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Celebração

anual da Pascóa
Mutirão 5039anos da SC
Revista de LituRgia
229 JaneiRo/FeveReiRo 2012
SUMÁrio
Mutirão 50 anos da SC 3

Revista de Liturgia Celebração anual da páscoa


Publicação bimestral Penha Carpanedo 5
Proprietário:
Congregação Religiosas
Pias Discípulas do Divino Mestre, Como participar da Vigília Pascal
fundada pelo pe. Tiago Alberione, Ione Buyst 12
em 1924, com aprovação eclesiástica,
todos os direitos reservados
Diretora: Penha Carpanedo
Conselho de Redação: Gregório Lutz,
Mistagogia do sacramento da penitência
Ione Buyst, Penha Carpanedo, Edmar Peron 15
Marcelo Barros, Ana Mazzurana,
Marcelino Sivinski, Silde Coldebella,
Domingos Ormonde, Veronice Estrutura da SC
Fernandes, Gabriela Sperandio, Irene
Brunetta, Neuza Bressiani, Clarinda Piassi Gregório Lutz 19
Revisora: Maria Aparecida Batista
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36
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Revista de LituRgia
229 JaneiRo/FeveReiRo 2012
Editorial

arquivo do curso de atualizacão em liturgia, são paulo

Mutirão 50 anos da SC
vigília pascal na igreja de
N. sra. aparecida, paróquia
s. Francisco Xavier, BH, mg.

E
m 04 de dezembro de 2013, a Igreja Católica Romana estará
comemorando 50 anos da promulgação da Constituição
Conciliar sobre a Sagrada Liturgia, Sacrosanctum Concilium
(SC), primeiro documento votado e aprovado pelo Concílio Ecumê-
nico Vaticano II, convocado pelo saudoso Papa João 23. O Concílio
significou uma profunda renovação interna da Igreja e também em
sua relação com as outras Igrejas cristãs, com as outras religiões
e com a sociedade.

De que trata, afinal, a SC? O que encontramos nesta consti-


tuição? Traz os fundamentos teológicos e orientações para uma
profunda renovação e compreensão da liturgia, isto é, da celebração
eucarística e dos outros sacramentos, da celebração da Palavra de
Deus, das exéquias, do ofício divino (liturgia das horas), do ano
litúrgico, da música litúrgica, do espaço e da arte litúrgica... Não
se trata de introduzir novidades, mas de realizar uma “volta às
fontes” de nossa fé cristã: a sagrada escritura, a vida litúrgica nos
primeiros séculos, os escritos dos Santos Padres. Era necessário
retirar a “poeira” e os acréscimos que foram se acumulando du-
rante séculos e que dificultavam o entendimento e a vivência da fé
recebida das primeiras comunidades cristãs. Era necessário ainda
que a liturgia falasse a língua de cada povo, de cada cultura, e que
o povo de Deus recebesse a devida formação litúrgica.

E qual foi o objetivo central da SC, sua preocupação fundamen-


tal? Devolver ao povo cristão, povo sacerdotal, o acesso à fonte
da espiritualidade cristã: a participação ativa, consciente, plena,
frutuosa... das ações litúrgicas. A maioria das pessoas assistiam
à liturgia celebrada pelos padres sem compreender; então, foram
se apegando às devoções aos santos, à adoração do Santíssimo
Sacramento, às vias sacras, às procissões, à recitação do terço e
do rosário etc., inclusive durante a missa. E se contentavam com
isso, sem ter consciência que lhes faltava o essencial: o acesso à
fonte da vida cristã aberta por Jesus.

E agora, depois de 50 anos de renovação litúrgica conciliar,


perguntamos: mudou alguma coisa? O objetivo da SC foi atingido?
Fomos capazes de assimilar e colocar em prática os princípios da
SC? O que conseguimos realizar? O que falta fazer? Qual o próxi-
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mo passo a ser dado? O que é mais urgente e viável no momento
atual?

Este 50º aniversário da SC está sendo preparado no mundo


inteiro, de várias maneiras. Aqui no Brasil, a CNBB está prepa-
rando um Seminário Nacional com representantes dos Regionais,
bispos, padres, diáconos, professores e professoras de liturgia e
dos sacramentos, leigas e leigos engajados na pastoral litúrgica,
na música e no espaço litúrgico. Espera-se que tudo isso tenha
repercussão positiva em todos os recantos do país.

Também a Revista de Liturgia e a Rede Celebra, em parceria,


querem dar sua contribuição para avançarmos na renovação
conciliar. Afinal, estas duas entidades sempre se pautaram pela
renovação litúrgica do Concílio Vaticano II e seu enraizamento na
Igreja latino-americana. Por isso, tem mais é que colaborar para
que o 50º aniversário da SC seja mais uma oportunidade para
avançarmos neste processo.

Propomos um grande MUTIRÃO no qual os leitores e leitoras


movimentem suas comunidades, paróquias, quarteirões, famí-
lias, amigos... Em cada número da Revista e na página da Rede
Celebra na internet (www.redecelebra.com.br) chamaremos a
atenção para um aspecto da renovação litúrgica ou para uma
determinada celebração. Não temos a pretensão de abordar toda
a SC, ou toda a vida litúrgica. Escolheremos alguns assuntos
mais relevantes na pastoral no momento eclesial atual.

Para trabalhar cada um destes assuntos, propomos quatro


momentos: 1) lembrar resumidamente como era antes do con-
cílio; 2) sintetizar o que a renovação litúrgica propõe e por quê,
levando em conta o rito, o mistério celebrado, o mistério a ser
vivido na celebração e na realidade da vida; 3) elencar algumas
perguntas para observação da realidade litúrgica local: o que
se conseguiu pôr em prática e o que falta fazer; 4) oferecer al-
gumas sugestões para avançar na proposta da SC, cada um e
cada uma em sua realidade.

Lembraremos ainda pequena bibliografia essencial para quem


quiser aprofundar o assunto.

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A celebração anual
da páscoa
Penha CarPanedo, Pddm

C
om este artigo sobre o ciclo da pás- em que os cristãos não se ajoelhavam, não
coa e a proposta da Ione de “Como jejuavam e se mantinham na alegria pascal.2
participar da vigília pascal” (p. 12), A Páscoa, com sua expressão maior na vigília
estamos iniciando um ‘mutirão’ que preten- pascal, estava no coração da Igreja, conforme
tde animar e movimentar as comunidades, testemunham os nossos pais:
com iniciativas pessoais e comunitárias, no
sentido de retomar a grande redescoberta Ó noite, mais clara do que o dia!
do movimento litúrgico e da Sacrosanctum Ó noite, mais luminosa que o sol!
Ó noite, mais branca que a neve,
Concílium ao apontar a Liturgia como fonte de mais brilhante que os nossos luzeiros,
espiritualidade. De fato, depois da ressurrei- mais doce que o paraíso!
ção de Jesus, “tudo o que havia de visível em Ó noite que não conheces trevas,
nosso Redentor, passou para os mistérios”1. espantas todo o sono
e nos levas a velar com os anjos.
Desde então, os discípulos e discípulas de
Ó noite, temor dos demônios,
Jesus, profundamente marcados pelo evento ó noite pascal, por todo um ano esperada.
da sua morte-ressurreição, vão encontrando Noite nupcial da Igreja,
expressões para passar do evento ao memo- que fazes nascer os novos batizados
rial, a começar pelo batismo e depois pela e despojas o demônio adormecido.
Noite em que o herdeiro introduz
permanente memória da liturgia. os herdeiros na herança!3

1. Como era antes do ConCílio Tudo quanto o Filho de Deus fez e ensinou
VatiCano ii para a reconciliação do mundo, podemos
saber não apenas pela história do passado,
mas experimentando-a na eficácia do que ele
a) o ciclo pascal na sua origem
realiza no presente. (...) É nisso que consis-
A organização do ano litúrgico, historica- te celebrar dignamente a Páscoa do Senhor
mente, começou com o domingo, dia memorial com os ázimos da sinceridade e da verdade:
da ressurreição, páscoa semanal. A partir do tendo rejeitado o fermento da antiga malícia,
século II firma-se a prática de uma solene a nova criatura se inebria e se alimenta do
próprio Senhor. A nossa participação no corpo
celebração da páscoa, única festa anual da e no sangue de Cristo age de tal modo que
Igreja até o final do século III, celebrada com nos transformamos naquele que recebemos.
solene vigília, na qual se celebrava o batismo, Mortos, sepultados e ressuscitados nele, que
iniciando novos membros da Igreja no misté- o tenhamos sempre em nós tanto no espírito
quanto no corpo.4
rio do Cristo. Inicialmente a vigília era prepa-
rada por um tempo de jejum e prolongada por
Em todos nós que cremos nele, começa um dia
50 dias de festa, o Pentecostes, concebido de luz, longo, eterno, que não se apaga. É a
como ‘único dia’ de páscoa (Basílio), tempo Páscoa do coração! (...) Maravilha da virtude de

