Introdução ao Direito I
Dr. Aroso Linhares
Eduardo Figueiredo
Ano Letivo 2013/2014
BIBLIOGRAFIA UTILIZADA:
BRONZE, Fernando José, Lições de Introdução ao Direito, reimpressão da 2ª edição, Coimbra Editora, 2010
NEVES, A. Castanheira, Curso de Introdução ao Estudo do Direito, coletânea de múltiplos textos, Biblioteca da FDUC
LINHARES, Aroso , Sumários desenvolvidos das aulas de Introdução ao Direito I, 2009
JUSTO, A. Santos, Introdução ao Estudo do Direito, 3ª edição, Coimbra editora, 2006
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INTRODUÇÃO AO TEMA
O Direito surge como fundamento e critério de muitos dos nossos comportamentos, já que a
licitude/ilicitude e a validade/invalidade de muitas das nossas ações dependem do Direito e da regulação da
experiência social por ele feita. O Direito é, antes de mais, um DEVER SER, determinando a validade dos
comportamentos socialmente relevantes.
O jurista deve procurar compreender a especificidade do Direito e dos seus problemas, não
esquecendo as questões éticas que ajudam à determinação do que é “bom”, isto é, do que é um “dever ser”.
O entendimento das situações concretas, com as quais se depara o jurista, só será global quando este
compreender o sentido das exigências particulares ao direito.
Assim, compreende-se o pensamento jurídico como prático-normativo e, consecutivamente, como
axiológico.
3. Perspectiva possíveis perante o Direito:
CAPITULO I
“Sendo nós muitos (…) e sendo o mundo um só, estamos compelidos a repartir esse mundo do nosso
encontro. E, sendo assim, o outro aparece sempre como meio ou obstáculo (…) de acesso a cada um ao
mundo, pelo que todos somos afinal mediadores da fruição do mundo por parte de todos.”. (BRONZE, Lições
de Introdução ao Direito, pg. 33)
Partindo deste pressuposto, é necessário que as relações sociais sejam reguladas pelo direito que define
as responsabilidades, os direitos e deveres de cada um dos intervenientes. O direito reporta-se ás relações
que desenvolvemos em sociedade, sendo que surge, desde logo, o problema da delimitação e
compossibilitação dessas relações no “horizonte do mundo que pretendemos compartilhar”. Deste modo,
surgimos perante o direito sob a forma do nosso “eu social”, já que o nosso “eu [puramente] pessoal” não é
abrangido no seu domínio. É por causa destes conflitos que surgem socialmente que se pode falar da
existência de controvérsias juridicamente relevantes – as únicas nas quais se verifica a intromissão do
Direito.
A situação histórico-concreta partilhada: Desde logo é uma controvérsia que envolve dois
sujeitos diferentes que partilham a mesma realidade social, isto é, a mesma situação histórico-
concreta [O mesmo contexto, se pretendermos]. No entanto são dois sujeitos que, perante a
controvérsia, surgem em posições diferentes.
O contexto- ordem: é uma controvérsia que assume um mesmo horizonte integrante de
fundamentos e de critérios estabilizados num mesmo sistema. [Se quisermos, umas mesma ordem
jurídica que será mobilizada para responder à questão em causa]
Os sujeitos na sua autonomia- diferença: A existência, já supramencionada, de dois
sujeitos em posições diferentes perante a controvérsia e perante a mesma situação histórico-
concreta, assumida num mesmo horizonte de fundamentos e critérios.
A exigência de um “tratamento” desta diferença: Direito que surge como resposta esta
controvérsia. Esta resposta não se pode limitar a confrontar “afirmações possíveis da subjetividade-
autonomia”.
Assim, ao nível do direito fala-se de uma ordem jurídica, porque esta envolve o Direito como
“cosmos”, surgindo como uma criação cultural dotada de racionalidade. A ordem que o Direito constitui é a
3
ordem da juridicidade. Mas “como é que somos atingidos prática e normativamente pela ordem jurídica?”
Para responder a esta questão em particular, termos de descrever as várias linhas estruturais da ordem
jurídica, na sua estrutura, funções, notas caracterizadoras e efeitos.
B C
Esta linha, que vigorou em toda a época pré-moderna (quando ainda só existia esta linha), reporta-se a
relações juridicamente relevantes que estabelecemos uns com os outros na veste de sujeitos de direito
privado, em que todos pretendemos atuar na nossa autonomia para realizar interesses. Existe um autêntico
equilíbrio paritário [relação de paridade], isto é, nada estabelece uma prioridade subordinadora entre as
partes parificadas. A ordem jurídica define as nossas autonomias, delimitando-as, permitindo a realização
dos nossos interesses, tutelando-os. A sociedade não é sujeito desta relação.
Esta linha integra, desde logo, os ramos do Direito Privado, como o Direito Civil (Direito das obrigações,
das coisas, da família, das sucessões) e o Direito Comercial.
Quanto aos valores que a esta linha se associam destacam-se: a Liberdade Individual (centrada em cada
um de nós); a Liberdade Relativa (as autonomias que se encontram, que se relacionam e se relativizam
mutuamente) e a Igualdade (Todos podem realizar os seus interesses).
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Quanto à intenção à justiça que nela se manifesta, podemos distinguir dois tipos de justiça defendidos
por esta ordem:
Justiça de Troca ou Comutativa: «Troca de bens feita pela livre vontade», associado a um ganho
e a uma perda, e a uma dinâmica de participação. [Exemplo paradigmático do Contrato Privado]
1
BRONZE, Fernando José, Lições de Introdução ao Direito, pág. 38
2
BRONZE, Fernando José, Lições de Introdução ao Direito, pág. 40
3
BRONZE, Fernando José, Lições de Introdução ao Direito, pág. 41
4
Justiça enquanto “medida do Homem para o Homem”; “O modo como vemos a nossa situação relativa por mediação
de certos valores ou exigências em referência aos quais nos auto- compreendemos e, por isso, procuramos projetar na
ordem comunitária.” - BRONZE, Fernando José, Lições de Introdução ao Direito, pág. 43
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Esta linha, que surge com o Estado de Direito Pós- Revolucionário , baseia-se no pressuposto de
que a sociedade pode exigir prestações a sujeitos privados, mas não arbitrariamente. Desde logo parte
do princípio que os indivíduos são também socii, sendo que esta linha se resume às relações que cada
um estabelece com a sociedade tomada no seu todo. Na verdade, a sociedade não surge como sujeito
das relações que estabelecemos com ela [surge como ente público]. Esta tem valores e interesses a
garantir e, caso interfiramos com esses bens e valores que esta procura preservar, esta tem o direito de
nos pedir responsabilidades. Assim, a sociedade surge em primeiro plano. No entanto, os indivíduos
também exigem á sociedade condições para afirmar a sua autonomia. Cada individuo surge na forma
6
das suas “distintas «máscaras» de sujeito comunitário” .
Os ramos do Direito que estão incluídos nesta linha são: O Direito Constitucional, o Direito Penal, o
Direito Fiscal e o Direito Militar. [Todos eles regulamentadores das exigências que a sociedade nos
dirige; mas não visam menos institucionalizar, legitimar e limitar o poder.]
Os valores a ela associados traduzem-se, principalmente, na salvaguarda da nossa autonomia,
sempre que for posta em causa a liberdade individual e a responsabilidade social.
Nesta linha, o Direito desempenha importantes funções de tutela e garantia:
Justiça Geral: Aquilo que, em nome de todos, se pode exigir a cada um e aquilo que cada um
pode exigir ao Todo.
Justiça Protetiva: O Direito é chamado a institucionalizar formalmente, a limitar e controlar o
poder, garantindo a situação dos particulares que com ele se confrontam.
7
Esta linha, que surge com o aparecimento do Estado Providência , vê a sociedade como uma
entidade atuante, dinâmica, que tem um programa estratégico que quer ativar para atingir os objetivos a
que se propõe. Esses objetivos podem ser-nos favoráveis, ou visar o benefício da sociedade. A
sociedade vai fazer atuar o seu programa, mas nos termos em que o Direito permita.
