A madrugada infernal não deixou amanhecer em Vila Socó.
Na maior tragédia de todos os
tempos, chamas consumiram metade da Vila Socó.
1. INCÊNDIO DE VILA SOCÓ (VILA SÃO JOSÉ), EM CUBATÃO/SP
A cidade de Cubatão, no litoral de São Paulo, foi palco de uma
grande tragédia entre os dias 24 e 25 de fevereiro de 1984. Um incêndio matou 93 pessoas e deixou mais de 3 mil pessoas desabrigadas na Vila Socó. Até hoje esses números são contestados por entidades e testemunhas que vivenciaram o episódio. Eles acreditam que cerca de 500 pessoas podem ter morrido no episódio. O incêndio foi provocado pelo vazamento de 700 mil litros de gasolina de um duto da Petrobras que passava sob as palafitas da favela, onde moravam quase seis mil pessoas. O problema teria acontecido por uma falha operacional. O fogo começou por volta da meia-noite e se estendeu até a manhã do dia seguinte. Na época, moradores e lideranças acusaram a Petrobras de tentar abafar o caso. Em 2014, uma audiência da Comissão da Verdade discutiu o incêndio. O presidente da empresa na época da tragédia e ex-ministro de Minas Energia, Shigeaki Ueki, contestou a existência de uma operação para esconder o episódio. “Não houve, dentro da Petrobras, um envolvimento em acobertamento. Não houve nenhum movimento para abafar [o caso]”, disse o ex-presidente da empresa. “O número de 500 pessoas [mortas], a empresa nunca admitiu e nem vai admitir porque não há como comprovar isso”. A Justiça não apontou responsáveis pelo acidente, mas os atingidos foram indenizados pela Petrobras e construíram novas casas na própria comunidade. Milhares de litros de gasolina, procedentes de um vazamento numa das tubulações da Refinaria Artur Bernardes, transformaram a Vila São José (Vila Socó) num imenso mar de chamar, na madrugada de ontem, destruindo 500 barracos e matando dezenas de homens, mulheres, crianças e animais. A dor, a desolação e o desespero formam a imagem do local, onde nem a ação de 200 bombeiros de Santos _ com a ajuda de São Bernardo do Campo e Santos André _ conseguiram evitar a tragédia. A incredulidade e o excesso de burocracia de funcionários da refinaria foram as causas principais da tragédia, segundo denúncias de pessoas que tentaram acionar os bombeiros, quando foi constatado o vazamento, às primeiras da manhã de sexta-feira. Um mar de chamas alimentado por milhares de gasolina, procedente de um vazamento numa das tubulações da Refinaria Presidente Bernardes,devorou anteontem à noite e madrugada de ontem cerca de 500 barracos na Vila São José (Vila Socó), matando dezenas de homens, mulheres, crianças e animais.Durante toda a noite o fogo, que em dados momentos tinha labaredas de mais de 100 metros, ardeu destruindo tudo que encontrava pela frente, deixando em seu rastro a dor, a desolação e o desespero. Cerca de 200 bombeiros de Santos comandados pelo tenente – coronel Nilauril Pereira da Silva, contando com auxílio de carros- bombas de São Bernardo do Campo e Santo André, lutaram desesperadamente para minimizar a tragédia e, conseguiram em parte: eles isolaram um trecho do núcleo residencial e impediram que a destruição fosse total. Mesmo assim, o que aconteceu está sendo apontado como a maior tragédia de todos os tempos na região.
A incredulidade e o excesso de burocracia de funcionários da
Refinaria, segundo denúncia de pessoas que tentaram acionar os bombeiros, quando foi constatado o vazamento, sem que o fogo tivesse começado, foram as causas principais do número de vítimas. Ao tomar conhecimento do fato, o funcionário respondeu que primeiro acionaria um engenheiro da empresa residente em Santos e caberia a ele fazer a avaliação e chamar os bombeiros, se julgasse oportuno.Tivesse a providência sido tomada de imediato, é possível que os bombeiros não podesse evitar o incêndio, mas pela vivência e pela prática, teriam talvez evacuado a área e evitado que tantas pessoas morressem ou ficasse gravemente feridas. Foi de tal porte a tragédia de Cubatão que um oficial bombeiro desabafou: “A situação é tão grave e o fogo foi tão rápido, que nos tornamos impotentes para poder combatê-lo”. Também o tenente Nilauril teve um momento de descontrole emocional, chegando ás lágrimas, por não poder fazer mais em favor dos humildes moradores da Vila São José. Quando o dia amanheceu o incêndio já estava sob controle, mas era simplesmente impossível dar números exatos. Devido ao número elevado de corpos, os médicos legistas deslocaram-se para o a área com a recomendação de liberar os corpos no próprio local, uma vez que o IML de Santos, não dispõe de instalações suficientes para um atendimento deste porte. As autoridades acreditam que também a tarefa de identificação das vítimas será difícil. Na maioria dos casos, somente através de informações de vizinhos ou pelo processo de eliminação vai ser possível fazer a relação dos desaparecidos. O A meia noite a Vila era um mar de chamas, às duas horas um braseiro, às quatro horas um solo calcinado, cinzas, tocos fumegantes. O cheiro de carne queimada se sente à distância e não abandona facilmente as narinas. As brasas crepitam também e o barulho se ouve de longe, tudo a volta ainda arde e há corpos por toda a parte, até onde a vista alcança em meio à fuligem e a fumaça asfixiante. Os corpos queimados negros, o horror. Cada mangueira dos bombeiros é empunhada por mais de 50 pessoas, moradores, amigos, gente de toda a parte. As explosões se sucedem por toda a parte – os