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Deus, obra da força de Deus, festa verdadeira para desviar a atenção do verdadeiro ápice da
e acontecimento inesquecível!. Um não sofrer páscoa. A unidade do Tríduo Pascal, começa
que vem do sofrimento, uma vida que sai do a gravitar em torno da sexta-feira santa sem
túmulo, uma cura que vem do ferimento, um
levantar-se que nasce da queda e uma subida a necessária ligação com a vigília pascal que
que vem da descida aos infernos. (...) Ó festa vai sendo antecipada para o sábado de manhã
espiritual! Ó Páscoa de Deus que desce dos céus com a bênção da água para uso devocional
até à terra e que volta a subir da terra aos céus. (água benta). Destituída de sentido teológico
Ó solenidade nova e universal, assembleia de
e de mística, a Páscoa torna-se insignificante
toda criação! Alegria e honra do universo, seu
alimento e suas delícias! Graças a ti, as trevas na espiritualidade da Igreja.
da morte foram destruídas e a vida se estendeu Ritos de caráter prático acabaram cha-
a todas as coisas.5 mando a atenção dos fiéis, mais do que os
ritos fundamentais: o rito da transladação
No IV século, a quaresma, vai se firmar do Santíssimo, o despojamento do altar, a
como tempo de preparação à Páscoa, pela entrada solene da cruz na sexta-feira santa,
disciplina da penitência e em função das exi- a bênção do círio no início da vigília (am-
gências do catecumenato. Estruturada à luz pliado com o canto do Exulte). A adoração
do simbolismo bíblico dos ‘Quarenta dias”, é ao Santíssimo ganha peso e o próprio lugar
considerada ‘sacramento’ de conversão para da reposição do Santíssimo em forma de
os batizados penitentes, tempo de iluminação sepulcro enfatiza a paixão como ponto de
para os catecúmenos, preparação espiritual gravitação do tríduo.
de toda a Igreja para a grande celebração da Por volta do século VI a quaresma alargou-
páscoa. se para cinquenta, sessenta e setenta dias,
Assim, com um tempo anualmente consa- acentuando a índole penitencial, em prejuízo
grado para celebarar solenemente a páscoa, da índole batismal e pascal. Ritos catecume-
esta se consolida como prática estruturante nais (escrutínios) e leituras bíblicas do ter-
da mística e da liturgia cristã. ceiro, quarto e quinto domingos da quaresma
passam para os dias da semana, e as leituras
b) Progresso e desvios feriais passam para os domingos.
Em Jerusalém, nos lugares onde os fatos O tempo pascal também vai sofrer des-
aconteceram, no IV século, celebrava-se a vios. Ascensão e Pentecostes passam a ser
páscoa não mais numa só celebração na noite celebrados como festas distintas da Páscoa,
da páscoa, mas em dias diferentes, recons- acrescentando, como na páscoa, uma oitava
truindo os últimos passos de Jesus: entrada a Pentecostes.
em Jerusalém, última ceia, paixão, morte e
ressurreição. 2. o que ProPôs o ConCílio
Imitando Jerusalém, a Igreja de Roma
vai desdobrar a sua celebração anual em Em face destes desvios, já em 1955, como
um tríduo: a sexta-feira da morte, o sábado fruto do movimento litúrgico (antecipando
da sepultura e o domingo da Ressurreição. o Concílio Vaticano II), o papa Pio XII, fez
Inicialmente, os três dias eram vividos como uma reforma da semana santa. Entre ou-
celebração do único mistério pascal do Cruci- tras coisas, foi estabelecido que a missa da
ficado, Sepultado e Ressuscitado. No entanto quinta-feira santa fosse celebrada à noite,
este desdobramento contribuiu para um pos- não antes das 17 horas e não além das 20
terior esfacelamento. horas. A liturgia da sexta-feira santa foi
Até o século VII, na Igreja de Roma, não transportada para a tarde, de preferência
havia vestígio algum de comemoração da às 15 horas ou depois, mas não além das 18
Ceia do Senhor, pois só na noite da Vigília horas. A solene Vigília devia ser celebrada,
Pascal se celebrava, como seu ápice, a liturgia de preferência, depois da meia noite. Estas
eucarística. A partir de então, a celebração mudanças visava restituir ao Tríduo Pascal
da instituição da Eucaristia na quinta-feira a sua concepção original.
santa assume tal relevância que acaba sendo O Concílio Vaticano II re-colocou no centro
contada como parte do Tríduo, contribuindo da vida cristã o Mistério Pascal e definiu toda
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a liturgia como memorial da Páscoa de Cristo hesitação e depois restringida ao presidente, foi
no coração da história, também o Ano litúr- reintroduzida na reforma de Pio XII.
gico, cujo ápice voltou a ser a Vigília Pascal. Durante o sábado santo “a Igreja perma-
O grande objetivo do Concílio ao reformar o nece junto do sepulcro do Senhor, meditan-
ano litúrgico, era retornar à sua origem, para do a sua paixão e morte, a sua descida aos
“alimentar devidamente a piedade dos fiéis” infernos, e esperando na oração e no jejum
(SC 107). A propósito do ciclo pascal, o que a sua ressurreição” (PCFP, 73). É momento
se quer enfatizar é a centralidade da Páscoa de meditar sobre a sepultura do Senhor, cer-
na vida da Igreja. De fato, na continuidade tificação de sua morte, pertencente à forma
do movimento litúrgico, a reforma do Con- mais antiga da fé: ‘Cristo morreu pelos nossos
cílio Vaticano II visou, em primeiro lugar, pecados, segundo as Escrituras, foi sepulta-
devolver ao povo de Deus a possibilidade de do e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as
reencontrar na participação litúrgica a fonte Escrituras’ (1Cor 15,3-4).
da vida cristã. “O domingo de Páscoa é a máxima soleni-
dade do ano litúrgico” (DPPL, 148). Com efeito,
a) o tríduo pascal a ressurreição de Cristo é o fundamento da
A partir da reforma, o tríduo pascal “co- nossa fé e da nossa esperança, no qual fomos
meça com a missa vespertina na Ceia do inseridos por meio do Batismo e da Confir-
Senhor, possui o seu centro na vigília pascal mação: mortos, sepultados e ressuscitados
e encerra-se com as vésperas do Domingo com Ele (cf. PCFP 80). Segundo uma antiga
da Ressurreição” (NALC, 19). É a Páscoa do tradição, a noite da páscoa é consagrada ‘em
Senhor, celebrada sacramentalmente em honra do Senhor’ e ‘a Vigília que nela se ce-
três dias: Sexta-feira da paixão (iniciando na lebra, comemorando a noite santa em que o
quinta-feira à noite), Sábado da Sepultura e Senhor ressuscitou, deve ser considerada a
Domingo da Ressurreição (iniciando com a ‘mãe de todas as santas vigílias’. Nesta noite
vigília Pascal na noite do sábado para o do- os neófitos participam, pela primeira vez,
mingo). A vigília Pascal é realmente o ponto como membros do povo sacerdotal. Tomam
culminante de todo o ano litúrgico, memória parte nas preces e levam os dons do pão e do
do Êxodo do povo de Israel que é imagem da vinho até o altar. Pela primeira vez participam
libertação, mediante a morte-ressurreição da oração eucarística e da recitação da ora-
de Jesus. ção do Senhor e se aproximam da mesa para
A celebração da Ceia do Senhor, nas a comunhão eucarística, ápice da iniciação.
horas vespertinas da Quinta-feira Santa, Também “a missa do dia da Páscoa deve ser
tem caráter mais propriamente de ‘primeiras celebrada com grande solenidade”.
vésperas’ da ‘bem-aventurada paixão’, ace-
nado já na antífona de abertura: quanto a b) o tempo pascal
nós devemos gloriar-nos na cruz... O mistério Com a reforma ficou restabelecida a unida-
central é a entrega do Senhor, no corpo dado de do tempo pascal. A celebração da Páscoa
e no sangue derramado. Retomamos, neste continua nos cinqüenta dias que vão do do-
dia, o verdadeiro sentido da eucaristia: fazer mingo da Ressurreição ao domingo de Pen-
o que Ele fez em sua memória: se reuniu com tecostes, celebrados com alegria como um só
os seus, tomou o pão, tomou o vinho, deu dia festivo, como ‘o grande domingo’ (cf. PCFP,
graças, partiu e repartiu. O lava-pés é sinal 100). É tempo de mistagogia para toda a
do Amor que amou até o fim. comunidade, especialmente para os neófitos,
Na sexta-feira santa, celebrando a bem- com a finalidade de aprofundar a compreen-
aventurada e gloriosa Paixão, a Igreja comemora são e a vivência do mistério pascal6.
o seu próprio nascimento do lado de Cristo na Referindo-se aos neófitos, a mistagogia
cruz (cf. PCFP, 58). Partes essenciais da ação é compreendida como conhecimento mais
litúrgica deste dia são a leitura da paixão se- completo e frutuoso dos ‘mistérios’; apontan-
gundo João e a adoração da cruz que exaltam do, para a compreensão e para a eficácia dos
a vitória do Cristo (não o sofrimento). A comu- sacramentos, ou seja, a mudança da pessoa
nhão eucarística que foi introduzida com certa no seu interior e nas suas relações. “Durante
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todo o tempo pascal, nas missas dominicais, suas celebrações litúrgicas em nada diferen-
os neófitos tenham reservado um lugar es- tes das semanas anteriores, embora dois deles
pecial entre os fiéis. Na homilia e, segundo a sejam marcados pela leitura de um cântico
oportunidade, na oração universal, faça-se a do Servo de Deus, das profecias de Isaías. Na
menção deles” (PCFP, 103). De fato, o princi- quarta-feira, lembramos a traição de Judas.
pal meio que realiza a mistagogia é a própria Na quinta-feira, de manhã, o bispo benze na
experiência dos sacramentos que favorece a catedral os santos óleos.
compreensão da Palavra e o relacionamento
com as pessoas, inclusive “relações mais es- 3. Confrontar Com a realidade
treitas” com membros da comunidade.
Tais orientações podem ser adaptadas, Não se pode negar que houve, em nossas
mesmo nas comunidades que não celebram comunidades, na Igreja do Brasil, uma pro-
a eucarístia todos os domingos. Sobretudo na gressiva apropriação do sentido teológico e
oitava, especialmente relacionada aos neó- das expressões rituais que compõem o ciclo
fitos, poderiam ser organizadas celebrações pascal. Somaram-se esforços em toda a parte
da Palavra ou ofícios (e por que não com a para celebrar o tríduo como memória anual
presença dos neófitos de roupa branca, como da Páscoa num todo unitário, como era nos
nos primórdios?). De qualquer forma, para primeiros séculos da Igreja. A Vigília pascal,
toda a comunidade, essa é uma semana de em muitas comunidades, recuperou o seu
mistagogia, de progresso na compreensão caráter noturno e voltou ao seu lugar de “mãe
e na vivência do mistério pascal (cf. RICA, de todas as vigílias da Igreja”, ápice das cele-
n. 38). brações pascais e de todo o ano litúrgico.
Contudo, a eficácia do rito não se dá auto-
c) a quaresma maticamente; supõe uma pedagogia pastoral
Superando reveses históricos, a quaresma que vai da evangelização à celebração e, da
volta a ser tempo de preparação à grande celebração ao cotidiano. No momento atual,
festa da páscoa. “Por sua dupla característica estamos assistindo a um esvaziamento, an-
[batismal e penitencial] a quaresma reúne tes mesmo que pudéssemos chegar a uma
catecúmenos e fiéis na celebração do mistério maturação neste processo de re-apropriação:
pascal”, sendo um tempo de “recolhimento ou se cumprem as normas de uma maneira
espiritual” para ambos (RICA, 152). absolutamente formal, ou simplesmente se
Para os catecúmenos, a quaresma coincide ignora a riqueza proposta pela reforma em
com o tempo da purificação e iluminação, pre- seus princípios e orientações... E o vazio
paração imediata à ultima etapa da iniciação acaba sendo preenchido por iniciativas par-
cristã. Para os que foram batizados, e que irão ticulares nem sempre consistentes.
renovar a profissão de fé batismal na noite da À luz do que propõe o Concílio cada equipe
páscoa, a quaresma é oferecida, como “sinal pastoral faça uma ‘avaliação-observação’, da
sacramental da nossa conversão” [PCFP, 23], realidde local: como o ciclo pascal é perce-
tempo de retomar as exigências do batismo e bido no conjunto do ano litúrgico? Com que
de renovar a adesão a Jesus e à sua Palavra; pedagogia trabalhamos a quaresma, o tríduo
tempo de reconciliação e de penitência; de je- pascal e o tempo pascal, em função de uma
jum, oração e solidariedade, superando o mal espiritualidade pascal? O que conseguimos
com o bem, passando da velha para a nova colocar em prática, a partir da reforma do
conduta segundo os critérios de Jesus. Concílio e o que ainda falta? O que fazer para
A semana santa é uma sequência de dias que as festas pascais sejam ponto alto na vida
com sentido bem variado. Destaca-se primeiro da comunidade, expressão da fé de uma Igreja
o Domingo de Ramos como grande entrada que assume como missão a defesa da vida?
para a comemoração anual da Páscoa do E cabe, certamente, uma avaliação pesso-
Senhor Jesus, que tem sua culminância na al, de como cada um de nós, se deixa orientar
vigília pascal e no domingo da Ressurreição. pela Palavra, e pela riqueza de símbolos,
Os primeiros dias da semana (2ª, 3ª, 4ª e 5ª) cantos e orações deste tempo litúrgico.
são ainda dias da quaresma, na estrutura de Sabemos que não há solução fácil para um
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problema que mais parece ser espiritual do seu conteúdo bíblico e litúrgico, com seu es-
que formal. Não basta mudar o rito, é neces- tilo simples e orante, oferece diversos roteiros
sário um esforço pastoral para realizá-lo de para os ofícios de vigília dos domingos e para
tal maneira que seja, de um lado, expressão os ofícios da manhã e da tarde nos domingos
das experiências pascais vividas no dia a dia e dias da semana.
e, de outro, que seja fonte espiritual que nos Os Evangelhos da Samaritana, do Cego
leve a fazer do nosso cotidiano uma páscoa de Nascença e da Ressurreição de Lázaro,
contínua. correspondentes aos 3º, 4º e 5º domingos do
ano A, relacionados à iniciação cristã, podem
4. Para aVançar na PrátiCa ser proclamados nos anos B e C, sobretudo
quando há catecúmenos (cf. CPFP, 24).
Segue uma série de lembretes, que visa A Campanha da Fraternidade contribui
garantir que as ações rituais sejam celebra- para que esmola ou caridade, não seja as-
das com densidade de sentido e conduzam a sistencialismo, mas ação solidária, da Igreja,
uma renovação espiritual. Certamente, não no plano mais amplo das políticas públicas
basta executar a norma, é preciso buscar o com repercussões mais abrangentes no âm-
sentido que está por traz da norma. Se com- bito das campanhas de solidariedade, dos
preendemos o sentido profundo, teológico-es- movimentos de luta dos pobres, dos pactos
piritual das ações rituais podemos expressar ecológicos, dos processos de entendimento
este sentido pela maneira de celebrar, sem em busca da paz. Veiculada pelo rádio e pela
necessidade de muitas explicações e evitando televisão, não deixa de ser um apelo à conver-
mudanças que modificam o sentido. são do coração e à prática da solidariedade,
dirigido a toda a sociedade.
a) Na Quaresma Durante séculos se produziu nos ritos da
No tempo da quaresma, não se colocam semana santa uma espécie de paralelismo:
flores no altar, o som dos instrumentos só é de um lado os ritos litúrgicos e do outro,
recomendado para sustentar o canto e omite- os ritos da piedade popular, especialmente
se o “aleluia” em todas as celebrações, desde as procissões. Essa diversidade deveria ser
o início da quaresma até a vigília pascal, in- orientada para uma correta harmonização
clusive nas solenidades e nas festas (PCFP, entre ambas (cf. DPPL, 138).
17-18).7 A cor litúrgica é o roxo (rosa, no 4º).
Tal sobriedade manifesta, externamente, que b) no tríduo pascal
o tempo é de penitência e nos convida a pas- Quinta-feira à noite
sar por este ‘vazio’ que é parte da vida e da O que é recomendado para toda cele-
própria páscoa: passar da morte à vida. Sem bração eucarística, vale ainda mais para a
glória e sem aleluia o canto da quaresma nos celebração da Ceia do Senhor: usar pão em
faz reviver o mistério do Êxodo (cf. PCFP, 19) vez de hóstia e vinho para todos, para dar à
a caminho das celebrações pascais. Eucaristia a forma de Ceia que Jesus fez e
Tem sido de grande proveito, dedicar um mandou fazer em sua memória. Por causa da
tempo específico de silêncio e oração na for- verdade dos sinais, o pão (ou hóstias) para a
ma de retiro, durante a quaresma, em geral comunhão dos fiéis deve ser consagrado na
com método da leitura orante a partir dos mesma celebração da missa (por isso, antes
textos bíblicos e litúrgicos próprios deste da celebração o sacrário deve estar vazio). De
tempo. fato, os gestos fundamentais da nossa ceia,
Seja recomendado aos fiéis, o sacramento correspondem aos gestos fundamentais de
da penitência (cf. PCFP, 15). Celebrações Jesus: Ele tomou o pão, deu graças, partiu
penitenciais podem ser realizadas durante e entregou aos discípulos.
toda a quaresma, não só no interior da igre- A adoração eucarística depois da Ceia do
ja, mas de outras formas como caminhadas, Senhor sublinha a presença permanente de
idas conjuntas a determinados lugares onde Cristo sob as espécies eucarísticas, mas não
há situações de sofrimento. é o ápice desta noite. Apesar da solenidade
O Ofício Divino das Comunidades, com da procissão (com velas e incenso) o que
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deve predominar é a sobriedade, para não costumes devocionais arcaicos fora de contexo
se perder a densidade da Ceia do Senhor e (o ofício das trevas, por exemplo).
sua continuidade com a paixão. Nesta noite, Para a adoração da cruz “use-se uma
o sacramento seja conservado num taberná- única cruz, tal como o requer a verdade do
culo ou cibório fechados, nunca exposto em sinal” (PCFP, n. 69). Há antífonas, ‘lamentos’
ostensório (cf. PCFP, 55). e hinos apropriados para a adoração, “que
“A piedade popular é particularmente sen- recordam com lirismo a história da salvação”.
sível à adoração do Santíssimo Sacramento... Um desafio para os animadores do canto:
É preciso que os fiéis sejam esclarecidos escolher o apropriado e evitar o improviso.
não tanto com explicações catequéticas, mas Duas orientações muito válidas: “Depois da
pela maneira de proceder. A experiência tem comunhão proceda-se à desnudação do altar
mostrado a importância de valorizar o canto (...). Disponha-se na igreja um lugar adequado
dos salmos nesta adoração. “Pode ser lida (por exemplo, a capela da reposição da euca-
uma parte do Evangelho de João (13-17)” ristia na quinta-feira santa), para colocar ali
(PCFP, 56), mais ligado com a paixão do que a cruz, a fim de que os fiéis possam adorá-la,
com a presença real. Há uma boa proposta beijá-la e permanecer em oração e meditação”
no Ofício Divino das Comunidades. (PCFP, n. 71). Quanto aos ofícios, sejam cele-
brados ao redor do altar desnudado.
Sexta-feira da Paixão
É recomendada a celebração do ofício da Sábado santo
leitura e do ofício da manhã com a partici- Recomenda-se com insistência a celebra-
pação do povo para contemplar em piedosa ção comunitária do oficio das leituras e do
meditação a paixão e morte do Senhor, (cf. ofício da manhã com a participação do povo
PCFP, 40 e 62). Com ofícios bem organizados (cf. PCFP, 73 e 40). A comunidade reunida
em nossas comunidades, estaríamos ofere- na igreja (não na capela da reposição), en-
cendo algo consistente à assembleia litúrgica contrará nos salmos, nos próprios relatos
e aos “peregrinos” que visitam as igrejas evangélicos referente ao sepultamento de
neste horário. “Ofício Divino das Comunida- Jesus e no texto patrístico do sábado santo,
des” e “Liturgia das Horas” completam-se na rica expressão do mistério deste dia.
preparação desses momentos comunitários Os catecúmenos são convidados a partici-
de oração. par do “recolhimeno” de toda a comunidade.
Para a celebração deste dia há o simbolis- Há ritos previstos: o “éfeta”, a recitação do
mo das três horas da tarde, mas a celebra- creio, o sentido do nome... E pode se organi-
ção pode ser realizada em hora que facilite zar para eles um retiro no sábado à tarde.
a reunião dos fiéis, “desde o meio-dia até o
entardecer, nunca depois das vinte e uma Domingo da ressurreição
horas” (PCFP, n. 63). Ao anunciar a vigília pascal, evite-se
As práticas de piedade, para alguns, são apresentá-la como celebração do Sábado
um complemento da celebração litúrgica; para Santo, e sim como celebração ‘da noite da
outros são a expressão mais forte – às vezes Páscoa (cf. PCFP 95).
única – da sexta-feira da paixão do Senhor. O que é sugerido para todos os domin-
O Diretório sobre piedade popular e liturgia gos do ano, no domingo da ressureição
recomenda não substituir a ação litúrgica da recomenda-se de maneira especial: em lugar
sexta-feria santa por nenhuma manifestação do ato penitencial, “a aspersão com a água
da piedade popular. Lembra que “liturgia e benzida durante a celebração da vigília”. (cf.
práticas de piedade devem coixistir no respei- PCFP, 97)
to à hierarquia dos valores e da natureza espe- No domingo da páscoa, “conserve-se,
cífica de ambas’ (n. 73). Uma advertência que onde ainda está em vigor ou segundo a opor-
merece ser aprofundada: evitar o “hibridismo tunidade, instaure-se a tradição de celebrar
celebrativo distorcido” entre ação litúrgica e as vésperas batismais do dia da Páscoa,
práticas piedosas (cf. DPPL, n. 143), como durante as quais ao canto dos salmos se faz
tem sido comum, em muito lugares, recuperar a procissão à fonte” (PCFP, 98)8.
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Muitas comunidades no Brasil, por falta paróquias (cf. DPPL, 156; cf. PCFP, 107).
de ministros ordenados, não podem parti- Uma proposta bem orante encontra-se no
cipar da celebração do tríduo pascal. Nestes Ofício Divino das Comunidades.
casos, a Celebração da Palavra, enriquecida
com os ritos próprios destes dias, é sem dúvi-
da uma alternativa que não pode ser descar- siglas
sC: Constituição conciliar, Sacrosanctum Concilium,
tada. O Dia do Senhor oferece bons roteiros sobre a sagrada Liturgia, 1963.
levando em conta o específico deste tempo, PCfP: CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO. Pas-
chalis Sollemnitatis: 1988. Foi publicada no Brasil com o
também o Ofício Divino das Comunidades. Título: Preparação e Celebração das Festas Pascais,
Na página eletrônica da nossa Revista você na coleção, Documentos Pontífícios, n. 224, p. 25..
encontra roteiros para as Celebrações (da dPPl - CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO E A
DISCIPLINA DOS SACRAMENTOS. diretório sobre
Palavra) para todos os domingos e festas do piedade popular e liturgia; princípios e orientações. São
ano litúrgico: www.revistadeliturgia.com.br Paulo: Paulinas, 2003.
nalC - Normas Universais sobre o Ano Litúrgico e o
Calendário. Introduções Gerais dos Livros Litúrgicos.
c) no tempo pascal São Paulo: Paulus, 2003, p. 211.
“O círio pascal acende-se em todas as ce-
lebrações litúrgicas mais solenes deste tempo, Bibliografia
tanto na missa como nos ofícios. Depois do dia Paulo VI. Carta apostólica; aprovando as normas univer-
de Pentecostes, o círio pascal conserva-se ho- sais do ano Litúrgico e o novo Calendário Romano Geral.
Missal Romano. São Paulo: Ed. Paulinas, 1992.
norificamente no batistério, para se acender BERGAMINI, Augusto. Cristo, festa da Igreja: o ano litúr-
na celebração do batismo e dele se acenderem gico. São Paulo: Paulinas,1994.
as velas dos batizados” (CB9, 371). LUTZ, Gregório. Páscoa ontem e hoje. São Paulo; Paulus,
1995.
Se em todos os domingos do ano podemos BUYSt, Ione. Preparando a páscoa. São Paulo: Paulinas,
substituir o rito penitencial pela bênção e 2002, 3.ed 2011..
GUIMARÃES, Irineu e CARPANEDO, Penha. Dia do Se-
aspersão da água, com muito maior razão, nhor; guia para as celebrações das comunidades, ciclo
no tempo pascal, para o qual o missal prevê pascal. São Paulo: Paulinas, 2004.
uma oração própria.1 Sobre a preparação do Ciclo pascal: Cf. Ormonde Domn-
gos e Carpanedo Penha. Revista de Liturgia: n. 217,
Durante todo o tríduo pascal há uma p. 15 (quaresma); n. 218, p. 15 (Tríduo); n. 219, p. 16
preocupação com os doentes, para quem é (tempo pascal).
reservado o pão consagrado, como primeira
finalidade. Recomenda-se, sobretudo na oita-
va da Páscoa, que a sagrada Comunhão seja
1
São Leão Magno, Sermão 74. 2: Sermões. São Paulo:
Paulua, 1996, p. 174.
levada aos doentes (PCFP, 104). 2
Cf. Tertuliano. Sobre a Oração do Senhor, 23.
- Para a novena de Pentecostes, tão difun- 3
Astério, o Sofista. Homilia sobre os salmos, in: Antologia
Litúrgica. Fátima (Portugal) 2003, p. 359 [n. 1.311].
dida entre as comunidades cristãs, sugere-se 4
Leão Magno. Sermão 12. Liturgia das Horas, volume II.
como celebração o ofício da tarde com sua São paulo: Paulus, 2000, p. 594.
riqueza de salmos, hinos e orações com os 5
Pseudo-Hipólito de Roma. In sanctum Pascha 1, 1-2:
Studia patristica mediolanensia 15, 230-232 (PG 59,
quais a Igreja invoca o Espírito Santo (cf. 755).
DPPL, 155). Concidindo com a semana de 6
O Cerimonial dos bispos, n. 374, fazendo a mesma afir-
oração pela unidade dos cristãos, o ofício mação, usa a expressão traduzir o mistério pascal “cada
vez mais na vida cotidiana”.
pode incorporar elementos que lhe façam 7
Por exemplo, a solenidade de São José ou a festa da
referência. anunciação do Senhor quando caem na quaresma.
8
Sobre o Ofício das Vésperas do domingo da Ressurrei-
- A “celebração da missa da vigília”, antes ção, cf. artigo de Danilo Cesar, na Revista de Liturgia, n.
incentivada, agora “assumiu grande impor- 224. Março/abril, 2011, p. 4.
tância”, sobretudo na igreja catedral e nas 9
Cerimonial dos bispos: cerim