Os ramos do Direito associados a esta linha são: Direito Constitucional, Direito Administrativo, Direito
de Previdência Social, Direito Público da Economia, Direito do Ambiente. (Ramos do Direito Público)
Esta linha tutela a liberdade pessoal comunitariamente radicada e a solidariedade. [por vezes, é
necessária uma atuação de desigualdade para que, no fim, se atinja a igualdade – ex: Impostos]
Nesta linha, defendem-se dois tipos de justiça:
Justiça Distributiva: Parte de uma atuação de recolha e redistribuição dos meios por parte do
Estado para corrigir problemas e desigualdades.
Justiça Corretiva [no sentido tomado na 1ª linha]
5
Forma de Estado que surgiu no séc. XIX, que se baseia na garantia das compossibilidades das liberdades – “Estado sem
Fins”.
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LINHARES, Aroso , Sumários desenvolvidos das aulas de Introdução ao Direito I, pág. 4
7
Forma de Estado que surge no séc. XX e reconhece direitos e deveres , intervindo no círculo social, prestando bens e
serviços aos cidadãos através de fins e estratégias por ele assumidas.
Direito Público: (Direito Constitucional, Administrativo, Penal, Fiscal, Processual, Internacional Público)
Organização e atividade do Estado e outros entes públicos menores (autarquias regionais e locais)
Relações dos entes públicos entre si no exercício dos poderes que lhes competem.
Relações dos entes públicos, enquanto revestidos de poder da autoridade (publica potestas), com os
particulares.
É uma ordem que prescreve critérios para a nossa ação, exigindo-nos modelos de comportamento.
Nesta função, o Direito surge como instrumento de mediação social para resolver problemas jurídicos
decorrentes da vivência no «meio em que decorre a existência humana». Desde logo, surge o Direito como:
Princípio de Ação – O Direito tem, desde logo, uma tarefa imediata de orientação dos nossos
comportamentos, fornecendo-nos modelos de «dever ser», criando definições para o que
justo/injusto, bom/mau, entre outros. Tem, assim, esta função orientadora de comportamentos,
prescrevendo modelos de ação/ comportamento. [Em suma, define os nossos direitos e deveres e
valora os nossos comportamentos como lícitos/ilícitos]
Critério de Sanção – O Direito procura, simultaneamente, estabelecer um conjunto de
consequências para as relações sociais que disciplina.
Se a ordem jurídica se ficasse pelo seu princípio de ação, determinando quais os direitos e deveres
de cada um, isso “não passaria de um apelo à consciência de cada um. E estaríamos então diante de pura
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ordem moral.” . Surge, assim, um confronto moralidade (ética) / direito (juridicidade). A moralidade tem de ser
vista num plano interno, variando dos valores e princípios [à partida, morais] de cada um. Já o Direito trata de
problemas objetivados no plano social (plano externo).
Há, assim, uma intersubjectividade ou bilateralidade atributiva dos problemas jurídicos, que se traduz
em dois tipos de conexão pertinentes:
Do ponto de vista moral, devemos cumprir com os nossos deveres pelo facto de termos consciência
da moralidade neles presente, aderindo, na totalidade, ao critério da moral. O móbil da nossa ação deve ser
o sentimento de puro dever. Os problemas morais colocam-se, assim, só e apenas diante da nossa
consciência.
No caso do Direito, os motivos de um individuo ou a sua consciência são desvalorizados, já que este
trata de ações materiais. Assim, para o direito, tem de haver uma exteriorização das intenções e da
«consciência». [Um individuo pode achar que matar outro é correto – o que o condena do ponto de vista
8
BRONZE, Fernando José, Lições de Introdução ao Direito, pág. 61
moral -, no entanto, para o Direito este só se torna um problema juridicamente relevante se se materializar a
ação, ou seja, se matar efetivamente].
A intersubjetividade caracteriza-se pelo facto de «A moral determina que se faça, mas ao destinatário
do comando cabe fazer ou não; ao passo que o Direito se caracteriza porque ordena e ao mesmo tempo
assegura a outrem o poder de exigir que se cumpra.». Assim, para além de «ordenar», o direito exige certo
comportamento por parte de um sujeito jurídico – exigibilidade-, com vista ao cumprimento efetivo da ação ou
obrigação que um individuo deve tomar – executabilidade.
Para além desta nota distintiva capital que é a intersubjetividade do Direito, surge ainda a ideia de
comparabilidade ou tercialidade exigida pela controvérsia jurídica. Relativamente a esta nota, partimos do
princípio que todos os indivíduos são iguais em direitos e deveres e, como tal, podem ser comparados a
outros sujeitos. As responsabilidade de um sujeito são limitadas/ correlativas de certos direitos, já que a
esfera jurídica dos outros, acaba sempre por limitar a minha própria esfera jurídica. Deste modo, o juiz deve
dar resposta à controvérsia jurídica sempre em nome do Direito, procurando um «padrão de comparabilidade
das partes».
A institucionalização normativa dos meios capazes de garantir a eficácia social que o nexo
intersubjetividade/ exigibilidade/ executabilidade impõem determina: o problema da sanção.
As sanções podem ser positivas (função promocional do Direito) e negativas (função repressiva do
Direito). As sanções positivas procuram “ «potenciar as efetivas possibilidades de realização da
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intersubjetividade social» ” , e as negativas surgem como “«restrições e proibições que acrescentam à
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negatividade do ilícito a sua própria negatividade real»” .
Sanções reconstrutivas:
Modalidades de Ineficácia:
Inexistência Jurídica: O ato não produz quaisquer efeitos como se não tivesse sido celebrado (Art.
1628º/c )
9
BRONZE, Fernando José, Lições de Introdução ao Direito, pág. 65
10
LINHARES, Aroso , Sumários desenvolvidos das aulas de Introdução ao Direito I, pág. 10
11
LINHARES, Aroso , Sumários desenvolvidos das aulas de Introdução ao Direito I, pág. 10
Invalidade Jurídica (nulidade e anulabilidade): O ato existe materialmente, mas não produz
quaisquer efeitos porque sofre de algum vício. A nulidade é um modo de invalidade jurídica porque se
entende que há, na violação da lei, a violação de um interesse público que é insanável, não produzindo
quaisquer efeitos. (Art. 286º CC) Já a anulabilidade é um modo de invalidade jurídica, devido ao facto de
estarem em causa interesses particulares, mas suscetível de ser sanada com o decurso do tempo. (Art. 287º
CC)
Ineficácia em sentido estrito: Os atos existem, não havendo problemas de validade, mas não
produzem parte ou todos os seus efeitos porque viola a lei ou é submetido a certas circunstâncias. (Art. 270º
CC)
Penas e medidas de segurança: Sanções punitivas (civis, criminais, ordenacionais, disciplinares) (Art.
2034º CC)
Sanções preventivas: Evitam a continuação da violação das normas. (Art. 781º CC)
A especificidade do ónus: Não é, em rigor, uma sanção, mas consiste na necessidade que impende sobre
certa pessoa de adotar certo comportamento para obter/manter certa vantagem. (Art. 342º CC)
Se… Então…
Se.. : Há uma determinada hipótese ou previsão de que, se ocorreram cetos acontecimentos na realidade …
Então… : Surge uma estatuição ou injunção que determina que a “resposta do Direito” será esta…
O problema da coação
Em suma, a coação é apenas um dos meios-instrumento do Direito, entre muitos outros, para a
efetivação da normatividade jurídica. Não se deve, no entanto, caracterizar o direito por estas notas de
coercitividade (efetivação de aplicação de uma sanção coativa) ou de coercibilidade (possibilidade de
aplicação de uma sanção coativa).
Esta função da ordem jurídica traduz-se numa tarefa institucional que resolve problemas da projeção
jurídica na realidade. Tudo isto, porque a ordem jurídica tende à desorganização, já que o seu criador é o ser
humano que procura vencer a anomia e a anarquia- que é, também, motivo para a necessidade de disciplina
e estabilização desta ordem jurídica. Surge, assim, esta função secundária ou organizatória, no âmbito da
qual a ordem jurídica se volta para si própria numa atitude de Auto descrição e Auto constituição, de modo a
se auto organizar e subsistir.
