, anteriormente descrita, fazia sentido. No entanto, a intensidade extraordinária que
o fogo assumiu, invalidou a implementação dessa estratégia, tal como provavelmente anularia qualquer
outra estratégia que tivesse sido definida.
Destaca‐se a ausência de qualquer vítima mortal neste complexo de incêndios, o que é reflexo da
proteção feita às povoações e das evacuações efetuadas. De acordo com os testemunhos ouvidos, as
operações de evacuação decorreram de forma ordeira na sequência de uma boa articulação entre a GNR e
as Câmaras Municipais. Vários populares fugiram ao fogo, refugiando‐se nas áreas urbanas, aproveitando
várias infraestruturas tais como os quarteis de Bombeiros.
No combate ao incêndio o Comandante do CB de Mira referiu uma situação em que um VTTU ficou
imobilizado durante o combate. Com a aproximação da frente de fogo, os elementos que o estavam a operar
mantiveram‐se na defesa do veículo, num sentimento de responsabilidade e apreço pelo equipamento, o
que o Comandante desta CB classificou como uma atitude altruísta, mas simultaneamente insensata.
Concordamos totalmente com esta afirmação do elemento de comando, chamando a atenção para os vários
acidentes mortais que já se verificaram no passado, em episódios em que os Bombeiros e outros cidadãos
arriscam a sua própria vida para defender bens materiais. Felizmente, neste caso, não se registou qualquer
acidente pessoal.
3.7. Complexo de incêndios de Vouzela
Dos sete maiores incêndios com início a 15 de Outubro, o complexo de incêndios de Vouzela foi o último
a ter início, estando o alerta da primeira ocorrência registado às 17.21h, embora haja indícios que esta ignição
fora muito anterior, tal como se irá ver na descrição que se segue.
Como iremos ver adiante, este incêndio resultou de duas ocorrências independentes, que interagiram
entre si – dois focos em Macieira de Alcoba, que como iremos ver foi designado por “Ocorrência de
Albitelhe”, e um foco em Varzielas. Foi ainda criado um novo relatório de ocorrências (RO 2017180056302)
com início em Sobreira‐Oliveira de Frades. Esta última ocorrência foi criada com intuitos operacionais, para
facilitação na disponibilização de meios de primeira intervenção. Não tendo tido um efeito independente
extraordinário no complexo de incêndios de Vouzela, a descrição desta ocorrência irá ser negligenciada neste
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relatório, sendo considerada apenas para efeitos de contabilização de meios presentes no teatro de
operações generalizado.
Embora a área do sinistro seja caracterizada por uma topografia complexa e por uma grande carga de
combustível extremamente seco, tal como os seis complexos de incêndios descritos anteriormente, o vento
foi o fator com papel mais relevante neste complexo de incêndios.
Alerta e causa de incêndio
O alerta oficial do incêndio de Albitelhe está registado às 17.21h, tendo‐se sucedido a vários telefonemas
feitos por populares e por elementos dos Bombeiros pelas 17.16h. Há, no entanto, um grupo de pessoas da
Aldeia de Urgueira, a cerca de 600m de um dos focos deste incêndio, que afirmam que o fogo terá começado
por volta das 16.30h, sem que haja registo da sua comunicação para a linha de emergência, ou para qualquer
entidade de proteção civil. Este é um aspeto que merece reflexão porque estas pessoas que afirmam ter
visto o incêndio na sua fase inicial, contavam que o alarme fosse dado por outras pessoas que vissem a coluna
de fumo, tendo‐se dispensado desse dever de cidadania – este não é um caso único nos incêndios analisados.
Por outro lado, custa a perceber que, tendo as primeiras ignições surgido junto a uma rodovia, mesmo que
de tráfego reduzido, durante os 45 minutos que decorreram entre a suposta hora de ignição e a hora de
alarme, não tivesse passado nenhum condutor que, ao ver o fogo desenvolvido, sem a presença de qualquer
agente de proteção civil ou autoridade no local, não comunicasse de imediato a ocorrência.
Os dias que antecederam este incêndio foram marcados por várias ocorrências de menor dimensão
nesta região. Devido à grande probabilidade de reacendimentos, e também devido ao elevado risco de
incêndio previsto para o dia 15/Out, vários meios de combate de diferentes corporações já se encontravam
em vigilância. Infelizmente, nenhuma destas equipas detetou prematuramente este incêndio que, tal como
se referiu anteriormente, já poderia vir a lavrar desde as 16.30h. Desta forma, devido à forte presença de
agentes no terreno, quando pelas 17.21h foi dado o alerta, a chegada dos primeiros meios de combate ao
local aconteceu em menos de 10 minutos.
Devido ao estado já desenvolvido dos focos de incêndio quando foi dado o alarme, e porque a
confirmação foi feita a alguma distância por intermédio das equipas de vigilância, o incêndio foi dado como
tendo início em Albitelhe, no Concelho de Vouzela do Distrito de Viseu. No entanto, as entidades que
analisaram o incêndio chegaram à conclusão, com a corroboração da ADAI, de que ambos os focos terão tido
início em Macieira de Alcoba, no Concelho de Águeda, no Distrito de Aveiro. Destaca‐se que estas duas
localidades são adjacentes e que a distância do local das ignições ao Concelho de Vouzela é de apenas 150m.
No momento em que a ADAI realizou a visita à área inicial do incêndio, cerca de 5 meses depois, os indícios
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não permitiam chegar a uma conclusão efetiva sobre o ponto de origem dos dois focos. Analisando os pontos
de ignição determinados pelas autoridades competentes, conclui‐se que são bastante plausíveis, pelo que se
irão admitir como válidos. Estes pontos são apresentados na Figura 117.
Figura 117 – Localização dos dois pontos de ignição da ocorrência de Albitelhe.
Não havendo fontes típicas de ignição nas proximidades, nem tampouco episódios de outros incêndios
que possam sugerir tratar‐se de focos secundários, os autores deste relatório deduzem que estes focos
tenham tido causa humana. Para além disso, a sua localização na mesma margem indicia uma ignição a partir
da estrada, sendo muito provável a intencionalidade do ato de ignição. Embora seja junto a uma estrada, o
facto de serem duas ignições diminui a probabilidade de ignição acidental por beata de cigarro. Não se
encontraram indícios de queima ou queimada nas proximidades.
Salienta‐se igualmente que este local vinha sendo fustigado por várias ignições sem uma explicação
evidente que não a de “fogo posto”. Uma destas ignições surgiu três semanas antes, junto à mesma estrada,
perto do Foco 1, consumindo uma faixa aproximadamente retangular, com cerca de 50m de largura, desde
a estrada até à linha de cumeada – neste caso, ao contrário do dia 15 de outubro, o vento soprava de norte,
em sentido contrário ao declive, o que facilitou o combate.
Propagação inicial do fogo e ataque inicial
Os primeiros Bombeiros a chegar ao teatro de operações pertencem à Secção de São João do Monte (CB
de Vale de Besteiros), o que terá acontecido pelas 17.30h. Chegados ao local, depararam‐se com uma
situação de difícil controlo em ataque inicial. Chegando primeiro ao Foco 2 através da estrada M574 (Figura
118) onde se tinham dado as ignições verificaram que o fogo estava a ser empurrado pelo vento para a linha
de cumeada, a qual já teria sido supostamente ultrapassada, e para a faixa que havia ardido três semanas
antes, anteriormente referida. Pouco havendo a fazer a partir da sua localização, enquanto esperavam por
mais meios, dirigiram‐se ao Foco 1, onde constataram uma vez mais a sua impotência perante o
desenvolvimento que o fogo já tinha assumido. Desta forma, seguiram na estrada M574 com o intuito de
entrar numa estrada de terra (“estradão” na Figura 118) que presumivelmente lhes permitiria contornar o
perímetro do fogo. Neste percurso, viram um grupo de pessoas munidas por um kit de primeira intervenção,
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vir em fuga no sentido contrário dizendo que o fogo já tinha ultrapassado a estrada de terra e que estava
incontrolável, propagando‐se velozmente na direção de Albitelhe. Nesta altura, pelas 18.00h, chegavam
vários outros meios de combate ao teatro de operações.
Figura 118 – Situação do incêndio pelas 18.00h.
Na fase inicial o fogo progrediu numa conjugação perfeita das suas três principais condicionantes:
declive acentuado, vento forte com rajadas alinhado com o declive e uma elevada carga de combustível com
baixa humidade em floresta mista de pinhal e eucaliptal e com um subcoberto denso dominado por tojo e
carqueja com uma altura média próxima de 1m (Figura 119). O vento, o combustível e o declive dominavam
o processo de combustão inicial, sendo baixo o efeito da interação entre os dois incêndios devido não apenas
à distância entre eles, mas também devido à existência da faixa previamente queimada que os intermediava.
A união entre os dois focos, apenas se deu depois de ambos atravessarem a linha de cumeada, com um
crescimento lateral típico desta conjugação de vento e topografia, que tem vindo a ser estudada pela ADAI.
O efeito da sua junção foi diluído pela sua interação com vários focos secundários que, entretanto, surgiram,
levando à formação de uma única área complexa de chamas com várias frentes que interagiam.
Figura 119 – Imagens representativas da carga e tipo de combustível florestal nos focos de ignição 1 (a) e 2 (b) a partir do de
imagens de 2013 do Google Earth (Street View); c) imagem atual de uma zona vizinha não ardida representando a carga e tipo de
combustível florestal típico antes da passagem do fogo.
A progressão do fogo era de tal ordem que às 18.09h, a importância da ocorrência passou para “elevada”
e às 18.42h, apenas 1h12m depois do alerta, já estavam em marcha procedimentos de evacuação de várias
aldeias afastadas a vários quilómetros do local de início.
A junção dos focos 1 e 2, e dos vários focos secundários que surgiram, originou duas frentes principais
que poderão ser observadas na Figura 120. A primeira frente desenvolveu‐se para norte na direção de Selores
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e Silvares progredindo ao longo de dois desfiladeiros que orientaram o fogo para estas duas localidades. A
segunda frente de chamas progrediu igualmente para norte, ao longo de um desfiladeiro que a dirigiu para
Albitelhe. A situação já era muito difícil quando pelas 18.45h, com o vento a aumentar ainda mais de
intensidade, surgiram vários focos secundários a norte, resultantes de diversas projeções a várias dezenas
ou mesmo a algumas centenas de metros. A situação tornou‐se ainda mais descontrolável quando surgiu
uma nova ocorrência em Varzielas, a cerca de 9km de distância, para onde os meios de Vale de Besteiros
foram desviados.
Figura 120 – Situação dos dois incêndios pelas 19.00h.
Quando por volta das 19.00h chegaram ao local da ignição de Varzielas, os Bombeiros deparam‐se, uma
vez mais, com um foco já muito desenvolvido, a progredir essencialmente por projeção de partículas e de
controlo supostamente impossível. A preocupação imediata foi a proteção das aldeias a jusante, sobretudo
a aldeia de Nogueira que estava a ser ameaçada por dezenas de focos secundários que para ela se dirigiam.
Uma vez que os ventos sopravam de Sul para norte, a ignição de Varzielas, a leste, foi considerada como
tendo origem criminosa. Não refutando em absoluto estas conclusões, os autores deste relatório admitem
também a possibilidade de esta ignição se constituir como um foco secundário resultante da projeção de
partícula(s) incandescente(s) provenientes do Incêndio da Lousã. Como vimos no subcapítulo respetivo, entre
as 18.00h e as 19.00h, o incêndio da Lousã, com a frente de chamas a cerca de 20km, teve uma propagação
muito intensa para norte, num alinhamento perfeito com a ignição registada em Varzielas (Figura 121), pelo
que se admite esta possibilidade. Se antes a situação era de controlo virtualmente impossível, a partir desta
nova ocorrência a situação tornou‐se ainda mais complicada.
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Figura 121 – Demonstração do alinhamento do sentido de propagação do incêndio da Lousã quando surgiu o Foco de Varzielas.
O pedido de reforços foi inviabilizado pelo empenhamento de meios nas restantes ocorrências que
estavam numa situação igualmente difícil. Os meios aéreos, mesmo os de primeira intervenção,
encontravam‐se nos teatros de operação dos restantes incêndios que decorriam em simultâneo, mas,
mesmo que estivessem nas imediações, a sua atuação seria difícil, devido à turbulência atmosférica, e
sobretudo ineficaz, devido ao grande número de focos secundários que iam surgindo consecutivamente.
Devido à grande extensão da área de sinistro numa fase tão precoce e em virtude da perceção do
potencial da ocorrência, a sua coordenação inicial não foi tão geral quanto seria desejável. O facto de se
tratar de um incêndio que ameaçava simultaneamente vários concelhos, fez com que os meios se dedicassem
à proteção do seu concelho comprometendo uma estratégia global da ocorrência, a qual foi prematuramente
assumida como incontrolável em ataque inicial. Desta forma, conceitos básicos como a organização de um
posto de comando foi desde logo secundarizada e os meios passaram a ser geridos não por um único
comandante de operações, mas, após indicações iniciais do comandante de operações, de forma sectorial
pelos comandantes em exercício de cada corporação de cada município. Neste sentido, e ainda por indicação
do COS, os meios de Águeda foram‐se estendendo na cauda do incêndio a SW, os meios de Oliveira de Frades
protegeram o flanco a oeste, os meios de Vale de Besteiros (Tondela) tentavam impedir o avanço do fogo a
SE, tendo mais tarde sido desviados para o foco em Varzielas. Os meios de Vouzela, a norte, foram tentando
conter o avanço do fogo no seu concelho, embora muitos destes meios estivessem realmente empenhados
na defesa das povoações a que o fogo chegava de forma acelerada.
Desenvolvimento do incêndio
A Figura 122 apresenta uma estimativa da progressão do fogo no incêndio de Vouzela. Tal como referido
anteriormente, houve neste complexo dois episódios de ignição independentes: o episódio de Albitelhe
(Macieira de Alcoba), entre as 16.30h e as 17.20h, com dois focos de incêndio, e o foco de Varzielas, pelas
18.50h. A progressão inicial de cada um dos episódios foi no sentido S‐N, tal como o sentido do vento, que
pelas 23.00h sofreu uma rotação para SW dirigindo o fogo para NE.
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Figura 122 – Estimativa da progressão do fogo no complexo de incêndios de Vouzela.
A descrição da evolução do fogo na ocorrência de Albitelhe até às 19.00h foi feita anteriormente
enquanto propagação inicial. A partir desta hora, os dois focos unidos continuaram a progredir para norte,
sobretudo através de focos secundários, a uma velocidade tal que, pelas 20.00h já se encontrava no limite a
norte do concelho de Vouzela, a mais de 6km de distância apanhando várias pessoas desprevenidas.
O foco de Varzielas, numa fase mais atrasada, progredia igualmente para norte desenvolvendo‐se em
numa frente para noroeste e noutra para nordeste. A frente a noroeste acabou por se extinguir na chegada
ao aglomerado de povoações de Alcofra e Sanfins que tiveram uma proteção periférica feita pelos
Bombeiros. No entanto, desta frente terá resultado um foco secundário para norte destas povoações que
limitou o sucesso do combate feito. A frente de nordeste continuou a sua progressão para NNE, conduzida
pelo vento, e para leste, orientada pelo declive em que destaca um desfiladeiro de grandes dimensões no
sentido W‐E, a leste da povoação de Nogueira.
Para além da frente principal da ocorrência de Albitelhe que evoluía a grande velocidade no sentido de
Santa Cruz da Trapa, por volta das 22.00h, havia outras três frentes com interação crescente: 1) frente
Centro‐oeste, proveniente dos focos 1 e 2, que evoluía no sentido Albitelhe – Levides; 2) frente central,
resultante do foco secundário causado pela ocorrência de Varzielas para norte de Alcofra, progredindo para
Chãs a NE; e 3) frente de Varzielas, a leste, progredindo para NE com o flanco esquerdo junto a Carvalhal de
Vermilhas. Por volta das 22.30h, estas três frentes juntaram‐se provocando uma única frente com grande
intensidade e com uma largura superior a 7km que se dirigiu para nordeste. Foi também por volta das 22.30h
que o vento sofreu um aumento grande na sua velocidade e uma rotação passando a soprar com constância
de sudoeste – antes, a direção do vento ia alternando entre S‐N e SSW‐NNE – o que facilitou a junção das
frentes. Este episódio teve um efeito decisivo na devastação que se verificou a partir desta hora e nas
tragédias que se verificaram a nordeste da área queimada.
A mudança da direção e o aumento da intensidade do vento provocou um aumento grande da
velocidade de propagação da frente a oeste fazendo com que o fogo chegasse Oliveira de Frades por volta
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das 23.00h, deixando pelo caminho um território devastado e sete vítimas mortais a lamentar (cf. Capítulo
4). Este episódio de vento forte, que se prolongou por cerca de 3 horas, provocou o aparecimento de
centenas de focos secundários a uma distância tão longa que nem tampouco permitia que interagissem de
forma a que se juntassem. A área retalhada em Santa Cruz da Trapa, a norte do perímetro do incêndio, onde
o fogo chegou por volta das 01.00h, é exemplificativa deste fenómeno. A variação da velocidade de
propagação do fogo nas duas ocorrências principais e a taxa de crescimento da área ardida no complexo de
incêndios é apresentada na Figura 123.
Figura 123 – Apresentação dos resultados do cálculo da velocidade média de propagação da frente principal nos dois incêndios do
CIF de Vouzela, acompanhado do sentido da propagação (setas) e da taxa média de crescimento da área ardida no complexo de
incêndios.
Com a redução da velocidade do vento e com o aumento da humidade relativa do ar ao longo da tarde
de 16 de outubro, o fogo foi perdendo condições de propagação. Pelas 24.00h deste dia, começou a chover
favorecendo as pretensões do combate ao fogo e fazendo com que o incêndio entrasse em fase de conclusão
às 02.42h. Mesmo com chuva, nos dias seguintes verificaram‐se algumas reativações, muitas vezes em
construções, pelo que a ocorrência apenas foi encerrada às 18.10h do dia 19 de outubro.
Análise da resposta operacional
Os meios disponíveis no ataque inicial, embora insuficientes para o controlo da situação, foram em
grande número, devido ao pré‐posicionamento dos meios de combate anteriormente referido. Pelas 18.00h,
menos de 40 minutos depois do alerta, já se encontravam neste teatro de operações mais de 70 operacionais
(Figura 124), o que demonstra bem a rápida reação a esta ocorrência. Salienta‐se que vários recursos de
combate das corporações locais estavam empenhados nas ocorrências da Lousã e de Oliveira do Hospital.
Tendo esta sido a última grande ocorrência do dia, os meios de outras áreas não afetadas ou ameaçadas pelo
incêndio encontravam‐se empenhados noutros teatros de operação. Assim, o combate a estes incêndios nas
primeiras 12 horas foi realizado por meios locais, resultando num efetivo total superior a 170 operacionais.
Tendo sido dado o alerta cerca de 45minutos antes do cair da noite, não houve meios aéreos a atuarem neste
complexo de incêndios, nem no dia 15 de Outubro por razões óbvias, nem no dia seguinte em que os diversos
meios aéreos se encontravam empenhados noutras ocorrências e a situação neste complexo de incêndios
era mais favorável.
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(a) (b)
Figura 124 – Evolução dos meios no(s) teatro(s) de operações: a) meios humanos; b) meios terrestres (MT) no Complexo de
incêndios de Vouzela. Fonte: ANPC: RO 2017180056272 (Albitelhe), RO 2017180056290 (Varzielas) e RO 2017180056302 (Sobreira).
Depois das 21h00, com o sistema de comunicações inoperativo, não houve uma estratégia de combate
integrado neste teatro de operações. Neste período, a maior parte dos meios andava desgarrada nas suas
áreas de intervenção, numa atitude compreensível, face à situação, em que cada corporação defendia o seu
concelho. Numa fase inicial, as viaturas circulavam na sua área em brigadas constituídas e mais ou menos
organizadas, mas depois das 22.30h, quando o fogo conheceu um novo episódio de grande intensidade, as
equipas perderam ligação entre si, passando a atuar de forma individual, sempre na proteção de pessoas e
habitações. A partir desta hora, os populares em pânico faziam de tudo para que os Bombeiros protegessem
os seus pertences, havendo situações em que chegavam a bloquear agressivamente os veículos de combate
em trânsito para que eles não abandonassem a área.
Desde uma fase inicial, com o grande potencial do incêndio unanimemente reconhecido, todos os meios
disponíveis das diversas autarquias em risco já se encontravam empenhados, pelo que a ativação dos planos
municipais de emergência que se verificaram nas horas seguintes, consistiram numa mera formalidade, visto
que todos os procedimentos já estavam em marcha e todas as entidades estavam em contacto.
Quando a perda de controlo do incêndio foi assumida, face aos inúmeros focos secundários que
emergiam em diversos locais, a estratégia foi a de setorizar o teatro de operações com os meios a serem
distribuídos em função do município de onde provinham. Esta foi uma estratégia que de alguma forma
permitia uma coordenação centralizada de todo o sinistro. No entanto, com o aumento da dificuldade de
comunicações, esta estratégia rapidamente se esgotou, tendo cada corporação passado a atuar
autonomamente e com as diversas entidades com pouca ligação entre si. Assim, desde uma fase precoce que
este complexo de incêndios deixou de ter uma coordenação geral. Refere‐se que a localização do posto de
comando operacional nunca foi definida e que as alterações do comando de operações nem sempre foram
registados, nem sequer os operacionais no terreno ou o comandante dos supostos setores tinham esta
informação. Não havendo informação da localização do PCO, pelas 11.00h do dia 16 de outubro, com quatro
vítimas mortais encontradas e um perímetro de incêndio de várias dezenas de quilómetros, mas com o fogo
a progredir de forma desacelerada, um dos autores deste relatório dirigiu‐se ao Quartel do CB de Vouzela,
onde as operações de resposta ao incêndio neste concelho eram supostamente coordenadas. Aqui,
encontrou um comandante de operações exausto pelo fatigante trabalho que desempenhou desde o início
do incêndio, um desconhecimento completo da real extensão do incêndio, dúvidas sobre a verdadeira
localização dos operacionais no terreno e uma total falta de informação sobre aspetos essenciais como por
exemplo as previsões meteorológicas, a que se juntava a impossibilidade de comunicações por falência deste
sistema. Perante este cenário, a coordenação das operações ou a definição de qualquer estratégia era
totalmente inexistente, e a chegada da chuva foi o fator que realmente travou a continuidade do complexo
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de incêndios. Seguramente que a substituição do comandante de operações por alguém menos extenuado
e, consequentemente, com mais capacidade de decisão, a alteração do posto de comando para uma zona
onde as comunicações, embora seguramente difíceis, fossem possíveis, e o envio de um elemento para
reconhecimento avançado da situação do incêndio, tornaria a coordenação das operações mais eficiente.
3.8. Análise integrada do comportamento do fogo
A análise ao comportamento do fogo anteriormente apresentada foi quase sempre realizada
considerando cada incêndio de forma isolada. No entanto é importante perceber a forma como os incêndios
evoluíram no seu conjunto. A sequência de imagens da Figura 125 permite perceber melhor esta evolução
conjunta que se iniciou com uma propagação para NNE em todos os CIF até cerca das 22.00h, quando o vento
passou a soprar com maior componente de leste rodando paulatinamente a direção da propagação do fogo
para NE. Os efeitos desta rotação do vento fazem‐se sentir sobretudo nos CIF mais interiores em que parte
do flanco direito da área ardida reativou para se constituir como uma frente alargada de fogo por volta da
meia noite. No CIF da Sertã, este efeito não se notou porque, como foi referido antes, o perímetro final destes
incêndios foi altamente definido por áreas anteriormente ardidas. Nos incêndios mais costeiros – CIF Leiria
e CIF Quiaios –, a maior humidade relativa noturna do ar trazido do Oceano Atlântico poderá ter diminuído
a energia térmica das áreas anteriormente ardidas, fazendo uma espécie de rescaldo natural, o que mitigou
o efeito de reativação do flanco.
(a) (b)
(c) (d)
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(e) (f)
Figura 125 – Sequência de imagens da situação geral dos sete complexos de incêndios analisados neste estudo.
A velocidade de propagação da média das frentes de chama de cada complexo de incêndios é
apresentada na Figura 126a, sendo possível verificar que estes valores são sempre bastante altos, ao longo
de todo o dia 15 de outubro e início do dia 16. Quase todos os incêndios se caracterizam por velocidade
médias entre 2 e 5ms‐1, destacando‐se três picos entre 7 e 8m.s‐1 nos CIFs da Lousã e de Oliveira do Hospital.
O incêndio de Cova da Serpa foi aquele que registou maiores valores médios de propagação, embora num
período de tempo mais curto – este resultado pode conduzir a ilações erradas não apenas porque não reflete
valores pontuais, mas também porque foi obtido tendo como base apenas a ocorrência principal de Cova da
Serpa. Por outro lado, o CIF de Seia foi aquele que aparentemente apresenta valores de velocidade de
propagação mais baixos, o que se deve à topografia acidentada da região que criava ventos locais com
diferentes direções, fazendo com que a frente de chama não progredisse sempre alinhada com os ventos
dominantes de sul e sudoeste.
(a) (b)
Figura 126 – Variação da velocidade de propagação média das frentes de chama de cada complexo de incêndios (a) e a taxa de
crescimento da área ardida (b).
A taxa de crescimento da área ardida apresentada na Figura 126b permite verificar a rápida e crescente
evolução que estes incêndios tomaram depois das 16.00h e até cerca da 01.00h. Como seria de esperar, os
CIFs da Lousã e de Oliveira do Hospital destacam‐se pela maior taxa de crescimento, o que resulta da grande
extensão do flanco direito destes CIF que reativou quando o vento passou a soprar com maior componente
de leste. O CIF da Sertã também aumentou drasticamente a sua área ardida depois das 22.00h, quando o
incêndio de Maria Gomes se aproximou da área ardida do CIF de Oliveira do Hospital, passando a sofrer uma
grande influência deste incêndio. Tal como referido anteriormente, devido ao forte vento e à formação de
muitos focos secundários, a área circunscrita pelo perímetro exterior de cada complexo de incêndios
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apresenta várias zonas não ardidas, vulgarmente descritas como “ilhas”. A relação entre a área efetivamente
queimada e a área circunscrita, dá uma noção da relevância que os focos secundários tiveram no incêndio.
No entanto, uma relação próxima ou igual à unidade, em que não existem ilhas, não representa que não
tivessem havido focos secundários, uma vez que vários focos de incêndio podem juntar‐se formando um
contínuo de área queimada. Isto acontece nas áreas com orografia suave e, tal como se pode verificar na
Tabela 16, é o que acontece nos CIFs de Leiria e Quiaios. Nesta tabela pode verificar‐se que o CIF de Vouzela
é aquele que apresenta uma maior área de ilhas no interior da área circunscrita pelo perímetro do complexo
de incêndios, o que pode ser facilmente observado na Figura 127 onde a área efetivamente queimada foi
representada. A área do CIF de Seia apresenta um valor próximo da unidade o que se deve a grande variação
local do sentido de propagação da chama que resultava da topografia acidentada e da formação de ventos
locais que faziam com que o fogo retrocedesse frequentemente fazendo com que áreas anteriormente não
queimadas fossem consumidas numa segunda vaga de chamas.
Tabela 16 – Relação entre a área efetivamente ardida e a área circunscrita pelo perímetro do fogo nos vários complexos de incêndio
analisados.
Figura 127 – Imagem geral dos sete complexos de incêndio mostrando as áreas não queimadas (v.g “ilhas”) de alguns incêndios.
A importância do efeito do vento num incêndio é normalmente deduzida por observação da forma final
da área queimada. Normalmente um incêndio fortemente influenciado pelo vento apresenta uma forma
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afilada que, tal como referido anteriormente, se designa vulgarmente por “forma em charuto”. Se
negligenciarmos o efeito da topografia e do arranjo de combustíveis, o perímetro teórico de um incêndio não
sujeito à ação do vento, teria uma forma circular. Se analisarmos a relação de forma entre o comprimento
médio e a largura média da área ardida (Tabela 17) poderemos aperceber‐nos quais os incêndios cujo
comportamento do fogo foi mais influenciado pelo vento em relação aos outros fatores principais como a
topografia, o arranjo de combustíveis ou mesmo a intervenção de combate. Como seria de esperar, os CIFs
costeiros de Leiria e Quiaios, que evoluíram num terreno topograficamente pouco acidentado e vegetação
praticamente homogénea, apresentam uma influência do vento muito forte. Os restantes incêndios
apresentam igualmente uma grande influência do vento (relação de forma inferior a 0,5), sendo, no entanto,
mais atenuada sobretudo devido aos efeitos da topografia no comportamento do fogo. Destaca‐se o CIF da
Sertã que, mesmo desenvolvendo‐se numa zona montanhosa, apresenta um fator de forma bastante baixo,
o que é reflexo não apenas do efeito do vento meteorológico, mas também do efeito do CIF de Oliveira do
Hospital que se desenvolvia mais a norte. O efeito dos dois CIFs alinhados deveria refletir‐se igualmente no
CIF de Oliveira do Hospital que apresenta uma relação de forma superior. No entanto, se atentarmos apenas
aos incêndios com maior relação deste CIF – v.g. os incêndios de Esculca e de Monte Frio/Relva Velha, visto
que as ignições de Sandomil e de Casas Figueiras são independentes – a largura média da área ardida passa
a ser de 9km, o que conduz a um valor de relação de forma de 0,22.
Tabela 17 – Relação entre o comprimento médio e a largura média da área ardida nos principais incêndios analisados.
3.9. Análise integrada da resposta operacional
Excetuando os complexos de incêndios da Lousã e de Seia, os meios que intervieram nas restantes
ocorrências foram sobretudo meios dos concelhos que estavam a ser afetados ou ameaçados. De entre as
várias ocorrências, a da Lousã foi claramente aquela com mais meios externos dedicados, o que resultou do
facto de, a par de Seia, ter sido uma das primeiras grandes ocorrências deste dia.
Na Figura 128a representa‐se o efetivo operacional registado nos diversos relatórios de ocorrência que
fazem parte de cada complexo de incêndios, no entanto, os valores apresentados devem ser analisados com
algumas reservas, uma vez que os dados de saída de meios registados nos relatórios, nem sempre
corresponde à realidade, tendo havido equipas que deixaram o teatro de operações quando outros incêndios
afetavam o seu concelho de proveniência, sem que isso esteja devidamente registado. Estes lapsos nas fichas
de ocorrência, a par com outros lapsos dos mais variados âmbitos, são uma constante nestes documentos, o
que já foi reportado por nós em relatórios anteriores. Considerando o grande valor documental destes
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relatórios, tanto do ponto de vista operacional, como legal, consideramos que a metodologia de registo das
ocorrências deve ser bastante melhorada.
(a) (b)
Figura 128 – Evolução do número de operacionais presentes nos teatros de operações dos diversos complexos de incêndio e de
acordo com os registos dos relatórios de ocorrência: a) Complexos de incêndios do dia 15 de outubro; b) Complexos de incêndios
desde 2012.