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Como participar da
Vigília Pascal
Ione Buyst

1. luzes a esperança irá crescendo em nosso coração


enquanto entraremos em procissão no local da
Noite, escuridão, trevas. Quantas vezes, celebração, e enquanto ouviremos o ‘Exulte de
este ano, passei momentos de escuridão, alegria...’ e juntaremos nossas vozes no canto
momentos de angústia, momentos de desâ- do refrão ‘Bendito seja o Cristo Senhor, que é
nimo, momentos de não compreender o sen- do Pai imortal esplendor!’ E sonharemos com
tido da vida, o sentido do meu trabalho, da um mundo renovado, iluminado.
convivência... Quantos acontecimentos nos
deixaram perplexos: inundações; tsunamis; 2. Contando uma longa história: um
terremotos; assassinato de indígenas e lavra- povo a caminho
dores para ficar com suas terras; acidentes
de trânsito; violência; desentendimentos na Não estamos sós. Fazemos parte de um
família, entre amigos, no trabalho... Quantas povo a caminho e que vem de muito longe,
pessoas em dificuldade... Quanta desigual- do princípio do mundo, quando Deus criou o
dade... Quanta indiferença com a miséria das céu e a terra e todos os seres que a povoam,
outras pessoas... inclusive nós, os seres humanos, de todos
Mas nesta noite, no meio da escuridão, os povos e culturas. Escutamos reverentes
acenderemos uma luz, a luz do círio pascal e o relato bíblico da criação, do livro Gênesis.
pediremos: A luz de Cristo que ressuscita res- E reconhecemos agradecidos: Quando tu,
plandecente dissipe as trevas de nosso coração Senhor, teu Espírito envias, todo mundo re-
e de nossa mente! Caminharemos seguindo nasce, é grande alegria! E entendemos que na
esta luz, acenderemos nossas velas neste círio ressurreição de Cristo, o mundo foi recriado
e cantaremos: Luz de Cristo! Graças a Deus! E na esperança.
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Somos um povo abraâmico, que vive pela mesmo corpo. Estamos unidos pelo mesmo
fé em meio às tendas no deserto, sempre Espírito do Cristo, para nos amar como ele
pronto para retomar o caminho, procuran- nos amou. Somos enviados juntos em missão
do novas chances de viver. Fomos parar no para renovar a vida em sociedade.
Egito; conhecemos a acolhida de um povo Com uma ladainha, invocamos a presença
estranho e, depois, a dura escravidão. E ou- e a ajuda dos santos e santas que nos pre-
vimos o chamado de ‘Eu Sou’ que falou com cederam no caminho de Jesus, e pedimos
Moisés na sarça ardente e mandou seu povo insistentemente ao Senhor que nos livre do
eleito caminhar, deserto adentro, em busca mal e nos liberte pela morte e ressurreição de
de libertação. Ele abriu o Mar Vermelho que Jesus e, pela força do Espírito, dê vida nova
ameaçava nos engolir quando fugíamos das às pessoas que serão batizadas.
tropas do exército opressor. E fomos salvos, Vejo a água da fonte batismal. Ouço, aten-
passando no meio do mar, a pé enxuto, como tamente e agradecida, as palavras da bênção,
conta o livro do Êxodo. E entendemos que evocando o sentido desta fonte: recordando
Jesus, em sua morte de cruz, passou pelas as águas da criação, as águas do dilúvio, as
águas da angústia e do sentimento de aban- águas do Mar Vermelho, a água do Jordão no
dono por parte de Deus, mas foi salvo pelo Pai batismo de Jesus e a água que saiu do lado
e nos leva consigo, em sua ressurreição. E na dele quando estava morrendo na cruz, e as
carta aos romanos Paulo insiste em dizer que palavras do Ressuscitado enviando os após-
nas águas do batismo seguimos o mesmo ca- tolos para fazer discípulos e batizar todos os
minho: somos sepultados com Cristo em sua povos...
morte, para ressuscitar com ele para uma vida Junto-me interiormente aos gestos e às
nova. Mas, antes, as palavras dos profetas palavras do presbítero: mergulha o círio
nos animam com a promessa da nova alian- pascal na água e, em nosso nome, pede insis-
ça, do casamento com o Esposo, do banquete tentemente ao Pai que, por seu Filho Jesus,
oferecido gratuitamente, com a volta à fonte desça sobre esta água a força do Espírito
da sabedoria, com a promessa da purificação Santo e ressuscite as pessoas que aceitam
pelas águas e a doação de um novo coração e arriscam fazer a travessia, deixando-se
e um espírito novo que nos torna capazes de batizar para iniciar uma vida nova, pautada
seguir o Senhor. no evangelho de Jesus. Mas, antes de entrar
E quando explode o solene Aleluia e nos é nas águas do batismo, é preciso renunciar à
proclamado o evangelho da ressurreição de maneira antiga de viver e, em seguida, pro-
Jesus, na madrugada do primeiro dia da se- clamar a fé em Deus, Pai e Filho e Espírito
mana, sabemos que o Cristo nos precede nas Santo. Saindo das águas, começa uma vida
‘galiléias’ da vida e que lá o encontraremos, no nova, na comunidade dos seguidores de
meio dos irmãos e irmãs, unindo os corações, Jesus Cristo.
cuidando das feridas, saciando fomes e sedes, Também nós que fomos batizados há mui-
lutando por igualdade social, ensinando o ca- tos anos, renovamos nesta noite santa nossa
minho da vida, cantando salmos, realizando renúncia e nossa profissão de fé e somos
o lava-pés, partilhando pão e vinho... aspergidos novamente com a água batismal,
sinal de nossa participação na morte e res-
3. travessia: passando pelas águas surreição de Jesus. Banhados em Cristo,
somos uma nova criatura; as coisas antigas
Reunidos ao redor da fonte batismal, já se passaram: somos nascidos de novo. Ale-
acolhemos novos irmãos e irmãs na fé que, luia, aleluia, aleluia! E a alegria toma conta
devidamente preparados num caminho cate- de nossos corpos e corações. Então, só nos
cumenal, irão passar pelas águas do batis- resta pedir intensamente, encarecidamente,
mo, serão confirmados com o santo crisma por nós, pela Igreja e pelo mundo inteiro,
e participarão pela primeira vez conosco da unindo-nos à prece de Jesus que sempre
ceia do Senhor. Desta forma, serão ‘in-corpo- intercede por todos nós junto do Pai. E, pela
rados’ no povo de Deus, na comunidade dos primeira vez, os novos batizados participam
discípulos e discípulas de Cristo. Este fato me desta prece, como membros do povo sacer-
afeta pessoalmente, profundamente: somos dotal. Venha o vosso reino, Senhor! Reino de
membros uns dos outros, como partes de um paz e de justiça, reino de vida e verdade para
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Participar da Vigília Pascal supõe: organização das procissões, distribuição
da comunhão...
• Preparar-se para esta grande festa duran-
• Aguardar, com profundo desejo do cora-
te os 40 dias da quaresma, participando
ção, o dia e o momento da santa páscoa,
intensamente das liturgias, intensificando
intensificando-o no sábado santo, até o
a leitura da sagrada escritura, a oração,
início da vigília. Preparar o coração e uma
o jejum, a solidariedade, a Campanha
roupa de festa!
da Fraternidade, a mudança de vida.
Mudai de vida, mudai, convertei-vos de • Juntar-se a todo o povo reunido, sentir-se
coração... parte integrante, consciente de que esta-
mos ali por convocação do próprio Deus.
• Aprofundar de antemão (alguns) textos
Agir, cantar e orar a uma só voz, de um
bíblicos e litúrgicos da Vigília, com leitura
só coração, de uma só alma.
orante, sozinho ou em pequeno grupo...
Se possível, participar de uma reunião • Acompanhar com cada fibra de nosso
de preparação ou ler algum texto sobre o ser (corpo, mente, coração, espírito) a
sentido desta celebração mais importante liturgia da luz, da Palavra, do batismo,
do ano litúrgico. da eucaristia. Ver as pessoas, os gestos,
cada ação simbólica... como se fosse pela
• Participar dos ensaios dos cantos, pers-
primeira vez. Ouvir cada canto, cada
crutando sua mensagem profunda e dei-
passagem bíblica, cada oração..., com o
xando-nos transformar interiormente.
ouvido do coração. Cheirar o incenso e
• Envolver-se na preparação prática da as flores como que para inebriar a alma.
celebração, como por exemplo: limpar e Entregar-se à ação de Deus; deixar o
organizar o local da celebração; preparar Cristo Ressuscitado agir em nós; deixar-
todo o necessário para a fogueira, o círio nos tocar por seu Espírito, através das
pascal e as velas para a celebração da ações rituais, renovando, transformando,
luz; preparar todo o necessário para as fazendo-nos passar da morte para a vida,
incensações; encarregar-se das flores; do desânimo para a coragem, da indife-
preparar a estante da Palavra e a fonte rença para a disponibilidade do amor, do
(ou pia) batismal; fazer pães ázimos para individualismo para uma relação profun-
a eucaristia... da entre as pessoas...
• Se for o caso, assumir algum ministério • Guardar o coração em festa durante todo
e preparar-se para tal: acolhida, leitura, o tempo pascal, até a festa de Pentecos-
salmo, canto..., acendimento da fogueira, tes...

o mundo inteiro. Venha renovar nossas vidas, continuarmos, juntos, sendo um só Corpo e um
nossas sociedades, nossas culturas... só Espírito, o trabalho por um mundo melhor,
a serviço do Reino que há de vir... Não tenham
4. ao redor da mesa do Pão e do Vinho: medo! Eu estarei com vocês. Aleluia! E, pela
formamos um só Corpo, em Cristo primeira vez, os novos batizados participam
da procissão das oferendas, da ação de gra-
Pão e vinho são partilhados como Ele fez ças e oferta do sacrifício, da oração do pai-
naquela ceia derradeira, entre ação de gra- nosso e da comunhão eucarística no Pão e
ças e súplica, deixando claro o sentido de no Vinho. Com a bênção de Deus aceitamos,
sua entrega, de seu martírio, de sua morte juntos, o desafio da missão, em nome de
decidida judicialmente: fidelidade ao projeto Jesus. É páscoa: passagem, transformação,
do Pai, solidariedade total com os irmãos e travessia.
irmãs. Vida entregue, por amor. Prova de
amor maior não há que doar a vida pelo irmão. Ione Buyst, doutora em liturgia, autora de muitos
Doação fecunda que deve se prolongar na livros e artigos tanto no campo acadêmico quanto no
campo pastoral e popular. atua na formação litúrgica
vida de cada pessoa que participa desta ceia: como professora universitária e como assessora em
Tomem, comam e bebam...; tornem-se um só encontros de formação e retiros. membro da rede
comigo – eu em vocês e vocês em mim – para celebra.

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Mistagogia do

márcio a. almeida
Sacramento da
Penitência
Celebrar a penitência. Fazer penitência.
edmar Peron