12
BRONZE, Fernando José, Lições de Introdução ao Direito, pág. 74
13
Surge a ideia de “procura de uma unidade sistemática” da ordem jurídica. Para tal, é necessário
um conjunto de normas cuja função é evitar antinomias (entre normas; normas – princípios; entre princípios),
garantindo a unidade e a coerência interna da ordem jurídica. Há três tipos de problemas possíveis:
Traduz-se na existência de duas normas antónimas sobre a mesma matéria, isto é, do “confronto
entre as soluções respostas prescritas”. Este problema pode ser resolvido por dois critérios-regras:
(1.1) Lex superiori derrogar legi inferiori : Fala-se um critério da hierarquia, em que uma “lei superior
derroga lei hierarquicamente inferior”.
(1.2) Lex specialis derrogar legi generali : Fala-se de um critério da especialidade, em que “lei especial
derroga lei geral”.
É claro que, muitos destes conflitos, só podem ser tratados consoante o caso concreto, sendo que a
esta procura de unidade passar a ser reflexivamente traduzível apenas num plano metodológico.
Desde logo alerta para os casos em que se conexionam várias ordens jurídicas nacionais. Surge a
questão das normas de Direito Internacional Privado como critérios secundários.
Trata-se do problema ligado a certas situações jurídicas que ocorreram num determinado momento e
que se veem confrontados com alterações posteriores no ordenamento jurídico. Estas alterações derivam do
facto de certas situações terem de ser reguladas por um regime diferente. (Ex: Autonomização do Direito
Comercial do Direito Civil.)
A Lei surge como principal fonte do Direito Português; A importância dos assentes do Supremo
Tribunal de Justiça; Usos e equidade. [Análise dos arts. 1 a 4 do C.C.]
(c) As normas legais que enfrentam o problema do começo e das cessação da vigência das
leis: [Ver artigos 5 e 7 do C.C.]
(C1) Vacatio Legis – O tempo que decorre entre os momentos de publicação e da entrada em
vigor da norma legal.
(C2) Caducidade – Pode resultar da cláusula expressa do legislador, contida na própria lei, de
que esta só se manterá em vigor durante determinado prazo ou enquanto durar certa situação,
podendo resultar no desaparecimento dos pressupostos da aplicação da lei.
13
LINHARES, Aroso , Sumários desenvolvidos das aulas de Introdução ao Direito I, pág. 11
(C3.1) Revogação Expressa (Nova lei declara que revoga uma nova lei anterior) e
Revogação Tácita (Resulta da incompatibilidade entre as normas da nova lei e as da lei anterior).
(C3.2) Revogação Global (Revoga totalmente um ramo do direito/ instituto jurídico) e
Revogação Específica (Revoga um diploma ou específicos artigos deste diploma.)
(C3.3) Revogação Total (Todas as disposições da lei são atingidas – ab-rogação) e
Revogação Parcial (Quando só algumas disposições da lei anterior são revogadas pela nova –
derrogação)
Alude-se ainda há existência de normas obsoletas e caducas – normas que estão em vigor, mas que
efetivamente perderam a sua vigência -, surgindo como normas só formalmente vigentes.
Podemos ainda aludir a um momento de realização orgânica. No fundo, este momento baseia-se
na criação formal de órgãos aos quais são atribuídos poderes e competências, criando, ainda, uma
hierarquia entre estes órgãos. O direito surgindo como meio de organização e estruturação do poder político,
conferindo-lhe legitimidade, mas limitando-o simultaneamente.
Na sua obra “The Concept of Law” (1961), Hart identifica três planos analíticos de um sistema
jurídico:
(1) A regra de reconhecimento – Esta é uma regra que, uma vez aceite, combate a incerteza que pode
resultar da convocação das regras primárias. Desde logo, identifica autoritariamente quais são os
critérios de comportamento-ação que devem ser validamente reconhecidos como jurídicos e dotados
de autoridade-potestas [Isto é, regula o que é o Direito e o que é apenas inerente à ordem social] Por
outro lado, hierarquiza e unifica estes critérios de comportamento. É esta regra de reconhecimento
que unifica as normas primárias, outrora desconexas, introduzindo a ideia de sistema jurídico.
(2) As regras de mudança-transformação – Permitem a introdução de novas regras primárias e a
eliminação de antigas, definindo quem o deve fazer e como. Só, assim, se poderá entender estas
regras como exercício da autonomia privada.
(3) As regras de decisão-julgamento – Combatem a ineficácia das regras primárias, dando poder a
certos indivíduos para julgar, respondendo autoritariamente ao problema de saber se uma regra foi
ou não violada. Para mais, determinam o processo a seguir, dando origem à ideia de «tribunais»,
«jurisdição» e «sentença».
Assim, Hart reconhece várias vantagens às regras secundárias: certeza e confiabilidade, flexibilidade,
eficácia, tornando eficazes as regras primárias.
Já Teubner, defende que as regras secundárias nos “permitem passar de uma fase de direito
socialmente difuso” para um “direito parcialmente autónomo”.
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LINHARES, Aroso , Sumários desenvolvidos das aulas de Introdução ao Direito I, pág. 13
2 – DIFICULDADES E PERGUNTAS
Desde logo, surge uma grande questão condutora: Porque é que a analítica até agora ensaiada se
mostra insuficiente (nos planos normativo e objetivo) se quisermos compreender o projeto-procura
que prático-culturalmente distingue o Direito?
2.1. Desde logo, identificamos à ordem de Direito um certo projeto/ sentido que lhe é fundamental, sendo
óbvio que o Direito está inserido num plano cultural e concreto – com um determinado sentido. O Direito não
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pode surgir como um “mero regulador socialmente contingente” , disponível para assumir quaisquer
intenções ou finalidades. Se o Direito se submetesse à economia, à política ou até à ética, perderia a sua
autonomia.
O Direito não pode ser visto como um mero instrumento de “institucionalização de uma ordem social –
e(ou) de uma ordem que possa responder ao problema da «indeterminação» ou «inespecialização» da
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espécie humana.” Algumas correntes do pensamento jurídico, como o positivismo estrito e o moderno
positivismo sociológico consideram que esta é a única função do Direito. No entanto, se tal fosse considerado
eramos obrigados a “reconhecer muitos e inconfundíveis direitos que mais nada teriam em comum senão a
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partilha do mundo e de ordenação de intersubjetividades.”
No entanto, nem todas estas institucionalizações/ordens são ordens que se podem dizer de Direito. Para
a existência de uma ordem de direito não basta a existência de normas primárias e secundárias, satisfazendo
as necessidades de certeza, flexibilidade ou eficácia. Uma ordem de direito pressupõe a existência de um
conjunto de valores e princípios básicos e fundamentais que têm de ser respeitados!
2.2. Desde logo, podemos apontar uma quantidade de ordens (com estruturas, sanções, normas
primárias e secundárias, etc…) que surgem como “eficazes”. Pode-se falar de um conjunto de “experiências-
limite” ou de um conjunto de ordens onde se funde o jurídico e o social, o formal e o informal, o privado e o
público, etc… e que representam o “pluralismo” dos nossos dias e uma certa “face oculta” da normatividade
socialmente vigente.
No entanto, devemos também atentar noutras ordens normativas- que concorrem com ordem jurídica
estadual- e que não podem ser vistas como verdadeiras ordens de direito, apesar da sua estrutura e
organização interna de interesses e identidade comunitária.
15
LINHARES, Aroso , Sumários desenvolvidos das aulas de Introdução ao Direito I, pág. 21
16
LINHARES, Aroso , Sumários desenvolvidos das aulas de Introdução ao Direito I, pág. 21 e 22
17
LINHARES, Aroso , Sumários desenvolvidos das aulas de Introdução ao Direito I, pág. 22
(m) À normatividade criada pelos «novos movimentos sociais» e identidades coletivas (ecologia,
feminismo, minorias sexuais, etc…)
Todas estas «ordens», mais ou menos evidentemente criadas, são ordens normativamente reguladas,
com critérios primários, secundários, sanções, julgadores, etc… (que lhe conferem eficácia e a organizam).