Fazendo uma comparação da evolução do efetivo operacional nos maiores incêndios ocorridos em
Portugal nos cinco anos que antecederam 2017 (Figura 128b), constata‐se que o envio de meios para a
ocorrência da Lousã não apenas esteve ao nível dos maiores incêndios registados, como teve uma chegada
ao teatro de operações que foi mais rápida. Este dado assume maior relevo pelo facto de os maiores
incêndios de anos anteriores terem ocorrido na Fase Charlie, enquanto os incêndios de 15 de outubro
ocorreram na Fase Delta, com um menor dispositivo operacional disponível em permanência. Para além
disso, a fase crítica dos incêndios de 15 de outubro teve uma duração muito inferior à dos restantes grandes
incêndios, o que diminuiu o tempo de reação para alocação de meios. Naturalmente que o nível de prontidão
definido para este dia, o qual não se registava nas outras ocorrências, foi crucial na rápida alocação de meios.
Devido ao contingente alocado na ocorrência da Lousã, o efetivo operacional nas restantes ocorrências
foi consideravelmente mais baixo. Se fizermos uma comparação de situações com ocorrências em
simultâneo, verifica‐se que nas ocorrências de Pedrogão Grande e de Gois, ambas com início a 17 de Junho
de 2017, o número de efetivos ao fim do primeiro dia foi de 740 operacionais, quando no conjunto de
incêndios de 15 de Outubro, o número de operacionais na 24ª hora foi superior a 2000. Uma vez mais se
deixa em aberto a possibilidade de estes números não corresponderem exatamente à realidade, no entanto,
as dificuldades na contabilização de operacionais foi igualmente reportada nas ocorrências anteriores, pelo
que os desvios existentes deverão ser comparáveis.
Ao nível da intervenção nas primeiras seis horas do sinistro (Figura 129), verifica‐se que a ocorrência da
Lousã teve uma resposta muito mais efetiva do que os restantes grandes incêndios. Mesmo com esta
ocupação de meios, as restantes seis ocorrências de 15 de outubro tiveram uma resposta nas primeiras seis
horas que se situa claramente acima da média registada nos restantes grandes incêndios.
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(a) (b)
Figura 129 – Evolução do número de operacionais presentes nos teatros de operações dos maiores incêndios ocorridos em Portugal
entre 2012 e 2017 nas primeiras 6 horas da ocorrência.
A Figura 130 apresenta uma análise que relaciona a evolução dos meios em função da área circunscrita
pelo perímetro exterior dos incêndios (Figura 130a) e do tempo decorrido desde o primeiro alerta no CIF de
Seia (Figura 130b). Como seria de esperar, com a evolução do incêndio, o número de operacionais por hectare
diminui. Pode verificar‐se que, embora o CIF da Lousã se evidencie pelo número de operacionais afetos em
função da área circunscrita, esta diferença desvanece‐se quando se avalia a evolução do número de
operacionais por área de incêndios em função do tempo decorrido. Nas primeiras 12 horas de incêndio, a
ocorrência de Seia apresenta um número de operacionais por hectare inferior à média dos restantes
incêndios, no entanto, esta tendência inverte‐se depois deste período em virtude da maior taxa de
crescimento de área ardida que os restantes complexos de incêndios tiveram depois deste período, tal como
analisado na Figura 126. Salienta‐se o decréscimo de operacionais por hectare nos CIFs de Oliveira do
Hospital e de Quiaios depois das 16.00h o que resultou num grande aumento da taxa de crescimento de área
ardida depois desta hora, sem que tivesse havido a devida compensação em termos de operacionais no
teatro de operações.
(a) (b)
Figura 130 – Evolução do número de operacionais no teatro de operações em função da área ardida (a) e do número de
operacionais por área circunscrita pelo perímetro de incêndio em função do tempo decorrido desde o alerta (b) em cada complexo
de incêndios do dia 15 de outubro. Atenção: eixo da ordenadas em escala logarítmica.
Quando numa mesma região existem vários grandes incêndios a decorrer em simultâneo, a resposta
operacional é mais difícil, uma vez que os recursos têm de ser distribuídos racionalmente em função das
características de cada evento. Fazendo a análise anteriormente descrita para o conjunto de alguns dos
principais incêndios entre 2012 e 2017, verifica‐se que embora rápida e envolvendo um grande dispositivo,
o número de operacionais por hectare ardido ao longo do tempo do sinistro foi mais baixo nos grandes
eventos de 2017, com maior destaque nos de 15 de outubro. Para este resultado contribuem vários aspetos
dos quais se destaca a grande taxa de crescimento de área ardida (ha.h‐1) dos eventos de 2017 nas primeiras
24 horas do sinistro, quando nas restantes ocorrências a progressão do incêndio era mais duradouro com
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menores velocidades médias de propagação diárias. Para além disso, a dimensão da área ardida foi muito
superior nos conjuntos de incêndios de 2017 o que, sobretudo nos incêndios de 15 de outubro, esgotaram a
capacidade de resposta. Refere‐se ainda o grande número de ocorrências, algumas de grandes dimensões,
registadas a 15 de outubro, as quais não estão contabilizadas nestas imagens, que se limitam aos sete CIFs
estudados. Naturalmente que estas ocorrências não consideradas ocuparam muitos meios que não puderam
ser alocados no conjunto de sete incêndios de 15 de outubro.
(a) (b)
Figura 131 – Evolução do número de operacionais no teatro de operações em função da área ardida (a) e do número de
operacionais por área circunscrita pelo perímetro de incêndio em função do tempo decorrido desde o alerta (b) em conjuntos de
grandes incêndios que decorreram entre 2012 e 2017. Atenção: eixo da ordenadas da figura b em escala logarítmica.
A sequência de imagens apresentada na Figura 132 permite avaliar a grande concentração de ignições
registadas nesse dia. Na área a sul da Foz do Tejo, não representada nas imagens, há registo de 18 ignições
ao longo do dia, das quais 12 ignições tiveram início no período entre as 06.00h e as 11.59h. Poderá verificar‐
se que desde o início do dia houve uma grande concentração de ignições, sobretudo no nordeste do território
nacional continental. Neste período, as ignições eram prontamente resolvidas e em apenas três casos
resultaram numa área ardida superior a 10ha. Depois das 06.00h a mancha de ignições deslocou‐se para o
interior do País, provocando incêndios de grande extensão, nos quais se incluem os incêndios do Sabugueiro
(CIF de Seia), do Prilhão (CIF da Lousã) e de Sandomil (CIF de Oliveira do Hospital) com áreas superiores a 10
mil hectares. Com estes grandes incêndios a acontecerem numa área relativamente restrita, a coordenação
de meios de combate começava a tornar‐se complicada, mas a utilização de meios externos de reforço ainda
foi possível, sobretudo na ocorrência do Prilhão.
(a) (b)
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(c) (d)
Figura 132 – Sequência do número e distribuição das ignições registadas no dia 15 de outubro a norte da foz do Rio Tejo: a) das
00.00h às 05.59h; b) das 00.60h às 11.59h; b) das 12.00h às 17.59h; b) das 18.00h às 23.59h. Nestas imagens, a amarelo, são
representadas as áreas finais ardidas nos sete complexos de incêndios analisados.
Depois das 12.00h a situação complicou‐se substancialmente com o aparecimento de mais 406 ignições
que se juntaram à já complicada situação do início do dia em que tinham sido registadas 101 ignições. Tendo
em conta o elevado número de ignições e a rápida propagação que se verificava em cada uma delas desde
os instantes iniciais, compreende‐se que seria difícil delinear uma estratégia de combate e coordenação
nacional de meios com melhores resultados do que aqueles verificados. Conclui‐se desta forma que, a ter
havido falhas, estas verificaram‐se antes do aparecimento deste elevado número de ignições, uma vez que
depois disso, as operações de combate, pouco mais além do que a defesa de povoações poderia ter ido.
Realça‐se que das 507 ignições registadas, 450 resultaram numa área inferior a 10ha. Destaca‐se também
que algumas destas ocorrências foram abertas para fins operacionais, tal como anteriormente descrito, e
não porque constituíam uma verdadeira ocorrência. Por outro lado, houve inúmeros focos de incêndios que
poderiam ter sido registados como uma nova ocorrência, mas que não o foram porque, perante a situação
catastrófica vivida, com todos os meios já empenhados, a abertura de uma ocorrência foi considerada
irrelevante.
Com uma situação menos dramática a sul do Tejo, poderá causar surpresa que não tenha havido a norte
um maior reforço de meios do sul, o que apenas veio acontecer com maior evidência no dia 16 de outubro.
No entanto, todo o território nacional continental estava em situação de grande risco de incêndio, pelo que
é compreensível que os meios alocados ao Algarve tivessem permanecido nesta região durante o dia 15 de
outubro, assegurando que qualquer situação de megaevento ou de eventos múltiplos que eventualmente
surgisse pudesse ter resposta em tempo útil. Para além disso, o reforço com equipas “frescas” no dia 16 de
outubro foi muito importante na rendição das equipas.
A Figura 133 apresenta a variação do número de ocorrências e do número de ocorrências que deram
origem a incêndios (área superior a 1ha) registadas por hora, entre os dias 14 e 16 de outubro. Poderemos
verificar que o número de evento no dia 14 de outubro já era muito alto, quando comparado com os valores
normais – entre os dias 01 de julho, quando iniciou a Fase Charlie, e o dia 15 de outubro a média horária de
ocorrências foi de 4,3 (103 ocorrências/dia) e o número de incêndios registados foi de 0,7 incêndios/hora (17
incêndios/dia). No entanto, no dia 15 de outubro o número de eventos aumentou ainda mais, atingindo
valores nove vezes mais altos do que a média, mesmo tratando‐se de uma época do ano em que o número
de incêndios é muito inferior àqueles registados durante a Fase Charlie.
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Figura 133 – Variação do número de ocorrências e de incêndios que surgiram em cada hora entre os dias 14 e 16 de outubro.
A dimensão dos incêndios e a rápida propagação do fogo dificultou de sobremaneira a coordenação no
terreno. Pela análise dos dados e pelos diversos depoimentos ouvidos nas mais variadas entidades
operacionais, o comando das operações foi feito sobretudo ao nível do concelho e em muitos casos, sem que
as diversas entidades municipais estivessem coordenadas entre si. Para isto, muito contribuíram as
dificuldades, ou mesmo as falhas, de comunicações sentida na maioria das ocorrências. Se por um lado, a
setorização das ocorrências por concelhos poderia fazer sentido, a falta de interação dos supostos
comandantes de setores com o comandante de operações da ocorrência dificultou claramente a
coordenação das operações. Perante isto, a ideia que resulta desta análise, a qual é corroborada por vários
operacionais com responsabilidades de comando que participaram nas ações de combate, nos principais
complexos de incêndios, entre as 16.00h do dia 15 de outubro e as 06.00h do dia 16, não houve uma efetiva
coordenação geral, ficando as corporações entregues à sua capacidade de resposta individual.
Os comandos distritais de operações de socorro, que poderiam intermediar a ligação entre o comando
nacional e os teatros de operação atuaram de forma diferenciada em função das suas dificuldades. Em alguns
casos (eg. Coimbra), um dos elementos de comando do CDOS assumiu o comando de operações de socorro
do maior incêndio no terreno, ficando o segundo elemento a coordenar as operações desde as instalações
do CDOS. Em outros casos (eg. Viseu), o Comandante Distrital coordenou as operações a partir do CDOS
enquanto o 2º Comandante Distrital instalou um posto de comando avançado. É difícil avaliar qual a melhor
opção, a qual decorreu da adaptação à evolução dos acontecimentos. Em qualquer dos casos, houve muitas
dificuldades de comunicação, sendo que a utilização de equipamentos com uso de satélite foi aquela que,
segundo os relatos ouvidos, funcionou melhor. Ao longo deste estudo, pudemos aperceber‐nos que várias
entidades estão a reforçar‐se com equipamentos que permitem comunicar via satélite.
Considera‐se que esta falta de capacidade de coordenação é fruto das condições extremas vividas neste
dia, que foram únicas em Portugal, desde que há registo. Considera‐se também que a complexidade da
situação vivida excedeu a capacidade de coordenação de meios, o que foi agravado pelas falhas de
comunicação, nomeadamente da Rede Siresp. Destaca‐se ainda que, num contexto de tendência crescente
de ocorrência de mais e maiores incêndios que se tem vindo a registar na última década, será de supor que
novos eventos como o que foi vivido a 15 de outubro poderão surgir. Nesta perspetiva, urge dotar as
autoridades de capacidade de coordenação e comando de grandes incêndios, considerando‐se que a situação
atual ainda é bastante deficitária neste capítulo.
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4. Os acidentes pessoais
4.1. Introdução
Os incêndios de 15 de outubro caraterizaram‐se não só pela elevadíssima área ardida num intervalo de
tempo muito curto mas também, e tal como os incêndios de Pedrógão Grande, pelo elevado número de
vítimas entre a população civil. Registámos no nosso trabalho 51 vítimas mortais, direta ou indiretamente
relacionadas com estes incêndios. Investigámos cuidadosamente as circunstâncias de cada um dos 40
acidentes que resultaram nestas mortes e que serão detalhadas neste capítulo. Tendo em conta a extensão
territorial dos incêndios e a sua violência, em termos proporcionais seria expectável um número de vítimas
muito superior. Como iremos ver, houve de facto circunstâncias em que um grande número de pessoas –
pelo menos algumas centenas – esteve em perigo de vida devido aos incêndios, mas graças à adoção de
comportamentos e medidas adequados, por parte das pessoas envolvidas, das entidades responsáveis, das
forças de segurança, ou por mera casualidade, felizmente, o número de acidentes mortais não foi superior.
Os incêndios de 15 de outubro resultaram num elevado número de feridos e de pessoas afetadas
emocional ou psicologicamente pelos incêndios e pelas suas consequências. Embora tenhamos
conhecimento de um grande número de casos desta natureza, não nos foi possível reunir dados suficientes
que nos permitissem apresentar uma visão global e consistente deste problema.
Como é prática usual da nossa equipa, a investigação de cada acidente foi realizada por meio de
contactos com familiares, vizinhos, amigos, agentes operacionais e outras pessoas que testemunharam os
factos ou que possuíam elementos relevantes para o caso. Estes contactos foram sempre acompanhados de
uma ou mais visitas ao local do acidente. Num grande número de casos apresentámos o relato que
produzimos aos familiares ou representantes das vítimas, de forma a recolher a sua autorização formal para
a publicação destes textos.
No final do Relatório mencionamos os nomes das pessoas que colaboraram connosco nesta
investigação, a quem agradecemos.
4.2. Organização e Tipologia de Acidentes
A fim de analisar de forma sistemática os acidentes iremos descrevê‐los por casos, ou eventos em que
tenham ocorrido uma ou mais vítimas num mesmo local e, em princípio, nas mesmas circunstâncias. Desta
forma as 51 vítimas mortais dos incêndios de outubro estão organizadas em 40 casos, que serão descritos
neste Capítulo.
Para organizar os casos por categorias associadas às circunstâncias de cada acidente, considerámos um
conjunto de critérios que nos permitiram definir algumas tipologias, que passamos a descrever. Estas
tipologias permitem‐nos ainda comparar os acidentes ocorridos nestes incêndios com outros,
nomeadamente os de junho de 2017.
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A – Circunstâncias do acidente
Uma vez que estamos a tratar de acidentes mortais envolvendo pessoas civis, considerámos duas
circunstâncias principais: a de a pessoa se encontrar em casa ou em fuga. No primeiro grupo, abrangemos as
pessoas que tenham permanecido, ou se tenham refugiado, numa casa ou edificação. No caso de a pessoa
ter permanecido em casa, ou próximo dela, distinguimos a situação de ter uma presença ativa, ou seja, a de
estar consciente da aproximação e presença do fogo, daquela em que houve uma presença passiva, em que
tal não sucedeu, porventura por a pessoa se encontrar a dormir. Em qualquer dos dois casos considerou‐se
que a pessoa poderia encontrar‐se dentro ou fora de casa, quando foi atingida pelo fogo.
Na presença ativa, admitimos que a pessoa teria em princípio a intenção de se manter nas imediações
ou mesmo no interior da sua casa, e de a defender, mesmo que não estivesse a participar diretamente na
ação de combate.
Nos casos em que as pessoas estavam em fuga, distinguimos se utilizaram algum veículo ou se foram a
pé. No primeiro caso considerámos ainda se a pessoa morreu dentro ou fora do veículo, no caso de uma
viatura automóvel por exemplo. No caso das pessoas que fugiram a pé, analisámos se estariam numa estrada,
perto dela, ou se longe dela, no campo.
Na Tabela 18 resume‐se a classificação da tipologia de acidentes quanto ao critério A das circunstâncias
de cada acidente:
Tabela 18 – Tipologia de acidentes (critério A)
A111‐ Dentro de casa
A11‐ Ativo
A112‐ Fora de casa
A1‐ Em Casa
A121‐ Dentro de casa
A12‐ Passivo
A122‐ Fora de casa
A211‐ Dentro da viatura
A21‐ Em viatura
A212‐ Fora da viatura
A2‐ Em fuga
A221‐ Na estrada
A22‐ A pé
A222‐No campo
B – Motivação
O segundo critério, que é igualmente aplicável a cada vítima e se pode considerar independente do
anterior, é o da motivação principal do ato ou atividade que conduziu cada pessoa ou grupo de pessoas a
ficarem envolvidas nas circunstâncias que resultaram na sua morte.
A partir dos casos analisados, considerámos cinco motivos principais, tendo sido criada uma sexta
categoria para incluir os casos em que a motivação não era bem definida ou era desconhecida.
Reconhecemos que nem sempre era fácil estabelecer a motivação de cada vítima, sendo que nalguns casos
haveria mais do que um motivo, ou poderia haver um motivo inicial, que foi alterado no decurso da ação.
Na Tabela 19 resumem‐se as tipologias consideradas segundo o critério B de motivação, que não
carecem de descrição adicional.
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Tabela 19 – Tipologia de motivações (critério B)
B1‐ Ajuda a familiares
B2‐ Salvar animais
B3‐ Salvar a casa ou bens imóveis
Motivação
B4‐ Salvar bens móveis
B5‐ Afastar‐se do incêndio ou proteger‐se
B6‐ Outros ou desconhecido
C – Causa da Morte
Na avaliação da causa de morte considerámos igualmente dois grupos, que determinaram o agente
traumático dominante, associado ao decesso da vítima. No primeiro grupo considerámos os casos em que a
vítima foi cercada diretamente pelo fogo, em que a causa da morte é, quase sempre, a asfixia pelo fumo ou
a ocorrência de queimaduras pelo calor ou mesmo pelas chamas. No segundo grupo consideramos as vítimas
que, embora tenham estado na proximidade do incêndio, não foram diretamente atingidas por ele.
No caso do envolvimento ou cerco direto pelo fogo, que se designa em inglês por “entrapment”,
considerámos, por sua vez, duas circunstâncias: a de a pessoa ter sido atingida primeiro pelo fumo e morrido
asfixiada, ou de ter sido atingida primeiro pelas chamas. Torna‐se quase sempre muito difícil distinguir uma
situação da outra, dado que em muitos casos ocorrem simultaneamente. Atendendo a que, na maioria dos
casos descritos ou conhecidos, a vítima é primeiramente atingida pelo fumo ou pelos gases quentes
libertados pelo incêndio, é razoável considerar‐se que a causa primária da morte, em muitos casos, terá sido
a asfixia. Foi esse o critério adotado neste estudo, considerando a asfixia como principal causa de morte,
exceto nos casos em que foi evidente que a vítima esteve exposta imediatamente às chamas do incêndio.
No conjunto de causas indiretas considerámos:
(i) Doença, quando a pessoa faleceu devido a problemas de saúde prévios, tais como problemas
respiratórios, do foro cardíaco, oncológico ou outros, que poderão ter deteriorado o seu
estado de saúde durante o acidente.
(ii) Trauma ou doença súbita, quando a pessoa sofreu um acidente ou tenha sido acometido por
uma doença súbita.
(iii) Outros ou desconhecida, quando não se inclui nas anteriores.
Em cada causa considerámos a possibilidade de a morte ter ocorrido imediatamente, isto é, no próprio
dia, ou passadas algumas horas, ou não. Na tabela seguinte (Tabela 20) descrevem‐se as tipologias
consideradas, sendo que a tipologia C23 não foi utilizada nos casos descritos neste relatório. Como se poderá
ver, a maior parte das mortes ocorreu no próprio dia do acidente, o que não significa que a morte tenha sido
imediata. Como na maior parte dos casos não dispomos de dados que permitam discriminar esta situação,
considerámos que foi imediata a morte de pessoas que não foram sujeitas a internamento hospitalar durante
alguns dias.
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Tabela 20 – Tipologia de causas de morte
C111 Imediata
C11‐ Queimaduras
C112‐ A posteriori
C1‐ Direta
C121‐ Imediata
C12‐Asfixia
C122‐ A posteriori
C211‐ Imediata
C21‐ Doença
C212‐ A posteriori
C221‐ Imediata
C2‐ Indireta C22‐ Trauma ou doença súbita
C222‐ A posteriori
C231‐ Imediata
C23‐ Outra, desconhecida
C232‐ A posteriori
Nem sempre foi fácil qualificar cada acidente de acordo com as tipologias descritas, como por exemplo
quando uma pessoa entrou num carro para fugir, tendo pouco depois de o abandonar por não ter condições,
ou não conseguir prosseguir. Optámos por considerar a tipologia que, na nossa opinião, melhor caracterizava
as circunstâncias de cada acidente, embora reconheçamos que possa haver alguma subjetividade nesta
classificação.
Cada caso foi classificado de acordo com a tipologia dos acidentes, que foi quase sempre a mesma para
todas. Houve, no entanto, casos em que uma das vítimas de um caso se incluía numa tipologia e outra noutra.
Nestes casos classificou‐se o acidente de acordo com a tipologia mais representativa.
4.3. Relato dos Acidentes
Identificámos ao todo 40 casos, que se mostram na Tabela 21 e que são relatados nas secções seguintes.
Tabela 21 – Lista de acidentes descritos
Ref. Nome
1 José Américo Marques Simões
2 Alfredo António Marques Simões
3 Ramiro Machado Marques Faria
4 Fernando Manuel Antunes Almeida
5 Maria Celeste Neves Alves
6 Hermínio Lopes
7 Abílio Rodrigues Moita
8 Aristides Fernandes Rocha
9 Libânio Cardoso
10 Arlindo Santos Marques
11 Arminda de Jesus Lourenço
12 Fernando de Jesus Lourenço
13 Laurinda dos Anjos Lourenço
14 Fausto Albino de Almeida Lopes
15 Maria da Encarnação Cordeiro
16 Almerinda Pinheiro Fernandes
17 Maria Rosa de Lurdes Gouveia Casimiro Marques
18 Izilda Freire Mendes Garcia
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19 Maria Ângela Brás Domingues
20 João Fernando Tavares Nascimento
21 João Paulo Fonseca da Luz
22 Álvaro Ferreira da Cal
23 Pedro Luís Ribeiro Pereira Neves
24 António Lopes de Jesus
25 Cristiana Maria Gouveia de Brito
26 Virgílio Costa Gomes
27 Ermelinda de Jesus Alves Gomes
28 António Manuel da Trindade Bailão
29 Milene Raquel Rosado Bicho
30 Maria Hermínia Miranda Vaz Pereira
31 José Batista Gonçalves Pereira
32 Amélia Antunes dos Santos Nascimento
33 Maria Fernanda Jesus Fernandes
34 Maria Rosa de Jesus
35 Jorge Manuel Marques do Vale
36 Ulrich Welte
37 Bernarda Matias
38 Jaime Neves Ferreira
39 Manuel Ferreira de Matos
40 António Borges de Almeida
41 Maria da Graça Viegas Ferreira Costa
42 António Peres Costa
43 António Nunes Batista Ferreira
44 Andrew James Smiley
45 João André Pires Costa
46 Paulo Alexandre Pires Costa
47 Maria Fernanda Tavares Tomás Augusto
48 José Ferreira
49 Hermínio da Silva Romão
50 Rui da Costa
51 Joaquim Correia da Costa
Na Tabela 21 a coluna designada por “#Vítima”, corresponde a um número identificativo de referência que
foi atribuída a cada pessoa na nossa base de dados inicial e que se manteve por consistência.
Dispomos de dados sobre cada um dos 40 casos referidos na tabela anterior, no entanto, neste documento,
não havendo por enquanto autorização relativa à proteção dos dados, das pessoas envolvidas, esses relatos
estão omitidos.
4.4. Incidentes
Para além dos acidentes em que houve perda de vidas, que foram relatados, tomámos conhecimento
de várias situações em que houve pessoas ou grupos de pessoas diretamente ameaçados pelo fogo, em
perigo de vida. Temos consciência de que durante os incêndios terão estado em perigo várias centenas de
pessoas, sendo que em muitos casos felizmente, por mero acaso, ou pela correta atuação das pessoas, não
se registaram quaisquer danos pessoais.
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Iremos reportar três conjuntos de situações, em que tomámos conhecimento de que algumas centenas
de pessoas estiveram em perigo, para compreender e evitar as circunstâncias que se viveram nos incêndios,
que nos poderiam levar a ter de lamentar um número muito superior de vítimas.
Os casos referem‐se a sistemas de transporte terrestre e baseiam‐se em dados que nos foram facultados
por estas entidades. Elas tiveram de intervir para informar, agilizar e coordenar as pessoas que se
encontravam em perigo para estas ficarem mais seguras.
Empresa de transporte coletivo de passageiros – Relatos de três motoristas
Das diversas entidades e ocorrências envolvidas nos incidentes destes incêndios, são apresentados os
relatos/testemunhos de três motoristas de uma empresa nacional de transporte de passageiros, de que
tomámos conhecimento, os quais durante o exercício da sua profissão e perante os acontecimentos que
surgiram, tiveram que reagir e atuar de forma rápida e decisiva, demonstrando profissionalismo, coragem e
abnegação perante situações inesperadas. Os seus testemunhos contêm diversos ensinamentos que muito
têm a mostrar sobre a defesa da segurança, não só no setor da mobilidade como na sociedade civil, acerca
do melhor modo de enfrentarmos as adversidades que podem ser criadas pelos incêndios.
4.4.1.1. Autocarro da Sucursal da Guarda
No dia 15 de outubro este motorista partiu da Guarda como passageiro num autocarro que vinha de
Castelo Branco no qual seguiu até ao Porto. No Porto tomou o lugar de motorista e conduziu o autocarro
com cerca de 48 passageiros. Os trajetos que deveria ter realizado estão apresentados na Figura 134.
Figura 134 – Trajeto realizado com as paragens efetuadas no decorrer da viagem
Descrição de acontecimentos em cada Trajeto
Porto ‐> Braga: O autocarro saiu do Porto (local: Campo 24 de Agosto), aproximadamente às 17h25, em
direção a Braga. Este percurso foi realizado normalmente. O motorista referiu que já se viam os incêndios,
mas estavam distantes.
Braga ‐> Porto: O autocarro saiu de Braga por volta das 19.00h, em direção ao Porto. Este percurso foi
realizado normalmente, com uma pequena anotação. Na A3 a seguir aos pórticos, aproximadamente 15 km
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antes do Porto (perto da Trofa) houve uma primeira visualização de cada lado da estrada de fogo numa
extensão de 50 metros em que as chamas tinham uma altura aproximada de 5/6 metros. Ali existiam
barreiras acústicas, sendo a passagem dos carros mais fluida na via mais à esquerda (junto ao separador
central), em que cada sentido tinha 3 vias.
Porto ‐> Albergaria‐a‐Velha: O autocarro saiu do Porto aproximadamente às 20.00h em direção a
Albergaria‐a‐Velha. Ao entrar na Ponte do Freixo/Roque o para‐brisas começou a ficar sujo devido às cinzas
e a visibilidade ficou reduzida. O trajeto normal é feito pela A1, mas foi necessário tomar a A29 após estar a
circular por cerca de 15 minutos na A1, pois esta estava cortada. A indicação da A1 cortada foi dada por um
colega, através do rádio, que também tinha saído de Braga noutro autocarro.
Albergaria‐a‐Velha ‐> Viseu: o motorista assim que chegou a Albergaria limpou o vidro da viatura. O
autocarro saiu de Albergaria por volta das 21h00 em direção a Viseu, tomando o seu percurso habitual, pela
A25.
O percurso foi feito normalmente até ao nó de Talhadas, onde as Autoridades que estavam a cortar o
trânsito, mandaram parar o autocarro, e o motorista comunicou à Central da empresa que estava parado no
nó de Talhadas. Durante esta paragem as pessoas estavam mais sobressaltadas e foi necessário informar
todos os passageiros sobre a paragem indicada pelas Autoridades e que teriam de esperar por novas ordens.
Após 20/30 minutos, as Autoridades deram ordem para o autocarro regressar à central de camionagem de
Albergaria pela A25.
O percurso de volta a Albergaria foi realizado de forma tranquila apesar do fumo e da reduzida
visibilidade, chegando a Albergaria por volta das 22h00.
No regresso a Albergaria os passageiros estavam transtornados, pois alguns já manifestavam o desejo
de voltar para outros destinos, como por exemplo, para o Porto.
Em Albergaria‐a‐Velha todos os passageiros ficaram na central de camionagem até às 10h30 da manhã
seguinte, dia 16, com exceção de um passageiro.
O motorista tinha consigo powerbanks e isqueiros para fazer carregamentos de telemóvel, que
disponibilizou aos passageiros. A Proteção Civil municipal facultou águas aos passageiros durante o tempo
que permaneceram na central de camionagem, e existia um pequeno bar que esteve aberto durante toda a
noite.
Na manhã do dia 16, a Proteção Civil Municipal indicou que as estradas estavam abertas ao trânsito. Por
volta das 10h00, o autocarro saiu da central de Albergaria em direção a Viseu.
Este caso foi conhecido devido a uma carta de recomendação enviada à empresa por uma das
passageiras desta viagem, na qual exprimia o seu reconhecimento ao motorista, pela forma como procedeu
durante toda a viagem.
4.4.1.2. Autocarro da Sucursal de Coimbra
No dia 15 de outubro este autocarro partiu de Coimbra num serviço ocasional com um grupo de 52
pessoas. Este grupo de pessoas eram todas conhecidas do motorista, pois já não era a primeira vez que o
grupo fazia este tipo de eventos e tinham grandes laços de amizade, o que foi fulcral durante todos os
acontecimentos que se desenrolaram ao longo dos dias 15 e 16 de outubro.
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Figura 135 – Trajeto realizado com as paragens efetuadas no decorrer da viagem
Descrição de acontecimentos em cada Trajeto
Coimbra ‐> Carregal do Sal: o autocarro partiu de Coimbra por volta das 8h00, sendo a primeira paragem
em Carregal do Sal por volta das 10h30. Pouco depois das 11h00 partiram em direção a Cabanas de Viriato.
Carregal do Sal ‐> Cabanas de Viriato: Chegaram a Cabanas de Viriato aproximadamente ao meio dia.
Todo o resto do dia se passou neste local em convívio e sem qualquer problema.
Cabanas do Viriato ‐> Santa Comba (IP3): Por volta das 19h o autocarro saiu de Cabanas de Viriato.
Estava completamente noite e já se avistava imenso fumo, mas o motorista prosseguiu viagem pois não tinha
nenhum aviso em contrário, e mesmo durante o dia tinha acompanhado as notícias na televisão nunca
imaginando que as estradas estivessem afetadas. O autocarro seguiu pelo IC12 em direção ao IP3, mas
quando chegou ao IP3, por volta das 20h, deparou‐se com esta estrada cortada pelas Autoridades, no sentido
Coimbra, só estando transitável no sentido de Viseu. O motorista falou com o Agente que o aconselhou a ir
para Viseu, apanhar a A25 em direção a Albergaria, e aí apanhar a A1 para Coimbra, e assim o fez.