“E nquanto Cristo «santo, inocente,


imaculado» (Hb. 7,26), não conhe-
ceu o pecado (cf. 2Cor 5,21), mas
éis, canto adequado, saudação litúrgica, breve
introdução à celebração, silêncio e oração3.
Esses elementos têm a força de constituir
veio apenas expiar os pecados do povo (Hb em comunhão os fiéis reunidos e dispô-los a
2,17), a Igreja, contendo pecadores no seu escutar juntos a Palavra de Deus e a celebrar,
próprio seio, simultaneamente santa e sempre frutuosamente, o sacramento da Penitência.
necessitada de purificação, exercita continua- Uma breve introdução após a saudação ritual,
mente a penitência e a renovação” (LG 8)1. feita pelo presbítero que preside a celebra-
Na Igreja, o Ritual da Penitência2, aprova- ção ou outro ministro, deverá “instruir os
do pela autoridade do papa Paulo VI, procu- presentes sobre a importância e o sentido da
rou rever “o rito e as fórmulas” do sacramen- celebração e o seu desenrolar” (RP 49).
to da penitência, de modo que exprimissem Em seguida é anunciada a Palavra de
“com mais clareza a natureza e o efeito do Deus (RP 51), tomada de um amplo lecioná-
sacramento”, conforme solicitação explíci- rio, abundante, variado e bem adaptado (cf.
ta do Concílio Vaticano II, na Constituição SC 35). Além dos dois esquemas exemplares,
Sacrosanctum Concilium sobre a sagrada um que proclama o amor como plenitude da
Liturgia, n.72. Há no ritual, três maneiras lei de Deus e outro que convida à renovação
de se celebrar este sacramento: o Rito para do espírito e da mentalidade, há ainda, para
a reconciliação individual dos penitentes, o a escolha das comunidades, outras trinta e
Rito para a reconciliação de vários penitentes duas leituras do Antigo Testamento, quinze
com confissão e absolvição individual e o Rito salmos responsoriais e cinquenta e quatro
para a reconciliação de vários penitentes com textos do Novo Testamento, dos quais vinte
confissão e absolvição geral. Nesse artigo, to- e seis são dos Evangelhos. Caso se opte por
maremos em consideração, a segunda forma uma só leitura, é melhor que seja dos textos
do Sacramento da Penitência. do Evangelho.
Momento importante da Liturgia da Pala-
o rito celebrado vra será a homilia (RP 52), profundamente
A segunda forma pela qual a Igreja celebra inspirada na Palavra de Deus, ocupando, as-
o sacramento da Penitência – Rito para a re- sim, um lugar certamente não secundário. Ela
conciliação de vários penitentes com confissão supõe o bom discernimento na escolha dos
e absolvição individuais – contém elementos textos bíblicos. À homilia deve-se seguir um
que permitem o desenvolvimento de uma tempo de silêncio (RP 53) “para se realizar o
verdadeira ação ritual: assembleia reunida, exame de consciência e despertar a verdadeira
canto adequado, anúncio da Palavra de Deus, contrição dos pecados”.
homilia, silêncio para o exame de consciência Segue-se, então, o rito da reconciliação,
em comum, a confissão geral dos pecados, realizado em dois momentos. Por primeiro,
a oração de súplica e de ação de graças, os todos fazem uma confissão geral dos pecados
gestos de sentar-se, ajoelhar-se, pôr-se em (RP 54), recitando, de joelhos ou inclinados, o
pé; e oferece, também, a possibilidade da Confesso a Deus todo-poderoso e a vós, irmãos
confissão, aceitação da penitência e absolvi- e irmãs, que pequei muitas vezes..., seguido
ção individuais. de uma oração em forma de ladainha ou
Os ritos iniciais prevêem reunião dos fi- um canto apropriado e, por fim, a oração do
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Pai nosso, que nunca será omitida. Depois, graça de uma frutuosa e verdadeira penitên-
“os penitentes que desejarem se confessar cia”. Que graça seria essa? O Ritual da Peni-
aproximam-se do sacerdote escolhido por tência, n. 5, nos ensina que o pecado “des-
eles, [confessam os seus pecados] e, recebida trói a amizade com Deus” e que verdadeira
a devida penitência, são absolvidos por ele penitência é amar intensamente a Deus e a
com a fórmula para a reconciliação de um só ele se entregar totalmente. Assim, a pessoa
penitente” (RP 28 e 55). Para a absolvição, o pecadora que, pela graça de Deus, “trilha o
ministro ordenado, presbítero ou bispo, “es- caminho da penitência regressa ao Pai que
tende as mãos sobre a cabeça do penitente nos amou primeiro (1Jo 4,19), ao Cristo que
ou, pelo menos, a mão direita”. se entregou por nós (Gl 2,20; Ef 5,25) e ao
A celebração sacramental da penitência, Espírito Santo que nos foi dado em profusão
nessa segunda forma, propõe após o rito da (Tt 3,6)”.
reconciliação, uma ação de graças (RP 56) A frutuosa e verdadeira penitência, por-
realizada em comum, “proclamando o poder e tanto, rompe os limites entre celebração e
a misericórdia de Deus”. Essa ação de graças é vida, pois “o discípulo de Cristo que, após
composta de um canto de louvor (o Cântico de o pecado, se aproxima, movido pelo Espíri-
Maria, o Salmo 135 ou outro salmo ou cântico to Santo, do sacramento da Penitência, deve
bíblico indicados no ritual) e de uma oração antes de tudo voltar-se para Deus de todo o
dita pelo presidente da celebração. coração. Essa conversão interior, que com-
Para concluir todo o rito sacramental, dá- preende a contrição do pecado e o propósito
se a bênção e se despede a assembleia: “O de uma vida nova, se expressa pela confis-
Senhor perdoou os vossos pecados. Ide em são feita à Igreja, pela necessária satisfação
paz”. [isto é, a penitência a ser praticada após a
celebração] e pela mudança de vida” (RP 6).
teologia Pode-se, por isso, afirmar que é essencial à
Olhando o rito, isto é, as palavras e os penitência sacramental e à penitência como
gestos que constituem um sacramento, é virtude – levar vida penitencial – a conver-
sempre possível compreender melhor o pró- são do coração: “voltar-se para Deus de todo
prio sacramento, nesse caso, o da penitên- o coração”. Esse é o apelo das profecias (cf.
cia; porém, sua teologia supera o conteúdo Jr 29,13; Jl 2,12-13; Mt 22,37;18,35), reto-
apresentado nas poucas páginas de um ar- mado anualmente pela Igreja no início da
tigo. Conscientes dessa realidade teológica, Quaresma, tempo penitencial por excelên-
tomemos em consideração apenas alguns cia. Dessa “contrição interior depende a au-
elementos da teologia que o rito oferece e/ tenticidade da penitência” (RP 6a). É preciso
ou desperta. viver em constante penitência, a fim de que
A segunda forma de se celebrar o sacra- a pessoa que segue a Cristo pense, julgue
mento da penitência tem início com um can- e disponha a sua vida segundo o Reino de
to apropriado (RP 48). As duas antífonas Deus e, sendo iluminada cada dia com maior
propostas pelo ritual devem iluminar a esco- intensidade por sua luz, se configure cada
lha desse canto. Elas acentuam a grande mi- vez mais ao Cristo. Como bem nos diz Santo
sericórdia de Deus e sua infinita compaixão: Ambrósio: “Para a reconciliação, a Igreja tem
“Ouvi-nos, Senhor, pois grande é a vossa a água e as lágrimas: a água do batismo e as
misericórdia. Por vossa infinita compaixão lágrimas da penitência”4. Ao falar das lágri-
volvei para nós o vosso olhar”. As saudações mas, o santo bispo ensinava a necessidade
que se seguem (RP 49) variam bastante, evi- da penitência cotidiana, assumida pelo pe-
denciando a misericórdia, a graça e a paz de cador arrependido.
Deus, nosso Pai, e a ação salvadora de seu À conversão do coração se chega pas-
Filho, “que nos amou e lavou nossos peca- sando pela Liturgia da Palavra. É de todo
dos com seu sangue [...] que se entregou por conveniente que o “sacramento da Penitên-
nossos pecados”. cia comece com a audição da Palavra, pela
E, depois de umas palavras espontâne- qual Deus chama à penitência e conduz à
as, introduzindo no sentido da celebração, verdadeira conversão interior”. O anúncio e
quem preside convida à oração ao Deus que a escuta da Palavra de Deus em assembleia
chama seu Povo à conversão, pedindo-lhe “a é convite à conversão, pois leva os que a aco-
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lhem a confrontarem com ela a própria vida, “Deus, Pai de misericórdia, que, pela morte e
e, reconhecendo seus pecados, chama-os a ressurreição de seu Filho reconciliou o mundo
“confiar na misericórdia divina” (RP 17 e 22). consigo e enviou o Espírito Santo para remis-
Essa escuta comunitária da Palavra de Deus são dos pecados”. É, pois, o Pai de misericór-
“tem um efeito singular, em relação à sua lei- dia quem concede aos seus filhos penitentes,
tura individual e evidencia melhor o caráter pelo ministério da Igreja, o perdão e a paz,
eclesial da conversão e da reconciliação” (Re- por meio de sinais visíveis. Dessa maneira,
conciliatio et Paenitentia, 32)5. o sacramento da Penitência aparece como
Compreende-se, pois, a insistência para verdadeira participação no mistério pascal
que a escolha dos textos a serem lidos não seja de Cristo, cuja primeira experiência se dá nos
feita arbitrariamente, mas que seja guiada sacramentos da Iniciação Cristã.
por critérios ou “temas” (RP 24), como, por Por fim, pela ação de graças, os fiéis pro-
exemplo: “a) a voz de Deus que convida os clamam a misericórdia de Deus, acolhendo
homens à conversão e à maior configuração a gratuidade da ação divina que já lhes con-
com Cristo; b) o mistério da reconciliação cedeu a graça do perdão sacramental. Há
pela morte e ressurreição de Cristo pelo dom nessa ação de graças a força que arranca do
do Espírito Santo; c) o juízo de Deus sobre o individualismo e do intimismo que, tantas
bem e o mal na vida dos homens para escla- vezes, sufoca a alegria do perdão; ela libe-
recimento e exame da consciência”. ra a resposta humana que se manifesta e se
A homilia, comentário vivo dos textos concretiza na alegria de uma vida empenha-
anunciados, deverá lembrar aos fiéis reunidos da e comprometida na prática da penitência,
o sentido do pecado como ação contra Deus, recebida no sacramento. Contudo, pastoral-
a comunidade, o próximo e contra o próprio mente falando, é difícil chegar a esse mo-
pecador. Ela anunciará: “a) a misericórdia de mento de ação de graças, pois normalmente
Deus, que supera todas as nossas iniqüidades não são tantos os confessores e, enquanto
e que não se cansa de chamar-nos de volta; b) alguns ainda estão a confessar-se, outros
a necessidade da penitência interior, pela qual penitentes se impacientam, não conseguem
também nos dispomos a reparar os danos apreciar o silêncio e o canto de salmos e se
causados pelo pecado; c) o aspecto social da vão. No fundo, o individualismo marca forte-
graça e do pecado, que leva os atos de cada mente a celebração da Penitência. Essa re-
um a repercutir em todo o corpo da Igreja; d) alidade, presente em muitas comunidades,
o sentido da satisfação que recebe sua força ajuda a compreender a importância de um
do próprio Cristo e exige, sobretudo, além das empenho pastoral renovado para celebrar
obras da penitência, a prática da verdadeira frutuosamente esse sacramento, usando o
caridade diante de Deus e do próximo” (RP, Rito para a Reconciliação de vários penitentes
Introdução, 25). com confissão e absolvição individuais, isto é,
A confissão dos pecados, a penitência sua segunda forma.
e a absolvição se realizam em diálogo com o Portanto, seguindo a própria introdução
ministro ordenado. A confissão é abandono do Ritual da Penitência, n. 22, “a celebração
à misericórdia de Deus, e supõe o arrepen- em comum manifesta mais claramente a na-
dimento ou contrição, bem como o propósito tureza eclesial do sacramento. Pois os fiéis
de não pecar mais. A absolvição (RP 6d) é ouvem juntos a Palavra de Deus que, pro-
o modo eclesial (isto é, por meio de sinais clamando a misericórdia divina, os convida
sensíveis) pelo qual Deus concede o perdão à conversão, levando-os a confrontarem com
ao pecador arrependido. Assim, a Igreja se ela a sua vida e a se ajudarem com a oração
revela como instrumento da conversão e da recíproca. Depois de cada um confessar seus
absolvição do penitente pelo ministério que pecados e receber a absolvição, louvam juntos
Cristo confiou aos Apóstolos e a seus suces- a Deus pelas maravilhas realizadas em favor
sores (Mt 18,18; Jo 20,23), sem, no entanto, do povo que Ele adquiriu com o sangue de
perder aquela consciência de ser ela mesma seu Filho”.
santa e pecadora e, por isso, sempre chamada
à penitência. significado dos ritos para a vida
A fórmula da absolvição insere o gesto “Contudo, para que este sacramento de
sacramental da Igreja na ação salvadora de salvação produza realmente seus efeitos nos
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fiéis cristãos, deve lançar raízes em toda sua celebrações (36), afirma que elas “são suma-
vida impelindo-os a servir com maior fervor mente úteis para levar à conversão e purifica-
a Deus e a seus irmãos” (RP 7). ção interior” (37), pois promovem “o espírito
Um modo para fazer com que o sacramento de penitência na comunidade cristã”; ajudam
da Penitência lance suas raízes na vida de fiéis e catecúmenos, esses em sua conversão,
quem se confessa é encontrado na própria aqueles “a preparar a confissão que cada
penitência, que se prolonga para além da um poderá fazer oportunamente”; educam
celebração sacramental. É aquele compro- “as crianças a adquirirem gradualmente a
misso de lutar contra o pecado já confessado consciência do pecado na vida humana e da
e perdoado. É ilusão deixar de lado esse com- libertação do pecado por Cristo”.
promisso. “Aquele que pecou mais gravemente Os elementos rituais que formam essas
fará penitência mais dura: os crimes maiores celebrações têm por finalidade conduzir “a co-
[...] exigem lágrimas mais abundantes. [...] munidade e cada um a um verdadeiro conhe-
A penitência é o remédio do pecado”6. Essa cimento do pecado e a uma sincera contrição
intuição de Santo Ambrósio, ao falar da peni- interior, que conduzam à conversão” (RP 36).
tência pública, continua uma realidade atual Assim, a luz que ilumina essas celebrações
e foi assumida inclusive pelo Catecismo da penitenciais vem daquela busca sincera da
Igreja Católica (1459-1460), o qual coloca a conversão do coração. Essa é, portanto, a
Penitência entre os sacramentos de cura: “A mesma luz que faz resplandecer o Sacramento
absolvição tira o pecado, mas não remedia da Penitência, as Celebrações Penitenciais e
todas as desordens que ele causou. Liberto as Obras penitenciais.
do pecado, o pecador deve ainda recuperar a Para aprofundar, será de grande ajuda a
plena saúde espiritual”. Após a absolvição, leitura da Introdução do ritual da penitência
“permanece no cristão uma zona de sombra e de seus textos, da exortação apostólica Re-
devida às feridas do pecado, à imperfeição conciliatio et Paenitentia, acima citada, e do
do amor no arrependimento, ao enfraque- Catecismo da Igreja. nn. 1420-1498.
cimento das faculdades espirituais em que Estou seguro de que a Penitência, assim
continua ainda ativo um foco infeccioso de celebrada no sacramento e vivida no cotidia-
pecado, que é preciso combater sempre com no, nos conduzirá àquela experiência pro-
a mortificação e a penitência” (Reconciliatio et posta pelo Apóstolo: oferecer-se a Deus como
Paenitentia, 32). sacrifício vivo, rompendo com a mentalidade
A penitência recebida do confessor, na do mundo, para poder discernir sempre mais
celebração, e outras voluntariamente assumi- “qual é a vontade de Deus, o que é bom, agra-
das, devem ajudar os fiéis a se configurarem dável e perfeito” (Rm 12,1-2).
a Cristo e a serem herdeiros do Ressuscitado,
“pois sofremos com ele [Cristo], para com ele Edmar Peron, Bispo auxiliar da arquidiocese de
sermos glorificados” (Rm 8,17). Essas obras são paulo (região episcopal Belém),
mestre em teologia dos sacramentos.
penitenciais, que curam a pessoa, encontram
seu valor em Jesus Cristo, pois o homem
e a mulher nada podem por si mesmos (cf.
Rm 3,21-26; Hb 9,11-14; Fl 4,13). Elas são, 1
VATICANO II. lumen Gentium: constituição dogmática
como bem nos lembra o Beato João Paulo sobre a Igreja (21/11/1964).
2
RITUAL ROMANO. ritual da Penitência: tradução
II, sinais de um “compromisso pessoal que o
portuguesa para o Brasil da segunda edição típica. São
cristão assumiu com Deus, no Sacramento, Paulo: Paulus, 1999 (sigla= RP).
de começar uma existência nova (e por isso 3
Cf. RITUAL ROMANO. ritual da Penitência..., n. 23; e
não deveriam reduzir-se somente a algumas cf. a Instrução Geral do Missal Romano, n. 46, in: CNBB.
instrução Geral do missal romano e introdução ao le-
fórmulas a recitar, mas consistir em obras cionário: texto oficial. Brasília: Edições CNBB, 2008.
de culto, de caridade, de misericórdia e de 4
AMBRÓSIO DE MILÃO. Carta 41, in: antologia litúr-
reparação)”. gica: textos litúrgicos, patrísticos e canónicos do primeiro
milénio. Fátima (Portugal): Secretariado Nacional de
Para a renovação pastoral do sacramento Liturgia, 2003, p. 548 [2100].
da Penitência, quero ainda recordar a im- 5
JOÃO PAULO II. reconciliatio et Paenitentia: exor-
portância das celebrações penitenciais. A tação pós-sinodal sobre a reconciliação e a penitência na
vida da Igreja hoje (02/12/1984).
Introdução do Ritual da Penitência, depois de 6
AMBRÓSIO DE MILÃO. Sobre a Penitência, in: antolo-
apresentar a natureza e a estrutura de tais gia litúrgica... p. 540 e 541[nn. 2052 e 2055].