No entanto, nunca se poderão referir como sendo ordens de Direito, pois faltam-lhe os elementos
constitutivos de uma «verdadeira» ordem de Direito.
2.3. Reconhece-se ao Direito, uma insuficiência objetiva, procurando-se critérios ou sinais que a
manifestem. Esta traduz-se na ideia de falta de uma nota caracterizadora que distinga as ordem sociais de
forma a distinguir quais são as de direito.
“A natureza de ordem, no sentido analisado de «ordenamento» global e unitário, não é exclusiva do
ordenamento jurídico e daí a necessidade de outra especificação (…) para o individualizar, já que o “de
direito” não vai, na verdade, logicamente implicado no simples conceito de ordem ou de ordenamento social.
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A ordem jurídica seria o «ordenamento estadual».” Esta passagem do Dr. Castanheira Neves alerta-nos
para uma questão pertinente: Mas a estadualidade não pode surgir como essa nota caracterizadora?
A nota da estadualidade é importante, mas não é suficiente. O Direito é uma ordem normativa e o Estado
uma instituição política. É claro que o Estado pode criar em boa medida o Direito que está à vontade para se
servir do estado para atuar através da organização do poder.
No entanto, Direito e Estado não se identificam (historicamente – já que o Direito é muito mais antigo
que o conceito de Estado; intencional-materialmente – o Estado procura a realização de valores
especificamente políticos e o Direito justifica-se pelos valores especificamente jurídicos que intende;
extensivamente – Nem todo o Direito deriva do Estado (Costume, Direito Internacional); formalmente – O
Direito é constituído por princípios normativos e o Estado por um sistema programático.).
Nem todo o Direito é estadual. O Direito estadual é aquele que é “criado ou reconhecido ou tutelado
19
(garantido coativamente) pelo Estado.” O Direito privado tem, no entanto, uma origem extra-estadual.
Atente-se igualmente no Direito Consuetudinário, em parte do Direito Internacional ou no Direito Eclesiástico,
cuja existência não depende do reconhecimento pelo Estado da sua validade jurídica.
A coação estadual não define o Direito já que o direito não utiliza exclusivamente a “coação organizada
20
institucionalmente pelo Estado” . Conclui-se que o Estado não fundamenta o Direito e que o conceito de
Estado de Direito passa pela existência de um estado fundamentado, regulado, legitimado e limitado pelo
Direito.
2.4. Reconhecemos, ainda, uma insuficiência normativa, que recusa a solução de um nominalismo ou
pluralismo acríticos que consideram que direito são “todas as situações institucionais de partilha do mundo
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(…) que fosse socialmente eficazes” .
Se não fosse tomada em conta esta insuficiência teríamos de considerar que toda a ordem
estruturalmente ordenada fosse uma ordem de Direito. Se apenas se tivessem em conta esses “termos
meramente formais o ordem jurídica seria compatível com uma intenção e um conteúdo de valor negativo,
22
ética e axiologicamente insustentável, uma ordem para o crime e criminosa (…)” O Direito só pode ser
pensado com uma carga axiológica positiva e uma intencionalidade materialmente axiológica que o justifique
como direito. Uma ordem de Direito é uma ordem marcada pela nota da estadualidade e de juridicidade-
validade (autónoma do poder político) que juridicize o Estado, conferindo-lhe uma validade material, já que o
direito é o seu legitimador e limitador.
Intenção regulativamente antecipante e constitutiva ► Para uma ordem jurídica cumprir a sua função
de critério prático-normativo da vida social é necessário que lhe estejam associadas um conjunto de
18
NEVES, A. Castanheira, Curso de Introdução ao Estudo do Direito, pág. 59
19
NEVES, A. Castanheira, Curso de Introdução ao Estudo do Direito, pág. 65
20
NEVES, A. Castanheira, Curso de Introdução ao Estudo do Direito, pág. 69
21
LINHARES, Aroso , Sumários desenvolvidos das aulas de Introdução ao Direito I, pág. 25
22
NEVES, A. Castanheira, Curso de Introdução ao Estudo do Direito, pág. 73
intenções, sentidos e valorações que garantam a dimensão prático-comunitária, que sustenta a sua vigência
e existência. É o conteúdo normativo da ordem jurídica que regula a ação social de acordo com valores
próprios e fundamentais. Fala-se de um “projeto autónomo do direito”, que visa a sua vigência válida numa
comunidade pelo fato de estar fundamentada em valores e princípios e não apenas numa “eficácia” ou num
núcleo gerador de autoridade-potestas.
Intenção materialmente imanente de qualquer direito histórico►► Para mais, nenhuma ordem
jurídica se fecha no conteúdo já constituído, admitindo-se um contínuo constituindo. Isto é, o Direito está em
constante evolução e mudança. Assim, o direito realiza-se historicamente, não apenas no presente-passado,
mas fundamentalmente no presente em ato e no presente futuro – antevendo, projetando, dominando
possíveis situações. “Esta natureza e função do direito implica, na sua essência, um dinamismo
23
historicamente constituindo impulsionado por uma intenção normativa materialmente ordenadora(…)” .
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Intenção axiologicamente fundante ►►► O Direito não fica compreendido se visto como ordem
instituída e instituinte, ou partindo da ideia de cumprimento de uma intenção normativa, já que este procura,
fundamentalmente, a instituição de uma ordem, antes de mais, de validade que justifica o seu carácter.
Mesmo que se entenda a ordem jurídica como um “mero facto social”, esta tem sempre duas finalidades
fundamentais que são a segurança e a paz – que são os valores que conferem á ordem jurídica a sua
validade social. O Direito, como verdadeiro Direito, não pode surgir apenas como um facto; tem de se revestir
de validade. Apresentam-se três razões:
A própria intenção normativa implica uma pretensão de validade que justifique a existência
de “normas” [que têm de ser válidas e nunca arbitrárias]
Para mais, a nossa cultura tem sempre entendido o direito, como um direito válido. Desde os
gregos que há um esforço histórico para realizar certos valores fundamentais na existência
comunitária. Este tem de manifestar na vida social algo axiologicamente fundado. Era
absurdo não associar o direito a uma intenção social normativamente válida e a um
compromisso material com certas intenções e objetivos axiológicos susceptiveis de fundarem
a sua validade. Fala-se de uma intenção de justiça.
A nota de obrigatoriedade normativa do Direito exige este fundamento axiológico de validade.
Um Direito que não pretendesse surgir como obrigatório não podia ser mais que ineficaz. A
obrigatoriedade não tem sentido sem um fundamento axiológico, sem uma validade
normativa em sentido próprio.
Concluímos, assim, que o direito tem de ter uma dimensão axiológico-normativa. De modo algum,
podemos procurar entender o direito apenas a nível formal, sendo importante considerar o seu compromisso
material. Surge a ideia de princípio normativo, associada a essa intenção normativa do direito, que considera
o direito no seu verdadeiro sentido jurídico.
23
NEVES, A. Castanheira, Curso de Introdução ao Estudo do Direito, pág. 78
24
NEVES, A. Castanheira, Curso de Introdução ao Estudo do Direito, pág. 78 a 89
CAPITULO II
Para se compreender a ordem jurídica e o Direito, não podemos pensar numa situação hoc sensu, sem
considerar a história e a prática que herdamos do passado. Há qe olhar para o passado para compreender a
nossa situação atual, de forma a responder ás perguntas que se nos colocam, já que os paradigmas
herdados demonstram ser insuficientes na formulação de uma resposta para esses problemas.
Facilmente se concluiu que o Direito é uma instância de validade e crítica dos comportamentos sociais.
Para o compreendermos nesses termos teremos de caraterizar o seu “principio normativo”, fundamentando a
sua validade referindo valores e princípios que a integram e constituem. Surgem duas perguntas pertinentes:
Só poderemos compreender o hoje, se dialogarmos com abertura com o “ontem”, já que é neste último
que encontramos um termo de comparação. Esta pergunta pode ser formulada doutra forma: Que herança
recebemos e porque é que ela já não nos serve? E esta pergunta deve-se ao fato do horizonte histórico ser
indispensável para uma adequada compreensão dos problemas práticos com que nos confrontamos, em
virtude da radical historicidade que eles apresentam. O referente histórico da nossa situação podia ser
procurado no séc. XIX, durante a época do positivismo. Porém, convém recuar mais no tempo para
podermos compreender na íntegra a nossa ordem jurídica e o Direito, já que classicamente, nunca se pensou
o Direito como fez o positivismo.