Santa Comba (IP3) ‐> Área de Serviço de Vouzela (A25): Seguiu de Santa Comba pelo IP3 para Viseu e
apanhou a A25. Durante este percurso tudo estava normal e limpo, sem qualquer problema de visibilidade.
Ao entrar na A25 perto da área de serviço de Vouzela, aproximadamente a 1 km desta, deparou‐se com
carros na sua faixa de rodagem em contramão e começou a questionar‐se acerca do que se passaria. Avistou
um grande clarão muito longe, para a zona de Aveiro. Foi avançando para a área de serviço quando se
deparou com um grande acidente na sua faixa, o de duas senhoras, em que os seus carros embateram num
choque frontal, vitimando mortalmente estas duas senhoras. Soube mais tarde que uma das senhoras estava
grávida. Este acidente ocorreu antes da área de serviço. O motorista avançou lentamente para a área de
serviço, com os quatro piscas ligados, passando por cima de destroços do acidente, conseguindo estacionar
na mesma. A estação de serviço tinha mais 3 autocarros estacionados, alguns camiões e muitos carros ligeiros
estacionados e posicionados aleatoriamente, pois muitos carros já vinham em contramão quando entraram
na área de serviço.
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A situação estava muito complicada neste local, era o caos, com pessoas agitadas e transtornadas,
devido às complicações na estrada, ao acidente, e também pelo incêndio que vinha de Aveiro em direção a
Viseu. A eletricidade falhou várias vezes e existiu falha nas comunicações entre as 20h00 e as 23h00.
No interior do autocarro as pessoas estavam sobressaltadas e perturbadas. Alguns passageiros saíram
do autocarro e outros começaram a entrar em pânico porque o fogo vinha na direção da área de serviço,
sendo um local de elevada perigosidade devido aos combustíveis armazenados. O ambiente era de respiração
difícil, devido à existência de muito fumo. A velocidade do vento era muito elevada, ao ponto do motorista
descrever que não conseguia abrir a porta do autocarro devido à força do vento.
Pouco antes das 23h00 houve ordens por parte das Autoridades para os carros evacuarem a área de
serviço, invertendo a marcha e conduzindo em contramão na autoestrada, pois o fogo vinha na sua direção.
O fogo vinha do outro lado da autoestrada, acabando por passar as faixas para a área de serviço onde o
autocarro se encontrava. O motorista realizou a tarefa complicada de juntar todos os passageiros para irem
para o autocarro, para seguirem viagem, conforme as Autoridades ordenaram. Quando deu início à condução
para fazer inversão de marcha, às 23h15, já o fogo estava tão próximo que viu o lume a atingir a parte traseira
do autocarro, o que o perturbou ao ponto de já não querer avançar com o autocarro, se não fosse um senhor
que na autoestrada fez sinal para ele avançar, e assim o fez.
Área de Serviço de Vouzela (A25 em contramão) ‐> Tondela: o motorista conduziu o autocarro na A25,
em contramão tal como ordenado pelas Autoridades, em direção a Viseu, e das várias opções em mente,
escolheu dirigir‐se a Tondela, pensando ser o local mais seguro naquele momento, até porque tinha lá o
terminal rodoviário como sítio de segurança. Chegou a Tondela por volta da meia‐noite, avistou uma
pastelaria muito grande, cerca de 200 metros antes do terminal de Tondela, e parou aí. A pastelaria estava
aberta e tinha muito espaço, onde as pessoas podiam ir à casa de banho, bem como alimentar‐se. Estavam
muitas pessoas na rua, em alerta devido à aproximação do fogo.
Tondela (pastelaria) ‐> Tondela (rotunda com lago): o motorista achava que o incêndio estava a dezenas
de quilómetros, parecendo‐lhe que estava muito longe. Aproximadamente às 1h30 o fogo começa a entrar
em Tondela, por meio de partículas incandescentes, bocados de ramos de eucaliptos em chama a caírem em
todo o lado e havia muito fumo, bem pior que aquele que tinha experienciado em Vouzela, começando
oliveiras a arder. Neste momento pediu para os passageiros entrarem no autocarro, mas alguns não queriam,
alegando que iriam morrer aí queimados, mas mesmo assim todos aceder. O motorista dirigiu‐se mais para
o centro de Tondela, procurando um local que lhe parecesse mais seguro, até encontrar uma rotunda grande,
com um lago no seu interior e decidiu estacionar ali perto, dizendo aos passageiros que caso algo se passasse
sempre teriam a água para se refugiarem. O autocarro teve sempre o ar condicionado ligado para respirarem,
pois no exterior da viatura estava muito fumo e era difícil de respirar, sendo que as pessoas que se viam na
rua usavam lenços para tapar as vias respiratórias.
Após 15 minutos de estarem parados na rotunda, perto das duas da madrugada, um pátio próximo do
local onde pararam começou a arder, e optou mais uma vez por abandonar o local com os passageiros a
bordo. Conduziu perto de um quilómetro até se deparar com um espaço que lhe parecia bastante extenso e
amplo, cheio de candeeiros, parando aí em segurança. Durante este tempo ouviu imensos barulhos e
estoiros, possivelmente de garrafas de gás, e o local tinha muitas pessoas que tinham fugido de casa e que
estavam em alvoroço, gritando.
Tondela (local aberto) ‐> GNR de Tondela: Por volta das 4h30, como tudo estava mais sereno, o motorista
resolveu sair do local e dirigir‐se ao posto da GNR de Tondela para obter informações sobre o estado das
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estradas. No posto de GNR não havia luz e o telefone fixo estava inoperacional. Falou com um militar que lá
estava, para saber qual era a situação nas estradas para Coimbra. Foi informado de que as estradas estavam
intransitáveis e não tinha informação a que horas iriam ser abertas as vias. O agente da GNR pediu‐lhe para
aguardar, que assim que tivesse informações lhe diria.
GNR de Tondela ‐> Terminal de Tondela: dirigiu‐se então até ao terminal de Tondela, e para seu espanto,
vê o terminal todo queimado, agradecendo a Deus por não ter optado por ficar ali quando chegou a Tondela.
Parou no terminal e permaneceu ali até às 6h30, hora a que um colega de Coimbra lhe telefonou a informar
que poderia regressar a Coimbra, pois uma das vias do IP3 já estava aberta.
Terminal de Tondela ‐> Coimbra: A essa hora ele inicia a condução em direção a Coimbra. No decorrer
da viagem, ainda estava bem visível o cenário de tragédia que avassalou toda aquela zona, com eucaliptos a
arder, muito fumo e destroços no chão, entre outros. Por volta das 9h30, chegou a Coimbra e deixou as
pessoas em casa em segurança, dirigindo‐se em seguida para o terminal de Coimbra.
Como se disse, o facto de se tratar de um grupo constituído por pessoas que se conheciam bem, terá
contribuído para o desfecho positivo deste passeio, que teve vários encontros inesperados com o incêndio.
4.4.1.3. Autocarro da Sucursal de Viseu
Trajetos realizados
No dia 15 de outubro pelas 17h30 este autocarro partiu de Sátão no trajeto normal para realizar
transporte de aproximadamente 50 passageiros até Coimbra, sendo a sua maioria estudantes. No decorrer
da viagem, após a saída de Viseu, o motorista depara‐se com situações muito complexas devido aos incêndios
presentes no centro do país, pelo que teve de tomar medidas e ações de forma a manter todos em segurança.
Figura 136 – Trajeto realizado com as paragens efetuadas no decorrer da viagem
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Descrição de acontecimentos em cada Trajeto
Sátão ‐> Viseu: o motorista partiu de Sátão por volta das 17h30 com passageiros em direção ao terminal
de Viseu, o qual era um ponto de paragem obrigatório para receber mais passageiros. Todo o trajeto foi feito
normalmente.
Viseu ‐> IP3 (Restaurante “Lagoa Azul”): Em Viseu entraram mais passageiros, ficando o autocarro
completamente cheio, com aproximadamente 50 passageiros, maioritariamente estudantes que
regressavam a Coimbra para uma semana de aulas. Seguiu viagem em direção a Coimbra pelo IP3, não tendo
nenhuma informação contrária. Quando estava no IP3 próximo de Tondela, viu um carro da GNR ultrapassá‐
lo. Podendo tratar‐se de um acidente, foi mais atento à estrada. Passou a ponte perto da Barragem da
Aguieira e passou pelo cruzamento para Mortágua não visualizando nenhum incêndio e continuou a viagem
normalmente. Um colega que vinha noutro autocarro atrás dele, mas distanciado por 5 minutos, ainda
conseguiu ver ao longe o incêndio e teve a possibilidade de inverter a marcha após passar a ponte junto ao
restaurante “Lagoa Azul”.
IP3 (Restaurante “Lagoa Azul”) ‐> IP3 (perto de Cunhedo): Na subida após o cruzamento para Mortágua,
de um momento para o outro, o vento ficou muito forte e o motorista viu um bombeiro. Saiu do autocarro
para falar com ele, e este disse‐lhe que não deveria avançar, porque já havia muito fumo. Com o aumentar
do fumo, com o anoitecer e com a quantidade de pessoas que transportava, ao não poder fazer inversão de
marcha devido ao separador central ser em betão, o motorista não tinha outra opção senão avançar e pediu
aos bombeiros que o acompanhassem. Teve dificuldades em entrar no autocarro, pois o vento era tanto que
lhe dificultava a abertura da porta do condutor do lado esquerdo do autocarro. O calor já começava a ser
insuportável, mas com a insistência conseguiu entrar e foi à frente e os bombeiros acompanharam. Os
passageiros estavam em pânico e pediram‐lhe que os tirasse dali. Durante este percurso tudo piorou, o vento,
o fumo, as chamas e o calor eram cada vez mais intensos, mas ele nunca parou a condução com receio de
que qualquer paragem pudesse ser fatal para o bom funcionamento do autocarro, fazendo todos os possíveis
para ultrapassar esta situação e manter os passageiros calmos, sempre com palavras de ânimo e de coragem.
O autocarro atravessou por chamas, e já na descida para Almaça tudo acalmou. Na saída de Almaça, parou o
autocarro e disse para os passageiros “Por aquilo que nós passámos já estamos salvos!”. Ainda na saída de
Almaça, viu, no sentido contrário, um camião cisterna carregado de combustível e alertou o condutor do
camião para não continuar, pois estava tudo a arder, avisando‐o que o próprio autocarro tinha passado pelas
chamas. Nesse momento o filtro do motor do autocarro começou a arder e ele disse aos passageiros para
saírem calmamente do autocarro e ficarem todos juntos, no exterior, ao mesmo tempo que pediu aos
bombeiros para apagarem o fogo que se gerou. No exterior o calor era insuportável, o motorista descreve
que o ar “ardia”, que devido aos eucaliptos, as chamas vinham pelo ar apesar de não haver grandes árvores
naquela zona. Após isto, perguntou aos bombeiros se não seria melhor ir para o interior de Almaça ao que
lhe responderam que o melhor seria ir para a ponte perto de Cunhedo, e assim o fez.
Durante este episódio de grande perigo, o motorista telefonou ao chefe da central de camionagem de
Viseu, a alertar sobre a situação.
IP3 (perto de Cunhedo) ‐> Coimbra: o motorista dirigiu‐se para a ponte, e viu que já havia uma fila nas
duas faixas, no sentido de Coimbra desde a saída de Almaça, e então colocou‐se na faixa em contramão, pois
pensou que só algum veículo de bombeiros é que poderia circular nessa estrada, não existindo perigo, e
conseguiu alcançar o meio da ponte perto de Cunhedo, que é a ponte maior e que teve obras mais
recentemente (ver Figura 5a). Como se pode observar na Figura 5b, a ponte estava cheia de pessoas,
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centenas de pessoas e carros parados. Ficaram aqui durante 2 horas. Havia muito vento, que transportava
partículas incandescentes e pedaços de eucalipto a arder, bem como labaredas de fogo (ver Figura 5c).
(a) (b)
(c)
Figura 137 – Ponte IP3 perto de Cunhedo durante incêndios de outubro de 2017: (a) Viaturas estacionadas, incluindo o
autocarro; (b) carros estacionados sobre a ponte com partículas incandescentes a passar; (c) proximidade do fogo à ponte;
(Fonte: TVI)
Um carro de bombeiros passou pelo autocarro e entregou algumas garrafas de água para distribuir pelos
passageiros. As comunicações muitas vezes falhavam. Os passageiros estavam em pânico e desespero,
inclusive alguns comunicavam com familiares e amigos via telemóvel em tom de despedida. O motorista
sempre tentou animar os passageiros, dizendo que ainda havia muito por viver, que ainda iam arranjar
muitos namorados(as), e também que tinham um rio por baixo. Todas as pessoas presentes neste cenário
estavam em desespero, havia pessoas que desmaiavam, outras rezavam, pessoas desanimadas, era todo um
cenário de tragédia.
Aproximadamente às 21h30, as Autoridades começaram a pedir para os carros avançarem
ordenadamente de 10 em 10 carros, tendo o apoio de uma mota da GNR que coordenava o
congestionamento da estrada e indicava o caminho de saída, e de um carro da GNR que ia acompanhando
os grupos de 10 carros que iam passando (ver Figura 138).
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Figura 138 – Retirada ordenada dos carros pelas Autoridades (Fonte: TVI)
Chegou com todos os seus passageiros à central de camionagem de Coimbra por volta das 22h30.
Quando os passageiros saíram do autocarro, agarraram‐se todos a ele a agradecerem‐lhe pela forma decidida
e pela coragem com que os conduziu em segurança até Coimbra.
Tem a convicção de que na ponte do Cunhedo poderiam ter morrido umas 1000 pessoas, caso os carros
ali estacionados tivessem começado a arder. O autocarro não sofreu muitos danos.
A empresa prestou uma justa homenagem, em sessão pública realizada em Coimbra, aos três motoristas
que intervieram nos episódios narrados.
4.4.1.4. Recomendações a ter em conta para o futuro
Propor à ANSR e ao IMT protocolos de atuação em casos semelhantes aos vivenciados pelos motoristas
da empresa aqui referenciada, nomeadamente durante o processo de alerta e eventual fuga, a tecnologia
existente pode ser um excelente aliado. Por exemplo, poderiam ser enviadas mensagens escritas de alerta
por parte das autoridades para os telemóveis pessoais ou criado um sistema em que a pessoa possa emitir a
localização GPS do aparelho para que lhe possam prestar socorro. Outra medida poderia passar por
incorporar rotas de fuga em navegadores GPS, como referido em Oliveira (2010).
Concessionária de vias terrestres
Durante os incêndios de 2017 muitas das autoestradas portuguesas foram afetadas pela presença de
fumo ou pela aproximação dos incêndios. Tomámos conhecimento, por intermédio de uma concessionária,
de algumas situações ocorridas em rodovias da sua concessão, nomeadamente nas seguintes: A1, A3, A2,
A41, A14, A32, A17, A6, A5, A13, A33, A10, CSB, LIG CSB e A19, que foram todas afetadas, sendo a A1 a mais
fustigada e a A14 a que teve um maior impacto em tempo. As autoestradas (AE) A9, A12, A43, IC20 e IC21
não foram afetadas.
No gráfico da Figura 139 é possível observar o número de ignições ocorridas nas diferentes autoestradas
desta concessionária durante o ano de 2017.
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Figura 139 – Número de ignições ocorridas nas diferentes autoestradas da concessionária durante o ano de 2017
De seguida apresentam‐se imagens das autoestradas A1 (Figura 140) e A14 (Figura 141),
respetivamente, afetadas pelos incêndios de 2017.
Figura 140 – Impacto do fogo na A1 durante os incêndios de 2017
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Figura 141 – Impacto do fogo na A14 durante os incêndios de 2017
Em 50% dos casos os cortes devidos aos incêndios duraram mais de 5 horas e em menos de 1 mês
ocorreram nove cortes de autoestradas (AE). Como se pode observar na Figura 142, as autoestradas que
estiveram cortadas mais que 5 horas devido aos incêndios florestais foram a A14, A4 e a A1.
Figura 142 – Duração dos cortes nas diferentes autoestradas da concessionária durante 2017
A concessionária dispõe de um centro de Coordenação onde é feita a monitorização de toda a rede de
AE, com suporte em brigadas fixas e móveis e em câmaras de vídeo vigilância. Neste Centro estão
representadas algumas outras entidades, nomeadamente a GNR. As brigadas de assistência dispõem de
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equipamento e de treino para atacar pequenos focos de incêndio, nomeadamente os que se podem formar
quando uma viatura se incendeia. Existem planos de emergência para permitir o corte de trânsito, a inversão
de marcha e a definição de percursos alternativos.
A gestão de comunicação é feita de modo centralizado, por exemplo os cortes eram comunicados por
várias vias (media via DMI, por canais digitais e Linha de Assistência e Informação em tempo real da App,
pelos editores da WAZE).
Embora não tenham ocorrido acidentes pessoais nas AE concessionadas por esta empresa, houve
situações em que pessoas passaram pelo meio das chamas, noutros casos inverteram a marcha, ou
abandonaram as viaturas. Estes casos configuram um potencial de ocorrência de acidentes, porventura
graves, nestas circunstâncias, que carecem de um maior estudo e de tomada de medidas de prevenção.
Empresa ferroviária
As linhas ferroviárias, mais especificamente as linhas do Norte, Beira Alta e Minho, foram afetadas pelos
incêndios de outubro de 2017, verificando‐se diversas ocorrências em que as composições ferroviárias,
muitas delas com passageiros, circularam no meio do fumo, ou de chamas. Houve composições que tiveram
de parar ou mesmo recuar na via. Estes incidentes afetaram a normal circulação dos comboios, provocando
impacto na segurança de várias composições, sendo mesmo necessário, em alguns casos, a utilização de
transbordo rodoviário. No decorrer dos incidentes, existiram comboios diretamente envolvidos, provocando
impacto em várias outras circulações. De um modo geral, foram afetados 134 comboios, resultando num
atraso total de 7034 minutos, e 36 dos comboios foram suprimidos, parcial ou totalmente, como se pode
verificar na Tabela 22.
A empresa dispõe de um gabinete de Gestão que nos facultou toda a informação que solicitámos.
Soubemos que os incidentes ocorridos com os incêndios de 2017, em especial os de outubro, constituíram
uma chamada de atenção muito importante para a Empresa. Esta designou imediatamente uma comissão
de análise, que investigou as ocorrências associadas aos incêndios e produziu um volumoso relatório, que
nos foi facultado, com uma descrição objetiva dos factos e com propostas de medidas para minimizar os
efeitos das situações que foram vividas. Consideramos que o relatório produzido é exemplar na medida em
que aborda de modo muito objetivo e imparcial a dimensão do problema, reconhecendo as lacunas
existentes na própria empresa e a necessidade de tomar medidas corretivas em diversas direções, incluindo
a melhoria da formação dos seus agentes, da realização de simulacros e de fortalecer a relação com as
restantes entidades operacionais.
A empresa manifestou‐nos a sua perceção de estar marginalizada, face a outras entidades, na temática
da prevenção dos incêndios, pois parece existir a convicção de que não afetam os comboios. Os
acontecimentos de 2017 vieram mostrar que não é assim.
Nas Tabela 22 e Tabela 23 apresentam‐se alguns dados do impacto devido aos incêndios por linha
afetada e por tipologia de afetação. Na Tabela 23 indica‐se o número de passageiros transportados por alguns
dos comboios, com um total de cerca de 4070 passageiros afetados. Como se pode ver houve pelo menos
duas composições com cerca de 800 passageiros que transitaram no meio de chamas. Não é difícil imaginar
o potencial de risco que estes episódios terão envolvido.
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Tabela 22 – Eventos relevantes que ocorreram com comboios durante os incêndios de outubro de 2017
Linha do Comboio
Impacto na circulação dos comboios Norte Beira Alta Minho Total
Comboios afetados 47 75 12 134
Tempo de atraso dos comboios (minutos) 5340 1109 585 7034
Comboios suprimidos totalmente 1 17 0 18
Comboios suprimidos parcialmente 5 12 1 18
Na Tabela 23, podem observar‐se alguns acontecimentos relevantes que se sucederam, bem como o
número de comboios e número de passageiros envolvidos.
Tabela 23 – Acontecimentos ocorridos com os comboios durante os incêndios de outubro de 2017
Descrevemos uma situação, a título de exemplo, que envolveu a evacuação de passageiros e da
tripulação do comboio IC518, que ocorreu na Linha da Beira Alta, na estação de comboios de Santa Comba
Dão.
Por volta das 18h de 15 de outubro o maquinista do comboio IC518, com cerca de 370 passageiros,
proveniente da Guarda, ficou retido na estação de Santa Comba Dão. Contactou o CCO a pedir informação
sobre o estado da linha em que circulava, sendo‐lhe dito para esperar. Por volta das 20h o maquinista
contatou de novo, a questionar se pode avançar e o CCO informa‐o que há cortes de energia, mas se
conseguir circular que o faça. Por volta das 20h35 o CCO telefona ao IC518 a alertar que as circulações na
Linha da Beira Alta estavam complicadas, e que o maquinista estivesse preparado a qualquer momento para
recuar. Às 21h o CCO informa que a Proteção Civil indicara que a estação de Santa Comba Dão era o local
mais seguro, devendo manter‐se aí. Os passageiros foram retirados do comboio para a estação, perante a
aproximação iminente do incêndio. Nesta estação estava também um carro patrulha da GNR com dois
agentes. Na Figura 143 apresentam‐se duas imagens da estação de Santa Comba Dão, nas quais se pode
observar como o incêndio estava a progredir na área envolvente.
Os passageiros foram sendo retirados da estação para a Casa da Cultura de Santa Comba Dão, utilizando
apenas um autocarro da Câmara Municipal, entre a 1h e as 2h25 de 16 de outubro. Devido à lotação limitada
do autocarro, a evacuação foi demorada, tendo‐se criado situações de ansiedade, devido à aproximação do
incêndio, que viria a atingir e a destruir as imediações da estação. Existe alguma discrepância entre o
Relatório da empresa e o testemunho do motorista de um autocarro camarário acerca do número de viagens
no processo de evacuação. Numa entrevista concedida a uma revista, este motorista, refere que efetuou seis
viagens transportando passageiros entre a estação de SCD e o Centro Cultural, ao passo que o Relatório da
empresa apenas menciona três viagens. De acordo com os dados da empresa deveriam viajar no comboio
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cerca de 270 passageiros e vários dados mencionam que estariam cerca de 300 pessoas retidas na estação.
Atendendo à lotação do autocarro, parece ser mais provável que tenha efetuado entre 4 e seis viagens.
Figura 143 – Estação de comboios de Santa Comba Dão
4.5. Análise global
As idades de cada uma das vítimas identificadas na Tabela 21, permite estabelecer a composição etária
das 51 vítimas que se mostra na Figura 144, em comparação com o incêndio de Pedrógão Grande. Como se
pode ver, a gama de idades das vítimas dos dois incêndios são diferentes. Nos incêndios de outubro
predominam as pessoas de maior idade, ao passo que em PG perderam a vida famílias inteiras, com crianças
e um número relativamente grande de pessoas jovens. Das 51 vítimas de outubro, 32 eram do sexo masculino
(64%), refere‐se que em PG a percentagem fora de 54%.
Figura 144 – Estrutura etária das vítimas dos incêndios de 15 de outubro, em comparação com a das vítimas dos incêndios de 17 de
junho.
Com base nos critérios de classificação que foram apresentados acima, analisámos cada um dos 51
acidentes mortais associados aos incêndios de 15 de outubro e obtivemos os resultados que se apresentam
nos quadros seguintes.
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No que respeita às circunstâncias, podemos ver na Tabela 24 que em 15 de outubro houve 37% de
pessoas que morreram em casa. A percentagem de pessoas em fuga (67%) foi significativamente menor do
que em junho, em que 95,4% das pessoas morreram enquanto tentavam fugir do fogo.
De entre as 19 pessoas que morreram em casa, dez estariam a dormir quando o incêndio atingiu a sua
casa. Embora se tenha considerado que as restantes 9 estariam ativas, significando que estavam conscientes
da presença do incêndio, possivelmente apenas quatro estariam efetivamente a tentar defender a sua casa
e haveres. De entre estes, houve duas pessoas (V22 e V23) que, como se viu no relato correspondente, se
abrigaram numa construção que não tinha condições para resistir a um incêndio tão violento como o que os
atingiu. Concluímos que, no conjunto dos acidentes mortais, de uma forma geral, a permanência em casa
constitui a opção mais segura para não ser colhido pelo fogo.
Ainda assim houve um número importante de pessoas que optaram por fugir de carro ou a pé e que
acabaram por perder a vida, por vezes próximo de casa ou de outros locais mais seguros.
Tabela 24 – Tipologia de acidentes
Ref. Situação Nr. %
A111 Dentro de casa 7 13,73
Ativo
A112 Fora de casa 2 3,92
Casa
A121 Dentro de casa 10 19,61
Passivo
Circunstância do acidente A122 Fora de casa 0 0
(A) A211 Dentro 12 23,53
Viatura
A212 Fora 7 13,73
Fuga
A221 Estrada 10 19,61
Pé
A222 Campo 3 5,88
Quanto à motivação que levou as pessoas a agir de modo que vieram a falecer, podemos ver na Tabela
25 que na maioria (39%) a motivação parece ser a tentativa de se abrigar do fogo ou de se afastar do incêndio.
Possivelmente entre os casos classificados como “Outros ou desconhecido” teríamos mais alguns casos desta
tipologia. São significativas as situações em que as pessoas agiram para ir socorrer os seus familiares (12%),
ou para salvar a casa ou bens imóveis (18%). Como se viu nos relatos, houve pelo menos três casos em que
as pessoas se arriscaram para salvar animais de estimação e a que se sentiam ligados. Identificámos
igualmente três casos em que as pessoas acabaram por perder a vida na tentativa de por a salvo os seus
carros ou tratores.
Tabela 25 – Motivação das vítimas
Ref. Nr. %
Ajuda a familiares B1 6 11,76
Salvar animais B2 3 5,88
Motivação Salvar a casa ou bens imóveis B3 9 17,65
(B) Salvar bens móveis B4 3 5,88
Afastar‐se do incêndio ou proteger‐se B5 20 39,22
Outros ou desconhecido B6 10 19,61
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Quanto à causa da morte podemos ver na Tabela 26 que 86% das mortes foram causadas pelo fumo ou
pelo fogo, diretamente. Houve 7 pessoas (14%) que morreram devido ao incêndio, mas indiretamente, em
consequência de doença ou de acidente.
Tabela 26 – Causas de morte
Ref. Situação Nr. %
C111 Imediata 5 9,80
Queimaduras
C112 a posteriori 3 5,88
Direto
C121 Imediata 34 66,67
Asfixia
C122 a posteriori 2 3,92
Causa da morte C211 Imediata 1 1,96
Doença prolongada
(C) C212 a posteriori 0 0
C221 Imediata 2 3,92
Indireto Trauma/Doença súbita
C222 a posteriori 3 5,88
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5. Impactos dos incêndios
5.1. Impacto geral
Introdução
Os incêndios florestais são um fenómeno natural e antrópico que provoca impactos no ambiente, na
economia, causam disrupção social e mobilizam a maioria dos recursos humanos e materiais afetos à
Proteção Civil (PC). A avaliação desses impactos e as medidas de recuperação, para que todo o sistema
retorne, na medida do possível, à normalidade, constitui um dos mais problemas importantes na gestão
integrada dos incêndios florestais. Portugal Continental é ciclicamente afetado por este fenómeno,
registando anos, como foi o de 2017, em que os impactos sociais são avassaladores, quer no número de
vítimas mortais, quer no número de feridos graves e ligeiros, e perdas ambientais por vezes com um período
de retorno muito dilatado. Os prejuízos económicos causados diretamente pelos incêndios e as despesas
decorrentes de programas de apoio financeiro e institucional para promover o regresso à normalidade,
ascendem a muitos milhões de euros.
Este ciclo tem vindo a diminuir e muitas são as causas apontadas para esse facto, desde alterações
climáticas a nível global com repercussão local, ocupação do solo, tradições seculares, como sejam as festas
e romarias em que se faz uso de artefactos pirotécnicos, entre outras. Para mitigar os efeitos da diminuição
deste ciclo, o Estado vê incrementada a despesa com o combate aos IF, que quase triplicou no período 2001‐
2017. No entanto, se por um lado se verificou um incremento muito significativo com os custos das operações
de combate para fazer face ao problema, o mesmo não se verificou em sede de prevenção, o que deveria
constituir como uma prioridade face ao escalar do problema.
Os resultados negativos dos IF para o ambiente serão mais ou menos prejudiciais em função de um
conjunto de fatores tais como a duração, a intensidade, extensão e frequência bem como da vulnerabilidade
do próprio ecossistema. O impacto do fogo no ambiente afeta também de forma direta o ser humano, na
medida em que os ecossistemas providenciam em grande parte a satisfação das suas necessidades básicas.
Como já se disse noutros pontos, os incêndios de 15/out são seguramente os que maior impacto e maiores
danos causaram em Portugal, desde que existem registos.
Para além dos danos pessoais, traduzidos nestes incêndios pela ocorrência de 51 vítimas mortais, que
são objeto de analise detalhada no Capítulo 4, temos dedicado uma atenção especial aos danos ocorridos
nas edificações, sobretudo as destinadas a habitação da população, pelo seu valor e significado económico e
social. Ao sermos confrontados pela extensão e gravidade do problema da destruição do parque habitacional,
reconhecemos que o seu estudo em tempo útil estaria muito para além da nossa capacidade. Tomámos por
isso a opção de estudar o impacto dos incêndios nas áreas industriais e empresariais que existem muitos
municípios. Entendemos que o estudo da destruição do património habitacional deve ser feito, por diversas
razões, entre elas por reconhecermos que nestes incêndios foram destruídas habitações com valor histórico,
etnográfico e patrimonial que dificilmente se conseguirão recuperar. Por outro lado, deveria ser
monitorizada a atividade de reconstrução das habitações, que nem sempre seguiram padrões de justiça
social, de adequação técnica e de respeito pelo património, que seriam de esperar, numa oportunidade única
que o País teve para se fazer melhor no ordenamento do nosso território e na dotação de condições de vida
mais dignas para a nossa população.
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Impacto do fogo
O impacto do fogo no território pode ser avaliado de um modo objetivo pela energia térmica
libertada em cada unidade de área do espaço percorrido pelo incêndio. Esta análise pode ser feita por
inspeção no terreno, mas em incêndios de muito grande dimensão, como os de 15/out, é usual recorrer a
dados de satélite que permitem estimar estes impactos, a partir de dados de imagens produzidas por
sensores multiespectrais que permitem estimar a severidade do incêndio em cada célula do território.
Para este efeito iremos utilizar os dados disponibilizados pelo Serviço de Gestão de Emergência da União
Europeia, o Copernicus – Emergency Management Service, que é um programa Europeu para observação da
Terra, criado através do Regulamento nº 377/2014 do Parlamento e do Conselho da Europa, cuja finalidade
é disponibilizar aos Estados Membros e aos seus afiliados o acesso atempado a informação e a uma base de
dados rigorosa e fiável sobre o ambiente, Proteção Civil e segurança do cidadão. Os perímetros fornecidos
têm por base as imagens de satélite de alta resolução, dos satélites SPOT de quarta geração (6 e 7), cuja
resolução é de 1,5m e a sua delimitação territorial efetuada por fotointerpretação por técnicos do serviço,
com base na análise de várias imagens. A fotointerpretação das imagens permitiu caraterizar os danos em
três classes distintas: possivelmente danificado, danificado e destruído. Embora estes danos se reportem à
vegetação, são, em grande parte, aplicáveis às estruturas que existam na proximidade da vegetação e que
possam ter sido afetadas pelos incêndios.