botijões transformaram-se em bombas por entre os escombros e toda a tragédia. Os recuos e avanços das mangueiras são feitos mediante ordens gritadas e se fazem perigosamente, os movimentos nem sempre são ordenados. O desespero acompanha o serpentear do jato d’água que vai descobrindo cadáveres. Ninguém tem nada a dizer, e a dor só leva aos monossílabos. “Muita gente morreu, moço, gente demais”. Diz uma senhora apressada, quase em transe. “Porque é que eu tenho que ver isso, porque tenho que estar aqui”., lamentava o experiente bombeiro, lágrimas escorrendo, escorrendo, pelo rosto enegrecido, pela boca chamuscada. “ Só naquele lugar ali (aponta) eu vi mais de vinte corpos, famílias inteiras, crianças, mulheres”… (de Armando jovem voluntário, da cota 95, que caminhou pela estrada mais dez quilômetros, para dar combate corpo- a-corpo às malditas chamas – se ele estivesse numa guerra real, de bombas e armas, seria um herói festejado). Heroísmo que penetrou os corações mais moles, fé que penetrou os corações mais duros, os dois componentes maiores da guerra contra a fatalidade, guerra de muitas baixas. A luta seguiu com a chegada do dia e as primeiras luzes encontraram olhares apáticos, distantes e úmidos, flagraram em meio as cinzas pais a procura de filhos, filhos a procura de pais. Autômatos que andam pelas brasas, queimam os pés,mas não sentem nada além da dor da procura incerta, muitas vezes frustrantes , outras vezes conclusiva: “Ali, ali, aquela mão, o anel, ah! Meu Deus”…
Ninguém sabia ao certo o horário que o fogo começou, mas
todos garantiram que bastou cinco minutos, para que devorasse Vila Socó. O soldado do Polícia Rodoviária, Saturnino , estava de plantão no Forte Apache – posto rodoviário ao lado da favela, ás margens da Anchieta – quando foi avisado, às 22h30, por um morador sobre o forte cheiro de gasolina se fazia sentir na Vila. E é o próprio Saturnino que conta os fatos que sucederam ao aviso até eclodir o trágico sinistro. “ Assim que foi alertado, estava sozinho no posto e avisei a Petrobrás. Às 23h00 chegou o pessoal da empresa, junto com o carro do bombeiros da Refinaria e mais três PMs de plantão em Cubatão. Eles bloquearam as passagens do oleoduto e lançaram espumas pelo túnel, alertando em seguida os favelados para que evacuassem a área. Como estava chovendo, muita gente acabou preferindo permanecer nos barracos, mas houve outros que vieram pedir abrigo aqui no posto rodoviário, alegando que conseguiria dormir com o cheiro da gasolina”. Segundo o soldado, a maré estava naquele momento em direção ao mar, “daí porque a destruição foi maior em uma das extremidades da favela, justamente onde a maré estava concentrando mais gasolina. Da minha parte assim que começou, acionei a rede de telecomunicações com prioridade para o incêndio que eclodiu por volta de 1 hora da madrugada”. A operação de socorro envolveu guarnições de bombeiros de toda a Baixada, Santo André, São Bernardo do Campo, São Paulo, ambulâncias, polícia civil, militar e rodoviária, Dersa e até soldados do 2º Batalhão de Caçadores. A Prefeitura de Cubatão colocou caminhões, tratores, máquinas niveladoras e todo o pessoal disponível. Somente no dique foram utilizados mais de cem caminhões de areia na tentativa de conter as chamas. Também empresas de ônibus particulares enviaram dezenas dezenas de veículos para o local, a fim de serem utilizados no transporte de desabrigados para o Centro Esportivo de Cubatão. Uma Operação gigantesca que, pelos depoimentos, em nada se comparou aos fatos que antecederam o sinistro. O Soldado Saturnino afirmou que até eclodir o fogo somente o bombeiro da Refinaria esteve no local, e após o bloqueamento das tubulações e o lançamento da camada de espuma para isolar a gasolina, nada mais foi feito além do apelo para evacuação da favela e a permanência em caráter de observação, do pessoal da Refinaria. Acontece que até aí muita gasolina já havia sido despejada no mangue. As declarações do soldado de plantão no posto apache foram endossadas totalmente pelo comandante da Polícia Rodoviária no Estado de São Paulo, coronel Gianoni, que chegou no final da madrugada ao local. Nas primeiras horas da manhã de ontem, o superintendente da Refinaria engenheiro Mário de Freitas Esteves, chegou ao local em companhia de vários assessores. Entre uma determinação e outra ele atendia a imprensa: disse em princípio que sempre considerou um perigo a existência de habitações junto a oleodutos, “Pois em caso de um problema qualquer, uma verdadeira tragédia poderia acontecer, como está acontecendo”, frisou. Alegou não poder de imediato informar sobre a causa do vazamento, pois técnicos precisariam primeiro fazer um levantamento da situação. Para Mário de Freitas, vai ser muito difícil precisar com exatidão o foco de ignição. Poderia ser uma lamparina, uma vela, um fósforo aceso ou até mesmo uma fagulha originada de um fio elétrico. Perguntado se a burocracia da Refinaria não teria originado a tragédia, Mario de Freitas respondeu de forma indireta “ nenhum bombeiro do mundo evitaria esse incêndio”. Quanto a isso não restam dúvidas, mas o que as pessoas colocam é que, se avisados a tempo, os bombeiros não poderiam ter retirado maior número de pessoas, diminuindo a quantidade de vítimas. A uma pergunta sobre quem chegou primeiro na região, os oleodutos ou os barracos, o superintendente não precisou nem pensar para responder: “primeiro chegaram os oleodutos”