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Estrutura da
Sacrosanctum Concilium
Pe GreGórIo Lutz

C
om seu documento sobre a Liturgia o Concílio Vaticano II quis responder à necessida-
de de uma reforma da Liturgia romana. Consciente de que não poderia realizar todo o
trabalho que tal reforma iria exigir, quis apenas orientar para ele. Antes de dar orien-
tações mais concretas e detalhadas para as diversas celebrações, resolveu estabelecer prin-
cípios gerais que deveriam nortear o trabalho da reforma a ser realizada depois do Concílio.
Estes princípios gerais são dados no primeiro capítulo da SC; nos demais seguem, orientações
para as diferentes celebrações e dimensões da Liturgia, baseados nos princípios estabelecidos.
Achou-se necessário que uma primeira coisa a ser esclarecida seria: Que Liturgia queremos? Depois de
ter deixado clara a natureza da Liturgia, seria indicado o seu lugar no conjunto da vida da Igreja e dos fiéis,
para concluir que todos os batizados teriam o direito e o dever de participar ativa, consciente e plenamente
das ações litúrgicas, o que, no entanto, não seria possível sem formação litúrgica dos leigos e do clero.
Com tudo isso já fica evidente que o Concílio visava não apenas uma reforma externa dos ritos li-
túrgicos, mas uma nova compreensão da Liturgia, uma nova mentalidade litúrgica, uma renovação
também interna, espiritual da Liturgia e da Igreja.

introduçÃo n. 5: Querendo Deus salvar todos os homens,


nn. 1-46: Princípios gerais para a reforma e falou muitas vezes aos nossos pais pelos profe-
incremento da sagrada liturgia tas, e na plenitude dos tempos pelo seu Filho,
n. 1: objetivo Geral do Concílio Vaticano ii Verbo feito carne, ungido pelo Espírito, para
- Fomentar a vida cristã entre os fiéis. anunciar a boa nova aos pobres e curar os
- Acomodar aquilo que é suscetível de mudança contritos de coração. Por Ele, especialmente
às necessidades da época. por seu mistério pascal de sua sagrada paixão,
- Favorecer o que contribui para a unidade dos ressurreição e ascensão, foi realizada a obra da
que creem em Cristo. redenção humana e da perfeita glorificação de
- Chamar todos ao seio da Igreja (evangelização Deus, obra que tem o seu prelúdio no povo da
aos não crentes). primeira aliança. Esta obra de Cristo é conti-
- Por isso, julga importante, cuidar de modo nuada na Igreja que nasceu do lado aberto de
especial da liturgia: Cristo na cruz. (Cristo sacramento do Pai, a
n. 2: objetivo específico da sC com respeito Igreja sacramento de Cristo).
à liturgia (explicita as motivações do n. 1): n. 6: O Filho, enviado do Pai, enviou os apósto-
- Reforma e promoção da liturgia, na qual se los, dando-lhes o Espírito:
exerce a obra da salvação, que ajuda os fiéis a - Para anunciar a obra da redenção em Cristo,
viverem e manifestarem o mistério de Cristo e mediante a pregação do evangelho.
a verdadeira Igreja (humana/divina, contem- - Para levar a efeito a obra da redenção mediante
plativa/ativa...). os sacramentos (em torno dos quais gira toda
n. 3: Para se conseguir este objetivo, o Concílio a vida litúrgica).
quer relembrar os princípios e estabelecer as - E para isso, desde Pentecostes, a Igreja jamais
normas: há princípios e normas aplicáveis ao deixou de reunir-se para celebrar o mistério
rito romano e demais ritos; e há as normas prá- pascal: lendo tudo o que a Ele se referia, e tudo
ticas que se aplicam somente ao rito romano. isso na força do Espírito Santo, sobretudo ce-
sC 4: Todos os ritos litúrgicos são reconhecidos lebrando a eucaristia, na qual “se representa a
com igual direito e honra, e devem ser revistos, vitória e o triunfo de sua morte”.
onde for necessário. a grande novidade do Concílio Vaticano
ii: Já que a Liturgia leva a efeito a obra da
redenção, ela mesma é um momento da
CaPítulo i história da salvação. Usando categorias bí-
nn. 5-46: Princípios gerais blicas afirmou ser a liturgia o memorial do
nn. 5-8: a natureza da liturgia: enuncia-se a mistério pascal de Cristo, ponto culminante
teologia litúrgica do Concílio Vaticano II. de todo o caminho pascal de Jesus e ponto
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culminante de toda a história de Deus com o nn. 14-19: Os pastores com boa formação nos
seu povo (entre a primeira aliança e o fim dos seminários e institutos de teologia iniciam o
tempos). Pelo batismo, mediante o Espírito povo na liturgia. Os Institutos especializados
que é fruto de sua páscoa, estamos associa- garantam formadores especializados.
dos a este mistério pascal (o nosso mistério Depois de ter esclarecido assim a natureza da
pascal também faz parte da liturgia; Medellín liturgia e seu lugar no conjunto da vida e ação
aprofundou e ampliou esta compreensão da da Igreja, a SC procede a falar na reforma da
páscoa aplicando-a às lutas e vitórias do liturgia.
povo da América Latina). Não é por acaso nn. 21-25: normas gerais para a reforma da
que a reforma colocou no coração da prece liturgia.
eucarística a aclamação memorial: Todas n. 21: Introdução importantíssima: respeitando
as vezes que comemos deste pão e bebemos o imutável, modificar o mutável, se necessário,
deste cálice, anunciamos, Senhor, a tua morte, para se chegar a uma liturgia autêntica, simples
enquanto esperamos tua vinda. e clara.
n. 7: a afirmação central do número 6 é re- n. 22: À autoridade eclesiástica compete regu-
tomada aqui: lar a liturgia: a Sé apostólica e as conferências
- Para levar a efeito a obra da redenção, Cristo episcopais.
está presente na Igreja, especialmente nas ações n. 23: Ao inovar, fidelidade à tradição e resposta
litúrgicas: na pessoa do ministro, nas espécies ás reais exigências pastorais.
eucarísticas, nos demais sacramentos (batismo), n. 24: Importância da Sagrada Escritura na
na Palavra, na Igreja reunida (cita Mt 18,20) que Liturgia. Promover o amor à liturgia (‘seduzir’)
ora e salmodia. Nesta grandiosa obra, em que nn. 26-31: normas de índole hierárquica e
Deus é glorificado, e se realiza a santificação da comunitária (= contra o clericalismo)
humanidade, Cristo associa a si a Igreja. Assim n. 26: as ações litúrgicas não são ações par-
a liturgia é o exercício do sacerdócio de Jesus ticulares, mas comunitárias; elas pertencem a
Cristo glorioso, cabeça e membros; ela é ação todo o corpo da Igreja.
divina e humana que, por meio de sinais e pa- n. 28: Cada um faça só o que lhe compete (até
lavras significa e realiza a glorificação de Deus o Vat. II o padre fazia tudo).
e a redenção humana. n. 29: Os que servem o altar, leitores, animado-
n. 8: Na Liturgia terrena antecipamos a Liturgia res e cantores exercem verdadeiros ministérios
celeste. litúrgicos.
nn. 9-13: o lugar da liturgia no conjunto da n. 30-31: Prever formas concretas, também
vida e ação da igreja e dos fiéis. rubricas, para garantir a participação ativa
n. 9: A liturgia supõe a fé, e esta supõe o anún- dos fiéis.
cio e a escuta da Palavra (na iniciação cristã n. 33-36: normas de índole didática e pas-
e sempre) e estimula para uma vida de amor e toral
para o apostolado. n. 33: dimensão evangelizadora da liturgia
n. 10: E assim, a liturgia é cume e fonte da vida n. 34: As celebrações resplandeçam de nobre
e ação da Igreja. A liturgia, não apenas supõe, simplicidade.
mas alimenta a fé. Da liturgia, especialmente n. 35: Nexo íntimo entre a Palavra e as
da eucaristia, como de uma fonte, corre sobre ações rituais: na homilia, na cateque-
nós a graça, eficazmente, santificando-nos e se litúrgica e em celebrações da Palavra.
levando-nos a glorificar a Deus, fim último de n. 36: Abertura para a língua do povo.
todas as demais obras da Igreja. nn. 37-40: normas para se realizar a adap-
n. 11: Para chegar a esta eficácia, exige-se dispo- tação
sição de reta intenção, acompanhar as palavras n. 37-38: Não mais impor uma forma rígida e
com a mente, cooperando com a graça... Não única, mas dar lugar a legítimas variações.
basta observar a norma é preciso participar com n. 39: Define-se a quem compete adaptar (não
consciência e de coração. sem a autoridade eclesiástica).
nn.12-13: Contudo, a vida espiritual não se n. 40: Adaptações mais profundas (= inculturação)
limita unicamente à participação litúrgica: inclui nn. 41-46: Incremento da Liturgia nas dioceses
a oração pessoal, o trazer no corpo as marcas e paróquias, a ser incentivado pela pastoral
da paixão, sem desprezar a piedade popular (em litúrgica.
sintonia com a liturgia). n. 43: A importância da pastoral litúrgica.
n. 14: Da natureza da Liturgia e do seu lugar na nn. 44-46: A necessidade de comissões nacio-
vida e na ação da Igreja e dos fiéis decorre o direito nais e diocesanas, de música e arte sacra, com
e a obrigação de todos os batizados de participar participação de leigos.
ativa, consciente e plenamente das celebrações nn. 47-130: aplicação destes princípios e
litúrgicas. Esta participação seja a primeira e normas às diversas celebrações e dimensões
mais necessária fonte de espiritualidade. da liturgia
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CaPítulo ii Deus. Os que celebram o Ofício Divino o fazem
nn. 47-58: o sagrado mistério da eucaris- como Igreja colocando em prática a exortação:
tia “rezai sem cessar”.
nn. 47-48: Fundamentação teológica: Eucaris- nn. 87-89: Fazer cada ofício corresponder à
tia, memorial da morte e ressurreição do Senhor, respectiva hora.
no qual participam os féis diretamente. n. 90: Ofício Divino fonte de piedade. Que a
n. 49: Introdução às normas que seguem: mente concorde com a voz.
n. 50: Rever o rito da missa, para facilitar a nn. 91-94: Nova distribuição dos salmos e re-
participação dos fiéis. forma dos hinos.
nn. 51-53: Abrir mais o tesouro da Bíblia, nn. 95-101: Possibilitar mais ampla participa-
insistência na homilia, restauração da oração ção, também dos leigos.
dos fiéis.
nn. 54-58: Língua vernácula, pão consagrado CaPítulo V
na missa atual, comunhão sob duas espécies, nn. 102-111: ano litúrgico
concelebração. nn. 102-204: O ano litúrgico com seu ritmo
diário, semanal e anual, torna presente o mis-
CaPítulo iii tério da páscoa de Cristo na vida da Igreja.
nn. 59-82: outros sacramentos e os sacra- Une à memória de Cristo, a dos mártires e dos
mentais Interessante observar que da Eucaris- santos/as.
tia, sacramento central e mais importante, se nn. 106: Salienta o domingo, páscoa semanal.
trata em capítulo próprio, e que os sacramentos n. 107: Propõe-se revisão do ano litúrgico, com
são tratados junto com os sacramentais. possibilidade de adaptação se necessário, para
nn. 59-61: Fundamentação teológica deste que possa alimentar a piedade dos fiéis.
capítulo Sacramentos e sacramentais são me- nn. 108-111: Faz referência à necessária hie-
mória da páscoa, sinais eficazes que supõem, rarquia das festas e memórias, destacando o
alimentam, fortalecem e exprimem a fé, para tempo da quaresma.
a santificação e edificação do corpo de Cristo,
nas diversas circunstâncias da vida. Devem ser CaPítulo Vi
facilmente compreendidos, por isso deve ser re- nn. 112-121: música sacra
vistos para que possam alimentar a vida cristã n. 112-113: Função ministerial do canto e da
em nosso tempo. música, que constituem parte integrante da
nn. 63: O uso da língua vernácula e abertura liturgia. Deve estar unido à ação ritual.
às adaptações locais. n. 114: A participação do povo.
nn. 64-65: A restauração do catecumenato dos n. 115: O estudo e a prática musical nos se-
adultos e sua adaptação. minários, casas de formação e institutos espe-
66-70: Batismo de adultos e crianças e sua cializados.
adaptação. n. 119: A adaptação às culturas nativas.
n. 71: Rito da Confirmação em conexão com n. 120: Abertura a outros instrumentos além
toda a iniciação cristã. do órgão
n. 72-78: Sacramentos da penitência, unção n 121: O ministério dos compositores.
dos enfermos, ordem e matrimônio e respectiva
adaptação. CaPítulo Vii
n. 79-82: Também, os sacramentais devem nn. 122-130: a arte sacra e as vestes litúr-
ser adaptados ao nosso tempo, tendo presente gicas
o princípio da participação consciente, ativa e nn. 122-123: Fundamento teológico deste ca-
fácil. Menciona as bênçãos, o rito da Consagra- pítulo. A arte segundo a índole dos povos e as
ção das Virgens e as exéquias. Na perspectiva exigências dos ritos.
da adaptação, conforme as necessidades, outros nn. 124: Antes nobre beleza do que mera sun-
sacramentais podem ser acrescentados. tuosidade.
nn. 125: Imagens em número comedido e se-
CaPítulo iV gundo as exigências da fé.
nn. 83-101: ofício divino nn. 126: Comissões de arte sacra.
nn. 83-86: Fundamentação teológica deste nn. 127: Valorizar os artistas locais que desejam
capítulo. servir à Igreja.
A Igreja continua a função sacerdotal de Cristo, nn. 128: Adequar as normas a respeito de es-
não só mediante a eucaristia, mas de outras paço litúrgico, vestes e objetos de acordo com
maneiras, especialmente pelo ofício divino, reco- os princípios da reforma litúrgica.
nhecido como oração da Igreja, com a finalidade nn. 129: Importância da formação.
específica de consagrar dia e noite pelo louvor a
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Ritos Diferentes

márcio a. almeida
Judaísmo e Memória
Zikaron
Ir. JudIte PauLIna mayer “Minha alma, bendize o SENHOR,
e não esqueças nenhum de seus benefícios.”
salmo 103,2.