Na Figura 145 mostra‐se a classificação de dano, de acordo com Copernicus, para os CIF do interior do
País (Seia, Lousã, Oliveira do Hospital, Sertã e Vouzela). Na Figura 146 e na Figura 147 mostram‐se as
classificações respetivamente para os CIF de Leiria e de Quiaios.
A interpretação dos danos provocados pelo fogo no CIF de Seia, com base nos dados fornecidos, é de
destruição total na área ardida a sul e leste. Na orla são apresentadas muito pontualmente manchas com
possivelmente danificado, e uma situação menos gravosa a oeste da área ardida, que se apresenta como
possivelmente danificado intercalando com danificado e destruído no extremo noroeste.
Os danos causados pelo fogo no CIF da Lousã são de destruição total no interior da área ardida,
alternando na orla dos seus flancos com áreas que foram interpretadas como danificadas. No seu extremo
noroeste o dano causado pelo fogo foi também interpretado como danificado.
À semelhança do CIF de Seia, o CIF de Oliveira do Hospital apresenta‐se como destruído a sul, mantendo
este grau de dano provocado pelo fogo no interior da área ardida, o flanco oeste apresenta pequenas áreas
interpretadas como danificadas. O flanco leste apresenta áreas mais extensas como danificadas e
pontualmente áreas como possivelmente danificadas. A norte da área ardida estão distribuídas as três classes
de dano apresentadas pelo programa: destruído intercalando com danificado e possivelmente danificado.
Este CIF destrinça claramente a zona sul onde o dano provocado pelo fogo foi maior e a zona norte, em que
o dano pelo fogo foi mais moderado.
O CIF da Sertã mantém o mesmo grau de danos provocados pelo fogo que os que os CIF anteriormente
referidos, a maioria da sua área ardida apresenta‐se como destruída, com exceção do flanco leste, que
pontualmente se apresenta como danificada. A área a sudoeste constitui‐se como a única área em que o
dano intercalou de destruído a leste, para danificado e pontualmente possivelmente danificado a oeste,
também na sua área de contacto noroeste como sudoeste o CIF de Oliveira do Hospital se verifica uma área
danificada.
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A interpretação do dano provocado pelo fogo no CIF Vouzela é muito heterogénea: na metade leste,
verifica‐se uma vasta área classificada como destruída, o flanco leste apresenta‐se classificado como
danificado, diminuindo a classe de dano para nordeste da área ardida, que intercala entre o danificado e o
possivelmente danificado. Classificação diferente tem a metade oeste onde predomina claramente a
classificação de danificado, intercalando como possivelmente danificado e muito pontualmente destruído na
orla a norte e em algumas manchas a norte da área ardida.
Figura 145 – Classificação do dano para os IF em estudo no interior da Região Centro
Os CIF do litoral são analisados individualmente seguindo a cronologia dos eventos. O CIF de Leiria só
permitiu duas das três classificações de danos definidos provocados pelo fogo, o danificado e o destruído,
não existindo em toda a sua extensão a possibilidade de classificar como possivelmente danificado. Em
termos globais o interior da área ardida foi classificado como destruído, aparentando distribuição do dano
de destruído acompanhar o sentido das progressões do CIF. Na orla da área ardida o grau de dano provocado
pelo fogo foi classificado como danificado, com exceção da área sul em que claramente se verifica uma área
em que alterna entre o destruído a sudoeste e o danificado a sudeste e o nordeste da área ardida que se
apresenta maioritariamente com dano classificado como danificado (Figura 146).
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Figura 146 – Classificação do dano para o IF de Leiria
Por último, o CIF de Quiaios que apresenta novamente as três tipologias de danos provocados pelo fogo
(Figura 147). A classificação “destruído” aparece muito vincado no interior da área ardida desde o ponto de
início até à freguesia da Tocha, concelho de Cantanhede, claramente a classificação de destruído acompanha
a progressão do CIF, o seu flano oeste até à freguesia da Tocha havia sido alvo de intervenção na gestão de
combustíveis pelo que o dano é classificado como danificado, verificando‐se a mesma classificação de dano
e passando a intercalar com possivelmente danificado por motivos distintos.
Com efeito, as operações de combate foram concentradas neste flanco leste, por várias razões: a
salvaguarda das infraestruturas humanas que constituem uma prioridade, as parcelas de agricultura junto
às habitações que promovem as quebras de combustíveis de estratos arbóreos para outros estratos mais
baixos e condicionam a progressão das chamas e deste modo diminuem os danos, por último a barreira
natural do flanco oeste que é o oceano Atlântico que por um lado constitui como um limite à progressão do
incêndio, mas que também inviabiliza a progressão do combate quer por ausência de vias adequadas quer
pela própria natureza dos solos.
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Figura 147 – Classificação do dano para o IF de Quiaios
As áreas afetadas pelos CIF, nomeadamente as do litoral devem ser alvo de monitorização ao longo do
tempo, em função do dano produzido. A regeneração natural poderá não ser a estratégia mais adequada,
dado que as espécies invasoras de crescimento rápido poderão invadir os espaços anteriormente ocupados
por outras espécies.
5.2. Impacto nas indústrias
O aumento da ocorrência de IF representa um problema acrescido quando este se aproxima de espaços
urbanos. A análise do impacto do fogo nas comunidades tem inerente o conceito de Interface Urbano‐
Florestal (IUF), ou simplesmente interface. Desta forma, adquire uma elevada importância a gestão do
combate ao fogo na IUF. Apesar das diversas formas que a IUF pode tomar, conforme o critério que se utilizar
para definir a área que foi afetada, a IUF pode ser definida de uma forma geral como o espaço onde as
estruturas e a vegetação coexistem, num ambiente propício aos incêndios (Blue Ribbon Panel, 2008). O facto
de as empresas estarem normalmente localizadas nas zonas periféricas das cidades ou de outros espaços
habitacionais, fazem com que estas áreas industriais estejam inseridas em zonas de IUF com acrescidos riscos
de incêndio, podendo ser designadas de Interface Industrial‐Florestal (IIF). Em Ribeiro (2016) é definida como
Interface Industrial‐Florestal uma “zona industrial com casas, armazéns, materiais diversos e pessoas em
contacto ou dentro de áreas florestais” na qual deve ser realizada uma cuidada gestão dos combustíveis na
periferia das estruturas.
Nos incêndios de outubro de 2017 houve grandes danos provocados tanto nas áreas populacionais,
como nas zonas industriais, em todo o País. No que toca às habitações, e, segundo os dados da CCDRC
(apresentados em outubro de 2018), o Programa de Apoio à Recuperação de Habitação Permanente (PARHP)
recebeu 1305 pedidos de apoio, sendo que destes 63% se enquadravam no Programa e receberam 60
milhões de euros do Orçamento de Estado. Em relação às indústrias, dos 403 projetos submetidos ao
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programa Sistema de Apoio à Reposição da Competitividade e Capacidades Produtivas (REPOR), mais de
metade (283 projetos) foram aprovados com um apoio de 74 milhões de euros.
O complexo de incêndios florestais que afetou a Região Centro do País gerou um grande impacto no
tecido industrial e empresarial da região, como nunca antes se observara em Portugal, razão pela qual a
equipa do CEIF/ADAI optou por analisar e estudar o impacto sofrido pelas indústrias. Além do motivo acima
assinalado, é de constar que a indústria (como conceito geral) é uma atividade económica com um conjunto
de características bastante peculiares, pois:
contribui para a independência económica de milhares de famílias;
gera contribuições e impostos;
gera bem‐estar social e económico;
é um motor de dinamismo regional e de fixação de quadros e de população produtiva.
Que fazem desta atividade um fator chave para a estabilidade e desenvolvimento económico da
sociedade a vários níveis, tanto diretamente como indiretamente.
Desta forma, os danos e prejuízos provocados nas indústrias tiveram uma grande consequência na
estabilidade dos empregos, bem como nas atividades desempenhadas, colocando as pessoas e as empresas
numa situação vulnerável, fazendo, deste modo, todo o sentido dar relevância ao estudo da forma como as
indústrias foram afetadas. Com efeito, a dispersão por toda a Região Centro que os IF tiveram levou a que
fossem canalizados os nossos esforços na caracterização do impacto socioeconómico dos incêndios nas
indústrias.
Apoios concedidos às empresas afetadas
Os incêndios de outubro de 2017 afetaram de um modo geral toda a Região Centro do País registando
os maiores danos de que há memória em áreas de interface urbano‐florestal e em empresas. Estas empresas
encontravam‐se nos vários municípios afetados, espalhadas pelo território ou concentradas em ZI. Embora
o problema dos IF tenha escalado para valores nunca registados anteriormente, a resposta face à magnitude
dos eventos, quer dos proprietários das empresas afetadas, quer dos decisores foi célere.
Diversos programas de apoio aos lesados pelos incêndios foram implementados após publicação da
legislação, que teve como objetivo criar medidas que respondessem não só à resolução da problemática
relacionada com os incêndios, mas também à valorização e defesa da floresta, tendo como prioridade a
reparação e reconstrução, a resiliência do território e das infraestruturas e a reforma do modelo de
prevenção e combate aos incêndios florestais. No que toca às medidas de apoio e de incentivo à recuperação
do tecido empresarial, a Resolução do Conselho de Ministros nº 167‐B/2017, de 2 novembro, veio determinar
a adoção de medidas imediatas em vários domínios, entre elas:
Criação de um sistema de apoio ao restabelecimento da capacidade produtiva das empresas afetadas
– Sistema de Apoio à Reposição da Competitividade e Capacidades Produtivas (REPOR), aprovado
pelo Decreto‐Lei nº 135‐B/2017 a 3 de novembro de 2017, sendo apoiadas a aquisição de máquinas,
de equipamentos, de material circulante de utilização produtiva e as despesas associadas a obras de
construção necessárias à reposição da capacidade produtiva, que tem como objetivo a recuperação
dos ativos empresariais danificados, total ou parcialmente, pelos referidos incêndios, nos municípios
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das regiões Centro e Norte particularmente afetados. Este programa recebeu a candidatura de 403
projetos e mais de metade (283) foram aprovados com um apoio de 74 milhões de euros;
Desenvolvimento de programas de incentivos para atração de novos investimentos ‐ Apoio do
Portugal 2020 para atrair novos investimentos geradores de emprego nos territórios afetados
pelos incêndios (ATRAIR), aprovado pelo Decreto‐Lei nº 135‐B/2017, composto por dois concursos
(SI Inovação e SI Inovação/Emprego) que têm como objetivo atrair novos investimentos geradores
de emprego nos territórios que foram afetados pelos incêndios de outubro, em particular em
territórios de baixa densidade ou territórios nos quais o número de empresas ou empregos foram
bastante afetados, com uma quantia de 100 milhões de euros;
Atribuição de apoios às populações e empresas, no âmbito da segurança social, do emprego e da
formação profissional, definidos na Portaria nº347‐A/2017, de 13 de novembro, sobretudo o apoio
no pagamento de salários a trabalhadores das empresas afetadas, através da medida Contrato‐
Emprego executada pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP);
Atribuição de medidas de apoio temporário, através do Decreto Lei nº141/2017, de 14 de novembro,
que consistiu em medidas de apoio temporário destinadas aos contribuintes com domicílio fiscal,
sede ou estabelecimento nos concelhos afetados pelos incêndios de 15 de outubro. Ao nível
contributivo, por exemplo, foram aprovados apoios em regime excecional e temporário de isenção,
total ou parcial, de pagamentos à Segurança Social (SS), para entidades empregadoras e
trabalhadores independentes afetados pelos incêndios;
Disponibilização de linhas de crédito aos afetados pelos incêndios para diferentes tipo de apoio,
entre eles, apoio à tesouraria (aprovado pelo Decreto‐Lei n.º 135‐B/2017), apoio ao parqueamento
de madeira queimada de resinosas (Decreto‐Lei n.º 135‐C/2017), apoio à comercialização de madeira
queimada de resinosas (Decreto‐Lei nº 359‐B/2017).
Nas medidas adotadas pelo Decreto‐Lei 135‐B/2017 foi dado poder de decisão e gestão às Comissões
de Coordenação e Desenvolvimento Regional competentes, assim como ao Instituto do Turismo de Portugal
ou ao Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e à Inovação (IAPMEI), dependendo do setor de
atividade das empresas em questão.
Além dos programas de apoio gerais que foram concedidos a todos os empresários lesados, ainda foram
criados outros programas locais, bem como gabinetes que auxiliaram as pessoas a desenvolver e submeter
candidaturas a esses apoios. A título de exemplo, o município de Oliveira do Hospital criou o Gabinete de
Apoio às Pequenas e Médias Empresas e à Inovação (GAEAI) que apoiava na execução de candidaturas a
submeter aos empresários interessados.
Complexo de incêndios: Seleção de pontos a visitar e obtenção de dados
A análise do impacto do fogo nas estruturas industriais após os incêndios de 15 e 16 de outubro baseou‐
se na visita no terreno das empresas atingidas pelo fogo. Devido à elevada área atingida e aos diversos
incêndios que se propagaram, foi necessário tomar decisões no que toca à organização para efetuar as
dezenas de visitas aos diferentes locais, desde janeiro até outubro de 2018.
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A Tabela 27 mostra os concelhos escolhidos como representativos para análise das empresas afetadas,
estes estão ordenados pela hora de início e pelo local de ignição de cada incêndio. A escolha dos concelhos
a visitar para analisar o impacto do fogo nas indústrias teve como base o início do estudo do complexo de
incêndios que envolveram vítimas mortais, e, adicionalmente, foi acrescentado o concelho de Mira na análise
pois a nível de indústrias estas tiveram um impacto económico muito grande.
Tendo em conta o elevado número de infraestruturas afetadas, e tornando‐se complexa a previsão dos
reais prejuízos das mesmas, a metodologia utilizada para caracterizar o impacte nas indústrias foi a consulta
inicial da lista de candidaturas submetidas ao programa REPOR ‐ Sistema de Apoio à Reposição da
Competitividade e Capacidades Produtivas, entregue na CCDRC, com os respetivos projetos aceites e
aprovados pela comissão responsável. Durante todo o processo de candidaturas foram lançadas diversas
listas, sendo a lista utilizada como base para obtenção de dados e informação a correspondente a 2 de
outubro de 2018 (http://www.ccdrc.pt/index.php?option=com_docman&view=download&alias=4335‐
aprovacoes‐repor‐02out2018&category_slug=publicitacao‐dos‐apoios‐do‐repor&Itemid=739). Fica
registado que a lista mais recente disponibilizada foi a 15 e janeiro de 2019, mas os dados contidos nesta não
foram utilizados. Como nem todas as empresas afetadas pelos incêndios submeteram candidaturas, por
diversas razões, ‐ por exemplo o tipo de atividade (aviários) não permitia a candidatura a este fundo, ‐
também foram solicitadas à CCDRC as listas com o levantamento que foi feito, das empresas afetadas, para
termos o maior número possível de empresas.
De forma a ter uma perceção do número de empresas existentes para cada concelho, consultou‐se o
Anuário Estatístico da Região Centro, elaborado pelo Instituto Nacional de Estatística (INE, 2018), cujos
valores estão representados na Tabela 27, juntamente com os números de empresas presentes na lista da
CCDRC e aquelas que visitámos. Em complemento, a Figura 148 ilustra espacialmente, a localização das
empresas visitadas e o seu tipo de dano. Por tipo de dano entende‐se a forma como ficou afetada a empresa
após passagem do fogo.
Tabela 27 – Concelhos escolhidos para análise das empresas afetadas em cada incêndio, empresas existentes por concelho em 2017
(INE, 2018), número de empresas presentes na lista CCDRC e empresas visitadas
N. Empresas Totalidade
Complexo de Concelho N. Empresas N. Empresas
por concelho empresas
Incêndios analisado lista CCDRC visitadas
(INE, 2018) visitadas (%)
Seia Seia 2143 8 4 50
Lousã Tondela 3002 29 22* 76
Oliveira do Hospital Oliveira do Hospital 1850 75 65* 87
Sertã Pampilhosa‐da‐Serra 281 7 5 71
Quiaios Mira 1412 15 18* 120
Vouzela Oliveira de Frades 1111 20 26* 130
*existência de empresas visitadas que não estavam na lista da CCDRC
Na Tabela 27 observa‐se que o número de empresas visitadas em cada CIF no geral é inferior ao indicado
na lista da CCDRC. A distribuição do impacto por concelho refere em primeiro lugar o concelho de Oliveira
do Hospital com 65 empresas afetadas, seguindo‐se Oliveira de Frades com 26 empresas, Tondela com 22 e
Mira com 18 empresas afetadas nos seus dois polos industriais. É importante referir que nas visitas
realizadas, e tendo como guia a lista facultada pela CCDRC, deparamos com algumas situações que são
descritas de seguida:
dificuldade em localizar algumas empresas devido à morada da sede da empresa não coincidir com
o seu local de funcionamento;
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dificuldade/impossibilidade de entrevistar empresas que mudaram de local temporária ou
definitivamente;
empresas afetadas pelos incêndios que não estavam mencionadas na lista;
empresas mencionadas na lista que foram afetadas indiretamente, com isto queremos dizer que os
bens afetados pertencentes uma dada empresa estava noutra empresa que foi afetada pelos
incêndios;
empresas que tiveram afetados bens materiais (p. ex.: máquinas ou ferramentas) e não a estrutura;
uma das empresas afetadas foi uma farmácia, que estava localizada no centro da povoação, entre
casas de habitação, sendo a única afetada e tendo o seu interior completamente destruído;
Figura 148 – Empresas afetadas por concelho e tipos de danos resultantes nas estruturas
Nas visitas realizadas aos locais, foi observado no decorrer do tempo (de janeiro a outubro de 2018), que
desde os incêndios, algumas das estruturas completamente destruídas já estavam em reconstrução ou
mesmo contruídas de novo. Isto é um ponto forte a salientar, pois mostra a resiliência e a força de vontade
por parte dos donos das empresas em manter o seu negócio, não desistindo, e tendo o sentimento de
responsabilidade para não fechar a atividade, e acima de tudo em manter os postos de trabalhos de terceiros,
os quais dependem destes para viver.
Para realização das visitas foi construído um formulário com mais de 30 questões de resposta rápida
utilizando o software 1, 2, 3 Survey do ArcGis Online, de simples interpretação e preenchimento, para realizar
junto dos responsáveis das empresas visitadas. O formulário foi realizado através da aplicação móvel da ESRI
(Environmental Systems Research Institute), com o mesmo nome, onde através de um GPS, foi possível
realizar todas as perguntas de forma digital, assim como determinar automaticamente a sua localização
geográfica. Simultaneamente foi realizado o registo fotográfico das empresas danificadas.
O formulário tinha como objetivo analisar as condições das empresas antes, durante e após a ocorrência
do CIF, pretendendo realizar uma caracterização socioeconómica, infraestrutural, do território envolvente e
do processo responsável pela primeira ignição. Também se pretendeu registar a perceção dos responsáveis
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de cada indústria afetada face ao ocorrido e de que forma propunham medidas que possibilitassem a
mitigação de situações futuras. As variáveis selecionadas são praticamente autoexplicativas. Ainda assim, na
Tabela 28 fazemos uma breve descrição de cada uma.
Tabela 28 – Descrição das variáveis usadas
Variável Descrição
Setor de atividade da empresa Refere‐se à atividade desenvolvida na empresa, e está de acordo com o CAE.
Outro – Setor de atividade da empresa Permite especificar outro tipo de setor de atividade, que não esteja na lista anterior
Tipo de estrutura Refere‐se ao tipo de utilização da estrutura, a escolher de uma lista predefinida.
Outro tipo de estrutura Permite especificar outro tipo de estrutura, que não esteja na lista anterior
Tipo de construção Refere‐se ao tipo de materiais utilizados na construção da estrutura, a escolher de
uma lista predefinida
Idade aproximada da estrutura Refere‐se à idade da estrutura, numa de 3 opções. Pode estimar‐se ou falar com os
proprietários ou vizinhos.
Estado de conservação da estrutura Refere‐se ao estado de conservação da estrutura, a escolher de uma lista
predefinida. Pode estimar‐se ou falar com os proprietários ou vizinhos.
Proximidade de combustíveis florestais à Refere‐se ao à distância dos combustíveis florestais à estrutura, a escolher de uma
estrutura lista predefinida.
Gestão de combustíveis na envolvente por Refere‐se à existência de algum tipo de gestão de combustíveis na envolvente por
parte da empresa parte da empresa, antes do IF. Pode estimar‐se ou falar com os proprietários ou
vizinhos.
Número de trabalhadores da empresa Número de trabalhadores que laboram na empresa, a escolher de uma lista
predefinida.
Balanço total anual da empresa Refere‐se à faturação anual da empresa do último ano, a escolher de uma lista
predefinida.
Data em que a estrutura foi atingida Refere‐se à data em que a estrutura foi danificada pelo fogo, independentemente
de o IF lá estar ou não.
Hora a que a estrutura foi atingida Refere‐se à hora a que a estrutura foi danificada pelo fogo, independentemente de
o IF lá estar ou não.
Processo responsável pela 1ª ignição Refere‐se ao modo como a estrutura começou a arder.
Possível local de ignição da estrutura Refere‐se ao local pelo qual foi responsável o processo pela 1ª ignição.
Tinha comunicações na altura do IF? Refere‐se ao facto de haver, ou não, comunicações por telefone durante a
passagem do fogo. A resposta dependeu do testemunho do proprietário ou
responsável.
Falhou a eletricidade durante o IF? Refere‐se ao facto de a energia elétrica ter falhado durante a passagem do fogo. A
resposta dependeu do testemunho do proprietário ou responsável.
Hora a que falhou eletricidade? No caso de resposta positiva à variável anterior, refere‐se à hora a que terá
ocorrido. A resposta dependeu do testemunho do proprietário ou um vizinho. A
resposta dependeu do testemunho do proprietário ou responsável.
Falhou a água durante o IF? Refere‐se ao facto de a água de rede ter falhado durante a passagem do fogo. A
resposta dependeu do testemunho do proprietário ou responsável.
Hora a que falhou água No caso de resposta positiva à variável anterior, refere‐se à hora a que terá
ocorrido. A resposta dependeu do testemunho do proprietário ou responsável.
Possuíam sistemas de geradores para Refere‐se ao fato de haver empresas que possuem geradores quando há uma
abastecer a empresa? quebra de eletricidade.
Quem combateu o incêndio durante a fase Refere‐se ao facto de haver gente na estrutura que tenha ficado a defender a
crítica? estrutura ou entidades que estivessem no local a combater o incêndio.
Qual o nível de operacionalidade da Refere‐se ao nível de operacionalidade da empresa, a escolher entre 3 opções.
empresa após o IF?
Trabalhadores continuaram a operar, em Refere‐se à possibilidade de os trabalhadores continuarem a trabalhar na empresa,
atividades de limpeza ou outras? independentemente da atividade da empresa, a escolher de uma lista de opções.
Tenciona reerguer‐se no mesmo parque Refere‐se à possibilidade de a estrutura reerguer‐se ou não no mesmo local, e com
industrial? ou sem alterações.
Estimativa do prejuízo Refere‐se ao valor aproximado dos prejuízos calculados após o incêndio, a escolher
uma das opções na lista.
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A empresa estava abrangida por que regime Refere‐se ao tipo de seguro que a empresa tinha. Existindo também a opção de não
de seguradoras? ter seguro.
A empresa tinha bens (danificados) não Refere‐se aos bens que não foram abrangidos pelo seguro. Resposta de escrita
abrangidos pelos seguros? Quais? livre.
A empresa tinha medidas de autoproteção Refere‐se à existência ou não de medidas de autoproteção na empresa.
disponíveis no dia do incêndio?
Tenciona alterar as medidas de Refere‐se à possibilidade de alterar medidas de autoproteção, independentemente
autoproteção existente? de medidas já existentes.
Tipo de danos na estrutura Refere‐se ao modo como ficou a estrutura.
Fotos da máquina Refere‐se à identificação de fotografias obtidas com uma máquina digital, que não
eram anexadas automaticamente à base de dados.
Do seu ponto de vista, o que poderia ter Campo de texto livre e opcional para referir aspetos que falharam e que poderiam
sido feito de maneira diferente de forma a ter sido alterados de forma a minimizar ou evitar a tragédia.
evitar ou minimizar tal tragédia? (Opcional)
Fotografia Este campo permite inserir uma fotografia tirada com o próprio GPS à estrutura
danificada, ficando a imagem automaticamente anexada à base de dados.
Nos subcapítulos seguintes serão analisados individualmente cada uma das instalações industriais, tendo
como pontos fulcrais as infraestruturas e a forma como foram afetadas pelos incêndios e o impacte nas
indústrias após o incêndio. Serão ainda mencionadas e analisadas as instalações industriais de uma forma
geral, tendo como objetivo a análise de pontos comuns de impacte pelos incêndios.
5.3. Instalações industriais de Seia
As instalações industriais de Seia foram afetadas no decorrer dos incêndios, principalmente no domingo
(15 de outubro). Por este motivo muitas empresas estavam encerradas, limitando em alguns casos o
conhecimento exato da hora do início da ignição, pois os inquiridos referiam que tinham apenas uma ideia
aproximada desta hora. Na Figura 149 é possível observar que as infraestruturas em Seia foram atingidas
pelo fogo durante a parte da tarde (16.00h) e ao final da tarde (18.00h e 20.00h) de 15 de outubro.
Figura 149 – Hora indicada (no dia 15 de outubro) pelos inquiridos do momento em que o fogo atingiu as suas instalações
industriais e velocidade média de propagação do fogo do CIF de Seia
Neste gráfico está representada igualmente a evolução da velocidade média da frente principal do
incêndio ao longo do tempo. Como se pode ver, a velocidade de propagação do fogo foi máxima por volta
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das 16.00h, coincidindo com o período em que foram atingidas duas empresas. Mais dados relativos à
evolução da propagação do incêndio de Seia e dos incêndios seguintes podem ser consultados no Capítulo
3.
Caracterização das infraestruturas e meio envolvente
Na Tabela 29 são apresentados os principais setores de atividade em função do número de empresas da
região de Seia, onde é de realçar a elevada predominância de empresas (96,92 %) com um número de
trabalhadores muito baixo (<10), sendo estas classificadas como microempresas.
As empresas visitadas tiveram por base
Todos os edifícios das empresas danificadas pelos incêndios eram construídos em alvenaria e metal, e
as suas infraestruturas tinham aproximadamente 10 a 30 anos de idade.
Tabela 29 – Setor da atividade das empresas afetadas no CIF de Seia, empresas existentes por setor de atividade em 2017 no
concelho de Seia (INE, 2018) e escalão de trabalhadores nas empresas
N. empresas N. Empresas afetadas % empresas existentes
Escalão de
Setor de atividade da existentes no segundo escalão de
Lista trabalhadores para as
empresa concelho Visitadas trabalhadores (INE,
CCDRC empresas em estudo
(INE, 2018) 2018)
Construção civil,
materiais de 186 6 1 <10
construção trabalhadores 96,92 % (2077)
Veículos, máquinas e (microempresa)
516 2 2
equipamentos
50 e 250 (média
Produtos metálicos 163 0 1 0,28 % (6)
empresa)
Total 865 8 4 ‐ 97,20 % (2083)
Das quatro empresas visitadas, duas apresentaram perda total, que correspondem às empresas com
setor de atividade em veículos, máquinas e equipamentos. A empresa de produtos metálicos apresentou
danos avultados e a de construção civil danos médios (ver Tabela 29 e Figura 150).
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Figura 150 – Indústrias afetadas no concelho de Seia
O principal processo responsável pela primeira ignição nas 4 indústrias afetadas no concelho de Seia foi
o impacto direto das chamas proveniente do espaço florestal envolvente em 2 unidades e indiretamente por
projeção de partículas noutras 2 unidades, pois como se pode observar na Tabela 30 todas as estruturas
estavam entre 2 a 10 metros de distância da vegetação, o que justifica os danos agravados apresentados
nestas empresas.
Tabela 30 – Proximidade com combustíveis florestais à estrutura e modo como as empresas foram afetadas, por setor de atividade
Proximidade dos
Setor de atividade da N. Empresas combustíveis Processo responsável pela Possível local
empresa afetadas visitadas florestais à 1ª ignição de ignição
estrutura (m)
Construção civil, Diretamente por chamas
materiais de 1 provenientes do espaço Janela
construção florestal envolvente
Indiretamente por projeção
1 Janela
Veículos, máquinas e de partículas
0 a 2
equipamentos Indiretamente por projeção
1 Telhado
de partículas
Diretamente por chamas
Produtos metálicos 1 provenientes do espaço Telhado
florestal envolvente
A Câmara Municipal de Seia disponibiliza na internet no seu sítio (http://www.cm‐seia.pt) para consulta
os mapas delimitados com as áreas que devem ser limpas em cada freguesia do concelho de Seia para as
diferentes tipologias de infraestruturas, de forma a que o público geral tenha facilidade de acesso a esta
informação. Como exemplo, está representado um mapa de 2015 de Vale da Igreja, em Seia, na Figura 151a
um dos locais no qual uma das indústrias foi afetada, ficando destruída totalmente. É possível observar que
na delimitação da área (a lilás) existia espaço florestal muito próximo das infraestruturas industriais.
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(a) (b)
Figura 151 – Mapas de Vale da Igreja, Seia, local onde uma indústria foi afetada: (a) com identificação das áreas a manter limpas
em Vale da Igreja (mapa de 2015) (Fonte: http://www.cm‐seia.pt); (b) mapa de agosto de 2017 com o polígono das indústrias
identificado (círculo lilás)
Para o mesmo local, é apresentado na Figura 151b o mapa referente a agosto de 2017, poucos meses
anteriores à tragédia, e pode observar‐se que tal como no mapa de 2015 a zona em redor às indústrias se
mantém com uma área florestal muito próxima das infraestruturas.
Impacte após o incêndio
Após o incêndio, um dos primeiros elementos a avaliar foi o nível de operacionalidade da empresa, bem
como a possibilidade de continuação de funcionamento da empresa no mesmo local ou se haveria
necessidade de reconstruir noutro local, e ainda se existiam condições para os trabalhadores continuarem a
exercer o seu emprego, mesmo que em atividades secundárias. Estas poderiam ser a limpeza de destroços,
a verificação de funcionamento de equipamentos, e outros trabalhos diversos que tinham como objetivo
colocar de novo a empresa em funcionamento o mais rapidamente possível. Para avaliar esta situação, na
Tabela 31 mostra‐se esquematicamente a avaliação da operacionalidade tanto da empresa como dos
trabalhadores, com isto quer dizer‐se, se a empresa continuou operacional nas suas atividades e se as suas
infraestruturas ficaram no mesmo local ou se foi reconstruída noutro local, e se os trabalhadores
continuaram a trabalhar por completo ou se somente em algumas atividades específicas. Em Seia, das quatro
empresas afetadas, em todas elas os trabalhadores continuaram em atividade, mesmo em duas das
empresas que ficaram completamente inoperacionais, sendo este um dos casos no qual os trabalhadores se
envolveram em atividades de limpeza. É de salientar ainda que as empresas que foram reconstruídas noutro
local após o incêndio, são as que sofreram destruição total, e algumas estiveram a desenvolver a sua
atividade em locais temporários, disponibilizados por outras empresas.
