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Águas Passadas

Ele a amava, ainda. Mesmo com as mentiras dela, com as traições. Mesmo com seu coração
partido por ela. Mesmo sem ela merecer, ele a amava, intactamente. E ela era tudo. Tudo que
ele não deveria ter. Tudo que ele jamais tivera, de fato. Tudo que ele deveria esquecer, porém
tudo o que ele mais lembrava, tudo o que ele mais amava, tudo que ele mais queria. E amava
com teimosia, com insistência. Indo contra todos os conselhos, contra os amigos. Indo contra si
mesmo, ele a amava. Ela, que tanto mal fizera, que destruíra seu coração sertanejo. Ela, que
nada valia, mas que inda assim o fazia sorrir. Ela, aquela desgraçada. Porém, ele não tinha culpa
de amá-la. Amava-a por obrigação. Amava-a com mesma ternura de quando a conhecera – mal
sabia ele, naquele tempo, quanto mal ela o iria fazer. Mulher profana, mulher de qualquer um.
Ele a amava, mas não a tinha. Enquanto, nalgum lugar da cidade grande, um homem qualquer
a tinha, mas não a amava. Contradições da vida; maldições para um coração.

Ele não queria amá-la. Afinal amar aquela mulher era o mesmo que amar um abismo, um
precipício, que não mostrava o fundo. Amá-la seria cair sem saber onde ia cessar a queda. Mas
ele a amava mesmo assim. Nada importava. Nada. Podia ela ser a causadora do fim do mundo,
que ele a amaria da mesma forma. Da forma como naquele tempo – ah, que tempo saudoso!
Um ano antes, ele era só mais um camponês humilde de prata, mas rico de alma, que, por
infelicidade do destino, conheceu uma mulher. Aquela mulher da cidade. Aquela, bonita como
ela só. Aquela mulher que apareceu como um raio e como um raio pegou o rumo de volta. Porém
quando voltou, levou junto a honra e o coração do pobre homem. E ele vivia então em
desassossego. Amava-a ainda. Amava-a apenas. Mas amar e possuir não é a mesma coisa. Amar
é perder também, às vezes. E, naquela vez, ele perdeu. Perdeu ela. Perdeu seu amor. Perdeu
tudo para outro rapaz, sem nada de especial. Mas aquele outro rapaz tinha uma coisa que ele
jamais teve: aquela mulher.

A vida nem sempre é justa. Uns amam, mas não têm; outros têm, mas não amam. E, no jogo de
amar e possuir, ele saiu derrotado. Agora só uma aguardente e uma música boa, que não
serviriam para esquecê-la. Saudade dela? Sempre. Voltar para ela? Jamais! Antes morrer na
desilusão que viver no engano.

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