A
linguagem bíblica não cansa de lembrar, tradição oral para fazer memória, qual a impor-
de recordar, pedindo ao ser humano “não tância de não esquecer.
esqueças”. O imperativo da lembrança Ao fazer memória através da transmissão
aparece seguidamente nas Escrituras e convida oral e escrita, a tradição judaica possui duas
a fazer memória. vertentes que se completam e garantem a
Perder a memória é uma grande tragédia. Em continuidade nessa transmissão e agem como
nosso tempo, o mal de Alzheimer tem sido causa guardiãs da memória.
de grandes sofrimentos, tornando-se muitas A primeira delas é feita pela narrativa dos
vezes uma tragédia. A pessoa perde o contato acontecimentos lida e relida de geração em
com a realidade, esquece as pessoas que ama, geração. Nas Escrituras encontramos várias
se desliga da família, do passado, de toda a ex- releituras feitas do êxodo. O acontecimento
periência de vida. É como se não tivesse vivido narrado no livro do êxodo será relido na época
e os momentos de lucidez se tornam escassos do rei Josias e dará nascimento à narrativa do
causando dor impossível de mensurar. É gran- Deuteronômio. Na época da inculturação grega,
de o sofrimento tanto dos familiares quanto da o autor do livro da Sabedoria fará nova releitura
pessoa que foi atingida pela doença. do acontecimento dando possibilidade ao povo
Ao falar da história de um povo, sabemos de sua época reviver a mesma aventura dos
que a falta de memória histórica traz consigo antepassados em novo contexto.
a falta de identidade. Atualmente vivemos no A segunda vertente é a celebração litúrgica
Brasil uma intensa busca dos povos indígenas das festas onde a memória dos acontecimentos
e dos afros descendentes, de volta às origens históricos ultrapassa a barreira do tempo his-
para recuperar sua identidade perdida. tórico e dá a possibilidade de voltar ao tempo
Fazer memória é relacionar e relacionar-se. das origens abrindo-se para um novo tempo. A
Relacionar-se consigo, com as pessoas, com vida do judeu religioso será uma continuidade
lugares e acontecimentos. É provocar um êxodo, de gestos e ações que fazem memória da história
sair de si e perceber os sinais. É unir o passado de amor de Deus por ele e pelo seu povo, assim
e o presente percebendo a sua continuidade como por toda a humanidade.
com o futuro. É perceber seu lugar no mundo, Desde seu início, a narrativa bíblica convida a
e fazer parte de um corpo, de uma comunidade, fazer memória e a lembrar as ações de Deus em
de um povo. benefício da humanidade. Guardar o Shabbat
é fazer memória para lembrar que o Senhor o
Zikaron – memória como garantia santificou: Lembra-te de santificar o dia do sá-
Na tradição judaica, fazer memória é a ga- bado... Porque em seis dias o SENHOR fez o céu
rantia da continuidade histórica da comunidade. e a terra, o mar e tudo o que eles contêm; mas
O verbo lembrar zakor aparece 172 vezes na no sétimo dia descansou. Por isso o SENHOR
Bíblia Hebraica1. Zikaron vem da raiz hebraica abençoou o dia do sábado e o santificou2.
z.k.r. para falar da memória, da recordação, da A memória de Israel, pois, se liga à revelação
lembrança. de Deus, de sua promessa e de sua Aliança com
Na tradição judaica a memória histórica se o povo. A promessa feita a Abraão e seus descen-
faz através da transmissão oral e escrita. Tendo dentes é confirmada com o nascimento do povo
a Escritura um lugar tão importante podemos judeu através da memória do êxodo, celebrada
nos perguntar o porquê da preocupação com a de geração em geração até os nossos dias.
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Liderado por Moisés, o povo em sua cami- unificado, fruto de um longo processo de
nhada foi construindo sua memória através de transmissão oral e posteriormente escrita, que
celebrações que perduram vivas até hoje na his- vai sendo compilado e transmitido de geração
tória do povo judeu. E a memória foi ganhando a geração ao longo do tempo. Em cada época,
visibilidade através do modo de se alimentar, cada membro da comunidade judaica recebe o
das vestes litúrgicas, das orações, no cotidiano texto bíblico e o convite a viver a Aliança. Ele a
da vida, pois, a pedido do Deus libertador o interpreta de acordo com os valores do espírito
povo deve “celebrar a memória”3 do seu nome. da época para que a Aliança se perpetue com
O SENHOR falou a Moisés: Fala aos israelitas, sentido para a próxima geração6.
dizendo: Cuidai de guardar os meus sábados,
porque o sábado é um sinal entre mim e vós por e nós hoje...
todas as gerações, para que saibais que sou eu, Ao reproduzir a experiência do cativeiro
o SENHOR, quem vos santifica 4. egípcio através da festa de Pessach, cada judeu,
Ao fazer memória da ação libertadora de Deus no decorrer dos séculos refaz sua história
em favor do seu povo, a celebração de Pessach, como sendo ele próprio resgatado do Egito. A
páscoa judaica, permite a cada pessoa judia experiência do Seder7 pascal permite a cada
atualizar a ação de Deus em sua vida e em sua pessoa da comunidade judaica se apropriar
história. da experiência vivida pelos seus antepassados
Na liturgia judaica o início do ano, Rosh não somente pelo conhecimento intelectual,
Ha-Shaná é conhecido como o Yom ha-zikaron mas vivendo e resignificando no presente o
– Dia da recordação. Segundo a tradição entre acontecimento da origem.
Rosh Ha-Shaná e Yom Kippur, Deus relembra os Izkor: que Ele se lembre, palavra inicial da
atos de todos os seres humanos e os julga de oração realizada em memória dos mortos nos
acordo com seu modo de agir. As três principais leva a pensar no Estado de Israel hoje. A partir
orações de Rosh Ha-Shaná se sucedem da se- de sua criação em 1948, um dia antes de fes-
guinte maneira: Malkiot (intercessão para que se tejar o dia da independência, Yom Haatzmaut,
aceite o Reinado de Deus), seguido de Zikronot celebra-se o dia da memória, Yom Hazikaron. A
(recordações dos méritos dos antepassados que criação deste dia é para lembrar todas as vidas
permitem a continuidade da história) e Shofrot sacrificadas para que seja possível o nascimento
(lembrança do toque do shofar invocando a es- e a manutenção do Estado de Israel. Nesse dia,
perança e a paz sobre o mundo). na vigília do quarto dia do mês de Iyar8, antes
Zikronot5 inicia-se falando para Deus da me- de celebrar a Independência, às 20 horas, em
mória que Ele faz: Tu te lembras de tudo o que todo o país se escuta a sirene tocar e todos são
fizeste... Assim Deus é louvado por se lembrar convidados a fazer um minuto de silêncio em
de cada criatura individualmente e da Aliança memória dos que já morreram para garantir a
eterna feita com o povo de Israel. Todas as ma- independência de Israel.
ravilhas de Deus desde a criação do mundo, pas- O cristianismo herdou do judaísmo a im-
sando por Noé, o chamado de Abraão e o pedido portância de fazer memória da ação de Deus
de Deus para sacrificar Isaac, a escravidão e na história. Nossa liturgia se constrói a partir
libertação do Egito, o exílio e sua volta seguindo dos sinais e do fazer memória da vida morte e
toda a história de Israel e suas vicissitudes. Ao ressurreição de Jesus.
relembrar todas essas maravilhas Israel relem-
Judite Paulina Mayer é religiosa da congregação
bra da Aliança feita com os patriarcas. Israel
de Nossa senhora de sion, professora de teologia.
também é chamado a fazer memória de todos
esses acontecimentos pela observância dos pre-
ceitos, as mitzvot. Ao mesmo tempo, com essa 1
Dicionário Enciclopédico da Bíblia. Petrópolis: Vozes,
oração se implora a Deus para que se lembre 1977, p. 967ss.
de cada um para a vida eterna. 2
Cf. Ex 20,8–11.
O Senhor deu as mitzvot a Israel para ajudá- 3
Cf. Ex 20,1–31,18.
lo a fazer memória de tudo o que recebeu de
4
Ex. 31,12.
5
Rabbi Nosson SCHERMAN. The complete ArtScroll Ma-
seu Criador e Redentor. Assim, o Shabbat e as chzor. Rosh Hashanah. Brooklyn: Mesorah Publications,
festas, as leis alimentares, as bênçãos de cada 1985, pp.510ss.
momento tudo é feito para fazer memória dos 6
Cf. No site http://www.revistamirabilia.com/Numeros/
acontecimentos passados, trazendo compreen- Num3/artigos/art4.htm você encontra o artigo de Cláu-
dia Andréa Prata FERREIRA sobre O Pacto da Memória:
são dos mesmos no presente em que se vive, Interpretação e Identidade na Fonte Bíblica que ajuda
sabendo que o futuro será julgado pelas ações a percorrer a memória da Aliança através dos textos
realizadas neste momento histórico. bíblicos e possui uma excelente bibliografia.
Portanto, a memória judaica é essencialmente 7
Seder significa ordem e é a refeição especial da Páscoa
judaica que deve ser realizada segundo a ordem estabe-
um reconhecimento de Deus, do pacto e de sua
lecida pela tradição oral.
revelação através da Torá, memória fundadora 8
O mês de Iyar corresponde mais ou menos ao mês de
da identidade judaica. Temos um texto bíblico maio de nosso calendário.
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O mistério do culto
1

no cristianismo
Resenha do livro
CASEL, Dom Odo. O mistério do culto no cristianismo. São Paulo: Ed. Loyola, 2009, 16 x
23, 124 página (Tradução de Gemma Scardini).