Tabela 31 – Operacionalidade/Localização da empresa e dos trabalhadores após o CIF de Seia
Operacionalidade dos
Não, reconstruir noutro local 1 1
Localização da
Sim, com algumas alterações 1 1
Empresa
Totalmente inoperacional 2 2
Não, reconstruir noutro local 1 1
Sim, com algumas alterações 1 1
Total 1 3 4
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O inquérito realizado apurou que os prejuízos estimados em função do balanço anual registou duas
indústrias com balanço até 500 mil euros, das quais uma reportou um prejuízo entre 50 e 100 mil euros, uma
com um volume de faturação entre 2 e os 10 milhões de euros que reporta valores estimados entre 100 e
500 mil euros, e por fim uma indústria que tem um balanço anual de 10 a 50 milhões de euros que reporta
prejuízos na ordem dos 100 a 500 mil euros (Tabela 32). Apesar de 3 das 4 empresas serem microempresas,
de uma análise rápida e geral, duas das empresas tinham um balanço anual elevado.
Tabela 32 – Relação entre o balanço anual e o prejuízo estimado nas empresas visitadas do concelho de Seia
Estimativa de prejuízos
Balanço anual da empresa
[kEUR] Total
[MEUR]
50 a 100 100 a 500
<0,5 1 1 2
Entre 2 e 10 1 1
Entre 10 e 50 1 1
Total 1 3 4
No decorrer das várias avaliações realizadas às empresas após a destruição verificada, a avaliação e
contabilização dos prejuízos foram feitos através de inventariação e registo fotográfico, tal como o contato
imediato com as agências seguradoras, de modo a serem cobertos pela perda de bens materiais o mais
rapidamente possível. Das empresas afetadas foi verificado que nem todas tinham seguro, que é o caso da
empresa de construção civil (ver Figura 152).
Figura 152 – Tipo de seguro das empresas afetadas após o CIF de Seia
No caso das empresas devidamente asseguradas foi registado que nem todos os bens danificados foram
cobertos pelo seguro, como o caso de ambas as empresas de veículos, máquinas e equipamentos, em que os
inquiridos relataram que o seguro não cobriu ferramentas, equipamentos e/ou matéria prima.
5.4. Instalações industriais de Tondela (CIF Lousã)
As instalações industriais de Tondela foram afetadas pelos fogos que tiveram origem no IF que deflagrou
no Prilhão, no concelho da Lousã, situado no concelho da Lousã. O CIF da Lousã teve início no dia 15 de
outubro pela manhã (ver Capítulo 3), tendo evoluído na direção de Tondela, onde ao final da tarde/início da
noite de dia 15 começou a atingir indústrias, existindo indústrias afetadas na madrugada de dia 16, como se
pode observar na Figura 153a. Segundo os inquiridos, das 22 empresas afetadas, 11 foram atingidas
aproximadamente pelas 23.00h, e, de forma a visualizar a sua proximidade umas das outras, estas estão
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representadas na Figura 153b com a hora indicada. Pode observar‐se que, com exceção de quatro empresas
que se situavam na Zona Industrial de Tondela, existe alguma dispersão nas horas indicadas. Tal pode dever‐
se à velocidade média de propagação do fogo que estava elevada e a aumentar, ou, à incerteza da hora
transmitida pelos inquiridos.
(a)
(b)
Figura 153 – CIF da Lousã: (a) Hora indicada (a partir de 15 de outubro) pelos inquiridos do momento em que o fogo atingiu as suas
instalações industriais e velocidade média de propagação do fogo do CIF da Lousã; (b) localização das empresas afetadas no
período das 23.00h
Caracterização das infraestruturas e meio envolvente
Na Tabela 33 são apresentados o número de empresas existentes e afetadas na região de Tondela por
setor de atividade. Existem na totalidade 1981 empresas, das quais visitámos 22 que foram atingidas. Das 22
empresas 72,72% eram microempresas e 27,28% pequenas empresas. Mais uma vez se verifica que as
microempresas estão numa percentagem superior (ver Tabela 34).
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A maioria dos edifícios das empresas danificadas pelos incêndios eram construídos em alvenaria,
existindo também alguns em metal e pedra. No geral as suas infraestruturas tinham aproximadamente entre
10 e 30 anos de idade.
Tabela 33 – Setor da atividade das empresas afetadas no CIF da Lousã, empresas existentes por setor de atividade em 2017 no
concelho de Tondela (INE, 2018)
N. empresas existentes N. Empresas afetadas
Setor de atividade da empresa
no concelho (INE, 2018) Lista CCDRC Visitadas
Agricultura, produção animal, caça e silvicultura 639 2 2
Alimentar e bebidas 164 3 1
Construção civil, materiais de construção 313 7 5
Fornecimento de gás, água ou eletricidade 15 2 1
Madeira ou cortiça 5 4 2
Produtos metálicos 167 2 3
Transportes 63 3 1
Veículos, máquinas e equipamentos 615 2 2
Outro ‐ 4 5
Total 1981 29 22
Tabela 34 – Número de empresas com diferentes escalões de trabalhadores
% empresas existentes
Escalão de trabalhadores para as empresas em N. Empresas afetadas
segundo escalão de
estudo no concelho de Tondela visitadas
trabalhadores (INE, 2018)
<10 trabalhadores (microempresa)
97,37% (2923) 16
10 a 50 trabalhadores (pequena empresa) 2,07% (62) 6
Total 92,44% (2985) 22
Da totalidade das instalações industriais analisadas, nove apresentaram perda total, seis das empresas
danos médios e 6 outras danos avultados (Figura 166). Seis das empresas estavam situadas na Zona Industrial
de Tondela e as restantes estavam espalhadas pelo concelho como se pode observar na Figura 154.
Figura 154 – Indústrias afetadas no concelho de Tondela
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Na Figura 155 estão representadas duas fotos de diferentes estruturas de uma empresa, nas quais se
podem observar respetivamente uma estrutura completamente destruída e outra estrutura que já está a ser
reconstruída.
(a) (b)
Figura 155 – Indústrias afetadas no concelho de Tondela: (a) estrutura completamente destruída; (b)estrutura a ser reconstruída
de novo.
Devido às condições meteorológicas a velocidade de propagação do fogo foi muito elevada, como se pode
verificar na Figura 153a. Este facto deu origem a projeção de partículas a grandes distâncias da frente de
fogo. Neste caso a distância das estruturas ao espaço envolvente foi pouco importante, pois tanto existiam
estruturas que estavam a 2 metros de distância do espaço florestal, como outras que estavam a mais de 50
metros de distância. Tabela 35 Constata‐se na Tabela 35 que em 50% das empresas o principal processo
responsável pela primeira ignição nas estruturas afetadas foi indiretamente por projeção de partículas. A
segunda forma responsável pela ignição foi diretamente por chamas provenientes do espaço florestal
envolvente, verificado em 27,27% das unidades industriais. Nas infraestruturas atingidas diretamente por
chamas provenientes de estruturas adjacentes observa‐se que das três estruturas atingidas, em duas delas
os combustíveis florestais estavam a mais de 50 metros de distância. Uma das estruturas foi consumida
devido a materiais depositados junto à estrutura, que serviu de elo facilitador de propagação para a
estrutura, a qual era uma estrutura aberta, como se pode verificar na Tabela 35.
Tabela 35 – Proximidade com combustíveis florestais à estrutura e qual o processo responsável pela primeira ignição
Proximidade dos combustíveis florestais à
Processo responsável pela 1ª Total
estrutura (m)
ignição
0 a 2 2 a 10 10 a 50 Mais de 50
Diretamente por chamas provenientes de
1 ‐ ‐ 2 3
estruturas adjacentes
Diretamente por chamas provenientes do
2 1 3 ‐ 6
espaço florestal envolvente
Indiretamente por projeção de partículas 3 3 2 3 11
Propagação por materiais residuais
‐ 1 ‐ ‐ 1
depositados na envolvente
Outro 1 ‐ ‐ ‐ 1
Total 7 5 5 5 22
Todas as estruturas abertas estavam mais vulneráveis de serem atingidas através de focos secundários causados por projeção de
partículas incandescentes, sendo as estruturas abertas as mais atingidas (ver
Tabela 36).
Ainda devido às características das partículas, estas facilmente atingiram o interior das estruturas
através de janelas ou entrando por respiradores.
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Tabela 36 – Processo responsável pela primeira ignição e possível local de ignição na estrutura
Processo responsável pela 1ª Possível local de ignição
Estrutura Total
ignição Janela Parede Respirador Telhado Outro
aberta
Diretamente por chamas provenientes
‐ ‐ ‐ 1 2 ‐ 3
de estruturas adjacentes
Diretamente por chamas provenientes
‐ ‐ 3 3 ‐ ‐ 6
do espaço florestal envolvente
Indiretamente por projeção de
6 3 ‐ 2 ‐ ‐ 11
partículas
Propagação por materiais residuais
1 ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ 1
depositados na envolvente
Outro ‐ ‐ ‐ ‐ ‐ 1 1
Total 7 3 3 6 2 1 22
Das indústrias visitadas, na Zona Industrial de Tondela, foram afetadas seis, cuja localização está
indicada no mapa da Figura 156. Verifica‐se que a zona em redor às indústrias se mantém com uma área
florestal muito próxima das infraestruturas.
Figura 156 – Mapa da Zona Industrial de Tondela, de agosto de 2017 com indicação da localização das empresas atingidas pelo IF
de Lousã
Impacte após o incêndio
Na Tabela 37 está presente esquematicamente a avaliação da operacionalidade tanto da empresa como
dos trabalhadores após o IF de Tondela, com isto quer dizer‐se, se a empresa continuou operacional nas suas
atividades e se as suas infraestruturas ficaram no mesmo local ou se foi reconstruída noutro local, e se os
trabalhadores continuaram a trabalhar por completo ou se somente em algumas atividades específicas. Em
Tondela, existiu um número significativo de empresas (6) que ficaram totalmente inoperacionais, e 5 das 6
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Universidade de Coimbra Análise dos IF ocorridos a 15 de outubro de 2017
empresas tiveram que ser reconstruídas noutro local. Apesar disso, todos os trabalhadores, parcialmente ou
totalmente, continuaram a trabalhar, significando que os trabalhadores estiveram envolvidos em atividades
de limpeza. Outro dado a salientar é o fato de que, independentemente da operacionalidade da empresa
e/ou reerguer a empresa noutro local, mais de 80% dos trabalhadores continuaram a laborar, mesmo que
em atividades de limpeza, o que significa que os apoios de pagamento por parte do IEFP foram determinantes
para que as empresas continuassem a funcionar.
Tabela 37 – Operacionalidade/Localização da empresa e dos trabalhadores após IF Tondela
Após Complexo de Incêndios Operacionalidade dos trabalhadores
Total
de Tondela Não Parcial Total
Totalmente operacional 3 3
Operacionalidade/Localizaçã
Não, reconstruir noutro local 1 1
Sim, com algumas alterações 2 2
Operacional, com limitações 1 2 7 10
o da Empresa
Não, reconstruir noutro local 1 1
Sim, com algumas alterações 1 1 5 7
Sim, sem alterações 1 1 2
Totalmente inoperacional 3 3 6
Não, reconstruir noutro local 3 2 5
Sim, com algumas alterações 1 1
Sem dados 3 3
Total 4 5 13 22
O concelho de Tondela registou prejuízos mais avultados relativamente ao balanço anual das indústrias
afetadas em duas unidades, cujo balanço anual é inferior a 500 mil euros, os prejuízos estimados situavam‐
se entre os 100 e os 500 mil euros; uma indústria com maior volume de faturação reporta danos superiores
a 500 mil euros (Tabela 38).
Tabela 38 – Relação entre o balanço anual e o prejuízo estimado nas empresas visitadas do concelho de Tondela
Balanço anual da empresa Estimativa de prejuízos [kEUR]
Total
[MEUR] 0 a 50 50 a 100 100 a 500 > 500
< 0,5 2 6 2 ‐ 10
Entre 0,5 e 1 ‐ 4 1 1 6
Entre 1 e 2 ‐ ‐ 1 1 2
Entre 2 e 10 ‐ ‐ ‐ 1 1
Entre 10 e 50 ‐ ‐ ‐ 1 1
Não sabe ‐ ‐ ‐ 1 2
Total 2 10 4 5 22
Das 22 empresas afetadas, nove não tinham qualquer tipo de seguro como se pode observar na Figura
157. É importante referir que nenhuma das empresas de madeira/cortiça não tinham seguro, nem as
empresas de fornecimento de gás e transportes. Alguns dos inquiridos das empresas sem seguro referiram
que os valores pedidos pelas seguradoras eram exorbitantes, devido, por exemplo, à atividade que a empresa
exercia. Ainda alguns salientaram que pensavam ter o seguro ativo e por algum motivo isso não se verificava.
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Figura 157 – Tipo de seguro das empresas afetadas após IF de Tondela
No caso das empresas devidamente asseguradas foi registado que nem todos os bens danificados foram
cobertos pelo seguro, como o caso da empresa de veículos, máquinas e equipamentos e de todas as
empresas de produtos metálicos em que os inquiridos relataram que os seguros não cobriram ferramentas,
equipamentos, veículos e material de escritório.
5.5. Instalações industriais de Oliveira do Hospital
O concelho de Oliveira do Hospital tem um desenvolvimento industrial muito considerável na Região
Centro e foi o que teve o maior número de instalações afetadas pelos incêndios de 15 de outubro. Por esse
motivo, foi escolhido como alvo de um estudo mais aprofundado sobre impacte dos incêndios nas indústrias,
no âmbito de uma dissertação de mestrado, Pedro Prates (2018) cuja consulta se aconselha. As instalações
industriais foram afetadas a partir da tarde de 15 de outubro até madrugada de dia 16 (ver Figura 158) num
total de 65 empresas, em que o maior número de empresas foi atingido por volta das 22.00h, estando de
acordo com a elevada velocidade de propagação do fogo que se fez notar em particular pelas 20.00h.
Figura 158 – Hora indicada (a partir de 15 de outubro) pelos inquiridos do momento em que o fogo atingiu as suas instalações
industriais e velocidade média de propagação do fogo do CIF Oliveira do Hospital
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Caracterização das infraestruturas e meio envolvente
Na Tabela 39 são apresentados o número de empresas existentes e das afetadas, na região de Oliveira
do Hospital por setor de atividade num total de 1393 empresas existentes, e das quais 65 das visitadas foram
atingidas. Das 65 empresas 73,85% eram microempresas, 21,54% pequenas empresas e 4,62% médias
empresas. Mais uma vez se verifica que as microempresas estão numa percentagem superior às restantes
(Tabela 40). Outro dado importante a referir é que apesar de as três médias empresas corresponderem a
4,62% do total de empresas afetadas, este número torna‐se bem mais relevante comparando‐o com as
empresas existentes neste escalão no concelho de OH, que são nove. Mais uma vez as condições em que o
incêndio se propagou e a destruição que causou são bem visíveis.
A maioria dos edifícios das empresas danificadas pelos incêndios eram construídos em alvenaria e metal,
existindo um somente em metal e uma empresa construída em pedra. No geral as suas infraestruturas
tinham aproximadamente entre 10 e 30 anos de idade, e, a maioria das infraestruturas estavam bem
conservadas.
Tabela 39 – Setor da atividade das empresas afetadas no IF de Oliveira do Hospital, empresas existentes por setor de atividade em
2017 no concelho de Oliveira do Hospital (INE, 2018) e escalão de trabalhadores nas empresas
N. empresas existentes no N. Empresas afetadas
Setor de atividade da empresa
concelho (INE, 2018) Lista CCDRC Visitadas
Agricultura, produção animal, caça e silvicultura 131 6 2
Alimentar e bebidas 158 5 6
Construção civil, materiais de construção 231 21 21
Fabricação de têxteis 3 1 1
Fornecimento de gás, água ou eletricidade 11 6 4
Madeira ou cortiça 3 3 8
Mobiliário, colchões 176 2 1
Produtos metálicos 176 2 3
Transportes 33 5 5
Veículos, máquinas e equipamentos 471 7 9
Outro ‐ 17 5
Total 1393 75 65
Tabela 40 – Número de empresas com diferentes escalões de trabalhadores
% empresas existentes
Escalão de trabalhadores para as empresas em N. Empresas
segundo escalão de
estudo no IF O. Hospital afetadas visitadas
trabalhadores (INE, 2018)
<10 trabalhadores (microempresa) 95,66% (1770) 48
10 e 50 trabalhadores (pequena empresa) 3,78% (70) 14
50 e 250 trabalhadores (média empresa) 0,49% (9) 3
Total 92,44% (2985) 65
De um total de 1393 empresas registadas no concelho de O. Hospital, 75 terão sido afetadas pelos
incêndios. Das 65 empresas analisadas, 24 reportaram destruição total, 16 danos avultados, 11 danos médios
e 13 danos ligeiros (Figura 159).
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Figura 159 – Indústrias afetadas no concelho de Oliveira do Hospital
A Figura 160 exemplifica duas situações distintas do estado das estruturas após a passagem do fogo,
sendo a imagem da esquerda associada a danos avultados e a imagem da direita a destruição completa.
Figura 160 – Diferentes tipos de danos observados em duas estruturas afetadas pelos incêndios: danos avultados (imagem da
esquerda) e destruição total (imagem da direita)
No concelho de Oliveira do Hospital o processo responsável pela primeira ignição mais reportado foi o
contacto indireto, por projeção de partículas com 44,62% do total das 65 indústrias afetadas, seguindo‐se o
contacto direto por chamas provenientes do espaço florestal envolvente com 30,77%, com um valor próximo
dos 12,30% o contacto direto com estruturas adjacentes e por último com 10,77% o contacto com material
depositado na envolvente da infraestrutura, não existindo outro valor tão elevado para este processo em
mais nenhum local em análise. Nos casos em que o processo responsável pela primeira ignição foi por chamas
provenientes da floresta, 66,67% das infraestruturas estavam a menos de 2 metros dos combustíveis
florestais e as restantes estavam a menos de 10 metros, salientando‐se aqui a importância da limpeza da
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envolvente florestal tal como estipulado na Lei. Nas que foram atingidas indiretamente por projeções de
partículas a proximidade das estruturas aos combustíveis florestais é aleatória, não existindo um padrão,
predominando ainda assim os casos em que a distância era de 10 a 50m, como se pode visualizar nos dados
da Tabela 41.
Tabela 41 – Proximidade com combustíveis florestais à estrutura e qual o processo responsável pela primeira ignição
Proximidade dos combustíveis
Processo responsável pela 1ª ignição florestais à estrutura (m) Total
0 a 2 2 a 10 10 a 50 Mais de 50
Diretamente por chamas provenientes de
1 2 4 1 8
estruturas adjacentes
Diretamente por chamas provenientes do espaço
12 8 20
florestal envolvente
Indiretamente por projeção de partículas 5 5 12 7 29
Propagação por materiais residuais depositados
3 1 3 7
na envolvente
Outro 1 1
Total 21 16 20 8 65
Todas as estruturas abertas estavam mais vulneráveis a ser atingidas através de focos secundários
causados por projeção de partículas incandescentes e diretamente por chamas provenientes do espaço
florestal. Primeiro porque as partículas incandescentes podem movimentar‐se por grandes distâncias, e
segundo porque todas as estruturas atingidas pelas chamas da envolvente florestal estavam muito próximas
desta (ver Tabela 42).
Tabela 42 – Processo responsável pela primeira ignição e possível local de ignição na estrutura
Possível local de ignição
Processo responsável
Estrutura Total
pela 1ª ignição Janela Parede Porta Respirador Telhado Outro
aberta
Diretamente por chamas
provenientes de estruturas 1 2 3 2 8
adjacentes
Diretamente por chamas
provenientes do espaço 10 1 4 2 1 2 20
florestal envolvente
Indiretamente por projeção
15 1 2 5 1 4 1 29
de partículas
Propagação por materiais
residuais depositados na 2 4 1 7
envolvente
Outro 1 1
Total 26 6 13 10 2 7 1 65
A Figura 161a exemplifica um dos casos muito comuns analisado, em que é visível as árvores a poucos
metros do armazém quase em contato com a estrutura, o qual foi atingido pelo fogo diretamente por chamas
provenientes do meio florestal. O mapa da Figura 161b é a vista aérea de um local perto de Travanca de
Lagos, meses antes do incêndio, em que está assinalado a amarelo o armazém da Figura 161a e verifica‐se
que já antes do incêndio de 15 de outubro o armazém estava envolvido pela floresta.
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(a) (b)
Figura 161 – Exemplo de uma das estruturas afetadas: (a) Armazém completamente destruído diretamente por chamas da
envolvente florestal; (b) mapa de 6 de agosto de 2017 como local do armazém assinalado;
A Figura 162 exemplifica outro caso de destruição completa de uma das indústrias analisadas onde se
visualiza o depósito de materiais residuais encostados à parede.
Figura 162 – Armazém completamente destruído através da propagação por materiais residuais depositados na envolvente
Impacte após o incêndio
Na Tabela 43 está presente esquematicamente a avaliação da operacionalidade tanto das empresas
como dos trabalhadores após o CIF de Oliveira do Hospital. Em Oliveira do Hospital, mais de metade das
empresas visitadas ficaram totalmente inoperacionais (52,31%), sendo o concelho visitado com o maior
número de empresas fora de funcionamento, mesmo sendo este por um curto espaço de tempo, pois em
todas elas os empregos dos trabalhadores se mantiveram, de forma a promover o rápido retorno da empresa
ao pleno funcionamento. O facto de os trabalhadores continuarem a laborar apesar do impacto que as
empresas tiveram tem um grande significado, demonstra a preocupação em evitar problemas sociais e
económicos negativos, tais como quebras totais na produção, perda de contratos ou de clientes e o
desemprego dos seus trabalhadores. De referir ainda que algumas destas empresas continuaram as suas
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atividades laborais em espaços arrendados ou emprestados para o efeito. Das restantes empresas todas
continuaram totalmente operacionais ou com limitações. Das operacionais com limitações é interessante
observar que existiram 5 empresas em que os funcionários não estiveram a trabalhar, o que deverá ter
acontecido num período de tempo inicial, como referido por alguns inquiridos.
Tabela 43 – Operacionalidade/Localização da empresa e dos trabalhadores após o CIF Oliveira do Hospital
Após o Complexo de Incêndios Operacionalidade dos trabalhadores
Total
de Oliveira do Hospital Não Parcial Total
Totalmente operacional 17 17
Operacionalidade/Localização
Não, reconstruir noutro local 1 1
Sim, com algumas alterações 4 4
Sim, sem alterações 12 12
Operacional, com limitações 5 4 5 14
da Empresa
Não, reconstruir noutro local 4 1 5
Sim, com algumas alterações 1 2 3 6
Sim, sem alterações 2 1 3
Totalmente inoperacional 4 30 34
Não, reconstruir noutro local 1 1 2
Sim, com algumas alterações 2 18 20
Sem, sem alterações 1 11 12
Total 5 8 52 65
O concelho de Oliveira do Hospital foi também o que registou os maiores impactos económicos nas áreas
industriais, registando prejuízos superiores a 500 mil euros em 3 unidades com balanço anual inferior a 500
mil euros, 5 indústrias com prejuízos estimados superiores a 500 mil euros e com balanço anual situado entre
os 500 mil e 1 milhão de euros (Tabela 44) .
Tabela 44 – Relação entre o balanço anual e o prejuízo estimado nas empresas visitadas do concelho de Oliveira do Hospital
Balanço anual da empresa Estimativa de prejuízos [kEUR]
Total
[MEUR] 0 a 50 50 a 100 100 a 500 > 500
< 0,5 15 6 16 3 40
Entre 0,5 e 1 3 2 3 5 13
Entre 1 e 2 ‐ ‐ 3 4 7
Entre 2 e 10 ‐ ‐ 1 2 3
Entre 10 e 50 ‐ ‐ 1 ‐ 1
Não sabe ‐ 1 ‐ ‐ 1
Total 18 9 24 14 65
A Figura 163 demostra a destruição completa de pelo menos três indústrias próximas umas das outras.
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Figura 163– Indústrias completamente destruídas no concelho de Oliveira do Hospital
Das 65 empresas afetadas, 37 não tinham qualquer tipo de seguro, como se pode observar na Figura
164, representando mais de metade das empresas afetadas, dessas 37 empresas, 13 pertenciam ao sector
da construção civil. Como já referido anteriormente, alguns dos inquiridos das empresas sem seguro
referiram que os valores pedidos pelas seguradoras eram exorbitantes, devido, por exemplo, à atividade que
a empresa exercia. Alguns ainda salientaram que pensavam ter o seguro ativo e por algum motivo isso não
se verificava.
Figura 164 – Tipo de seguro das empresas afetadas após IF de Oliveira do Hospital
No caso das empresas devidamente asseguradas foi registado que nem todos os bens danificados foram
cobertos pelo seguro, porque simplesmente o tipo de seguro não cobria alguns dos danos, como por
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exemplo, seguros de estrutura não pagarem veículos destruídos ou seguros de recheio não cobrirem
infraestruturas destruídas. Outros casos mais peculiares estão relacionados com as cláusulas, como é o
exemplo dos seguros contra todos os riscos, entre outros.
5.6. Instalações industriais de Pampilhosa da Serra (CIF Sertã)
As indústrias do concelho de Pampilhosa da Serra foram afetadas pelo IF da Sertã, constituindo‐se este
município como o único em que a ZI do concelho não teve qualquer impacto, mas sim empresas isoladas fora
do espaço industrial do concelho. Na Figura 165 apresentam‐se as horas a que as 5 empresas foram afetadas
e a velocidade de propagação do incêndio. Como se pode observar, as empresas foram afetadas a horas
diferentes, pois as empresas estavam bem distanciadas entre si. A velocidade de propagação também pode
ter contribuído para a diferença de horário, que vai desde a primeira indústria atingida (às 16.00h) até à
segunda que só foi afetada pelas 21.00h, pois inicialmente a velocidade de propagação do fogo aumenta
inicialmente até às 20.00h e existe uma diminuição da velocidade de propagação até às 20.00h, a partir das
22.00h a velocidade de propagação do fogo aumenta repentinamente atingindo o seu pico às 23.00h,
momento no qual duas indústrias são afetadas. Após as 00.00h não existem dados sobre a velocidade de
propagação do fogo, apesar de ainda existir informação que uma empresa foi afetada pelas 2.00h de dia 16
de outubro.
Figura 165 – Hora indicada (a partir de 15 de outubro) pelos inquiridos do momento em que o fogo atingiu as suas instalações
industriais e velocidade média de propagação do fogo do CIF Sertã
Caracterização das infraestruturas e meio envolvente
Na Tabela 45 são apresentados o número de empresas existentes e afetadas no concelho de Pampilhosa
da Serra em função do seu setor de atividade. Na totalidade, existem 55 empresas nos dois setores em
análise, o que em relação aos outros concelhos atingidos, tem o menor número de indústrias registadas.
Trata‐se de uma área que apresenta pouco investimento na indústria, e das indústrias presentes a sua
maioria são microempresas, com um valor superior a 98%, como se pode constatar na Tabela 45.
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Das cinco empresas, quatro são de construção civil e uma de fornecimento de gás, água ou eletricidade.
Todas elas eram construídas em alvenaria e metal, sendo que três das estruturas atingidas eram armazéns e
outras eram barracões de arrumos, com pouco mais que 10 anos e todas elas bem conservadas
Tabela 45 – Setor da atividade das empresas afetadas no CIF da Sertã, empresas existentes por setor de atividade em 2017 no
concelho de Pampilhosa da Serra (INE, 2018) e escalão de trabalhadores nas empresas
Na Figura 166 estão representadas as 5 unidades industriais do concelho inquiridas. Entre estas refere‐
se destruição total em 2 unidades, danos avultados em uma e danos ligeiros noutra, estando esta última
representada na Figura 167.
Figura 166 – Indústrias afetadas no concelho de Pampilhosa da Serra
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Figura 167 – Indústria situada no concelho de Pampilhosa da Serra que sofreu danos ligeiros.
A Tabela 46 mostra que no concelho de Pampilhosa da Serra os principais processos pela primeira
ignição foram diretamente por chamas provenientes do espaço florestal envolvente 40%, indiretamente por
projeção de partículas também com 40% e por fim com 20 % a propagação por materiais residuais
depositados na envolvente. Das cinco estruturas, 3 eram abertas, permitindo que facilmente partículas ou
mesmo o fogo atingisse a estrutura e destruindo‐a. Uma das empresas foi atingida devido ao material que
tinha depositado junto à infraestrutura, pois este caso em particular tinha os combustíveis florestais a mais
de 50 m de distância da estrutura.
Tabela 46 – Proximidade com combustíveis florestais à estrutura e modo como as empresas foram afetadas, por setor de atividade
Proximidade dos
Setor de atividade da N. Empresas combustíveis Processo responsável pela Possível local
empresa afetadas visitadas florestais à 1ª ignição de ignição
estrutura (m)
Diretamente por chamas Estrutura
0 a 2
provenientes do espaço florestal aberta
10 a 50 envolvente Telhado
Construção civil, Indiretamente por projeção de Estrutura
4 10 a 50
materiais de construção partículas aberta
Propagação por materiais
>50 residuais depositados na Parede
envolvente
Fornecimento de
Indiretamente por projeção de Estrutura
gás, água ou eletricidade 1 2 a 10
partículas aberta
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Impacte após o incêndio
Na Tabela 47 está presente esquematicamente a avaliação da operacionalidade tanto da empresa como
dos trabalhadores após o CIF da Sertã. É visível que todos os trabalhadores continuaram a trabalhar após o
incêndio que atingiu as indústrias, apesar de duas das cinco empresas ficarem totalmente inoperacionais.
Todas as empresas, exceto uma, mantiveram a sua localização, independentemente de terem ou não feito
alterações na empresa.
Tabela 47 – Operacionalidade/Localização da empresa e dos trabalhadores após o CIF da Sertã
Operacionalidade dos
Após o Complexo de Incêndios da
trabalhadores Total
Sertã
Parcial Total
Totalmente operacional 2 2
Localização da Empresa
Operacionalidade/
Sim, com algumas alterações 1 1
Sim, sem alterações 1 1
Operacional, com limitações 1 1
Sim, com algumas alterações 1 1
Totalmente inoperacional 2 2
Não, reconstruir noutro local 1
Sim, sem alterações 1
Total 2 3 5
A relação entre os prejuízos económicos estimados e o balanço anual das empresas neste concelho é de
quatro indústrias com valores de balanço anual inferior a 500 mil euros em que duas destas referem prejuízos
estimados inferiores a 50 mil euros, e outras duas prejuízos estimados entre 50 e 100 mil, existe apenas o
caso de uma empresa com um balanço anual entre 500 mil e 1 milhão refere prejuízos entre 50 a 100 mil
euros (Tabela 48).
Perante os valores apresentados entre o balanço anual e o prejuízo reportado, facilmente se pode
concluir que o concelho da Pampilhosa da Serra não foi de entre os concelhos afetos, um concelho com
impactos avultados, nem pelo número de infraestruturas afetadas, nem pelos prejuízos estimados em função
do balanço anual das indústrias.
Tabela 48 – Relação entre o balanço anual e o prejuízo estimado nas empresas visitadas do concelho de Pampilhosa da Serra
Estimativa de prejuízos
Balanço anual da empresa
[kEUR] Total
[MEUR]
0 a 50 50 a 100
< 0,5 2 2 4
Entre 0,5 e 1 1 1
Total 2 3 5
Das 5 empresas afetadas, 4 não tinham qualquer tipo de seguro como se pode observar na Figura 168.