Nas épocas anteriores ao positivismo, o direito era uma normatividade sistematicamente ordenada e
socialmente vinculante, que brotava de múltiplas fontes: a lei, o costume, a doutrina e a jurisprudência. O
Direito não era um dado, mas sim uma normatividade muito complexa que os juristas iam constituindo à
medida que a realizavam. [“O Direito era então, portanto, um problema prático em contínuo (e complexo)
25
processo de realização” ]
Assim, o Direito só se manifestava para a resolução de problemas concretos, integrando o domínio da
filosofia prática (sobre o bem e o justo) e não o da pura afirmação da voluntas política (como no legalismo).
Direito e ética confundiam-se, já que o direito refletia os valores culturais da comunidade em causa.
Para mais, até ao positivismo, o ius naturalis era o referente último do pensamento jurídico e o direito
constituía-se para além das fontes que positivamente o objetivaram.
Esta época pré-positivista é aquilo a que chamamos “O GRANDE ARCO PRÉ-MODERNO”, onde se
destaca um direito que se descobre e autonomiza sucessivamente:
Como sentido e como especulação filosófica.*
Como prática jurisprudencial.*
Como domínio cultural universitariamente reconstituído e comunicado. *
25
BRONZE, Fernando José, Lições de Introdução ao Direito, pág. 311
*Cada característica aqui apresentada está explicada no sublinhado acima.
A própria pólis grega era entendida como uma comunidade de valores. Estes valores, provinham do
Direito Natural e, como tal, eram considerados “pressupostos, definitivos e perfeitos”. Esta comunidade de
valores só pode ser levada a cabo pelos seus membros, que são um conjunto de cidadãos vistos como
“animais políticos” que participam na vida comunitária e na afirmação destes valores enquanto entidades
adhistóricas, imutáveis, universais, etc…
Na época clássica romana, o direito radicava na prudência das situações concretas, tornando-se
muito relevante o papel da iurisprudentia que criou, desde logo, várias exigências axiológicas densificadoras
da communitas. [ex: bona fides, o animus, etc…]
O pensamento jurídico romano era um pensamento centrado na comparação de casos análogos,
sendo um dos maiores exemplos de direito jurisprudencial existente. As fontes legais eram muito escassas,
mas tal não surgia como problemas desde que os juristas dessem o “ius à civitas. E entendia-se que o ius
(…) [como] “in sola prudentium interptretatione consistit”, pois os juristas romanos (…) defendiam que não
26
constituiam o Direito, mas que apenas o revelavam.” .
Este direito era, tal como na polis grega, um direito natural imutável, adhistórico, universal, surgindo
como comum a todos os indivíduos e experiências.
Na época medieval, o direito era ainda uma iuris-prudentia, mas agora radicada numa hermenêutica
de textos das autoridades religiosas e laicas. Destacam-se o Corpus Iuris Civilis e o Corpus Iuris Canonici
(que com os estatutos senhoriais e o costume constituíam as fontes do direito medieval). E a hermenêutica –
interpretação – desses textos era orientada pelo método escolástico. O pensamento escolástico era uma
dialética problemática que cria um problema, prevê hipóteses de resposta com base em textos a favor e
contra, para chegar a uma conclusão. Na interpretação das obras, destaca-se a escola dos glosadores (séc.
XII) que introduz um pensamento hermenêutico filológico-gramatical e a escola dos comentadores que
introduz um pensamento mais construtivista e dialético. Estes textos eram “o direito em si mesmo” e eram
usados para a resolução dos casos práticos.
No entanto, o Direito medieval via o Direito ara além destes textos. O texto era apenas uma
manifestação de algo que estava para além dele: dos valores fundamentais da filosofia prática de então.
Eram esses princípios que identificavam a dimensão autenticamente constitutiva do direito medieval.
Mas a «instauração» da Respublica Christiana acrescenta uma vertente divina à ideia de valores
naturais, já que estes passam a ser uma criação da vontade e da razão divina. A fundamentação divina está
presente na evolução do pensamento jurídico.
1.3- O direito natural foi sempre pensado na scientia que a ele se dirigia (…), numa dupla
intenção: uma intenção filosófica, que compreende o direito de forma absoluta pela explicação dos seus
fundamentos oncológicos; uma intenção normativa, que tem na primeira o seu fundamento regulativo, e se
traduz numa determinação de normatividade válida por si mesma. Esta normatividade procurava objetivar-se
e constituir como “cânone regulativo” um critério de validade. Desta forma, o Direito e o pensamento jurídico
deixam de ser maioritariamente práticos, utilizando-se na realização de problemas concretos, para se
tornarem um pensamento e um direito cada vez mais teorético e com uma dimensão material, graças
fundamentalmente à atividade jurisprudencial que lhe está associada.
26
BRONZE, Fernando José, Lições de Introdução ao Direito, pág. 313
Para o jusnaturalismo pré-moderno, o direito natural era um “direito absoluto” já que o “direito
positivo” era um direito inserido numa contingência histórico-social e política, surgindo como elemento básico
de um sistema normativo hierárquico e integrado, que teria no “direito natural” o seu fundamento
normativamente constitutivo e regulativo. A este direito positivo cabia apenas uma função variável de
determinação e concretização.
Cada uma destas dimensões – Interesses (1), Liberdade-voluntas (2) e razão-ratio (2), desempenha
papéis distintos:
27
A ver mais à frente.
Existem outras teorias como a de Bentham, ou o funcionalismo pragmático (que procura caraterizar o
homem nesse seu “estado de natureza”).
2.2- Surgem um conjunto de condições sociológicas que concorrem para a estatização do Direito.
Desde logo, destaca-se a emancipação e exclusividade da afirmação dos interesses individuais. Desde
logo, emancipação de interesses de índole económica que provocou o aparecimento do capitalismo. A
mente capitalista é uma mente dirigida para a satisfação dos interesses próprio, que se expandiu a todas
as atividades económicas, culturais, políticas, etc… Surge, assim, a economia como ciência autónoma
que introduz a ideia de Homem compreendido socialmente como homo aeconomicus. Agora, o Homem
surge na totalidade da sua autonomia, liberdade e direitos e os referentes práticos deixam de ser o “bem”
e o “mal”, para passarem a ser o “meu” e o “teu” [referentes económicos]. “É assim que a societas, já não
a polis ou a civitas, se tornou o campo e objeto principal do político – que à sociedade ético-religiosa-
política viria a suceder a sociedade económica dos nossos dias, pela mediação da sociedade política
30
moderna.” .
2.3- Surge, por fim, um fator cultural do racionalismo moderno- iluminista que, conjugado com um certo
empirismo e com a experiência prática, cria uma nova ciência, que surge como base do intelectualismo
cientista do séc. XIX. Esta traz um novo tipo de racionalidade própria da expressão cultural de autonomia
humana, que vê o mundo e o Homem como explicáveis com toda a objetividade, já que podem ser
analisadas as leis naturais que os regem como toda a objetividade e detalhe. A razão moderna basta-se
a si própria, sendo a “legisladora” da sua própria ordem. Fala-se de uma razão autista já que esta partiu
de si mesma para se fundamentar dando origem a um racionalismo próprio. Este fator divide-se em três
planos:
A pressuposição axiomática
A construção hipotético – explicativa (o método indutivo vinculado à comprovação empírica)
A desimplicação lógico-formal (a consciência lógico-dedutiva).
28
NEVES, A. Castanheira, Curso de Introdução ao Estudo do Direito, PARTE III, pág 4
29
NEVES, A. Castanheira, Curso de Introdução ao Estudo do Direito, PARTE III, pág 5
30
NEVES, A. Castanheira, Curso de Introdução ao Estudo do Direito, PARTE III, pág 16
Associado a este aparecimento de uma nova conceção de ciência, está o declínio da racionalidade
prático-prudencial como a retórica e a dialética.