ney BrasIL PereIra

E
sta edição brasileira da obra, pouco leitura fácil. Não sei se o problema está na
volumosa, mas densa, é a tradução tradução ou, na fraca revisão ou, mais ainda,
do original alemão de 1932/1935, na falta de atualização do contexto do con-
por sua vez, traduzido para o francês em teúdo. O fato é que o livro, assim como está,
1946 e, só agora, quase 80 anos após o seu deixa muito a desejar. É muito diferente da
lançamento, publicada no Brasil. Assim nos leitura do volumoso Missarum Sollemnia, de
informa o apresentador brasileiro, Cláudio Jungmann2, que evidentemente tem outro
Pastro, artista responsável pela extraordinária objetivo, outro método e outro conteúdo.
decoração litúrgica do Santuário Nacional de Mas vejamos, com a brevidade possível, os
Aparecida. cinco capítulos. O primeiro, intitulado “A volta
Quanto aos méritos do autor do livro, ao mistério” (p. 13-20), começa justificando
afirma o apresentador: “Graças a Dom Odo essa volta como uma “necessidade” nunca
Casel, passou-se a entender a liturgia dos dantes tão sentida, porque “a humanidade
Sagrados Mistérios não como um conjunto de nunca se distanciou tanto do Mistério de
rubricas dentro de uma eclesiologia fechada, Deus, nunca se lançou à morte a este ponto”
mas a liturgia como ação do próprio Mistério (p. 13). E agora, 2011, “nunca dantes”? O que
que dá vida à Igreja, desde todos os tempos, e significa, na página 17, esta afirmação: “Com
através dos elementos universais da humani- a queda do humanismo, nossa época (?) abriu
dade” (p.11). Dom Casel, segundo Pastro, “dá o caminho da volta ao Mistério”? Pelo final do
respostas claras” às seguintes questões: “Que capítulo, o autor apresenta três aspectos do
é o Mistério, o Sagrado? Qual a linguagem do “Mistério divino”: 1) “é, antes de tudo, Deus
Mistério? Que é o culto cristão?” nele mesmo” (p.18); 2) “para o apóstolo São
Ainda o apresentador: “Hoje, quase 50 Paulo, o mistério é a maravilhosa revelação
anos após o Concílio Ecumênico Vaticano de Deus em Cristo” (p. 19); 3) “um terceiro
II, surgem querelas sobre qual liturgia seria sentido completa os dois primeiros”: Deus e
melhor: o rito de Pio V (renascentista) ou a Cristo se manifestam nos mistérios do culto,
liturgia de Paulo VI (século XX)? Nada melhor os sacramentos (p. 19).
para nos esclarecer, com os fundamentos teo- O segundo capítulo, o mais longo (pp. 21-
lógicos, do que o movimento litúrgico que fez 69), retoma o título do livro: “O mistério do
escola estudando as fontes antigas à sombra culto no cristianismo”. Ou, traduzindo literal-
da Abadia de Maria Laach, junto com Dom mente o original: “O mistério do culto cristão”.
Festugière e Dom Beauduin, seguidos pela re- O autor começa observando que, para tratar
vista Les Questions liturgiques et paroissiales, desse tema, é preciso primeiro responder à
de Louvain (Bélgica) e pelo abade Caronti e a pergunta: “Que é o cristianismo?” (p. 21). E
Rivista Liturgica (Itália)” (página 12). divide sua exposição em três partes: a) “O
Isso dito e antes de apresentar os cinco mistério do Cristo” (pp. 21-41); b) “No culto
capítulos do livro, confesso que não foi uma há mistérios” (pp. 42-55); c) “A liturgia dos
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mistérios” (pp. 55-68). Note-se que, quanto arremata: “A liturgia dos santos mistérios é
ao próprio termo, o original grego mystérion a atividade central e vital da religião cristã”.
é traduzido em latim, na Vulgata (e também Novamente faço a pergunta: e então, onde fica
na Nova Vulgata), às vezes por mysterium a religião de Tiago (Tg 1,27)?
e, às vezes, por sacramentum. A semântica A segunda parte do capítulo retoma o tema,
dos termos correspondentes, em português, com o título: “No culto há mistérios” (p. 42).
porém, modificou-se. E assim começa: “O Novo testamento nos
Tratando do “mistério do Cristo”, após a ensina que o cristianismo, o ‘Evangelho de
necessária referência à teologia paulina, o Cristo’, é um Mistério. Esse Mistério começa
autor sintetiza: “O cristianismo (... ) é um mis- na Encarnação e atinge seu ponto culminante
tério, no sentido paulino da palavra.” (...) “É na Cruz e Ressurreição...” Quanto à presença
ainda” – e aqui não sei se a tradução, confusa, do Senhor nos divinos mistérios, isto é, nos
corresponde ao original – “o acesso da Igreja sacramentos, o autor cita a bela passagem de
redimida junto ao Pai eterno, um acesso pelo Leão Magno, que assim conclui: “O que era
sacrifício e pelo dom total, consequentemente visível no nosso Redentor passou agora aos
pela glória” (pág. 25). Não entendi. Aliás, no Mistérios. E, para que a fé fosse excelente e
decorrer do livro há muitas, muitas passa- firme, a visão deu lugar à doutrina, cuja auto-
gens de difícil compreensão, como anotei no ridade segue os corações dos fiéis, iluminados
exemplar que li. Às vezes, a teologia do autor pela luz celeste.”
é questionável, como a argumentação sobre o Bela síntese, na página 45, em cima: Não
“sacrifício”, na página 33, a qual começa com haverá outro Reino, não haverá outro sacrifício
esta afirmação radical: “Não existe religião ou nova santificação. O sacrifício de Cristo foi
sem sacrifício”. Será? De que “religião” se o sacrifício vespertino do mundo, e sua res-
trata? Certamente não a exaltada por Tiago surreição foi a aurora de uma nova e eterna
(Tg 1,27). E qual “sacrifício”? Também não o manhã. Na mesma página, interessante afir-
“sacrifício vivo” recomendado por Paulo (Rm mação sobre a relação entre culto e mistério:
12,1). E assim por diante. A forma do Mistério é a única capaz não só de
Na página 34, a citação de 2Cor 5,16 representar um culto exterior,... mas de conter
ficou embrulhada... e questiono o resumo do o dom interior, essa doação fundamental na
pensamento do autor, justificando-se com Jo qual reside o fim central de todo o culto cristão.
3,16, nesta frase: “Foi o próprio Deus quem Na página 46, uma comparação com o culto
ofereceu o sacrifício...”. A quem? A si mesmo? judaico, que “conhecia muito bem, ao lado da
Na página 37, em cima, ao falar do lugar oração e do sacrifício, a outra forma de culto,
essencial que o mistério do culto ocupa no o zikkarôn, ou seja, a comemoração, anám-
Mistério de Cristo, o autor afirma, com just- nêsis”. Pois Deus tinha-se revelado a Israel
eza: “É evidente que, sem o mistério do culto, nos acontecimentos históricos (do Êxodo),
o Mistério de Cristo não poderia continuar os quais não deveriam ser esquecidos. Mas
através dos séculos e se prolongar em suces- esse culto “não era um mistério propriamente
sivas gerações, até que todo o Corpo obtenha dito”, pois recordava apenas fatos históricos,
salvação e glória com a Cabeça.” terrestres, superados pela Páscoa de Cristo
Na longa citação do “Simpósio” de Metó- (p. 47, passim).
dio de Olimpo (+311), nas páginas 37-38, a Na página 48, a reflexão passa aos “mis-
tradução do termo grego pleurá, que aparece térios na época helenista”, cuja grande
três vezes no original, é incoerente: uma vez se idéia fundamental era a “iniciação à vida dos
traduz por “lado”, como é o sentido de Gn 2,21 deuses”, “renovada e presente num rito”. Mas,
na Septuaginta e duas vezes por “costela”3, o ao mesmo tempo, “vós éreis acorrentados à
que torna difícil a compreensão da alegoria natureza, consagrados ao serviço dos elemen-
do texto. Na página 41, último parágrafo, o tos deste mundo”, como comenta Paulo aos
autor, depois de ter explicado o sentido misté- colossenses (Cl 2,8.20). Quando o mesmo São
rico de cada sacramento, assim conclui: “Esta Paulo falava do mistério escondido desde sécu-
rápida exposição quer somente mostrar que los, seus leitores logo percebiam “uma alusão
a religião do Evangelho, a piedade do Novo à linguagem mistérica bem conhecida” (p. 49).
Testamento e a liturgia da Igreja, não podem Mas bem cedo, diz o autor, “encontramos as
ser concebidas sem o mistério do culto...” E expressões mistéricas aplicadas ao Mistério
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cristão”, “no momento mesmo em que a Igreja edição atualizada do livro, gostaríamos de ver
se opunha aos mistérios pagãos”. Hoje, por aqui também a posição do Vaticano II.
exemplo, “quando nos servimos da palavra Na página 59, em baixo, é significativa a
sacramento, já não sabemos que esse termo citação de Santo Agostinho, sobre o concurso
pertence no fundo à língua dos mistérios da Palavra com o elemento material, por ex-
antigos” (p. 50). emplo, a água “para formar o Mistério”. Segue
Na página 51, no primeiro parágrafo, uma longa e bela reflexão do autor sobre o sacra-
dessas afirmações generalizantes e obscuras mento do Batismo, nas páginas 60 a 62. Na
que já assinalei: “O pensamento antigo (?) página 64, não entendi e não concordo com as
era ao mesmo tempo concreto, objetivo e negações seguintes, na segunda alínea: “Nada
espiritual, livre da matéria”... Que quer dizer (grifo meu) permaneceu na Eucaristia cristã
isso? Na mesma página, abaixo, numa con- do rito antigo”... e “O batismo cristão, por sua
traposição entre gregos e judeus, se afirma vez, não pode ter sua origem (grifo meu) no
que estes, “com sua mentalidade semítica, batismo prosélito do judaísmo”. Como não?
jurídica (?) e sem imagens”, tiveram mais Na página 67, no penúltimo parágrafo, o autor
dificuldade de compreender o Mistério de escreve: “Muitas dificuldades se aplanariam
Cristo” que aqueles. Nova afirmação generali- na renovação litúrgica contemporânea (grifo
zante e pessimista, na página 52: “Hoje (em meu: na década de 30!), se fossem mantidas
1935? ou 2011?), todo homem esclarecido essas observações (por exemplo de que “o
sente-se chocado ao constatar até que ponto conhecimento dos Mistérios comporta graus”)
o individualismo, o liberalismo e o socialismo e se fosse levada em conta a antiga concepção
fizeram malograr a Europa e outras partes do das coisas (grifo meu)”, inclusive “subtraindo
mundo, submetidas à sua nefasta influên- o Mistério à crueza da língua vulgar”, isto é,
cia...” Em contraposição, o autor revela-se mantendo o latim... Convenhamos que esses
otimista na página 53: “Depois do refluxo e parágrafos, lidos agora, sem mais, 48 anos
da derrota do antropocentrismo (!), ergue-se depois da Sacrosanctum Concilium, de 1963,
atualmente (em 1935? e hoje?) uma profunda que abriu a liturgia ao vernáculo, soam ana-
necessidade de vida sobrenatural e de união crônicos, não?
com Deus”. Na página 54, outro exemplo da Na página 69, começa o terceiro capítulo,
falta de atualização da edição brasileira: na com o título “Mistérios antigos e mistérios
nota 115, no rodapé, o autor convida a ler cristãos”. Parece-me negativa e pessimista a
alguns textos “recentes” do Magistério e cita argumentação inicial de que “o poder da cor-
o Motu Proprio de Pio X, de 1903! rente mística que sucede aos ventos e marés
A terceira parte do capítulo II começa do racionalismo (?) se perde quase que inteira
na página 55, com o subtítulo: “A liturgia e inutilmente nas águas estagnadas que o
dos mistérios”. Depois de breve explicação afogam”. E que “a responsabilidade desse
do sentido etimológico da palavra ‘liturgia’, desvio não é do cristianismo”... o que quer
serviço do povo (p. 56), o autor cita a pri- isto dizer? Na página 70, uma avaliação toda
meira carta de Clemente Romano, o qual, negativa da Reforma alemã, cujo “resultado
inspirando-se na ordem litúrgica do Templo final” foi “a destruição do Mistério”. Na página
de Jerusalém, menciona a distinção entre o 71, o autor observa que “foram, sobretudo, os
lugar dos ‘sacerdotes’ e o dos “leigos”, “nin- mistérios helenísticos que alimentaram o vôo e
guém ultrapassando os limites traçados pela o desenvolvimento da ‘mística antiga’, mas foi
sua liturgia”... Não está isso retomando o no cristianismo que ela encontrou a resposta
“Antigo” e esquecendo o “Novo”? Na página divina às suas aspirações sobrenaturais”. A
57, uma interessante comparação entre os seguir, depois de cerrada argumentação, as-
termos “mistério”, no sentido de mistério do sim propõe o autor a sua definição de “misté-
culto, e “liturgia”, a parte que toca à igreja na rio”: “uma ação sagrada e cultual na qual uma
ação redentora do Cristo. Assim, o “mistério” obra redentora do passado torna-se presente
caracteriza “a parte do Esposo”; e “liturgia”, sob determinado rito; cumprindo esse rito sa-
“a parte da Esposa”. A maneira como se fez grado, a comunidade cultual participa do fato
essa transição do “mistério” para a “liturgia” redentor evocado e adquire assim sua própria
é resumida pelo concílio de Trento, sessão 22, salvação” (pág. 73, em baixo). Outra síntese
capítulo I, citado nas páginas 57-58. Numa da “solenidade ritual”, na página 74: “Por sua
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riqueza dramática, por seus símbolos profun- Igreja e do fiel” (...) “E a prova disso é que,
damente eloquentes, por seus solos e coros, a desde o começo, todo o mistério aparece inte-
solenidade ritual constitui uma obra de arte gralmente na Eucaristia. O mistério é sempre
religiosa de um estilo superior e severo”. total” (p. 91).
Depois de discorrer ainda sobre as noções No entanto, como o Mistério se realiza na
de devotio e sacramentum (juramento) dos história, embora a Igreja o possua sempre em
antigos romanos (pág. 76), o autor começa a sua integridade, ela canta o hodie em algumas
tratar do “mistério supremo e último do cris- festas, à semelhança do salmo 118 (117), 24:
tianismo, o fundamento e princípio de todos Este é o dia, hoje, que o Senhor nos fez! De
os mistérios cristãos: a revelação de Deus na fato, “da mesma forma que o ano contém a
pessoa do Logos encarnado” (77). Quanto à presença divina, assim também cada dia do
Eucaristia, ela é simplesmente “o Mistério”, ciclo nos faz reviver o acontecimento de sal-
cuja instituição foi “o último ato da vida ter- vação que outrora lhe conferiu sua própria
restre do Senhor” (p. 79). Aliás, “todos os identidade” (p. 93).
sacrifícios antigos convergem e se aperfeiçoam Por fim, no capítulo V, “o mistério do
no do Senhor crucificado. Eles eram também, dia litúrgico”, que concentra, no “hoje”, a
como dizem os Pais da Igreja e, sobretudo, totalidade do Mistério. E concentra, diz o
Agostinho, uma sombra, deformada, mas autor, através da oração e do sacrifício, os
real do verdadeiro mistério futuro” (p. 81). “atos supremos e vitais de toda religião” (p.
Esse “mistério” é mistério de fé, pois somente 95). Também a de Tiago 1,27? Interessantes
a fé pode conceber a realidade escondida da considerações seguem sobre a relação entre
graça, a força do sacramento. Quando, enfim, oração e sacrifício, nas quais, porém, senti
a fé der lugar à visão, “então o véu do mistério falta dos ensinamentos do Senhor no Evan-
será levantado” (p. 82). O capítulo termina gelho (por exemplo, Lc 11,1-13 e Mt 6,5-15).
com bela citação de Clemente Alexandrino, Lembrando que o sacrifício concretiza, de
de inícios do séc. III: “...Aquele que cantará certo modo, a oração, o autor escreve, na
conosco é o Logos do próprio Deus” (p. 83) página 97: “Se no sacrifício cristão a ação do
Os capítulos IV e V, mais breves, são evi- Senhor consiste em tornar presente, sob o véu
dentemente conclusivos, tratando, respectiva- do símbolo, a obra do seu sacrifício redentor,
mente, do mistério “do ano litúrgico” (pp. 85- a parte dos fiéis aí se expressará acima de
94) e do “dia litúrgico” (pp. 95-121). Quanto tudo no quadro eucológico”, isto é, oracional:
ao “ano”, ou seja, o ciclo anual litúrgico, o a começar do Cânon, as outras preces da
autor observa que, “aos olhos dos antigos, o missa, as leituras e cânticos e, enfim, todo o
círculo era o contrário daquilo que evolui. Não conjunto do ofício do dia. E continua: “Esse
conhece antes nem depois, nem princípio nem ofício da oração litúrgica é como o anel de
fim. Por isso simboliza a vida sem fim, plena, ouro no qual engastamos a pedra preciosa do
eterna (p. 87). E Cristo, “Luz que não conhece santo sacrifício”, experiência que todos nós
ocaso”, é “o verdadeiro Ano, o Dia do mundo, podemos desfrutar, não só os monges, mas
o Éon, o Senhor de todos os séculos” (ibid.). também os seculares. Ainda quanto ao Ofício,
Entretanto, qual é o “mistério” que nos cabe “se queremos verdadeiramente compreender
viver no ano litúrgico? Responde o autor, na seu caráter e sentido, temos de aceitar que a
página 89: “é a vida do Cristo-Kýrios, esse oração litúrgica é verdadeiramente a oração
itinerário gigantesco que vai do seio da Virgem da Igreja e da igreja unida a Cristo como
e da manjedoura até o trono da Majestade Esposa ao Esposo, como o corpo à Cabeça”
divina.” Mas o conteúdo espiritual do ano (pp. 98-99).
litúrgico não se desenrola diante de nós de Na página 99, o autor apresenta a “inter-
maneira progressiva, como faz a natureza pretação alegórica dos textos do Ofício” como
em seu ciclo anual. Enquanto ação divina da “um método extremamente importante para
salvação, ele é fechado, uniforme e perfeito a prática e a exposição da doutrina da Igreja,
em si mesmo. Da nossa parte, porém, pede método, aliás, do qual se serviu o próprio
uma adaptação, uma apropriação gradual. Senhor, os apóstolos e, sobretudo, os Pais da
Isso, porém, sem esquecer que, durante o ano, Igreja. Na página 100, porém, o autor exagera
“a cada instante é todo o mistério da nossa ao falar do “instrumento infalível” da alegoria:
salvação que se mantém diante dos olhos da “instrumento”, sim, mas não “infalível”, pois
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não dispensa o método histórico-crítico4. Na sempre”. Finalmente, nas páginas 117-121,
página 101, ao insistir no caráter “eclesial” e bela síntese conclusiva sobre “a ordem e o
“objetivo” da liturgia, o autor lembra: “Quando andamento do ofício cotidiano”. Uma pérola:
a Esposa de Cristo, divinamente plena do Es- “Onde a verdade e a bondade estão unidas,
pírito Santo, ora em união com sua Cabeça5 aí não faltará a terceira irmã, a beleza.” Um
e seu Esposo, sua oração não é a deste ou balanço pessimista: “Os últimos séculos (!)
daquele indivíduo, mas é a oração que procede aviltaram tanto o ofício divino que dele per-
do Espírito de Deus, a oração da verdade mais demos o sentido: hoje (?) é compreendido tão
objetiva... a de todos os membros do Cristo somente como uma oração vocal imposta e
místico.” assim, toda piedade íntima teve de se refu-
Nas páginas 101-102, o autor (em 1935!) giar naquilo que chamamos de ‘devoções’”
insiste na necessidade da Liturgia manter-se (p. 121). A última frase do livro é a citação
fiel à tradição, às “formas antigas e tradicio- do final do salmo 50(49), v. 23, infelizmente
nais” e defende a posição da Igreja zelar por “alegorizando” o “sacrifício de louvor”, que o
“uma liturgia bem ordenada e severamente salmista-profeta expressamente contrapõe
regularizada”. Não é por nada que continuam, aos sacrifícios rituais (cf. v.8)6.
quase 50 anos após o Vaticano II e se intensi- Balanço geral deste pequeno grande livro,
ficam os alertas dos tradicionalistas, que não importante para a compreensão do movimento
fazem a distinção de Congar entre “tradições” litúrgico da primeira metade do séc. XX. Num
e “Tradição”. Aliás, bem antes de Congar, “clássico” não se mexe, evidentemente. Não
já nos alertara o Mestre contra o apego às podemos manipular o pensamento de Dom
“tradições humanas” (cf. Mt 7,8-9). Na página Casel, reescrevendo seu livro segundo nossos
104, poderia haver mais precisão no conceito critérios7. Por outro lado, uma edição brasile-
do “canto gregoriano”, como uma música ira como esta, de 2010, devia certamente
“cheia de movimento, moderada e pacífica, de ter sido mais cuidada: não só na revisão do
viva ordem”... Também não entendi que quer próprio texto traduzido (creio que retraduzido,
dizer a “calma épica” (?) que as melodias dos da tradução francesa de 1946), como também
salmos espalham. Aliás, essa “calma épica” no acréscimo de notas que ajudassem a fazer
volta na página 110. Nas páginas 104-105, o cotejo entre a teologia do autor e a do pós-
dois longos parágrafos de defesa do latim Vaticano II.
como “língua litúrgica”: razões ponderáveis,
sem dúvida, mas que felizmente não se im- Ney Brasil é mestre em ciências Bíblicas, é pro-
puseram na Sacrosanctum Concilium. fessor no itesc, Florianópolis.
ney.brasil@itesc.org.br
Na página 107, uma interessante sín-
tese: “A oração litúrgica une, de um lado, a
severidade das normas objetivas e, de outro, a 1
JUNGMANN, Josef Andreas. Missarum Sollemnia;
liberdade dos movimentos e o sentido da vida Origens, liturgia, história e teologia da Missa Romana,
pessoal. Aliás, no interior da própria liturgia trad. brasileira do original alemão de 1962 (5ª. edição):
São Paulo, Paulus, 2009, 23,5 x 16,5cm, 965 página Ver
essa liberdade existe e tem graus”. Mais adi- minha recensão dessa obra nesta Revista, n. 57(2010/3),
ante, na página 108: “Os criadores de nossa pp. 182-186.
antiga liturgia... souberam admiravelmente 2
Cf. PEREIRA, Ney Brasil. “Costela, ou lado de Adão,
em Gn 2,21?”, nesta revista, n. 56 (2010/2), ppágina
extrair e manusear o ouro que repousa no
171-175.
fundo das minas das Escrituras”. Mais: “O 3
Cf. BENTO XVI. Verbum Domini, n. 44
que Cassiano (+435) pede aos monges, que 4
No texto brasileiro lê-se “Chefe”: a tradutora certamente
recitem e orem os salmos como se estivessem equivocou-se ao traduzir assim, literalmente, o francês
“Chef”
compondo-os, realiza-se continuamente na 5
Cf PEREIRA, Ney Brasil. “Salmo 50: o verdadeiro sa-
santa liturgia.” Da página 109 à página 114, crifício”, art. in “Jornal da Arquidiocese”, Florianópolis,
observações muito interessantes sobre os hi- abril de 2011, página 6.
6
Sugestão: Diante do nome e da obra do autor, não
nos, antífonas, salmos, leituras, os ofícios da valeria a pena publicar no Brasil sua obra póstuma,
noite e da manhã. Também sobre as relações publicada em 1961, quase na antevéspera do Concílio,
entre liturgia e natureza (pp. 114-116). Na pá- por SCHNEIDER, Theophora, monja da Abadia de Santa
Cruz de Herstelle? Trata-se de Mysterium der Ekklesia.
gina 116, um detalhe: teria sido bom indicar a Von der Gemeinschaft aller Erlösten in Christus Jesus (“O
referência bíblica à advertência do Senhor (Lc mistério da Ekklesía. Sobre a comunidade de todos os
18,1) e do Apóstolo (1Ts 5,17), sobre o “orar salvos em Cristo Jesus”). Desconheço a editora.

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Espiritualidade litúrgica 1
mauCyr GIBIn

A
Espiritualidade passa longe das espiritual faz clamar em todas as situações:
atitudes displicentes com relação à “Sei em quem pus minha confiança!”
corporeidade tangível das pessoas e E por que o adjetivo ‘litúrgica’ aposto
das coisas. Fazer brotar uma espiritualida- a uma fecunda espiritualidade? Trata-se
de é criar a disponibilidade de acolher, no da fonte inspiradora de um modo particu-
íntimo de nosso ser, o Espírito que pairava lar de assumir nossa maneira de viver e
sobre as águas nas palavras e nos gestos anunciar o mistério pascal, não somente
divinos da criação. É ser sensível ao Espírito de celebrá-lo. É um moldar nossos pensa-
que inspirava os profetas e, com sua força, mentos, sentimentos e nosso modo de agir
tornava-os corajosos agentes para corrigir ao que é essencial no legado tradicional da
desvios e moldar atitudes coerentes com a Igreja no seu modo de crer, rezar, anunciar
justiça. Assumir uma espiritualidade supõe e testemunhar. Algumas pontuações preci-
moldar nosso modo de pensar e de agir em sam ser mais bem detalhadas ao longo de
conformidade com os desígnios do Deus futuras conversas. Mas, vamos adiantar:
Senhor do Universo e de suas criaturas. se as celebrações forem semelhantes a fá-
A vida de quem se propõe viver de acordo tuos suspiros – ou soluços como dizia meu
com uma espiritualidade é pontilhada de professor de pastoral em 1964 – será difícil,
atos conscientes para conquistar o domínio senão impossível, prever o nascimento de
de si até alcançar a paz benfazeja e gratifi- autêntica espiritualidade assim qualifica-
cante. A espiritualidade visa sempre a uma da. Para dar melhor compreensão: se após
transcendência do corriqueiro. É uma audaz as celebrações houver um clima de ‘o coral
aventura! cantou bem’, ‘a missa foi animada’, ‘a pri-
A Espiritualidade cristã abre o coração meira comunhão e crisma foram lindos’... A
do fiel ao Espírito que deu disponibilidade conclusão só pode ser ‘cerimônia terminada,
a Maria de Nazaré, tornou fecundo seu liturgia encerrada’.
ventre e a fez cooperadora da ação salva- As ações litúrgicas são devedoras de ri-
dora de Deus. Ao Espírito que, no batismo tual cujo começo e término coincidem, sem
do Filho de Maria, proclamou tratar-se do que sejam levadas devidamente em conta
Filho bem-amado do Pai objeto privilegiado as diferenças individuais. É característica
da sua complacência, que veio conviver com inerente a toda atividade comunitária. A
os irmãos e irmãs, humanos peregrinos. Espiritualidade Litúrgica, aliás, como toda
A Espiritualidade cristã faz com que este espiritualidade, constitui de um gozoso ‘ma-
mesmo Espírito seja acolhido com atitude nere – permanecer’. Os frutos esperados da
dócil e fecunda quando conduz ao deserto eficácia sacramental, sobretudo o amor que
e, face às tentações, ajuda a dar testemu- produz comunhão, têm exigências da ação
nho de sua força libertadora. Em suma, a pessoal, no silêncio orante, na contempla-
Espiritualidade se caracteriza por ser uma ção. O evangelista João, no capítulo 15, in-
atenção sempre alerta para a força de que sinua atitude de autêntica espiritualidade.
somos dotados por puro dom e graça da-
quele que nos escolheu e nos ama. Com ele Maucyr Gibin é casado, professor de liturgia
e educador, aposentado. escreve no jornal local,
e por ele somos conduzidos por caminhos em mato grosso do sul, assessora encontros de
seguros mesmo em meio aos sobressaltos de formação e espiritualidade litúrgica a serviço do
nossa terrena peregrinação. Viver como ser povo de deus. maucyrgibin@hotmail.com.