Somente uma das empresas de construção civil tinha seguro de estrutura e recheio. Apesar do número
reduzido de empresas, pode‐se concluir que os apoios disponibilizados foram uma mais valia para todas as
empresas que por algum motivo não tinham seguro, e sem estes apoios possivelmente continuar a empresa
em funcionamento seria uma tarefa muito complicada ou mesmo impossível para muitos empresários.
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Figura 168 – Tipo de seguro das empresas afetadas após o CIF da Sertã
No caso da empresa devidamente assegurada foi registado que todos os bens danificados foram
cobertos pelo seguro.
5.7. Instalações industriais de Mira (CIF Quiaios)
As instalações industriais do concelho de Mira foram afetadas pelo IF que deflagrou em Quiaios às
14.36h o qual progrediu para norte, atingindo 18 empresas em Mira entre as 20.00h e as 23.00h de dia 15
de outubro, podendo considerar‐se que num pequeno espaço temporal um número significativo de
empresas foi atingido pelo fogo, como se pode visualizar na Figura 169.
Figura 169 – Hora indicada (a partir de 15 de outubro) pelos inquiridos do momento em que o fogo atingiu as suas instalações
industriais e velocidade média de propagação do fogo do IF Quiaios
Caracterização das infraestruturas e meio envolvente
As empresas atingidas no concelho de Mira foram 18, num total de 749 empresas de acordo com os
setores de atividades destas, presentes nas Tabela 49 e Tabela 50. A Tabela 50 mostra que as empresas têm
mais uma vez maioritariamente valores inferiores a 10 trabalhadores por empresa, mas o que aqui sobressai
é o facto que das 28 empresas existentes com 10 a 50 trabalhadores, 10 destas foram atingidas pelos fogos,
CEIF/Universidade de Coimbra 208
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e das sete médias empresas (entre 50 e 250 trabalhadores), uma delas foi atingida também pelo fogo, o que
significa que eram empresas com uma dimensão e produtividade significativos para a economia local.
Tabela 49 – Setor da atividade das empresas afetadas no CIF de Quiaios, empresas existentes por setor de atividade em 2017 no
concelho de Mira (INE, 2018)
N. empresas existentes N. Empresas afetadas
Setor de atividade da empresa
no concelho (INE, 2018) Lista CCDRC Visitadas
Agricultura, produção animal, caça e silvicultura 113 4 2
Alimentar e bebidas 71 ‐ 1
Madeira ou cortiça 73 2 2
Mobiliário, colchões 73 ‐ 2
Produtos metálicos 73 1 3
Veículos, máquinas e equipamentos 346 2 1
Outro ‐ 6 7
Total 749 15 18
Tabela 50 – Número de empresas com diferentes escalões de trabalhadores
% empresas existentes
Escalão de trabalhadores para as empresas N. Empresas afetadas
segundo escalão de
em estudo no CIF Quiaios visitadas
trabalhadores (INE, 2018)
<10 trabalhadores (microempresa) 97,52% (1377) 7
10 e 50 trabalhadores (pequena empresa) 1,98% (28) 10
50 e 250 trabalhadores (média empresa) 0,50% (7) 1
Total 100,00% (1412) 18
Este IF na sua progressão para norte afetou a ZI da Tocha provocando 1M€ de prejuízo numa empresa
que se constituiu como a única que sofreu perda total, existindo o entanto alguns reportes de danos menores
nesta ZI. Na ZI de Mira foram reportadas 18 empresas com diferentes tipologias de danos, destas, 9
apresentaram destruição total, 4 danos avultados, 3 danos médios e somente 2 reportam danos ligeiros
(Figura 170). A maioria das empresas estão situadas na ZI, perfazendo um total de 13 empresas.
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Figura 170 – Danos nas indústrias no concelho de Mira
Na Figura 171a pode observar‐se a destruição total de duas indústrias distintas na ZI de Mira e na Figura
171b é bem clara a proximidade da vegetação às propriedades.
Figura 171 ‐ Indústrias afetadas no concelho de Mira: (a) estrutura completamente destruída; (b) proximidade da vegetação às
propriedades.
O processo responsável pela primeira ignição no concelho de Mira foi a projeção partículas com 66
casos, 67%, seguindo‐se o contacto direto por chamas provenientes do espaço florestal com 27,78% e por
fim diretamente por chamas de estruturas adjacentes. A projeção de partículas é independente da distância
a que as estruturas se encontram da envolvente florestal, ao contrário das chamas que possam ser
provenientes da envolvente florestal, o que requer uma distância próxima para existir contato, e por esse
motivo, mais uma vez se chama a atenção para a limpeza do espaço florestal envolvente às estruturas de
acordo com o estipulado por Lei.
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Tabela 51 – Proximidade com combustíveis florestais à estrutura e qual o processo responsável pela primeira ignição
Proximidade dos combustíveis florestais à
Processo responsável pela 1ª ignição estrutura (m) Total
0 a 2 2 a 10 10 a 50 Mais de 50
Diretamente por chamas provenientes de estruturas
1 1
adjacentes
Diretamente por chamas provenientes do espaço
3 2 5
florestal envolvente
Indiretamente por projeção de partículas 1 5 3 3 12
Total 5 5 5 3 18
Das 12 estruturas atingidas indiretamente por projeção de partículas, em 7 delas esta projeção teve
como local de ignição o telhado (Tabela 52). É importante referir que durante as visitas de campo, alguns dos
inquiridos informaram que a propagação através do telhado se deu pelas telhas de policarbonato, pois são
aquelas que conferem luz natural ao interior da estrutura e que têm uma resistência de até 120°C,
salientando que não as iriam colocar novamente pois são um ponto fraco na proteção das infraestruturas.
Tabela 52 – Processo responsável pela primeira ignição e possível local de ignição na estrutura
Possível local de ignição
Processo responsável pela 1ª
Estrutura Total
ignição Parede Respirador Telhado Outro
aberta
Diretamente por chamas
provenientes de estruturas 1 1
adjacentes
Diretamente por chamas
provenientes do espaço florestal 1 2 1 1 5
envolvente
Indiretamente por projeção de
2 1 7 2 12
partículas
Total 3 3 2 7 3 18
Impacte após o incêndio
Na Tabela 53 está presente esquematicamente a avaliação da operacionalidade tanto da empresa como
dos trabalhadores após o CIF de Quiaios. No concelho de Mira, existiu um número significativo de empresas
(14) que ficaram totalmente inoperacionais, das quais 12 tiveram a necessidade de fazer algumas alterações
estruturais devido aos danos apresentados. Os trabalhadores continuaram todos a trabalhar tanto em modo
parcial como total.
Tabela 53 – Operacionalidade/Localização da empresa e dos trabalhadores após o CIF Quiaios
Após o Complexo de Incêndios de Operacionalidade dos trabalhadores Total
Quiaios Parcial Total
Totalmente operacional 1 1
Operacionalidade
Sim, com algumas alterações 1 1
/Localização da
Operacional, com limitações 1 2 3
Empresa
Sim, com algumas alterações 1 2 3
Totalmente inoperacional 7 7 14
Não, reconstruir noutro local 1 1
Sim, com algumas alterações 6 6 12
Sim, sem alterações 1 1
Total 8 10 18
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A relação entre o balanço anual da indústria e o prejuízo económico estimado, permite constatar que 5
indústrias com balanço anual inferior a 500 mil euros registaram prejuízos entre os 100 e os 500 mil euros
(Tabela 54). Perante estes montantes estimados de prejuízos nas indústrias do concelho de Mira, facilmente
se depreende que as mesmas necessitam de apoio financeiro para se reergueram.
Tabela 54 – Relação entre o balanço anual e o prejuízo estimado nas empresas visitadas do concelho de Mira
Balanço anual da empresa Estimativa de prejuízos [kEUR]
Total
[MEUR] 50 a 100 100 a 500 > 500 Não sabe
< 0,5 5 5
Entre 0,5 e 1 1 2 1 4
Entre 1 e 2 1 1
Entre 2 e 10 3 3
Entre 10 e 50 1 1
Não sabe 3 1 4
Total 1 8 7 2 18
A Figura 172a mostra uma foto retirada a 10 de agosto de 2018 durante uma das visitas, onde sobressai
a destruição completa de parte da ZI de Mira, quase um ano após a tragédia. Uma das visitas efetuadas foi a
um viveiro que também sofreu danos devido ao incêndio, e o proprietário mostrou a frente do viveiro onde
tinha a sua moradia e um jardim com uma pequena casa construída em madeira envolta por árvores, pela
qual passou o fogo no dia do incêndio e não entrou em ignição, nem as árvores arderam, demonstrando a
resistência destas árvores ao fogo (Figura 173b).
(a)
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(b)
Figura 172 – Aproximadamente um ano (fotos tiradas a 10 agosto 2018) após a passagem do incêndio: (a) Aspeto geral da ZI de
Mira; (b) Pequena casa em madeira na qual passou o fogo, mas não entrou em ignição
Das 18 empresas afetadas, oito não tinham qualquer tipo de seguro, como se pode observar na Figura
173. As duas empresas mobiliário e a empresa de veículos não têm seguros, bem como uma empresa de
produtos metálicos. Das empresas que têm algum tipo de seguro, de novo nos foi dito que os seguros não
cobriram todos os estragos, como por exemplo, veículos, maquinaria e ferramentas, entre outros.
Figura 173 – Tipo de seguro das empresas afetadas após o CIF de Quiaios
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5.8. Instalações industriais de Oliveira de Frades (CIF Vouzela)
As instalações industriais do concelho de Oliveira de Frades foram afetadas pelo CIF de Vouzela que
deflagrou no dia 15 de outubro, atingindo 26 empresas entre as 19.00h e as 1.00h de dia 16 (ver Figura 174).
Como se pode ver nesta figura existe um desfasamento de cerca de duas horas entre o incremento da
velocidade de propagação e a afetação das unidades industriais.
Figura 174 – Hora indicada (a partir de 15 de outubro) pelos inquiridos do momento em que o fogo atingiu as suas instalações
industriais e velocidade média de propagação do fogo do CIF de Vouzela
Caracterização das infraestruturas e meio envolvente
As empresas atingidas no concelho de Oliveira de Frades foram 26, num total de 617 empresas de acordo
com os setores e atividades destas, presentes nas Tabela 55 e Tabela 56. A Tabela 55 mostra que as empresas
têm mais uma vez maioritariamente valores inferiores a 10 trabalhadores por empresa, mas o que aqui
sobressai é o facto que das 15 empresas existentes com 50 a 250 trabalhadores, 6 destas foram atingidas
pelos fogos, o que significa que eram empresas com uma dimensão e produtividade significativos para a
economia local.
Das 26 empresas visitadas 42,31% eram microempresas, 30,77% pequenas empresas e 23,08% médias
empresas. Mais uma vez se verifica que as microempresas estão numa percentagem superior às restantes
(Tabela 56). Outro dado importante a referir é que apesar de as médias empresas corresponderem a 1,35%
(15) do total de empresas afetadas, este número torna‐se bem mais relevante comparando‐o com as
empresas existentes neste escalão no concelho de OF, que são seis empresas.
A maioria dos edifícios das empresas danificadas pelos incêndios eram construídos em alvenaria e metal,
existindo dois construídos em madeira. No geral as suas infraestruturas tinham aproximadamente entre 10
e 30 anos de idade, e, todas as infraestruturas foram classificadas pelos inquiridos como sendo bem
conservadas.
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Tabela 55 – Setor da atividade das empresas afetadas no CIF de Quiaios, empresas existentes por setor de atividade em 2017 no
concelho de Oliveira e Frades (INE, 2018)
N. empresas existentes no N. Empresas afetadas
Setor de atividade da empresa
concelho (INE, 2018) Lista CCDRC Visitadas
Agricultura, produção animal, caça e silvicultura 274 1 3
Alimentar e bebidas 71 2 1
Construção civil, materiais de construção 110 4 4
Madeira ou cortiça 82 5 6
Mobiliário, colchões 80 3 5
Outro ‐ 5 7
Total 617 20 26
Tabela 56 – Número de empresas com diferentes escalões de trabalhadores
% empresas existentes
Escalão de trabalhadores para as empresas em N. Empresas afetadas
segundo escalão de
estudo no CIF Vouzela visitadas
trabalhadores (INE, 2018)
<10 trabalhadores (microempresa) 94,78% (1053) 12
10 e 50 trabalhadores (pequena empresa) 3,69% (41) 8
50 e 250 trabalhadores (média empresa) 1,35% (15) 6
Total 99,91% (1109) 26
Quanto ao tipo de danos na estrutura, 9 indústrias apresentaram destruição total, 4 danos avultados, 3
com danos médios e somente 2 reportaram danos ligeiros, como presente na Figura 175. De todos os
concelhos em estudo, Oliveira de Frades é o concelho que tem o maior número de empresas afetadas numa
Zona Industrial, estando 88,46% das indústrias afetadas concentradas na ZI.
Figura 175 – Indústrias afetadas no concelho de Oliveira de Frades
Na Figura 176a pode verificar‐se o local de ignição de uma estrutura na ZI de Oliveira de Frades e na
Figura 176b a reconstrução das infraestruturas de uma empresa que tinha ficado completamente destruída.
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Figura 176 – Indústrias afetadas no concelho de Oliveira de Frades: (a) estrutura atingida por partículas na parede; (b) estrutura
em reconstrução
No concelho de Oliveira de Frades um pouco à semelhança dos restantes concelhos em estudo, o
processo responsável pela primeira ignição foi indireto, por projeção de partículas, representando neste
concelho 69,23% das indústrias afetadas, seguindo‐se o contacto direto por chamas da estrutura adjacente,
depois as chamas por contacto direto com o espaço florestal envolvente, e por fim propagação por produtos
acabados ou intermédios depositados na envolvente. Neste concelho verifica‐se que quase metade das
estruturas estão distanciadas 10 a 50 metros da envolvente florestal, o que representa uma distância mais
segura, mas que o processo de projeção de partículas ainda ultrapassa.
Tabela 57 – Proximidade com combustíveis florestais à estrutura e qual o processo responsável pela primeira ignição
Proximidade dos combustíveis florestais à
Processo responsável pela 1ª
estrutura (m) Total
ignição
0 a 2 2 a 10 10 a 50 Mais de 50
Diretamente por chamas provenientes de
1 2 1 4
estruturas adjacentes
Diretamente por chamas provenientes do
1 1 1 3
espaço florestal envolvente
Indiretamente por projeção de partículas 1 3 8 6 18
Propagação por produtos acabados ou
1 1
intermédios depositados na envolvente
Total 3 3 12 8 26
Todos os locais de ignição (estrutura aberta, janela, parede, respirador, telhado, etc.) são sensíveis à
forma como as estruturas podem ser atingidas, em específico quando as estruturas são atingidas por
projeções de partículas, em que o número de empresas não apresenta nenhum local específico pelo qual as
partículas entraram na estrutura, como se pode constatar na Tabela 58.
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Tabela 58 –Processo responsável pela primeira ignição e possível local de ignição na estrutura
Possível local de ignição
Processo responsável pela 1ª
Estrutura Total
ignição Janela Parede Respirador Telhado Outro
aberta
Diretamente por chamas provenientes
1 1 2 4
de estruturas adjacentes
Diretamente por chamas provenientes
2 1 3
do espaço florestal envolvente
Indiretamente por projeção de
2 1 3 1 2 9 18
partículas
Propagação por produtos acabados ou
1 1
intermédios depositados na envolvente
Total 4 2 5 2 4 9 26
Na Figura 177 mostra‐se um caso no qual toda a “carcaça” da estrutura se manteve intata (ver Figura
177c), mas o seu interior ficou totalmente destruído (ver Figura 177b), e qual o local por onde entraram as
partículas (ver Figura 177a) que destruiram por completo o interior da estrutura, nomeadamente o seu
recheio.
(a) (b)
(c)
Figura 177 – Empresa na ZI de Oliveira de Frades atingida por projeções de partículas, destruindo totalmente o interior da empresa
(fotos de agosto de 2018): (a) Respirador, local pelo qual entraram partículas para o interior da estrutura; (b) interior da
infraestrutura que ficou completamente destruído, mas manteve toda a sua estrutura metálica exterior intacta; (c) imagem do
aspeto exterior da estrutura após ser atingida pelo fogo.
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Impacte após o incêndio
Na Tabela 59 está presente esquematicamente a avaliação da operacionalidade tanto da empresa como
dos trabalhadores após o CIF de Vouzela. No caso do concelho de Oliveira de Frades a nível de
operacionalidade das empresas, verifica‐se que está em número equilibrado aquelas que continuaram
operacionais e as que ficaram inoperacionais. Chama‐se atenção que as empresas que ficaram inoperacionais
assim estiveram por um período de tempo, no qual não conseguiram exercer os seus trabalhos de imediato.
Em relação à operacionalidade dos trabalhadores, na sua maioria continuaram a exercer funções parcial ou
totalmente (18 empresas), exceto em quatro empresas.
Tabela 59 – Operacionalidade/Localização da empresa e dos trabalhadores após o CIF Vouzela
Após o Complexo de Operacionalidade dos trabalhadores Total
Incêndios de Vouzela Não Parcial Total
Totalmente operacional 2 2
Operacionalidade/
Localização da Empresa
Sim, com algumas alterações 1 1
Sim, Sem alterações 1 1
Operacional, com limitações 4 2 6 12
Não, reconstruir noutro local 2 2
Sim, com algumas alterações 1 2 4 7
Sim, sem alterações 1 2 3
Totalmente inoperacional 2 10 12
Sim, com algumas alterações 2 10 12
Total 4 4 18 26
Por fim a relação entre o balanço anual e o prejuízo estimado para o concelho de Oliveira de Frades
registou 1 indústria cujo montante estimado foi superior ao balanço anula que se situa em valores até 500
mil euros, 6 com valores estimados entre os 100 e os 500 mil com balanço anual de 500 mil euros, e 3
indústrias com prejuízos estimados superiores a 500 mil euros com balanços anuais entre 500 mil e 1 milhão
de euros (Tabela 60).
Tabela 60 – Relação entre o balanço anual e o prejuízo estimado nas empresas visitadas do concelho de Oliveira de Frades
Balanço anual da Estimativa de prejuízos [kEUR]
empresa Total
50 a 100 100 a 500 > 500
[MEUR]
< 0,5 1 6 1 8
Entre 0,5 e 1 1 3 4
Entre 1 e 2 3 3
Entre 2 e 10 4 4
Entre 10 e 50 4 4
Não sabe 2 1 3
Total 1 9 16 26
A Figura 178 mostra que das 26 empresas afetadas, sete não tinham qualquer tipo de seguro, e, em cada
setor de atividade existe pelo menos uma sem seguro, exceto no setor de atividade alimentar e bebidas. As
empresas que tinham seguro de estrutura e recheio eram 10 empresas, e as que tinham seguro contra todos
os riscos eram seis, e uma com seguro de estrutura.
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Figura 178 – Tipo de seguro das empresas afetadas após o CIF de Vouzela
No caso das empresas devidamente asseguradas, como já foi enunciado para as instalações afetadas de
outros concelhos, existiram bens que não foram pagos pelos seguros, ou porque não estavam de acordo com
o seguro contratado ou devido às cláusulas do contrato do seguro. Os bens não assegurados são variados,
desde veículos, maquinaria, ferramentas, infraestruturas, entre outros.
5.9. Análise integrada do impacte nas empresas
As instalações industriais foram afetadas no decorrer dos incêndios de um modo muito extenso. O facto
de o maior impacte do fogo ter ocorrido a um domingo (15 de outubro) em particular durante a noite, entre
as 20.00h e as 23.00h, como se pode verificar na Figura 179, fez com que muitas empresas estivessem
encerradas, exceto raros casos em que as empresas trabalhavam 24h/24h por turnos, limitando em alguns
casos a certeza na hora do início da ignição, tendo todos os inquiridos referido que tinham apenas uma ideia
aproximada da hora de início da ignição.
Figura 179 – Hora indicada (a partir de 15 de outubro) pelos inquiridos do momento em que o fogo atingiu as suas instalações
independentemente do local
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De forma a tentar perceber qual o motivo que levou a uma percentagem tão grande de indústrias a
sofrerem danos provocados pelos incêndios, foram analisados diferentes fatores, tais como o tipo de
atividade nestas empresas, o tipo de construção das infraestruturas e se os combustíveis florestais estavam
muito próximos das mesmas. Pretendeu‐se analisar se existia algum padrão que justificasse a destruição total
ou parcial destas indústrias ou se, pelo contrário tal foi uma consequência de um conjunto de fatores
aleatórios.
Na Tabela 61 são apresentados o número de empresas existentes e de empresas afetadas na totalidade
dos concelhos que visitámos, por setor de atividade num total de 5660 empresas existentes. De entre as 154
empresas atingidas, de acordo com os registos da CCDRC, visitámos 140. Das empresas afetadas, o número
de empresas registadas pela CCDRC é superior ao das visitas, mas é de notar que existem empresas em alguns
dos setores de atividade que visitámos e que na lista da CCDRC (lista de 2 de outubro de 2018) não estavam
listadas.
Tabela 61 – Setor da atividade das empresas afetadas ma totalidade dos concelhos estudados, empresas existentes por setor de
atividade em 2017 nos concelhos em estudo (INE, 2018)
N. empresas existentes N. Empresas afetadas
Setor de atividade da empresa nos concelhos em
Lista CCDRC Visitadas
estudo (INE, 2018)
Agricultura, produção animal, caça e silvicultura 1157 13 9
Alimentar e bebidas 464 10 9
Construção civil, materiais de construção 886 43 35
Fabricação de têxteis 3 1 1
Fornecimento de gás, água ou eletricidade 35 10 6
Madeira ou cortiça 163 14 19
Mobiliário, colchões 329 5 8
Produtos metálicos 579 5 10
Transportes 96 8 7
Veículos, máquinas e equipamentos 1948 13 14
Outro ‐ 32 22
Total 5660 154 140
Da totalidade de empresas analisadas, o sector da construção civil e dos materiais de construção foi o
sector mais afetado pelos IF em análise, representando 24% do total das indústrias inquiridas, seguindo‐se
as instalações industriais ligadas à agricultura, produção animal, caça e silvicultura com 18% e em terceiro
lugar as indústrias ligadas à transformação de madeira e cortiça com 13% (Figura 180).
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Figura 180 – Percentagem de indústrias afetadas por sector de atividade
Das 140 empresas visitadas 64,23% eram microempresas, 27,86% pequenas empresas e 7,86% médias
empresas. Mais uma vez se verifica que as microempresas estão numa percentagem superior às restantes
(Tabela 62). Outro dado importante a referir é que apesar de as 12 médias empresas corresponderem a
7,86% do total de empresas afetadas, este número torna‐se bem mais relevante comparando‐o com as
empresas existentes neste escalão na totalidade das empresas para os concelhos em estudo, que são 49.
A maioria dos edifícios das empresas danificadas pelos incêndios eram construídos em alvenaria e metal.
No geral as infraestruturas tinham aproximadamente entre 10 e 30 anos de idade, e, a maioria das
infraestruturas estavam bem conservadas.
Tabela 62 – Número de empresas com diferentes escalões de trabalhadores
% empresas existentes
Escalão de trabalhadores para as empresas em N. Empresas afetadas
segundo escalão de
estudo no total visitadas
trabalhadores (INE, 2018)
<10 trabalhadores (microempresa) 96,14% (9568) 90
10 e 50 trabalhadores (pequena empresa) 2,22% (186) 39
50 e 250 trabalhadores (média empresa) 0,44% (49) 11
Total 96,17% (9659) 140
De um total de 5660 empresas registadas nos concelhos em estudo, 154 terão sido afetadas pelos
incêndios. Quanto aos danos sofridos nas indústrias estes foram divididos em 5 categorias: ligeiros, médios,
avultados, destruição total e sem dados. Das 140 empresas analisadas, a destruição total foi reportada em
46% das indústrias, 22% apresentaram danos avultados, 17% danos médios e 13% danos ligeiros (Tabela 63).
É possível observar que em cada um dos concelhos a destruição total das estruturas é muito evidente,
situando‐se acima de 37% para todos os locais, e atingindo mesmo um valor de 73% no concelho de Oliveira
de Frades, isto é, das 26 empresas afetadas em Oliveira de Frades, 19 sofreram destruição total.
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Tabela 63 – Tipologia de danos nas indústrias
A projeção de partículas foi registada como sendo o principal processo responsável pela ignição primária
das infraestruturas em 53% das indústrias afetadas, seguindo‐se o contacto por chama proveniente do
espaço florestal envolvente com 27% e o contacto por estruturas adjacentes com 12% (Figura 181).
Figura 181 – Processo responsável pela 1ª ignição
A proximidade dos combustíveis à infraestrutura foi um dos parâmetros avaliados para perceber a sua
influência na perda das estruturas, a Tabela 64 refere a distância dos combustíveis florestais às estruturas
em função do processo da primeira ignição. As distâncias propostas no questionário foram de 0 a 2m, de 2 a
10m, 10 a 50m e superior a 50m. Convém realçar que em sede de PMDFCI para os polígonos industriais,
plataformas de logística e aterros sanitários inseridos ou confinantes com espaços florestais previamente
definidos no PMDFCI é obrigatória a gestão de combustível, e respetiva manutenção, de uma faixa
envolvente com uma largura mínima não inferior a 100 m, competindo à respetiva entidade gestora ou, na
sua inexistência ou não cumprimento da sua obrigação, à câmara municipal realizar os respetivos trabalhos,
podendo esta, para o efeito, desencadear os mecanismos necessários ao ressarcimento da despesa efetuada.
A Tabela 64 mostra que do total de empresas visitadas, mais de metade foram atingidas indiretamente
por projeção de partículas em que a maioria das empresas estavam a mais de 10 metros dos combustíveis
florestais, o que se traduz não só na grande distância a que as partículas possam ter sido projetadas, bem
como do comportamento extremo do fogo devido aos variados fatores presentes no dia 15 de outubro. Nos
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casos em que o processo responsável pela primeira ignição foi por chamas provenientes da floresta, das 38
empresas implicadas, 19 empresas estavam a menos de 2 metros do espaço florestal, 11 estavam
distanciadas do espaço florestal entre os 2 e 10 metros e as estantes estavam a mais de 10 metros de
distância. Salienta‐se aqui a importância da limpeza da envolvente florestal tal como estipulado na Lei. Nas
que foram atingidas indiretamente por projeções de partículas a proximidade das estruturas aos
combustíveis florestais é aleatória, não existindo um padrão, predominando ainda assim os casos em que a
distância do espaço florestal era de 10 a 50m. Nos restantes casos os processos responsáveis não têm tanto
destaque, sendo bem menor o número de empresas afetadas independentemente da sua proximidade aos
combustíveis florestais.
Tabela 64 – Proximidade com combustíveis florestais à estrutura e qual o processo responsável pela primeira ignição
Proximidade dos combustíveis florestais à estrutura
Processo responsável pela 1ª ignição (m) Total
0 a 2 2 a 10 10 a 50 Mais de 50
Diretamente por chamas provenientes de
4 2 6 4 16
estruturas adjacentes
Diretamente por chamas provenientes do
19 11 7 1 38
espaço florestal envolvente
Indiretamente por projeção de partículas 10 19 26 19 74
Propagação por materiais residuais
3 2 3 1 9
depositados na envolvente
Propagação por produtos acabados ou
‐ ‐ 1 ‐ 1
intermédios depositados na envolvente
Outro 1 ‐ 1 ‐ 2
Total 37 34 44 25 140
Na Figura 182 está representado um mapa com a localização das empresas que estão assinaladas por
círculos de diferentes cores que correspondem ao possível local de ignição dessas estruturas.
Figura 182 – Possível local de ignição das estruturas
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Das 140 empresas, foi referenciado que 40 empresas tinham a estrutura aberta no momento do IF, 27
empresas foram atingidas através da parede, 23 pelo telhado, 12 pela janela e 10 pela porta e respirador.
Todas as estruturas abertas estavam mais vulneráveis a ser atingidas através de focos secundários causados
por projeção de partículas incandescentes e diretamente por chamas provenientes do espaço florestal.
Primeiro porque as partículas incandescentes podem movimentar‐se por grandes distâncias, e segundo
porque todas as estruturas atingidas pelas chamas da envolvente florestal estavam muito próximas desta
(ver Tabela 65).
Tabela 65 – Processo responsável pela primeira ignição e possível local de ignição na estrutura
Possível local de ignição
Processo responsável pela
Estrutura Total
1ª ignição Janela Parede Porta Respirador Telhado Outro
aberta
Diretamente por chamas
provenientes de estruturas 1 3 5 2 2 3 16
adjacentes
Diretamente por chamas
provenientes do espaço 14 2 9 2 3 4 4 38
florestal envolvente
Indiretamente por projeção
24 5 7 5 5 15 13 74
de partículas
Propagação por materiais
residuais depositados na 1 2 5 1 9
envolvente
Propagação por produtos
acabados ou intermédios 1 1
depositados na envolvente
Outro 1 1 2
Total 40 12 27 10 10 23 18 140
Impacte após o incêndio
Na Tabela 66 e na Tabela 67 estão presentes esquematicamente a avaliação da operacionalidade tanto
da empresa como dos trabalhadores após o CIF dos concelhos analisados, sendo a diferença que numa tabela
também estão dados relacionados com a localização das empresas após o incêndio e na outra tabela refere
qual o tipo de dano nas empresas após o incêndio.
Tabela 66 – Operacionalidade/Localização da empresa e dos trabalhadores após o CIF dos concelhos analisados
Após o Complexo de Incêndios Operacionalidade dos trabalhadores Total
dos concelhos visitados Não Parcial Total
Totalmente operacional 25 25
Operacionalidade/Localização
Não, reconstruir noutro local 2 2
Sim, com algumas alterações 9 9
Sim, Sem alterações 14 14
Operacional, com limitações 11 10 23 44
da Empresa
Não, reconstruir noutro local 6 3 9
Sim, com algumas alterações 3 7 15 25
Sim, sem alterações 2 3 5 10
Totalmente inoperacional 17 54 71
Não, reconstruir noutro local 1 3 4
Sim, com algumas alterações 14 37 51
Sim, sem alterações 2 14 16
Total 11 27 102 140
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No geral observa‐se que das 140 empresas, 71 empresas ficaram totalmente inoperacionais, mas todos
os trabalhadores continuaram a trabalhar, e destas 71 empresas 32 ficaram totalmente destruídas, o que
representa um valor significativo. Outro dado que salta à vista é relativo aos trabalhadores que ficaram sem
trabalhar após os incêndios, e que se reflete em 11 empresas que continuaram a operar com limitações. Das
140 empresas somente 25 empresas continuaram totalmente em funcionamento com todos os
trabalhadores a operar totalmente, mas mesmo neste caso duas destas empresas tiveram que ser
reconstruídas noutro local.
Tabela 67 – Operacionalidade/Tipo de danos na empresa e dos trabalhadores após o CIF dos concelhos analisados
Após o Complexo de Incêndios Operacionalidade dos trabalhadores Total
dos concelhos visitados Não Parcial Total
Totalmente operacional 25 25
Operacionalidade/Localização da
Danos médios 2 3 5
Danos avultados 2 3 4 9
Destruição total 9 5 16 30
Totalmente inoperacional 17 54 71
Danos ligeiros 3 5 8
Danos médios 5 7 12
Danos avultados 4 15 19
Destruição total 5 27 32
Total 11 27 102 140
A Tabela 68 apresenta a relação entre o balanço anual e o prejuízo estimado para os concelhos visitados.