(a) Jusracionalismo «existencial» ou «empírico» de Hobbes: Existe um direito de todos sobre todas as
coisas e as leis naturais. Supera-se a “guerra de todos contra todos” através da criação do Estado
Leviathan. Define um sentido pragmático-instrumental da lei.
(b) Jusracionalismo Comum: Alimentado por uma construção racional nuclearmente apriorística,
sincronizada com as exigências do seu tempo. Surgem dois tipos de direito:
(b.1) Direito racionalmente natural: O Direito natural (“Direito que a razão conhece” – universal e
imutável, com legitimidade material) determina exigências a aplicar ao conteúdo do direito
positivo/voluntário. Defendido por Grócio, Pufendorf, Thomasius e Wolf.
(b.2) Direito racional ou Direito formalmente racional: A razão apenas intervém formalmente,
impondo exigências estruturais à composição da vontade legislativa e ao texto em que esta se exprime. É
assim, um direito só com exigências formais, que visa a universalização, ignorando o conteúdo. Defendido
por Rousseau – defende leis com generalidade, abstração – e Kant – acrescenta uma nota de formalidade
em sentido estrito.
2.4.2- Assim, a «natureza humana» assumida na sua evidência ético-empírica traz consigo a possibilidade de
se encontrar nesta um traço decisivo que se constrói e reconstrói racionalmente. O Homem moderno surge
como um homem de antíteses: afirma a sua autonomia na razão e na experiência, contrapondo-se ele
próprio à natureza. Contrapõe, ainda, o necessário e o contingente. Ora, o homem moderno-iluminista,
entende-se essencialmente como um homem livre. Pelo que, considerava que o mais natural é que todos os
homens, enquanto seres livres, elaborem um modelo de construção da sociedade, que assente num acordo
dessas liberdades que traduza num vínculo mútuo das realidades mas para afirmação dessas liberdades.
Esse acordo era um contrato social. O contrato social identificava uma vinculação das liberdades, por
afirmação das próprias liberdades. E foi assim de Thomasius a Rousseau. Só Kant é que se propõe a
procurar compreender os princípios desta filosofia prática numa autonomia ideal-regulativa ao ponto de
reconhecer que o abandono do Estado Natural é já um dever ético.
2.4.3- Podemos concluir que o direito na sua conceção normativista é um sistema autónomo de normas com
uma realidade e um modo de existência racional-abstratos. Este existe, independentemente da sua
realização concreta. O Direito só pode ser cumprido positivamente numa legislação – um código. Os códigos
jusracionalistas não se limitam a ordenar, especificar ou melhorar um direito já vigente, mas surgem como
um direito novo para a «planificação global da sociedade». Destacam-se o Código Prussiano e o Código civil
Austríaco.
2.5- O modelo de organização societária que o homem moderno lançou foi o do contrato social, pensando a
sociedade como se todos fizessem parte de um contrato. Sendo todos os homens livres, este naturalmente
tinha de assentar num acordo de liberdades que se traduz no vínculo mútuo das liberdades. O contrato social
vincula as liberdades, afirmando-as com o objetivo de gerir interesses e resolver o problema da convivência
social. Assim, o contrato social radica na autonomia do Homem.
O homem moderno-iluminista afirma a sua liberdade racional realizando os seus interesses. Era
necessária uma ordem, já que o mais natural é cada um afirmar interesses divergentes dos outros. Procura-
se criar uma sociedade partindo do zero. De certa forma, este Homem nega a sociedade, já que esta parte
de si mesmo, já que só o individuo tem sentido. A ideia de contrato prende-se na afirmação que daí decorre
da liberdade e igualdade dos contraentes. O status civilis surge como um status adventitius. (isto é, que vem
depois, que não é natural, que é acidental.)
A sociedade surge como um mero artefacto e surge um novo Estado. Este novo Estado é produto da
vontade racionalizada em termos contratuais, já que só assim a vida social ganharia interesses. A sociedade
moderna surge como revolucionária, pois satisfaz os interesses e objetivos do homem moderno e rompe com
as ordens pressupostas anteriormente.
Mas que novo poder seria este? Não seria certamente o do Leviathan de Hobbes. Primeiramente, na
experiencia do direito racionalmente natural defendia-se um Estado de despotismo esclarecido. Mais tarde,
com Locke e Rousseau, exigiu-se uma rutura radical e revolucionária que traria o poder do Estado
demoliberal, que exigisse liberdade e igualdade.
A origem do direito é, portanto, este contrato social. O direito é aquele que o contrato social
determinar, surgindo como estatuto de coordenação das liberdades de todos e de cada um e as regras de
convivência que o definem são leis. Não é pensável o direito fora das leis, pois não há regras de convivência
fora do contrato destinado a constitui-las. Estas regras visavam, como vimos, garantir e coordenar as
liberdades para cada um assegurar os seus interesses.
2.6- Nesta época, o direito era necessariamente, um direito-lei. Surge assim o legalismo que identifica o
direito com a lei. Esta lei tinha de ser a constitutivo das liberdades e interesses e só podia ser criada pelo
poder legislativo- “vontade geral”, representado a vontade da maioria. Assim, surge uma nova conceção de
lei como expressão de um poder legislativo de vontade legítima que só se constitui na sua juridicidade
quando o seu texto assimilar a estrutura racional de uma norma. Esta racionalidade resulta da:
(1) Articulação hipotético-condicional (se Então)
(2) Da universalidade racional das suas formulações
(2.1) Generalidade (Leis iguais para todos, terminando com a diferenciação social)
(2.2) Abstração (ao irrevelarem a individualidade e a especificidade de situações para
poderem aplicar-se lógico-dedutivamente)
(2.3) Formalidade em Sentido estrito (ao limitarem-se em definir as regras do jogo da atuação
dos interesses sem nele se envolverem).
(3) Do fundamento imanente que o sistema das normas lhe proporciona. (os princípios, normas e
conceitos não estão ordenados por uma estrutura hierarquizante.)
“A politização do direito através da sua estatização legalista foi a primeira expressão moderna do
31
esvaziamento axiológico-material do direito a favor de uma perspetivação tão-só formal.”
31
NEVES, A. Castanheira, Curso de Introdução ao Estudo do Direito, PARTE III, pág 21
A liberdade de Kant, inconfundível com o arbítrio e a contingência material deste. Exige que cada
individuo, ao agir em termos morais, regule a sua ação pelo Dever. Cria um imperativo categórico
que distingue arbítrio (exercício da vontade geral) e liberdade (condição que permite a
compossibilidade dos diversos arbítrios. O direito a estabelecer condições para tornar possível esta
relação entre arbítrios). = «Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa como na
pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente como fim e nunca simplesmente como
meio…»
2.7- Surgem duas condições epistemológicas para a consumação do iluminismo no positivismo jurídico do
séc. XIX:
2.7.1- Era necessário que a racionalidade se inserisse na evolução e na mudança e torna-se o real histórico
racional. A razão deixava de se identificar com o universal abstrato: ela própria era a história. A historicidade
era mais racional do que real pois tinha apriori garantido o êxito no seu sistema.
Assim, era necessária uma historicidade que acentuasse o real, vendo nele prius de uma tentativa de
compreensão racional só a posteriori.
O historicismo mais relevante foi o da Escola Clássica, cujo adversário começou por ser o estatismo
legalista. Esta considerava que o direito não era um produto de uma vontade racionalizada em termos
abstrato-universais, mas uma cultura em geral sedimentada ao longo dos tempos. Estamos perante um
direito pré-suposto que o jurista pesquisava e explicava. Traz consigo uma certa ideia de ciência, na projeção
de um sistema dogmaticamente estruturado. Foi a formalidade que triunfou em Savigny, já que esta era
necessária para garantir a cientificidade. Criou uma teoria da interpretação da lei – A interpretação visava
32
conhecer o “critério legal da sua verdade” .
Em suma, pressupunham, assim, um direito dado nas leis, criadas para depois se aplicarem, e
distinguiam um elemento político (elemento material que vincula o direito à vida geral da comunidade-povo) e
um elemento técnico (que determina um autêntica ciência do direito).
2.7.2- O cientismo traduz-se na redução de toda a validade cultural ao esquema das disciplinas empírico-
analíticas. Para este, a ciência é o domínio da experiência de um objeto. Não admira, que o pensamento
jurídico pretendesse constituir o direito como uma ciência empírico-analítica. Por duas razões:
(a) A época do advento das ciências correspondeu a um apagamento da credibilidade da
especulação metafísica. A única objetividade é a das ciências empíricas ou seja, a objetividade teorética.
(b) Dá-se a distinção ciência/política. O pensamento jurídico limita-se a conhecer o direito, já que é a
política que tem a tarefa de o criar.
Surge uma espécie de dualismo metodológico: se a tarefa do juiz é resolver questões de quid iuris, o
pensamento jurídico surge como seu auxiliar na interpretação e aplicação das leis que foram criadas pelo
poder legislativo. Assim, de um lado temos a técnica (interpretação e aplicação da lei) e do outro a teoria da
ciência do direito. Afirma-se, deste modo, a intenção prática do direito e a intenção teorética do discurso
decisório.
Em suma, o cientismo positivista vem hipertrofiar os discursos e os tipos de racionalidade que vimos.
O direito converte-se num objeto do pensamento jurídico (ou deste enquanto ciência do direito).
32
BRONZE, Fernando José, Lições de Introdução ao Direito, pág. 348
O positivismo jurídico introduziu uma fratura no modo com o direito era tradicionalmente compreendido,
rompendo com a ideia de que este radicava numa filosofia prática. Apesar da pluralidade de fatores
responsáveis pela sua génese, o que é certo é que o positivismo se apresenta como um pensamento simples
que reduz a juridicidade à mera legalidade, ao identificar o direito com a lei e fazendo depender a juridicidade
de um mero “test of pedigree”, isto é, da prescrição das normas legais por instâncias politicamente
legitimadas. Há certas coordenadas caracterizadoras do positivismo jurídico que explicitam o positivismo
legalista.
Princípio da Separação dos Poderes: Autonomizado, primeiro por Montesquieu e Locke, no seu
sentido negativo, isto é, estritamente político. A única via suscetivel de garantir a defesa da liberdade numa
sociedade com vários estratos sociais seria a da moderação do poder. Uma vez repartidos, os poderes
controlar-se-iam reciprocamente - «checks and balances». Montesquieu utilizou a sua perspicácia ao
defender que cada poder seria entregue a um estrato social: O poder executivo é confiado ao monarca; o
poder legislativo deve competir a duas câmaras que reflitam as diferenças de nascimento (Câmara dos
Lordes e Câmara dos Comuns); o poder judicial surge como um poder nulo, porque para a criação do Direito,
só interessa a Lei. O Juiz é a «mera boca que pronuncia a lei», trazendo-a para o caso concreto e aplicando-
a.
O poder era, assim, exercido pelos vários titulares que o fiscalizavam, limitavam e moderavam. No
entanto, o sentido deste princípio foi-se alterando, com a afirmação de um «poder principal». O poder
legislativo, tona-se o «supreme power», porque era na assembleia representativa que se ouvia a expressão
possível da voz da “volonté genérale”. Os demais poderes deixaram de se afirmar como político-socialmente
autónomos e passaram a ter o seu quadro de atuação definido por este poder supremo: eram as leis do
poder legislativo que prescreviam o modo de atuar do poder executivo e do poder judicial. Dá-se, assim, a
transmutação do normativismo moderno-iluminista (lei como mero enquadrante da ação concreta) em
positivismo legalista (lei como critérios imediatos da ação concreta, ditados pelo poder legislativo).
Com Kant e Rousseau, surge uma outra conceção da separação dos poderes – torna-se um «corolários
institucional», livre de qualquer consideração pragmática – em que o poder legislativo é o encarregue pela
criação do direito; o poder executivo surge como fundamental para aplicar e executar a lei (com limites, é
certo!); e o poder judicial surge autónomo, não recebendo instruções ou comandos do poder legislativo,
trazendo a voz da vontade geral para o caso concreto.
Princípio da Legalidade: A lei é entendida como estatuto geral, abstrato e formal da prática política
e da ação concreta, estando na base de toda a vida de relação. Há, assim, exigências de supremacia ou
prevalência da lei, já que os poderes executivo e judicial têm de agir cumprindo o prescrito pela lei, já que
está é um autêntico fundamento destes poderes; e a reserva de lei, que afirma a lei como «imperativo-
norma» constitutivo da juridicidade enquanto tradução de uma conceção representativa de legitimidade (os
poderes só têm legitimidade se agirem de acordo com a lei) e do «duplo postulado do legalismo (traduzido na
ideia de que «A lei é todo o direito… e toda e qualquer lei é direito… Não há direito fora da lei.»). Este
princípio traduz, também, uma concertação do normativismo e do legalismo. («Não há leis que não sejam
normas nem normas jurídicas que não sejam leis…»/«O direito é um sistema de normas gerais e abstratas
prescrito pela vontade legisladora enquanto “vontade geral coletiva do povo”»).
Independência judicial: Traduzia-se na mera obediência do juiz à lei. Mas estas normas legais eram
«critérios normativos» racionalmente universais e não imposições de decisão, visando-se que o juiz não
recebesse ordens de ninguém aquando da decisão de casos concretos.
Reinventa-se a imagem do juiz que ao ser a mera boca que pronuncia a lei» se liberta da sujeição de
poderes, porque surge como independente e neutro, garantindo que as prescrições da vontade geral se
cumpram em cada caso sem restrições na sua universalidade racional. O julgador deve proferir uma
sentença, dizendo o que é de Direito em cada caso, de forma neutra e impessoal, resolvendo o problema. Só
pressuposto a normatividade este está em condições para se libertar da contingência e do arbítrio.
O Paradigma da Aplicação:
(a) O direito-lei pré-determinado: O Direito existe em normas gerais e abstratas, sem interferência do
mundo dos casos concretos. O julgador deve, assim, abstrair-se do problema que o ocupa e
interpretar a norma em abstrato, garantindo a sua inteligibilidade racional e a juridicidade que resulta
da sua universalidade.
(b) Exigência de reconduzir os casos a fatos empíricos desarticulados. Fatos extes que o juiz irá
organizar consoante a relevância e as exigências de articulação que hipótese da norma lhe oferece
(confronto: normas/fatos)
(c) Realizar o esquema lógico-dedutivo do silogismo subsuntivo a garantir a relação entre o geral e
o particular sem implicações normativas.
(a) A lei enquanto imperativo ou formale legis – comando, prescrição ou estatuição normativa,
quem tem a sua «fonte na vontade do povo» e no poder soberano que a representa, e que como tal se impõe
(e nos vincula)
(b) A lei enquanto norma racionalmente universal – geral, abstrata e formal, mas também
permanente ou estável (diríamos, imutável), entenda-se, «subtraída à contingência e mutabilidade do
individual histórico-concreto, à relatividade histórico-concreta».
As leis seriam válidas se pudessem dizer-se racionais, isto é, se fossem gerais, abstratas, formais e
imutáveis. A racionalidade (formal) e a validade coincidiam. Podemos ainda referir a importância da
normatividade constitucional e da organização da legalidade, como resposta à pretensão de unidade e
completude.
A axiologia do positivismo tem um carácter meramente formal e, com efeito, é indiferente o conteúdo das
leis, desde que estas sejam gerais, abstratas e formais e garantissem a igualdade visada. O positivismo foi
um pensamento formal, até nos valores que defendeu.
4.1.2- A exigência de superar o normativismo como ciência formalista e abrir portas ao discurso
finalista (teleológico).
Falamos de uma superação no plano do direito (para que a este deixe de importar apenas a forma na
relação entre os arbítrios.) e no plano do pensamento jurídico (para que deixe de ser uma ciência jurídica de
normas-textos).