É importante referir que apesar nas várias opções colocadas no inquérito em relação aos prejuízos das
empresas, o patamar mais elevado era o de prejuízos superiores a 500 mil euros, existiu pelo menos uma
empresa em cada concelho visitado que teve prejuízos superiores a 1 milhão.
Das 140 empresas 69 têm um balanço anual inferior a 500 mil euros. Da totalidade das empresas
visitadas, foram registadas 43 empresas com prejuízos superiores a 500 mil euros e em 4 destas tinham um
balanço anual inferior ao prejuízo que obtiveram na sequência dos incêndios. Empresas com balanços
superiores a um milhão de euros tiveram prejuízos superiores a 100 mil euros.
Tabela 68 – Relação entre o balanço anual e o prejuízo estimado nas empresas visitadas dos concelhos em estudo
Balanço anual da Estimativa de prejuízos [kEUR]
empresa Total
0 a 50 50 a 100 100 a 500 > 500
[MEUR]
< 0,5 19 10 36 4 69
Entre 0,5 e 1 4 5 10 9 29
Entre 1 e 2 ‐ ‐ 5 8 13
Entre 2 e 10 ‐ ‐ 2 10 12
Entre 10 e 50 ‐ ‐ 2 6 8
Não sabe 4 6 10
Total 23 15 59 43 140
A Figura 183 mostra que das 140 empresas afetadas, em todos os setores de atividade existia um grande
número de empresas sem seguro, exceto no setor de fabricação de têxteis. O setor da construção civil é
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aquele que apresenta o maior número de empresas sem seguro e nenhuma das empresas visitadas de
fornecimento de gás, água ou eletricidade (6 empresas) tinha seguro. Estes dados, em especial, os que
apontam para o número de empresas sem seguro, mostram a importância que tiveram todos os incentivos
de apoio facultados às indústrias para manterem o seu funcionamento.
Figura 183 – Tipo de seguro das empresas afetadas após o CIF
No caso das empresas devidamente asseguradas existiram bens que não foram pagos pelos seguros, ou
porque não estavam de acordo com o seguro contratado ou devido às cláusulas do contrato do seguro. Os
bens não assegurados são variados, desde veículos, maquinaria, ferramentas, infraestruturas, entre outros.
Em relação ao combate ao fogo nas empresas, os inquiridos foram questionados se alguém fez o
combate ao incêndio durante a fase crítica, e se sim, quem fez esse combate. Na Tabela 69 pode verificar‐se
que em 89 empresas não houve qualquer tipo de combate e em 42 empresas foram os trabalhadores que
combateram o fogo. Apesar do número de empresas em que existiu combate ao fogo pelos trabalhadores
ser representativa, existiram fatores pelos quais na maioria das empresas não houve qualquer tipo de
combate, não só devido às condições de propagação dos incêndios, mas também o dia e as horas a que
ocorreram, muitas das empresas estavam encerradas. Muitos inquiridos referiram que:
Não havia forma de se dirigirem às suas instalações (estradas cortadas, conhecimento da
empresa afetada após passagem do fogo, etc.);
Inicialmente tentaram proteger as suas instalações utilizando mangueiras para molhar o terreno
em volta, guardar veículos e/ou maquinaria em locais mais seguros, mas abandonaram os locais
antes do fogo atingir as empresas;
Prioridade na defesa das suas próprias casas ou casas de familiares;
Tiveram conhecimento do fogo atingir as suas empresas muito tardiamente;
Apesar de tentarem defender as suas instalações, as condições e a velocidade de propagação
do fogo eram muito grandes, em que alguns inquiridos falaram em “chuva de fogo”.
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Tabela 69 – Número de empresas com ou sem combate ao incêndio na fase crítica em todos os concelhos analisados
Combate ao incêndio N.
na fase crítica Empresas
Bombeiros 6
Populares 1
Trabalhadores 42
Não houve combate 89
Outros 2
Total 140
Ainda durante os incêndios mais de 100 inquiridos referiram que não conseguiam fazer qualquer tipo de
comunicação através do telemóvel, e os poucos que conseguiram tiveram dificuldades em comunicar
existindo muitas falhas na rede.
Ao longo do presente capítulo analisaram‐se os vários dados recolhidos durante as visitas de campo,
fazendo uma análise particular do impacto nas indústrias em cada concelho atingido pelo fogo de cada um
dos CIF e uma análise geral. Para uma consulta mais rápida, são presentes aqui as conclusões principais
resultantes da análise do impacto nas indústrias:
Na sequência do impacto nas indústrias pelo fogo, não existiram vítimas mortais nem feridos
graves;
As estruturas estavam bem conservadas no geral e a maioria tinha entre 10 e 30 anos;
A envolvente florestal estava muito próxima das estruturas na maioria dos casos, necessitando
de uma melhor gestão. É importante referir que a limpeza e gestão da envolvente dos espaços
industriais em Portugal é legislada pelo Decreto‐Lei nº 124/2006 de 28 de junho, no qual é
descrito que “nos parques de campismo, nas infraestruturas e equipamentos florestais, nos
parques e polígonos industriais, nas plataformas de logística e aterros sanitários”, é obrigatória
uma gestão e manutenção dos combustíveis “de uma faixa envolvente com uma largura mínima
não inferior a 100 metros”, e o mesmo se aplica nos aglomerados populacionais. Este Decreto‐
Lei teve a última alteração através do Dec. Lei nº 10/2018, de 14 de fevereiro de 2018, onde é
reforçado o poder dos municípios, na limpeza dos terrenos dos proprietários que não o realizem
e o agravamento das coimas em cerca de 40%;
O principal processo de ignição das estruturas foi indiretamente por projeção de partículas
incandescentes. No decorrer das visitas de campo, alguns dos inquiridos informaram que a
propagação através do telhado se deu pelas telhas de policarbonato, pois são aquelas que
conferem luz natural ao interior da estrutura e que têm uma resistência de até 120°C,
salientando que não as iriam colocar novamente pois são um ponto fraco na proteção das
infraestruturas;
Em 89 empresas não houve qualquer tipo de combate e em 42 empresas foram os trabalhadores
que combateram o fogo. Apesar do número de empresas em que houve combate ao fogo pelos
trabalhadores ser representativa, existiram fatores pelos quais na maioria das empresas não
houve qualquer tipo de combate, não só devido às condições de propagação dos incêndios, mas
também o dia e as horas a que ocorreram, muitas das empresas estavam encerradas;
É de salientar ainda que as empresas que foram reconstruídas noutro local após o incêndio, são
as que sofreram destruição total, e algumas estiveram a desenvolver a sua atividade em locais
temporários, disponibilizados por outras empresas;
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As empresas apresentaram uma baixa cobertura com contratos de seguro válidos, em que mais
de metade das empresas visitadas não tinham qualquer apólice de seguro. Alguns dos inquiridos
das empresas sem seguro referiram que os valores pedidos pelas seguradoras eram
exorbitantes, devido, por exemplo, à atividade que a empresa exercia. Ainda alguns salientaram
que pensavam ter o seguro ativo e por algum motivo isso não se verificava;
No caso das empresas devidamente asseguradas foi registado que nem todos os bens
danificados foram cobertos pelo seguro, como o caso de uma empresa de veículos, máquinas e
equipamentos e de todas as empresas de produtos metálicos em que os inquiridos relataram
que os seguros não cobriram ferramentas, equipamentos, veículos e material de escritório;
Segundo dados divulgados a 29 de novembro de 2017 pela Associação Portuguesa de
Seguradores (APS, 2017) foram registados nos incêndios de outubro cerca de 4 177 sinistros
cobertos por apólices de seguros. Cerca de 700 correspondem a seguros de atividades
comerciais e industriais com danos apurados na ordem dos 150 milhões de euros. Segundo a
APS, a tragédia que assolou o território nacional em outubro de 2017 constitui assim o maior
sinistro de sempre da história no setor, com elevados impactes na indústria seguradora;
A maioria dos trabalhadores continuaram a trabalhar após os incêndios, resultando num baixo
impacto de desemprego. No decorrer do nosso trabalho de campo, muitos dos entrevistados
salientaram a importância dos apoios concedidos, realçando que, de entre os vários apoios,
aqueles facultados pelo IEFP de imediato, foram determinantes para a continuação da atividade,
bem como da permanência dos postos de trabalhos, pois após os incêndios foi necessário
envolver os trabalhadores em atividades de limpeza para voltar a erguer a empresa e o seu
funcionamento, e, em muitos casos ficando a produção em pausa, e, consequentemente não
existindo receitas, a única forma de manter os postos de trabalho seria por apoio externo;
O facto de os trabalhadores continuarem a laborar apesar do impacto que as empresas tiveram
tem um grande significado, demonstra a preocupação em evitar problemas sociais e
económicos negativos, tais como quebras totais na produção, perda de contratos ou de clientes
e o desemprego dos seus trabalhadores. De referir ainda que algumas destas empresas
continuaram as suas atividades laborais em espaços arrendados ou emprestados para o efeito.
A nível de prevenção e autoproteção, cada empresa deve realizar o seu plano de prevenção e
autoproteção de acordo com as suas necessidades, tendo em conta o seu setor de atividade, os materiais
com que opera, os riscos associados à sua empresa, o tipo de infraestruturas que a empresa tem, entre
outros. Este plano deve ser claro e conciso de forma a preparar e a fornecer uma resposta adequado a
situações de risco.
Os materiais que são utilizados na construção das estruturas devem ser adequados, e a forma como as
estruturas são construídas pode ser decisivo na proteção da estrutura contra incêndios vindos do exterior
como é o caso dos incêndios florestais. Como foi referido na análise do impacto das indústrias existem
estruturas/pontos mais sensíveis quando entram em contato com o fogo e/ou partículas incandescentes,
que são o caso das janelas, portas, respiradores e telhados. Nos telhados é muito comum utilizar telhas de
policarbonato, pois são aquelas que conferem luz natural ao interior da estrutura e que têm uma resistência
ao calor de até 120°C, mostrando‐se que são um ponto fraco na proteção das infraestruturas e devem ser
substituídas por outras soluções.
Outro ponto importante a referir são os seguros, em que se verificou que muitas indústrias não tinham
qualquer tipo de seguro e as que tinham nem sempre eram os seguros mais apropriados e/ou mais completos
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para cobrir todos os prejuízos que resultaram do impacto do fogo. Recomenda‐se que na altura de se fazer
o seguro, as pessoas tenham o conhecimento de todas as cláusulas presentes no seguro a contratar, e que
se informem sempre sobre o tipo de coberturas que o seguro oferece ou as diversas opções existentes.
As autarquias devem promover o crescimento de áreas industriais de um modo sustentado adequando
as medidas de mitigação à tipologia do risco. A autarquia não deve permitir o crescimento do seu parque
industrial desenquadrado da realidade dos recursos de PC, nomeadamente Corpos de Bombeiros da área de
atuação, quer na tipologia dos meios, quer no número e especialização dos seus efetivos;
As zonas industriais devem constituir em função do número de infraestruturas, ou da tipologia dos bens
produzidos, devem constituir equipas de intervenção próprias, suportadas pelos proprietários das
infraestruturas em regime de condomínio. Estas equipas não necessitam propriamente de ser Bombeiros e
devem funcionar com “limitadores de avarias” como existem por exemplo a bordo de embarcações da
Armada;
As quantidades de material armazenado devem ser exatas e figurar em registo apropriado. Ou seja, cada
guia de transporte é de utilização única, sob pena de não ser ressarcido dos respetivos prejuízos e da
aplicação das sanções de acordo com a legislação em vigor;
As organizações empresariais devem promover vínculos pessoais com os seus colaboradores. Um
colaborador que se sinta parte organização é um colaborador dedicado. Presentemente o que se assiste por
vezes é um desligar entre a administração e o trabalho produzido, onde por vezes, os colaboradores são
recrutados por terceiros e não existe qualquer tipo de vínculo pessoal com a organização. Como forma de
estimular a inclusão do colaborador deverá ser promovida a distribuição de parte dos lucros aos
colaboradores, em detrimento da maximização dos lucros, que pode funcionar bem no imediato, mas
acarretando consequências nefastas nas relações laborais, no médio e longo prazo.
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6. Recomendações
6.1. Introdução
Em relatórios anteriores (Viegas et al., 2012, Viegas et al., 2013, Viegas et al., 2017), os autores verteram
um conjunto importante de recomendações e conclusões que decorreram da observação e análise dos
incêndios e das situações com eles relacionados, que foram objeto de estudo. Por este motivo limitar‐nos‐
emos a compilar aqui as recomendações e conclusões que tenham decorrido do estudo dos incêndios de 15
de outubro, sem prejuízo de insistirmos nalgum ou outro ponto que, pela sua importância, ou pela falta de
atendimento de chamadas de atenção anteriores, nos pareça importante referir.
Na data de redação deste texto, estão em marcha ou em fase de definição várias medidas de melhoria
do sistema. Algumas dessas medidas vão ao encontro das recomendações deste relatório e de relatórios
anteriores, no entanto, o elenco de recomendações que se segue é apresentado tendo em conta a situação
atual, não considerando medidas que ainda estejam em fase de elaboração.
Este Capítulo tem dois conjuntos de recomendações, umas que designamos por “preliminares”, que
haviam sido preparadas pela nossa equipa em junho de 2018, após uma avaliação preliminar dos
acontecimentos de 15 de outubro de 2017. O outro conjunto contém recomendações complementares, que
foram elaboradas no final do estudo e que, de alguma forma, complementam e completam as Preliminares.
6.2. Notas e Recomendações Preliminares
No âmbito do estudo de análise dos incêndios ocorridos em Portugal em outubro de 2017, solicitado
pelo Governo de Portugal à equipa da ADAI, foi realizada no dia 15 de junho de 2018 uma apresentação
intercalar do trabalho em curso, ao Senhor Ministro da Administração Interna, na qual foram identificadas
algumas situações que poderiam suscitar a emissão de chamadas de atenção junto das entidades
operacionais, ou mesmo junto da População, antes do início do período mais crítico de incêndios, a fim de
prevenir a ocorrência de acidentes ou a perda de bens.
Este elenco de notas foi por nós enviado ao Governo, praticamente com a redação que se apresenta de
seguida, com a intenção de que fossem disseminadas junto das autoridades e da população. Voltamos a
incluí‐las neste Relatório, com ligeiras alterações de redação, por se manterem actuais.
1) Reiteramos a nossa convicção de que as circunstâncias de clima e meteorologia em que ocorreram os
incêndios de junho e de outubro de 2017 foram excecionais, mas não únicas. Com a alteração climática
em que nos encontramos, devemos esperar que essas circunstâncias, ou outras semelhantes, se possam
repetir. Não podemos aceitar que as consequências em termos de danos pessoais – menos ainda de
perda de vidas – se repitam.
2) Registamos que ocorreram nos incêndios de 15 de outubro 51 vítimas mortais, causadas direta ou
indiretamente pelos incêndios. Apesar de ser um número muito elevado, reconhecemos que, devido às
circunstâncias em que estes incêndios decorreram e à sua extensão e gravidade, o número de vítimas
mortais poderia ter sido muito superior. O número de feridos graves que houve e os casos que
conhecemos de pessoas singulares ou em grupos que estiveram em perigo, leva‐nos a ter esta convicção.
3) Apesar de não ter havido um esforço concertado, por parte das autoridades, para comunicar à população
em geral, as lições que se podem retirar de acidentes anteriores, nomeadamente dos incêndios de junho,
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em Pedrógão Grande, as pessoas assumiram alguns comportamentos e evitaram outros que se tinham
manifestado como sendo pouco seguros no passado.
4) Reafirmamos a nossa posição de que em caso de perigo de aproximação de um incêndio, as pessoas
devem decidir com grande antecedência o que fazer, seguindo com bom senso algumas das orientações
que se listam de seguida.
a) Devem ser retirar as pessoas idosas, as crianças, as doentes ou as que de alguma forma não tenham
capacidade física ou psicológica para a tomar decisões consentâneas com a situação. Estas pessoas
devem ser retiradas para locais seguros, com muita antecedência e nunca numa situação em que o
fogo esteja nas imediações. Deve considerar‐se mais do que uma hipótese de retirada das pessoas e
avisar os familiares e amigos de que se vai tomar essa decisão.
b) Tendo tomado as devidas medidas de preparação que se impõem em cada caso, se as pessoas
optarem por permanecer na sua casa ou junto dela, devem assumir as medidas específicas que se
impõem para estarem em segurança durante a passagem do fogo e para eliminar focos de incêndios
que tenham persistido após a sua passagem.
c) No caso de não terem possibilidades de se retirar em segurança, devem completar as medidas de
proteção na envolvente da casa e assumir as medidas específicas do ponto anterior, cuidando em
particular das pessoas do seu agregado ou da sua vizinhança que necessitem de maior apoio.
5) Em caso de incêndio as autoridades devem ponderar bem a decisão de mandar evacuar uma localidade,
um edifício ou mesmo uma casa. Ao fazê‐lo devem tomar as medidas necessárias para que as pessoas
envolvidas o possam fazer com tempo e em segurança. Uma evacuação não pode ser uma fuga.
6) Recomendamos que se evitem as evacuações gerais, forçando todas as pessoas a retirar‐se. Sabemos
que, na larga maioria dos casos, existem nas localidades pessoas com aptidão física e com recursos para
permanecer e defender o que é seu e, além disso, uma casa defendida tem muito maior probabilidade
de sobrevivência.
7) Reportadamente muitas pessoas evitaram fazer‐se à estrada, para fugir ou para ir ajudar outros, por
terem tomado consciência – sobretudo com a experiência de Pedrogão Grande – de que andar na estrada
com incêndios por perto não é a melhor opção, sendo em geral preferível manter‐se dentro de casa. O
facto de os incêndios terem ocorrido num domingo, em que muitas pessoas estariam nas suas casas,
poderá ter contribuído para esta situação.
8) Temos registo de muitos casos em que as pessoas avaliaram mal, ou subestimaram o comportamento
do fogo. Por vezes, tendo conhecimento de que o incêndio se estava desenvolver a vários quilómetros
de distância, não esperavam que o fogo chegasse tão cedo junto delas, ou sequer que chegasse. Nestas
circunstâncias recomenda‐se que as pessoas estejam atentas e se mantenham informadas, sem
propriamente se arriscarem a “ir ver onde está o incêndio”, contactem com as autoridades, com pessoas
conhecidas de outras localidades e se mantenham alerta, até que sejam avisadas pelas autoridades de
que o perigo passou. Assegurem‐se que as pessoas do seu conhecimento que precisam de ser alertadas
ou ajudadas, estão igualmente informadas e prontas a receber qualquer alerta, caso as circunstâncias
mudem e seja preciso agir.
9) Nos incêndios de 15 de outubro, ao contrário dos de Pedrogão Grande, houve uma percentagem
significativa de pessoas que perderam a sua vida dentro de casa. Nalguns casos, foram surpreendidas
pelo fogo enquanto dormiam, não tendo sido avisadas a tempo de que a sua casa e vida estavam em
perigo. Faz‐se notar que várias casas arderam passado algum tempo – por vezes mais de duas horas ‐
após a chegada do incêndio à povoação, ou à estrutura em causa. Chama‐se por isso a atenção para os
pontos fracos das casas que são em geral os telhados, os anexos, o material combustível junto das
paredes exteriores ou mesmo casas próximas em ruínas.
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10) No caso das áreas industriais ou empresariais, verificámos que não é suficiente fazer a limpeza dentro do
perímetro da área industrial, pois a vegetação na envolvente tem de ser eliminada igualmente. Enquanto
nas construções domésticas, na maioria dos casos, o fogo terá entrado pelos telhados das casas, na maior
parte das instalações industriais atingidas pelo fogo, este entrou por aberturas existentes ou criadas pelo
vento nas estruturas. Verificou‐se ainda que muitas instalações empresariais não dispunham de seguro
contra o risco de incêndio e casos houve de instalações com uma apólice de “seguro contra todos os
riscos” que, para surpresa do seu beneficiário, não cobria os dadnos causados por incêndios florestais.
Convém por isso acautelar os três pontos referidos, para evitar danos em áreas empresariais existentes
ou implantadas em áreas florestais.
11) Observámos muitos casos de construções que foram atingidas por projeções vindas de grande distância,
mesmo sem haver vegetação na envolvente próxima do edifício. Esta circunstância não invalida a
importância nem a necessidade de se limpar em torno das casas. No estudo que fizemos verificámos que
mais de 90% das estruturas analisadas não tinham tido qualquer ação com vista à redução de vegetação
na sua envolvente. Verificámos ainda que não é suficiente limpar apenas uma parte do perímetro: ou se
limpa tudo, ou então não se reduz significativamente o risco da construção poder ser atingida pelo fogo.
12) Houve casas longe de vegetação, que arderam devido à projeção de partículas incandescentes a longa
distância. Este facto pode levar as pessoas a questionar o valor da limpeza na envolvente, no entanto
reitera‐se que é sempre preferível fazê‐lo. Embora o risco da casa arder não seja totalmente eliminado,
a probabilidade de ignições ao edifício é incomparavalemente superior se a gestão de combustíveis nas
imediações não tiver sido realizada.
13) No mesmo sentido, houve várias manchas florestais sem subcoberto (vg. arbustos e herbacias) que foram
dizimadas pelo fogo, o que levou muitas pessoas a questionarem‐se sobre a real vantagem destas
medidas. Uma vez mais, encorajamos as pessoas a prosegguirem com as boas práticas agroflorestais que
envolvem a gestão dos combustíveis nas áreas florestais. Embora o risco de incêndio não seja eliminado
na sua totalidade, a probabilidade de destruição pelo fogo, reduz‐se drasticamente. Para além disso, a
limpeza do subcoberto arbóreo, levam a que o fogo, se ali se propagar, o faça com menor intensidade, o
que permite uma regeneração mais rápida e uma menor perda de valor.
14) O facto de o incêndio ter atingido muitas regiões durante a noite, contribuiu para que houvesse menos
pessoas a “fazer‐se à estrada”. Por outro lado, houve muitos casos de pessoas que foram apanhadas em
casa a dormir. Este facto reforça a necessidade das pessoas e das famílias se manterem alerta. Dentro da
comunidade deve‐se estar atento para as pessoas que possam ter incapacidades – visuais, auditivas,
motoras ou outras – que os impeçam de se aperceber da proximidade do fogo.
15) Houve casos de pessoas que perderam a vida, ou sofreram ferimentos graves, para tentarem salvar os
seus animais domésticos, de estimação ou de criação. Deve‐se por isso assegurar previamente que os
animais dispõem de condições de segurança nos seus estábulos ou recintos de abrigo. Por norma, é
preferível soltar os animais, dando‐lhes a liberdade para se afastarem do fogo por instinto. Verificou‐se
que nalguns casos, os animais preferiram manter‐se nos seus locais habituais, o que reforça a
necessidade de assegurar que possuem as condições mínimas de proteção. Em qualquer caso, deve
considerar‐se que, por muito valor estimativo ou económico que um ou mais animais tenham, não
justificam o sacrifício da integridade física ou da vida de uma pessoa.
16) Registámos igualmente vários casos de pessoas que perderam a vida para colocar a salvo um carro, um
trator, ou outro bem. Reafirma‐se o que foi dito a respeito dos animais, sobre a necessidade de dispor
de condições de segurança para estes recursos, em caso de incêndio. É preferível ter as viaturas
guardadas em recintos fechados e cobertos. Se tal não for possível devem aparcar‐se longe da casa e, se
possível, sem vegetação ou sem outros materiais que possam colocar estes bens em perigo.
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17) Dentro da falta de perceção das pessoas relativamente ao comportamento do fogo, pareceu‐nos ser
particularmente grave o desconhecimento do por nós designado “comportamento eruptivo”, que ocorre
frequentemente em desfiladeiros ou em encostas com elevado declive. Nestes episódios, o fogo tende a
aumentar de uma forma dramática a sua velocidade de progressão, surpreendendo as pessoas, o que já
causou muitos acidentes mortais no passado. Deve‐se por isso evitar permanecer ou passar – mesmo
que seja numa viatura – junto ou por cima de encostas ou desfiladeiros, com fogo e vegetação por baixo,
mesmo que pareça haver tempo para se sair de lá.
18) Deve‐se respeitar o conselho de pessoas mais experientes no tocante a permanecer num dado lugar e
em se deslocar ou não de um ponto para outro, com um incêndio por perto. No caso de se tratar de
autoridades policiais ou autárquicas, as indicações devem ser imediatamente cumpridas, pois são
ordens.
19) Em caso de incêndio, é sempre desejável que as pessoas não permaneçam sozinhas. Deve‐se procurar,
com a devida antecedência, juntar‐se a outras pessoas de confiança, para apoio mútuo, mesmo que tal
signifique sacrificar algum recurso próprio. Se tiver de fazer alguma deslocação, para ir ao encontro de
outras pessoas, assegure‐se de que o pode fazer sem perigo, caso contrário, é preferível permanecer
onde está.
20) Na proximidade de um incêndio deve‐se evitar andar sozinho ou separar‐se de um grupo com quem se
esteja. Se alguém precisar de se afastar do grupo, deve avisar com antecedência sobre o que vai fazer e
para onde pretende ir.
21) Seria urgente passar algumas destas mensagens, também no âmbito do Programa Aldeia Segura, Pessoas
Seguras”.
6.3. Sistema operacional
Estratégia de prontidão integrada
No presente, não se assiste a uma época bem definida de incêndios florestais pelo que, os meios em
prontidão devem ser ajustados em função das condições de risco de incêndio e não em função do calendário.
Em consonância, o pré‐posicionamento dos meios de combate em locais estratégicos deve considerar a
distribuição territorial prevista do risco de incêndio, permitindo que qualquer ocorrência seja prontamente
combatida e que, na eventualidade do desenvolvimento de um incêndio com maiores dimensões, as equipas
de reforço ao combate possam chegar aos TO da forma mais rápida.
A previsão de situações potencialmente catastróficas, como aquela prevista para 15 de outubro, deverá
conduzir a uma estratégia de prontidão integrada de todas as entidades afetas ao sistema de proteção civil.
Sabemos que em certas localidades, os centros de saúde deixaram de ter capacidade para acudir a todos os
pedidos de socorro que chegaram naquela noite, perdendo inclusivamente capacidade para prestar os
cuidados devidos a vítimas de queimaduras graves. Consideramos que sempre que forem previstos dias
potencialmente catastróficos, todas as entidades se devem preparar antecipadamente para os cenários mais
negativos, o que se deverá refletir não apenas nas entidades mais ligadas à proteção civil como ANPC,
Bombeiros, GNR, serviços de saúde, etc., mas também noutras entidades mencionadas nos planos de
emergência tais como instituições da segurança social (e.g. preparação de lares para eventual evacuação),
Clero (e.g. abertura de igrejas), associações culturais ou recreativas (e.g. abertura de pavilhões desportivos),
etc.
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Definição do Estado de Alerta Especial
A definição do Estado de Alerta Especial depende de um conjunto de fatores; para o DECIF, depende
essencialmente da informação meteorológica a 72h, 48h e a 24h, e do histórico de ocorrências em
determinados locais. No entanto, e de acordo com o que apurámos junto da ANPC, a sua definição é ainda
hoje feita de forma muito intuitiva. Neste sentido, seria útil que se conseguisse aliar o conhecimento
científico e operacional para a criação de um sistema que permita modelar um conjunto de variáveis que
melhore e reduza a atual subjetividade da definição.
Salientamos a estreita e necessária colaboração existente entre o IPMA e a ANPC na partilha de
informação meteorológica com vista à prevenção, preparação e combate aos incêndios florestais. No
entanto, e como temos vindo a referir, chamamos a atenção para a confusão que continua a existir entre os
“Avisos” emitidos pelo IPMA e os “Alertas” definidos pela a ANPC, assim como a distinta definição de cores.
Gestão de megaeventos e/ou de catástrofes múltiplas
Considera‐se que deve ser definido um protocolo claro sobre a estratégia nacional, distrital, municipal,
ou mesmo a estratégia ao nível da ocorrência, que deve ser seguida em caso de megaeventos ou de eventos
múltiplos que ameacem toda uma vasta região. Esta estratégia deve ser objeto de reflexão e análise, treinada
e validada em exercícios que envolvam as várias entidades, tornando assim as operações de proteção civil
mais eficientes em situações similares que venham a acontecer no futuro. A perceção dos autores deste
relatório é a de que atualmente, mais de um ano após 15 de outubro de 2017, o sistema continua sem estar
realmente preparado para responder da forma mais eficiente para um cenário semelhante.
Quadros de comando e coordenação
Perante a crescente probabilidade do aparecimento de eventos meteorológicos extremos, resultantes
das alterações climáticas, que possam levar a novas situações de multi ou megacatástrofes, deve haver uma
maior formação dos quadros de comando e coordenação (C&C) para melhor responder a este tipo de
cenários. Esta recomendação refere‐se não apenas à melhoria das capacidades dos elementos de C&C no
ativo, mas também à formação de mais elementos que possam desempenhar estas funções em cenários
como aquele vivido a 15 de outubro – refere‐se que em determinados eventos de grande complexidade, em
períodos de extrema dificuldade, o comando de operações de socorro foi garantido por elementos do quadro
de Bombeiros, quando a situação exigia a nomeação de elementos com qualificação diferenciada que não
estavam disponíveis por estarem empenhados noutras missões. O aumento do número de quadros com
capacidades de C&C permitiria ainda uma maior rotatividade no comando de operações de socorro que, pela
responsabilidade que acarreta, não deveria ser desempenhado por um período demasiadamente longo,
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quando frequentemente se verificam elementos a exercer estas funções por períodos ininterruptos
superiores a 24 horas.
Profissionalização dos quadros de comando de Bombeiros
Tal como em casos anteriores, também neste estudo nos deparámos com elementos do comando de
Bombeiros com grande preparação para o cargo que desempenham, no entanto, também encontrámos
elementos com competências demasiadamente limitadas para desempenharem eficazmente o cargo que
ocupam. Numa altura em que a profissionalização dos quadros de proteção civil tem sofrido avanços,
considera‐se que, pela sua importância, responsabilidade e exigência de dedicação, os quadros de comando
de Bombeiros deveriam ser profissionalizados, o que deverá ter acompanhamento na melhoria de formação
em C&C já anteriormente especificada. Para além disso, a nomeação dos quadros de comando deveria ser
feita por demonstração de mérito e competências, em vez do atual sistema de nomeação local por vezes
baseada no comodismo e na inércia. Consideramos que apenas num cenário de profissionalização, com a
formação adequada e um horário de atividade consentâneo, poderão ser exigidas responsabilidades efetivas
sobre a tomada de cisões num teatro de operações.
Profissionalização no combate a incêndios
Os incêndios de 15 de outubro evidenciaram as limitações de um sistema de combate a incêndios
apoiado de sobremaneira no voluntariado. Este sistema apresentou bons resultados num período em que o
período crítico de incêndios estava sobretudo limitado ao período de verão, quando muitos dos elementos
de combate estavam de férias nas suas atividades profissionais, e como tal estavam disponíveis para o
combate aos incêndios. Atualmente, com a indefinição temporal do período mais crítico para os incêndios,
para além da voluntariedade do Bombeiro, o sistema passa a ter que contar com a boa vontade patronal.
Perante isto, a disponibilidade dos bombeiros não profissionais passa a ser cada vez mais limitada, o que não
se compadece com as exigências dos cidadãos, nem com o sistema de proteção civil de um país desenvolvido.