Destacamos a classificação de Kantorowicz, que defende:
Um pensamento jurídico formalista a partir de uma estrutura dogmática auto-subsistente (sistemas
de conceitos), procurando um sentido para a fórmula dada. (Defende o direito como sistema
formalmente autónomo)
O pensamento jurídico também finalista, partindo de um sentido da realidade material dos fins,
exigências e valores, procurando um sentido material para a solução encontrada, assumindo a
conexão direito/realidade social. Se o direito é uma dimensão da realidade social não pode ser
pensado num universo abstrato e isolado. Este deve ser compreendido como uma dimensão da
prática social, surgindo ao serviço dos interesses, expetativas e fins manifestados na realidade
social. (O direito pensado como uma dimensão da realidade social, inevitavelmente comprometida
com fins.) = Começa a surgir uma visão finalista em detrimento da antiga visão formalista.
Necessidades subjetivas Interesses relativamente aos objetos que as satisfazem Escassez de objetos
Fins-objetivos Equivalência dos fins Necessidade de decisões que hierarquizem os fins
Racionalidade instrumental-estratégica Societas.
Convicções-projetos Compromissos práticos O outro como sujeito num mundo prático de comunicação
Valores Tarefas Responsabilidades Vínculos integrantes Hierarquização dos fins
Racionalidade prática sujeito/sujeito Communitas
Interesses: exprime esta relação entre as necessidades e os recursos disponíveis (sempre escassos para a
satisfação da necessidade de todos no mesmo grau)
No entanto, não podemos ficar por uma mera ordem de fins. A validade, enquanto exigências axiológicas, é o
plano que confere ao Direito a sua identidade.
A atenção prioritária que a crítica ao legalismo positivista concedeu ao problema das lacunas que
surgiram como múltiplas.
33
Uma acentuação exclusiva dos fins leva a conceção instrumental do Direito e ao fim da sua autonomia.
No entanto, é inevitável que o Estado Providência entre em crise, desde logo porque a sua eficácia
era puramente ideológica, não se materializando. Porém, este abriu portas à recompreensão da legalidade e
à reprocessualização sistémica.
4.2.1- O princípio da autonomia da vontade ou autonomia privada surge como condição normativa de
possibilidade do direito privado, ou seja, surge como a regra dentro destas relações de paridade entre os
sujeitos. As relações jurídico-privadas devem, assim, garantir a autodeterminação destes sujeitos jurídicos.
Estes sujeitos estão também vinculados por uma responsabilidade pela constituição e composição das
34
relações em que participa. [Esta conceção conduzirá a um “principio transpositivo do direito privado” .
A compreensão individualista deste compromisso/exigência deve-se à compreensão do sujeito como
categoria universal, indiferente ás determinações que o individualizam e diferenciam, aos acontecimentos
que constroem a sua identidade, aos seus fins, entre outros. [individualismo abstrato]
Porém, este sujeito também se carateriza pela sua autonomia-liberdade. Procura-se um equilíbrio
SUUM/COMMUNE, que se cumpre paradoxalmente hipertrofiando o pólo do SUUM.
Supera-se esta compreensão individualista:
Superação determinada pelas exigências de um projeto de institucionalização da societas – Estado
Providência e os fins voltados para o interesse comum que este exige.
Superação experimentada pela fragmentação da sociedade em grupos com expetativas e objetivos
conflituantes e distintas interpretações do interesse comum.
Surge um novo individualismo: não o do cidadão da vontade legislativa universal racional mas o do
homem de interesses egoístas e pragmático.
A superação comprometida pelo regresso da comunidade e o horizonte de validade que esta exige.
O princípio da liberdade contratual como especificação normativa: Os negócios jurídicos são atos
de vontade juridicamente relevantes, com resultados jurídicos desencadeados por declarações de vontade.
Os contratos são negócios jurídicos bilaterais, constituídos por duas ou mais declarações de vontade, que
tendem à produção de um resultado jurídico comum, ainda que com um significado distinto entre as partes.
[Ter ainda em conta as definições de contratos unilaterais e bilaterais imperfeitos]. O principio da liberdade
contratual mereceu uma objetivação no art. 405º do C.C. – do principio da autonomia da vontade privada. A
materialização deste princípio permite-nos levar a sério a exigência de reconstituir o domínio de relevância do
contrato enquanto “núcleo de conformação bilateral-interativo”, que só a commune nos ajuda a entender,
superando-se a relação de tensão entre a autonomia e o princípio da liberdade contratual.
► As restrições às chamadas liberdade de contratar e liberdade de modelação do conteúdo do
contrato, para controlar as exigência reais do acordo. (ART. 405º C.C.)
→ Destaca-se a importância dos contratos normativos, que constroem em termos gerais e abstratos
uma disciplina imperativa comum e parificadora, à qual se vão submeter as futuras relações contratuais. São
contratos normativos as convenções coletivas de trabalho, por exemplo, que vinculam todos os trabalhadores
que nelas se enquadrem.
→ Contratos de adesão ou por adesão: contratos em que uma das partes formula prévia e
unilateralmente as cláusulas negociais e a outra parte aceita essas condições. Quase sempre têm a ver com
o fornecimento massificado de bens e serviços.
→ Cláusulas Contratuais ou Condições Negociais Gerais: predeterminações normativas gerais e
abstratas de conteúdos contratuais, uniformizando uma multiplicidade de contratações futuras.
→ Contratos de seguro: à custa de uma remuneração, se cumpre a transferência do risco de um
evento futuro e incerto de uma pessoa para outra. São, por vezes, de celebração obrigatória e quase sempre
surgem como contratos de adesão.
34
LINHARES, Aroso , Sumários desenvolvidos das aulas de Introdução ao Direito I, pág. 64
[Ver Art. 227º Do C.C. : critério da responsabilidade pela culpa na formação dos contratos ou culpa in
contrahendo – uma responsabilidade que se impõe mesmo que o contrato não tenha sido concluído.]
´ ► A relevância jurídica que as auto-vinculações têm, mesmo sem a existência de uma declaração
expressa ou tácita da vontade, sugerindo o universo das relações jurídico-contratuais fáticas.
► Dá-se, assim, uma superação objetivista do dogma da vontade, centrado na vontade real do
declarante. Esta superação deve-se, em grande parte, ao principio da declaração e ao critério da impressão
do destinatário, que se traduzem numa superação prática marcada por exigências de confiança, participação
e num principio de auto-responsabilidade.
Direito Objetivo: Pode definir-se como o conjunto de normas jurídicas que disciplinam a conduta humana na
sua vivência em sociedade.
Direito Subjetivo: Poder ou faculdade, reconhecida a uma pessoa pela ordem jurídica, de exigir a outra um
comportamento positivo ou negativo.
E, assim, se assiste a uma reinvenção do princípio da autonomia privada: uma autonomia que,
embora seja reconhecida, tem de manifestar o sentido normativo e metodológico assumido pelo pensamento
jurídico:
O reconhecimento de princípios e compromissos normativos materiais (de um jus vigente).
A exigência de uma ponderação ou apreciação jurídica em concreto e historicamente situada.
35
BRONZE, Fernando José, Lições de Introdução ao Direito, pág. 408-409
Vaguidades provocadas pelas constantes mutações das situações e dos contextos práticos e pela
alteração ou novidade de problemas.
Um conceito indeterminado é aquele cujo conteúdo e extensão são em larga medida incertos. (Engisch)
Cláusulas gerais – Quando a fórmula ou enunciado não permite obter uma resposta determinativa que
culmine numa decanta-se categorial, remetendo-nos antes para um fundamento normativo de apreciação.
36
Sobre o primeiro e segundo nível, ler páginas 475-489 do livro do Dr. Pinto Bronze, a título de complementar as
abordagens aqui feitas.
37
NEVES, Castanheira, Metodologia Jurídica, Problemas Fundamentais, Coimbra 1993, pág. 280 e
seguintes.
41
→ Implicação axiológico-normativa positiva (Três modalidades da responsabilidade jurídica)
o Responsabilidade perante condições gerais da existência comunitária
Responsabilidade de preservação – princípio da corresponsabilidade (sentido estrito)
[HONESTE VIVERE]
Responsabilidade de contribuição traduzida no princípio da solidariedade [SUUM
CUIQUE TRIBUERE]
FIM
40
Estas matérias constituem apenas referências a desenvolver em Introdução ao Direito II.
41
Estas matérias constituem apenas referências a desenvolver em Introdução ao Direito II.