Naturalmente que o sistema de voluntariado é de grande importância e não pode deixar de existir, não
apenas pela flexibilidade desta força, face à rigidez de um sistema profissional, mas também pelo valor moral,
altruísta, exemplar e de boa cidadania que o sistema voluntário tem associado. Consideramos, contudo, que
a existência de um quadro mais amplo de profissionais de proteção civil, tanto ao nível de C&C referido
anteriormente, como nos restantes níveis hierárquicos, é fundamental para a melhoria do sistema.
Distribuição e alocação de meios
O envio de meios de ataque inicial ou de ataque ampliado resultam do ponto de situação feito pelo
comandante de operações de socorro da ocorrência em causa. O ponto de situação é normalmente feito
oralmente, sendo limitado, faz depender a perceção da situação real da situação, da capacidade de
comunicação do COS. Por vezes, por iniciativa própria, o COS envia vídeos ou fotografias da situação no
terreno, o que permite aos decisores terem mais elementos de decisão, no entanto este é um procedimento
que não está homogeneizado e, como tal poderá suscitar deficientes avaliações comparativas e consequente
má distribuição de meios de socorro em virtude. Neste sentido, consideramos que deve ser desenvolvido um
protocolo de informação do ponto de situação que seja harmonizado, contemplando fotografias e/ou vídeos,
e que reduza o desequilíbrio das capacidades de comunicação dos operacionais no terreno. Para além disso,
estes elementos seriam importantes numa análise técnica ou forense da situação.
Para além disso, a geolocalização dos meios no combate é fundamental para a execução de uma
estratégia distrital e nacional de gestão de meios. Uma vez que o sistema SIRESP permite geolocalizar cada
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aparelho de comunicação, consideramos que devem ser feitos esforços para que a localização de cada equipa
no TO possa ser conhecida a todo o momento. Esta alteração traria igualmente vantagens no reforço da
segurança dos combatentes no terreno. No dia 15 de outubro, a falta de conhecimento da localização dos
meios de combate foi notória, embora, com a falha dos sistemas de comunicação, a ativação da capacidade
de geolocalização do sistema SIRESP pouco poderia adiantar.
Sistemas de comunicação
Para além disso, as entidades operacionais nem sempre fazem a melhor utilização dos sistemas de
comunicações disponíveis (SIRESP, ROB, REPC, etc.), limitando as vantagens da sua utilização. Como exemplo,
refere‐se o frequente incumprimento do plano de comunicações definido para uma ocorrência, que é por
vezes desrespeitado por operacionais que “atropelam” o nível de canal (operacional, tático ou estratégico)
em que deveriam comunicar, ou por equipas ou grupos que frequentemente não utilizam os canais de
comunicação que lhes são atribuídos no plano de comunicações. Nesta perspetiva, consideramos que se deve
melhorar a formação, para permitir tirar o máximo proveito dos sistemas de comunicação disponíveis.
No dia 15 de outubro, as comunicações por satélite funcionaram razoavelmente bem como sistema de
contingência, no entanto, nem todas as instituições tinham ao seu dispor, ou chegaram a usar, este sistema.
Demos conta de que desde então, foram várias as instituições e entidades que se reforçaram com estes
equipamentos, no entanto consideramos que estas aquisições devem fazer parte de um programa integrado,
gerido ao nível nacional, permitindo assim uma maior eficiência e redução de custos.
Registo de ocorrências
Os relatórios de ocorrência de eventos com maior complexidade são pejados de erros e imprecisões que
podem afetar a boa compreensão dos factos. Por vezes nestes relatórios surgem informações irrelevantes
enquanto noutros casos informação essencial é omitida ou é reportada de forma abreviada ou incorreta.
Como exemplo, é inconcebível que num documento desta importância apareçam coordenadas em diferentes
formatos e frequentemente erradas. Também a denominação das localidades aparece muitas vezes errada,
quando existem listas das localidades que podem ser usadas automaticamente para correção/verificação.
Compreende‐se que numa situação de multi ou megaeventos, o registo de informação proveniente de
inúmeras chamadas muitas vezes sobre stress seja muito difícil, e por isso defendemos que deva ser
melhorado. Assim, consideramos essencialmente que:
‐ deve haver uma definição clara e protocolada dos conteúdos a constar deste relatório, obrigando os
operacionais a informar todas as informações definidas como relevantes;
‐ em caso de falha ou sobrecarga de informação, inviabilizando o registo imediato, deverá haver um
registo posterior que mencione hora em que a informação foi obtida;
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‐ deve haver um registo áudio que permita melhorar ou confirmar a informação constante do relatório
de ocorrências;
‐ deve ser desenvolvido um sistema de criação de relatório de ocorrências e registo de informação
mais automatizado, fazendo uso das tecnologias atualmente existentes;
‐ havendo uma uniformização das ações de registo, em caso de multi ou megaeventos, a sala de
comunicações deve poder ser reforçada com elementos e equipamentos externos, tal como
acontece nas atividades de combate a incêndios.
Também o Sistema de Gestão de Informação de Incêndios Florestais/Rurais (SGIF) deveria ser repensado
com vista à melhoria da informação prestada. Numa simples análise a este sistema, é fácil encontrar
incongruências gritantes, como ocorrências com área ardida de 0ha, ou ocorrências classificadas como falsos
alertas com área ardida atribuída.
Proteção de elementos estratégicos
A definição da estratégia de combate deve ter como objetivos a proteção de elementos críticos (e.g.
povoações), o combate do fogo, e a defesa de elementos estratégicos (e.g. antenas de telecomunicações). A
defesa de elementos estratégicos, considerados como os elementos que possibilitam a realização da
estratégia de resposta à ocorrência através da facilitação de circulação (e.g. estradas), de comunicação (e.g.
antenas), etc., é recorrentemente menosprezada. Compreende‐se que a pressão feita pelos vários meios de
comunicação, leve a dar preferência ao combate e à proteção de elementos críticos, no entanto, a defesa de
elementos estratégicos é determinante para as outras duas atividades podendo mitigar o desenvolvimento
do incêndio e o aparecimento de novos elementos críticos a proteger. Uma vez que já existe um
levantamento dos diversos elementos estratégicos, durante as operações, deve ser igualmente dada
prioridade aos elementos estratégicos, mesmo que os cidadãos ou outras entidades presentes no local, não
compreendam a razão de se estar a desviar meios para outras atividades. De entre os vários elementos de
comando ouvidos, em apenas um caso nos foi dito que a proteção dos elementos estratégicos foi
efetivamente considerada.
Atuação do ICNF
A nossa equipa tem‐se referido repetidamente ao papel distante, passivo e inoperante do ICNF, na
temática dos incêndios florestais em geral e em particular em funções de prevenção estrutural (cf. Viegas et
al., 2012; Viegas et al. 2013). Temos vindo a assistir, pelo menos desde 2006 a um progressivo afastamento
do ICNF, da sua estrutura dirigente e técnica, dos problemas concretos relacionados com a gestão da floresta,
a sensibilização das populações, a coordenação da prevenção estrutural e até mesmo da gestão das poucas
áreas territoriais cuja gestão tem a seu cargo. A destruição da maior parte do pinhal de Leiria, de uma boa
parte do pinhal de Mira e de várias outras áreas protegidas, apesar da atenuante das condições
meteorológicas extremas, constitui o melhor comprovativo do que foi dito acima.
Não resistimos a transcrever o que havíamos dito, entre outras considerações acerca do papel do ICNF,
no nosso Relatório sobre o incêndio de Tavira em 2012 (Viegas et al., 2012):
“Em nossa opinião deveria ser reforçado o peso dos departamentos de DFCI em instituições públicas
como, por exemplo, o ICNF, dotando‐os de quadros técnicos especializados e dedicados plenamente a este
importante problema. Necessidade de uma maior focagem no problema dos IF, para sustentar tecnicamente
decisões e medidas políticas de longo prazo, que deveriam ser mantidas de uma forma continuada, sem
oscilações ou avanços e recuos.”
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Apesar de terem passado seis anos, não tivemos evidencia de que o estado de coisas dentro desta
instituição se tenha alterado.
6.4. Proteção das populações
Evacuação de povoações e lugares
A evacuação de lugares e povoações tem merecido grande atenção nos tempos mais recentes, com
especial destaque para o Programa “Aldeia Segura, Pessoas Seguras”. Entendemos que a evacuação
raramente é a melhor solução a seguir quando uma comunidade se encontra ameaçada pelo fogo. Na nossa
opinião, devem prioritariamente ser pensadas soluções que permitam a concentração das pessoas em locais
que lhes permitam refugiar‐se no período de passagem do fogo. Naturalmente que esta solução deve
igualmente contemplar a evacuação seletiva, retirando pessoas com características físicas ou mentais que
lhes dificulte suportar in loco a passagem do fogo, mesmo que em segurança.
É importante que todas as pessoas tenham plena consciência do risco que decorre de uma ação de
evacuação, sobretudo naquelas que são feitas por iniciativa própria, em que a probabilidade de, na fase de
deslocação, serem surpreendidas por um foco secundário ou ficarem imobilizadas numa coluna de trânsito
é real! As ações de evacuação, organizadas ou espontâneas, apenas fazem sentido quando não há outra
solução ou quando são realizadas com grande antecipação. Salvo raras exceções, sobretudo na fase inicial
dos eventos, as evacuações realizadas a 15 de outubro foram feitas sem a devida antecipação, uma vez que
a propagação surpreendentemente rápida do fogo não permitia antever com certeza o avanço da frente de
chama ou a distância de projeção de partículas e desta forma, não permitia assegurar uma movimentação
em segurança. Verificou‐se contudo que em determinadas povoações não havia realmente um local
predefinido onde as pessoas pudessem refugiar‐se, o que poderá ter encorajado muitas ações de evacuação.
Para além das ações de retirada e receção das pessoas, um processo de evacuação seguro exige um
acompanhamento permanente da via a ser usada pela coluna de evacuação, não apenas para controlo do
tráfico, mas também para uma avaliação constante da ameaça que o fogo possa constituir. A coluna de
evacuação deveria ser acompanhada por veículos de combate a incêndio. A localidade evacuada deveria ser
protegida pelas forças de segurança. Todo este processo exige a alocação de recursos humanos e materiais
que raramente estão disponíveis pelo que se reitera a ideia de que a concentração de pessoas deve ser
prioritária. Para além disso, todas as pessoas devem ser desencorajadas a movimentarem‐se na área do
sinistro, evitando assim potenciais acidentes e facilitando a movimentação dos veículos operacionais.
Obrigatoriedade na evacuação
Nas operações de evacuação, muitas pessoas resistem a ser afastadas das suas casas pelos mais diversos
motivos que vão desde o apego aos seus bens, até a perceção de que têm capacidades para proteger a sua
habitação. A retirada compulsiva das pessoas de suas casas não apenas nem sempre é bem aceite, como é
pouco eficiente em termos de recursos e tempo, sendo por vezes contraproducente uma vez que há bens
que poderiam ser salvos perante a presença de pessoas com capacidades físicas, desde que isso não
constituísse um risco para a sua integridade física. Atualmente, a obrigatoriedade de as pessoas saírem das
suas casas ainda é controversa e as indicações de que as pessoas devem respeitar as instruções das
autoridades nem sempre é suficiente para que as pessoas cumpram essas instruções sem hesitação.
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Como referido anteriormente, consideramos que as ações de evacuação devem ser secundarizadas face
à concentração de pessoas num local apropriado, no entanto, caso a evacuação em segurança seja a opção
mais favorável, deve haver uma reflexão sobre a possibilidade de permanência de pessoas nas povoações,
assegurando a proteção de bens, tanto no que respeita à ameaça do fogo, como no âmbito de segurança
contra furtos ou outras ações humanas. Assim, consideramos que as comunidades deveriam constituir um
grupo de pessoas com agilidade física e mental que fossem treinadas para este fim, assegurando
simultaneamente condições que garantam a segurança destes elementos.
Comunicação com as populações
Qualquer ação de evacuação ou de concentração deve ser antecedida de uma comunicação prévia que
dê tempo de preparação às pessoas, de forma a acelerar o processo quando as entidades chegam ao local.
Nesta comunicação devem ser relembradas informações que as pessoas deveriam ter intuído em ações de
treino e de simulacro, tais como os locais para onde se devem dirigir e os bens que devem levar consigo,
entre outras informações importantes. As rádios locais poderão ser um instrumento crucial nas
comunicações com a população local durante um incêndio, não havendo ainda uma cultura sólida da parte
das autoridades nem das populações no uso desta solução em situações de catástrofe. Para além de terem
uma grande autonomia por usarem baterias, a grande portabilidade dos equipamentos de rádio permite que
faça parte do kit de emergência de uma família.
As comunicações a grupos especiais devem ser previamente definidas em função das suas
especificidades. Nos grupos especiais incluem‐se:
a) pessoas com dificuldades em ouvir e compreender com clareza as instruções e informações
transmitidas;
b) pessoas que não consigam comunicar com clareza eventuais dificuldades por que estejam a passar;
c) pessoas que não consigam executar as indicações dadas por limitações físicas ou outras;
d) comunidades de estrangeiros que não dominam a língua Portuguesa e que não estão habituados a
conviver com incêndios rurais, podendo facilmente entrar em pânico ou tender a tomar decisões
precipitadas;
e) grupos de turistas nacionais e estrangeiros pouco familiarizados com a situação;
f) outros grupos de pessoas que por qualquer motivo não mencionado necessitem de um sistema de
comunicação diferenciado.
A mensagem a passar às populações deve ser ponderada de forma a não ter um efeito
contraproducente. Consideramos que as causas das mais de 500 ignições do dia 15 de outubro foram de
vários tipos, entre os quais a realização de queimas de resíduos, motivadas pela provável ocorrência de chuva
no(s) dia(s) seguinte(s). Consideramos que os avisos e alertas feitos pelo IPMA e pela ANPC à população
fizeram sentido, no entanto poderão ter encorajado algumas ignições. Refere‐se ainda que esta informação
pode ter um uso indevido por parte de quem quiser realmente provocar um incêndio. Desta forma,
consideramos que o conteúdo das comunicações de maior relevo ao público devem ter origem ou resultar
de uma ponderação inter‐institucional. Tal como foi referido no passado, a infoexclusão ou a parca cobertura
de rede de comunicações de muitas áreas rurais do interior do País, limitam esta ferramenta importante de
comunicação. No entanto, mesmo com estas limitações, consideramos que o aproveitamento do progresso
tecnológico é fundamental na gestão de acontecimentos extremos. Neste aspeto, chamamos a atenção de
que muitas e‐ferramentas foram usadas para pedir socorro (eg. Facebook) e para definir rotas supostamente
não ameaçadas pelo fogo (aplicação “Radares de Portugal”) em que eram os próprios populares a trocar
informações entre eles.
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Capacidade de autoproteção
Em muitas ocasiões, na ausência de forças de proteção civil, as populações tiveram de se defender pelos
seus próprios meios o que veio evidenciar a diversidade de preparação e capacidade das pessoas para a
atividade de autoproteção, o que em diversos casos levou à ocorrência de fatalidades. Houve outras
situações em que elementos de valor como viaturas, habitações, etc., foram deixados à sua mercê, sem a
presença de pessoas para as proteger. Estes factos vêm demonstrar a grande necessidade de sistemas de
autoproteção em povoações e elementos de maior valor expostos ao fogo. O desenvolvimento tecnológico
atual oferece soluções de autoproteção de pessoas e bens que devem ser estrategicamente considerados ao
nível nacional, distrital, local e pessoal/empresarial.
Refira‐se que o nosso sistema de defesa contra incêndios rurais considera três componentes
fundamentais: prevenção, resposta e recuperação. Consideramos que deve ser acrescentada e enfatizada
uma nova componente que é a “preparação” e que consiste na capacitação das pessoas, povoações,
entidades, etc. para lidar com situações adversas como um incêndio rural.
Locais de construção
Os grandes incêndios de 2017 vieram pôr ainda mais em evidência que as nossas construções nem
sempre estão bem preparadas para resistir ao um incêndio florestal. Para além das capacidades de
autoproteção que deveriam existir, e que foram mencionadas anteriormente, há outros aspetos construtivos
ao nível arquitetónico e de materiais usados que poderiam mitigar a vulnerabilidade das construções.
Compreende‐se que as exigências de construção numa zona de risco sísmico sejam diferentes dos requisitos
de uma construção isenta desse risco. No mesmo sentido, considera‐se que os projetos de construção em
locais de risco agravado de incêndio florestal devam respeitar exigências que mitiguem esse risco.
A grande percentagem de edificações afetadas pelos incêndios, para além de muitas outras que
escaparam à destruição das chamas, não cumpriam as obrigações de gestão de combustíveis na envolvente.
Deve ser feito um estudo que permita aumentar o grau de cumprimento por parte dos cidadãos, percebendo
os entraves a essa gestão. Para além disso, a atual regra não tem em consideração fatores importantes como
o nível efetivo de exposição, como por exemplo a localização do edifício em encosta, desfiladeiro ou num
tereno plano. Pensamos igualmente que esta é uma matéria que deve ter melhorias ao nível da legislação,
fundamentando‐se no conhecimento desenvolvido.
Julgamos que a inclusão do setor dos seguros nesta problemática levaria a uma maior implementação
destas medidas. O que se propõe é o desenvolvimento de uma metodologia que permita aos seguros
incorporar o risco de incêndio florestal a nível local/regional no cálculo dos prémios de seguro de edifícios,
tal como atualmente é feito, mas considerando as medidas mitigadoras desse risco que o proprietário
implemente. Pagando um valor inferior de prémio de seguro, os cidadãos sentir‐se‐iam mais impelidos a
implementar estas medidas. Esta política iria facilitar em simultâneo as ações de fiscalização.
Alertas de focos de incêndio
Ao longo do relatório descrevemos várias situações em que os populares confessam ter avistado os
focos de incêndio numa fase precoce, sem que tivessem dado o alerta por julgarem que alguém já o tinha
feito. Por vezes, o ataque inicial aos focos de incêndio teve um atraso de várias dezenas de minutos por este
motivo. Numa reflexão meramente intuitiva, acredita‐se que esta seja uma tendência crescente que merece
uma atenção por parte das entidades operacionais e políticas. Numa altura de consolidação do uso de
telemóveis em que os alertas são feitos maioritariamente por populares em detrimento dos postos de vigia,
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é fundamental que esta importante ferramenta tenha o seu máximo proveito. Destaca‐se ainda que, tendo
este conjunto de incêndios ocorrido na Fase Delta, com uma desmobilização massiva dos postos de vigia, os
alertas populares assumiam ainda uma relevância maior.
Botijas de gás
Em várias situações em que o fogo se aproximou ou atingiu habitações, verificámos que a existência de
Botijas de gás nas suas imediações ou no seu interior poderá ter tido um papel importante no grau de
destruição da estrutura ou, nalguns casos, na segurança pessoal dos ocupantes, incluindo de Bombeiros que
protegiam essas habitações. Devem por isso ser dadas recomendações acerca do cuidado a ter na localização
e salvaguarda destes recipientes. Para além disso, os regulamentos de construção em áreas de maior risco
de incêndio, deveriam considerar um local seguro de armazenamento de Botijas de gás assim como de outros
materiais e equipamentos com risco de explosão.
6.5. Outros elementos expostos ao fogo
Indústrias e complexos industriais
As autarquias devem promover o crescimento de áreas industriais de um modo sustentado, adequando
as medidas de mitigação à tipologia do risco. A autarquia não deveria permitir o crescimento do seu parque
industrial desenquadrado da realidade dos recursos de proteção civil.
As instalações industriais deveriam garantir ter capacidade de autoproteção em caso de incêndios
provenientes do exterior. Essa autoproteção seria assegurada com meios humanos e materiais. A existência
de sistemas de sprinklers, a existência de reservas de água armazenada, ou a obrigatoriedade da existência
de sistemas alternativos de energia são meros exemplos de medidas de preparação que deveriam ser
tomadas.
Em função do número e tipo de indústrias presentes, as instalações industriais deveriam ter equipas de
intervenção próprias que no caso dos complexos industriais poderia ser organizado em regime de
condomínio. O que se propõe não é a criação de um grupo estritamente voltado para o combate a incêndios,
mas um grupo de trabalhadores internos treinados e capacitados para, em caso de catástrofe, terem uma
intervenção imediata ou para uma atuação de combate na eventualidade dos meios de proteção civil não
poderem aceder ao local, tal como aconteceu em vários casos no dia 15 de outubro.
Nas visitas efetuadas às instalações industriais afim de avaliar as condições em que foram atingidas pelo
fogo, pudemos verificar o grande risco que os materiais armazenados no exterior representam em caso de
incêndio. Raramente a gestão de combustíveis na periferia estava bem executada, no entanto, a ocorrência
de projeção de partículas incandescentes que se verificou inutiliza esta medida preventiva, caso haja material
inflamável no exterior das instalações. Neste sentido, a existência de material, sejam resíduos, sejam
matérias primas ou equipamentos, deve ser sujeita a um plano que considere o perigo de incêndio. Como
medidas básicas, preconizamos a limitação do volume materiais considerando o seu potencial energético,
assim como a sua proteção contra fagulhas (eg. cobertura de materiais) ou a existência de sistemas que
extingam ou reduzam a intensidade do fogo (eg. sistema de sprinklers). Na nossa opinião, as exigências legais
atualmente em vigor, para além de frequentemente não serem cumpridas, estão mais vocacionados para
incêndios iniciados no interior da empresa do que para incêndios provenientes do exterior, como no caso
dos incêndios rurais.
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Vias de circulação
A análise dos acidentes rodoviários estudados, com ou sem fatalidades, permitiu verificar que em muitos
casos as vítimas foram surpreendidas por variações drásticas de temperatura ao longo do seu percurso que
tornavam insuportáveis as condições dentro da viatura. Em alguns casos, as vítimas terão mesmo perdido o
controlo da viatura pela diminuição drástica da visibilidade como consequência do fumo ou pelo susto e
pânico provocado pelas chamas que repentinamente aumentaram de intensidade. Muitos destes episódios
ocorreram em locais propícios a comportamento extremo (e.g. desfiladeiros, encostas íngremes, zonas de
meandros em estradas junto a cursos de água, túneis/passagens hidráulicas, etc.).
A legislação refere que o combustível deve ser gerido junto às rodovias uma distância mínima de 10m.
O cumprimento cabal desta regra tem‐se vindo a mostrar difícil, quer por limitações financeiras face aos
custos que acarreta, quer pela dificuldade operacional, em virtude do rápido crescimento de combustível nas
margens da estrada. Desta forma, considera‐se que os planos de gestão de combustíveis florestais junto às
rodovias, deveriam privilegiar as zonas anteriormente especificadas como sendo aquelas que representam
maior perigo para quem circula nas estradas.
Esta discussão pode ser estendida às ferrovias. Parece‐nos que a criação de faixas de proteção em toda
a ferrovia é financeira e operacionalmente muito difícil, pelo que a nossa proposta é a de garantir uma gestão
cuidada em zonas de maior risco, e a existência de locais de refúgio que permitam a paragem de um comboio,
separados por uma distância a definir em função da velocidade de circulação. Naturalmente que as estações
e apeadeiros devem estar preparados para servir de refúgio e que, as margens das ferrovias devem ser
sujeitas a ações mínimas de gestão de combustíveis, independentemente da sua localização em zonas de
maior ou menor risco.
Pensamos ainda que deveria ser desenvolvida uma aplicação para ser usada no telemóvel, no GPS ou
em outro dispositivo que permitisse aos condutores de veículos, de serviço público ou privado, aceder a
informação sobre as vias ameaçadas pelos incêndios, sugerindo as rotas que devem ser seguidas por serem
seguras. No caso da ferrovia, pela sua especificidade, deveria ser desenvolvida uma aplicação similar que
permitisse ao maquinista saber das ameaças no trajeto, em que locais de refúgio poderá parar o comboio e
em que estações ou apeadeiros deveria permanecer.
Transportes públicos
No Capítulo 4 foram reportadas várias situações complicadas que envolveram os transportes públicos.
Pensamos que o início de qualquer viagem deve considerar toda o período e trajeto da viagem, sendo
desaconselhado que o transporte de pessoas seja iniciado sem que todas as questões de segurança estejam
asseguradas. A metodologia usada nos transportes aéreos, em que um avião apenas descola após a
confirmação de boas condições em todo o trajeto, incluindo desvios na rota por contingência, deveria ser
protocolada no sistema de transportes terrestres.
6.6. Responsabilidades
Depois da tragédia verificada foram várias as promessas de reação, quer ao nível estatal como ao nível
autárquico e até ao nível pessoal. Depois de um período de grande mediatismo, é comum que o problema
dos incêndios comece a desvanecer‐se no tempo, pelo que é fundamental que esta seja uma chama que se
mantém acesa.
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Cidadãos
A atribuição de responsabilidade no pós‐15 de outubro foi fértil. É importante perceber que parte da
tragédia decorreu da falta de cumprimento por parte dos cidadãos de certas exigências a que a legislação
obriga. Muitos meios de combate foram empenhados na proteção de habitações com uma envolvência
repleta de combustíveis, negligenciando o combate ao incêndio propriamente dito, ou ficando impedidos de
prestar socorro a outras pessoas.
É nosso entender que as pessoas devem responsabilizadas pelos danos quando a causa foi a negligência
da sua segurança e da proteção dos seus bens. Por exemplo, se for necessário proteger uma habitação devido
à falta de gestão dos combustíveis na sua envolvente, os custos dessa ação devem ser imputados ao
responsável por esse incumprimento. Consideramos, contudo, que devem ser postas ao dispor dos
proprietários todas as condições para efetuarem essa gestão de combustíveis e que situações em que o
cumprimento seja difícil, por exemplo no caso de proprietários idosos sem capacidade financeira, devem ser
tratadas como casos especiais sendo, por exemplo, o Estado a assumir essa responsabilidade.
Bombeiros e demais agentes de proteção civil
Embora no geral consideremos que, dentro do possível, a resposta às ocorrências do dia 15 de outubro
correram bem, aceita‐se a opinião de várias testemunhas ouvidas que apontam responsabilidades aos
Bombeiros e a outros agentes de proteção civil pela sua inoperância. Já foi referido anteriormente que, da
forma como o sistema está estruturado, é muito difícil imputar responsabilidades a um elemento voluntário
que tira tempo da sua vida pessoal para prestar socorro a outros, embora todos os elementos de proteção
civil tenham responsabilidade sobre as suas ações. Sem exceção, apercebemo‐nos que todos os envolvidos
fizeram o melhor que podiam e sabiam. Consideramos que uma profissionalização dos quadros de proteção
civil, acompanhada de uma formação rigorosa e de condições suficientes para o desempenho das missões,
irá exigir uma disponibilidade e capacidade dos operacionais que podem ser objeto de responsabilização das
decisões tomadas.
Autarquias
As várias habitações destruídas, por vezes vitimando pessoas, fizeram perceber que muitas das nossas
casas estão localizadas em zonas de grande risco de incêndio. Depois de 15 de outubro, algumas das casas
ardidas foram reconstruídas exatamente no mesmo local, exatamente da mesma forma anterior, como se
esta tragédia não tivesse trazido qualquer ensinamento. Compreende‐se que não é fácil inviabilizar um local
que tem ou já teve uma construção devidamente licenciada apenas porque houve uma perceção tardia por
parte do poder público sobre o risco daquela localização, mas não se compreende que após 15 de outubro
continuem a ser construídas de raiz casas em locais de risco elevado de incêndio. É nosso entendimento que
os responsáveis pelos licenciamentos deveriam ser chamados a prestar contas pela existência dessas
situações.
Estado
A responsabilidade por boa parte dos impactes decorrentes de 15 de outubro foi assumida pelo Estado,
ou seja, por todos nós.
É bem verdade que as condições meteorológicas excecionais foram um fator muito importante no
desenrolar dos fatídicos acontecimentos aqui analisados, mas estes incêndios de outubro apenas realçaram,
mais uma vez, a necessidade de o Estado melhorar a sua capacidade de real intervenção ou supervisão na
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gestão e ordenamento territorial. Já em relatórios anteriores nos referimos a estas necessidades (ver Viegas
et al., 2012; Viegas et al. 2013; Viegas et al. 2017), que devem também incidir em políticas de
desenvolvimento das Regiões do Interior, por forma a incentivar à fixação da população jovem.
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7. Conclusão
A situação vivida em Portugal no dia 15 de outubro foi completamente excecional. Culminando um
período de seca prolongada em que o País se encontrava, na entrada para um período em que o dispositivo
operacional se encontrava parcialmente desmobilizado, um fenómeno meteorológico muito pouco usual – o
furacão Ophelia – produziu em todo o País, mas de modo especial na região central, ventos muito fortes e
secos que potenciaram as centenas de ignições que se registaram nesse dia, produzindo vários incêndios
que, no seu conjunto destruíram mais de 220 mil hectares em menos de 24 horas, o que constitui um recorde
para Portugal. Nas zonas afetadas pelos incêndios de 15 de outubro, o teor de humidade dos combustíveis
finos foi significativamente inferior a 10%, chegando mesmo a atingir valores muito próximos dos 5%,
estando assim criadas condições de perigo extremo de incêndio.
Consideramos que alguns dos incêndios foram causados por reativações de focos de incêndio pré‐
existentes e que não haviam sido devidamente vigiados durante o dia 15 de outubro. Houve, no entanto,
muitas ignições resultantes de queimas e queimadas, causadas por pessoas que as realizaram pela
necessidade de eliminar vegetação ou resíduos de atividades agrícolas, na convicção de que haveria de
ocorrer chuva, como fora anunciado, e de facto ocorreu, mas apenas no final do dia 16.
Desta situação resultaram sete complexos principais de incêndios, produzidos por uma ou mais ignições,
que se propagaram de forma contínua principalmente no dia 15 e parte do dia 16, que estudámos
detalhadamente neste Relatório. Cinco deles causaram, no seu conjunto, 51 vítimas mortais e todos
produziram uma devastação ambiental e patrimonial como nunca se havia visto em Portugal.
A definição rígida de períodos de risco de incêndio, baseadas em datas do calendário, sem tomar em
conta as alterações sazonas da meteorologia e uma preocupação com a contenção de despesas terá levado
a reduzir o dispositivo operacional, sem prestar a devida atenção ao risco extremo de incêndio que estava
previsto com alguns dias de antecedência. Esta falta de recursos ter‐se‐á sentido sobretudo na ausência de
uma vigilância mais reforçada, que reduzisse o número de ignições, pelo menos no dia 15, que deram origem
ao registo de 517 ocorrências.
É duvidoso que a existência de mais recursos operacionais, incluindo meios aéreos, pudesse ter feito
uma grande diferença, perante o número e violência dos incêndios ocorridos. Como se disse poderiam ter
feito alguma diferença se tivessem contribuído para reduzir o número de ocorrências e conseguido extinguir
a maioria dos incêndios na sua fase inicial. Com as condições de vento que existiram – induzidas pela
passagem do furacão – quando os incêndios se encontravam desenvolvidos, era virtualmente impossível
enfrentar o fogo em segurança. A própria tarefa de defender pessoas e bens foi limitada pela dificuldade de
gerir os recursos e de os colocar onde fossem requeridos, pela inviabilidade de muitos percursos.
Considera‐se a inexistência de vítimas entre as forças de proteção civil como algo extremamente
positivo, o que deve encorajar todos os envolvidos na estratégia de sensibilização e formação no sentido de
um combate eficaz, mas seguro. O mesmo não se pode dizer, infelizmente, em relação à população civil,
tendo que se lamentar o importante número de 51 vítimas mortais nos incêndios de outubro. Tendo em
conta a exten