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Revista de LituRgia
229 JaneiRo/FeveReiRo 2012
Preparando o dia do senhor
cláudio pastro

SOLENIDADE DA DOMINGO DA
SANTA MÃE DE DEUS, MARIA EPIFANIA DO SENHOR
1 de janeiro de 2012 8 de janeiro de 2012

1. Aprofundando os textos bíblicos: Números 6,22- 1. Aprofundando os textos bíblicos: Isaías 60,1-6;
27; Salmo 67(66); Gálatas 4,4-7; Lucas 2,16-21 Salmo 72(71); Efésios 3,2-6; Mateus 2,1-12
Os pastores, após terem recebido o anúncio do nasci- No evangelho, Jesus se manifesta como o Messias e
mento do Messias esperado (v.11), se dirigem às pressas a Filho de Deus, o verdadeiro Rei que nasce em Belém (cf.
Belém e reconhecem o sinal do Salvador na simplicidade Mq 5,1) para apascentar o povo (cf. 2Sm 5,2). Os magos
de um menino recém-nascido. Louvam e glorificam a ou sábios do Oriente que representam todos os povos que
Deus por tudo o que viram e ouviram, tornando-se pro- acolhem a chegada do Rei-Messias prefiguram a mis-
pagadores da Boa Notícia da salvação, que é o próprio são universal de fazer discípulos/as em todas as nações
Filho, Jesus. Maria medita e guarda em seu coração as (28,19). A fé, o reconhecimento e a adoração desses sábios
palavras e as ações de Deus, os mistérios do seu Filho. contrastam com a cegueira dos que ignoram a presença
Jesus nasce inserido no mundo e sujeito às suas leis, sendo do Salvador. Temendo os movimentos messiânicos como
circuncidado no oitavo dia após o nascimento, como todos ameaças a seus interesses de poder e riqueza, Herodes
os filhos israelitas (Gn 17,10-14; Lv 12,3). Recebe um convoca os sumos sacerdotes e os escribas que conhecem
nome, Jesus, Salvador. A 1ª leitura é uma bênção litúrgica as Escrituras (vv.5-6), mas não reconhecem Jesus (21,15).
que pronuncia o nome do Senhor a cada invocação para Na 1ª leitura, Jerusalém em vias de reconstrução, acolhe os
atualizar as promessas de salvação e o compromisso com a povos que regressam do exílio babilônico e de outras par-
aliança. Em Jesus, a bênção da salvação, reservada outrora tes, carregados de oferendas. A glória de Deus resplandece
ao povo de Israel, se estende a todos os povos. O salmo, nos povos que se unem para construir uma nova cidade,
que era usado por Israel para agradecer a colheita anual solidificada no amor e na justiça. No salmo, o rei, como
e pedir novas bênçãos, ensina a louvar e bendizer pelos figura da justiça e paz divina, tem a responsabilidade de ser
benefícios recebidos e a confiar na presença amorosa do agente da libertação para o povo. A 2ª leitura acentua que o
Senhor. Paulo, na 2ª leitura, salienta que Cristo nasceu de plano da salvação de Deus, destinado a todo ser humano, foi
uma mulher, tornou-se humano na plenitude dos tempos realizado plenamente em Cristo. Romperam-se as barreiras
para libertar os que estavam sob a Lei e elevá-los à condi- que dividiam os povos e assim também os gentios, como
ção de filhos de Deus. membros do mesmo corpo, tornaram-se participantes da
mesma promessa de salvação.
2. Atualizando
Com palavras e gestos solidários, Jesus revelou a 2. Atualizando
face de Deus para a humanidade. Pelo Espírito de Cristo A Epifania celebra a manifestação da universalidade
ressuscitado, podemos clamar Abba (Pai, em aramaico) e da salvação em Cristo e impele os povos, unidos pela fé,
viver uma relação nova. a reconhecê-lo e adorá-lo como Deus vivo e verdadeiro.
Ele é a luz, a palavra que ilumina o nosso caminho para
3. A palavra de Deus na celebração que façamos resplandecer a sua presença amorosa de
Jesus Cristo é a perfeita bênção de Deus, o dom da verdade e vida.
salvação e da paz para todas as pessoas. Nesta celebra-
ção, cantemos nossa ação de graças a Deus Pai, que em 3. A palavra de Deus na celebração
Cristo nos abençoou com dons espirituais de toda sorte. O Senhor Deus, hoje nos revela o seu Filho a todas
Invoquemos, com Maria, a paz messiânica de seu divino as nações. Que Jesus, sempre nos guie e nos fortaleça em
Filho para que reine sempre o amor e a fraternidade entre todas as iniciativas de unidade, de comunhão e de preser-
os povos. vação da terra.

4. Dicas e sugestões 4. Dicas e sugestões


Para a bênção final, pode ser usada a fórmula do livro Após a proclamação do evangelho, antes da homilia
dos Números: “O Senhor te abençoe e te guarde...”. Outras pode ser realizado o anúncio da data da Páscoa e outras
sugestões vejam no Dia do Senhor, Ciclo do Natal, ABC, solenidades que acontecerão durante o ano (ver texto no
p. 173-177. Diretório Litúrgico). Outras sugestões vejam no Dia do
Senhor, Ciclo do Natal, ABC, p. 178-186.

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Revista de LituRgia
229 JaneiRo/FeveReiRo 2012
2º DOMINGO DO TEMPO COMUM 3º DOMINGO DO TEMPO COMUM
15 de janeiro de 2012 22 de janeiro de 2012

1. Aprofundando os textos bíblicos: 1Samuel 3,3b- 1. Aprofundando os textos bíblicos: Jonas 3,1-5.10;
10.19; Salmo 40(39); 1Coríntios 6,13-20; João 1,35-42 Salmo 25(24); 1Coríntios 7,29-31; Marcos 1,14-20
O evangelho enfatiza o seguimento dos primeiros Jesus Cristo, o Filho enviado pelo Pai, ungido com o
discípulos, motivados pelo testemunho de João Batista, Espírito profético e messiânico, proclama a Boa Nova da
que apresenta Jesus como o Cordeiro de Deus. Aqueles salvação que plenifica o tempo das promessas e revela o
discípulos que buscavam o Deus da salvação o encontram Reino. Na Galiléia, onde vivia uma população marginaliza-
em Jesus, que realizou plenamente a missão salvadora do da (cf. Mt 4,12-17), Jesus começa a proclamar a esperança
Servo sofredor (cf. Is 53,7), entregando sua vida como um de libertação, manifestando o amor universal de Deus que
cordeiro. Vinde e vede é o convite que Jesus faz aos discí- começa pelos últimos. Por meio da vida, palavras e ações
pulos que o seguiam e o procuravam. Eles foram, viram e misericordiosas, Jesus realiza e torna presente o Reino de
permaneceram com Jesus aquele dia, sendo instruídos no Deus, convidando a uma mudança de mentalidade e atitude
caminho da fé e do discipulado. A experiência de perma- de fé: Convertei-vos e crede na Boa Nova. O Chamado de
necer com o Cristo e sua palavra assegura a abundância Jesus revela que a iniciativa é dele, diferentemente do cos-
dos frutos na missão (15,4-5). Os discípulos descobrem tume rabínico, onde os discípulos procuram seu mestre. Por
que Jesus é o Messias esperado enquanto seguem com causa de Jesus e seu Reino, os discípulos deixam redes, pai,
fidelidade a Boa Nova. A multiplicação sucessiva do teste- companheiros de trabalho. Jonas, na 1ª leitura, é chamado
munho (vv.36.41.45) salienta que, nas futuras gerações, os a anunciar a palavra de Deus na cidade de Nínive, capital
cristãos serão chamados por seus irmãos na fé. Samuel, na do império assírio, pois a salvação é destinada a todos os
1ª leitura, descobre o chamado enquanto serve no santuário povos. Os ninivitas creem em Deus e acolhem sua mise-
de Silo, onde havia sido consagrado a Deus desde o nasci- ricórdia, demonstrando a mudança com atitudes e gestos
mento (1,21-28). Agora, ele se deixa instruir pela palavra concretos. A conversão exemplar deste povo é, tanto aqui
de Deus que o chama para uma nova missão. O/a salmista como no evangelho (cf. Mt 12,41), uma exortação a crer
agradece a Deus pelos benefícios recebidos e assume o e a seguir o caminho que leva a Deus. O/a salmista deseja
compromisso de anunciar as maravilhas da salvação. A 2ª trilhar o caminho proposto por Deus, recordando sua eterna
leitura realça que somos membros de Cristo, resgatados bondade e compaixão. A 2ª leitura exorta a viver em Cristo
com sua entrega total na cruz para vivermos como templos ressuscitado, participando dos bens eternos da salvação,
do Espírito, glorificando a Deus. fazendo da própria vida um anúncio do evangelho.

2. Atualizando 2. Atualizando
Ao longo da história, Deus toma a iniciativa de chamar A Boa Nova de Jesus impele a sermos testemunhas
o ser humano para participar de seu projeto de salvação e de sua presença salvadora, lançando-nos adiante com ge-
espera respostas audaciosas, como a de Samuel, de André, nerosidade e confiança, trabalhando em águas profundas.
de Pedro. O seguimento de Cristo pela fé se realiza na Viver em contínua conversão e fé para participar da alegria
escuta de sua palavra, no testemunho, na disponibilidade do Reino é o apelo do Senhor a todos os seus seguidores.
para servir.
3. A palavra de Deus na celebração
3. A palavra de Deus na celebração Celebrando, aceitamos o convite de Deus que nos
Na celebração nos encontramos com Jesus, “o Cordeiro chama para a escuta e o conhecimento de seu projeto.
de Deus” que nos chama pelo nome e nos convida a perma- Nós respondemos e nos apresentamos em comunidade,
necermos com Ele. Na escuta de sua palavra e na eucaristia estabelecendo com Ele um diálogo amoroso. Na escuta
somos confirmados para vivermos mais intensamente o atenta conhecemos o querer divino e nos tornamos aptos
chamado na missão que nos foi confiada. a discernir o nosso caminho conforme o seu. Bendizemos
a Deus que nos chama a participar do seu Reino e a crer
4. Dicas e sugestões que a vida é mais forte que a morte.
Valorizar o gesto da fração do pão, utilizando o pão
ázimo. Enquanto o pão for partilhado, a comunidade entoa 4. Dicas e sugestões
o canto do Cordeiro de Deus, repetindo várias vezes, até Pode ser realizada a bênção e a aspersão com água que
que se conclua a fração. Outras sugestões vejam m Dia do expressa a alegria e dá tonalidade pascal ao dia. Outras
Senhor, Tempo Comum, Ano B, p. 49-53. sugestões vejam no Dia do Senhor, Tempo Comum, Ano
B, p. 307.

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Revista de LituRgia
229 JaneiRo/FeveReiRo 2012
cláudio pastro

4º DOMINGO DO TEMPO COMUM 5º DOMINGO DO TEMPO COMUM


29 de janeiro de 2012 5 de fevereiro de 2012

1. Aprofundando os textos bíblicos: Deuteronômio 1. Aprofundando os textos bíblicos: Jó 7,1-4.6-7;


18,15-20; Salmo 95(94); 1Coríntios 7,32-35; Marcos Salmo 147(146); 1Coríntios 9,16-19-22-23; Marcos
1,21-28 1,29-39
Jesus chega à sinagoga de Cafarnaum, onde o povo No evangelho, Jesus, acompanhado de Tiago e
costumava se reunir aos sábados para rezar, ouvir e celebrar João, chega à casa de Simão e André. Ao ser informado
a palavra de Deus. Como Filho de Deus, ele oferece um que a sogra de Simão estava enferma, ele se aproximou,
ensinamento novo com autoridade (vv.22.27). Por meio segurou sua mão e ajudou-a levantar-se (v.31). A cura
do ensinamento, articulado com ações salvadoras, Jesus dessa mulher é como um convite para seguir o Mestre e
manifesta que é o Messias, o consagrado de Deus. Diante da colocar-se a serviço do Reino. Jesus proclama a Boa Nova
força divina de Jesus, o espírito impuro, símbolo do poder da salvação, consolando, curando, libertando as pessoas de
alienante e opressor, retrocede e se afasta. O ensinamento todos os males e aflições. Mesmo os que se opõe ao seu
de Jesus acompanhado de sinais suscita admiração e a plano de amor, O reconhecem como o Enviado de Deus,
pergunta: Quem é Jesus de Nazaré? O mistério da iden- cuja força do Espírito se manifesta nas palavras e gestos mi-
tidade de Jesus é desvelado plenamente na hora da morte, sericordiosos. Os discípulos, porém, ainda não reconhecem
quando o centurião romano, em nome do mundo inteiro, o significado pleno da atuação de Jesus. A fé em Cristo, o
proclama que Jesus era verdadeiramente o Filho de Deus Filho de Deus será professada plenamente depois de sua
(15,39). À luz da ressurreição, os discípulos compreende- morte e ressurreição. Jesus se manifesta como o Messias
ram que Jesus foi o profeta por excelência, poderoso em sofredor, até a entrega total na cruz. A 1ª leitura mostra
obras e palavras (Lc 24,19), que realizou de forma plena a que Jó, em meio às provações, não encontra consolo nos
promessa do Messias-profeta da 1ª leitura. Deus faz surgir amigos (cf. 2,11), pois eles consideram o sofrimento como
a figura do profeta para anunciar suas palavras e realizar castigo de Deus. Jó procura entender o sentido da vida e
sinais com sua autoridade. Na aliança do Sinai, da qual do sofrimento e clama ao Deus da aliança: Lembra-te que
Moisés é mediador, Deus fez conhecer sua vontade. Como minha vida é um sopro. A resposta ao mistério do sofrimen-
intermediário de Deus e o povo, o profeta tem a missão de to está em Cristo, que carregou as dores da humanidade
promover sempre e de novo a fidelidade à aliança. O salmo por amor até o fim. O salmo ensina a confiar plenamente
exorta a não fechar o coração para ouvir a voz do Senhor, em Deus, que conforta e cura os corações esmagados pela
sendo obediente à sua palavra. A 2ª leitura ensina a viver dor. Paulo, na 2ª leitura, proclama a salvação de Deus com
numa alegre disponibilidade para o serviço do Reino de gratuidade: Ai de mim, se eu não anunciar o evangelho.
Deus e dos irmãos. Por causa da Boa Notícia de Cristo, ele se torna livre para
servir a todos.
2. Atualizando
Jesus ensinava com autoridade, isto é, não somente 2. Atualizando
falando, mas também agindo e libertando através de ações Jesus revela a presença amorosa de Deus, carregando
misericordiosas e solidárias. Iluminados/as com a força de nossas dores e sofrimentos, ensinando-nos a continuar a
sua ressurreição, possamos continuar a missão libertadora construção de um mundo novo. Que o exemplo de Paulo
através de palavras e sinais proféticos. nos ensine a viver em Cristo e assumir a missão com ardor
apostólico.
3. A palavra de Deus na celebração
Como profetas do Senhor, escutamos a Boa Nova de 3. A palavra de Deus na celebração
Jesus que traz vida e salvação para os oprimidos e escra- Que a palavra do apóstolo Paulo ressoe em nós: “Aí
vizados. Jesus Cristo presente na comunidade reunida, na de mim se eu não pregar o evangelho” (1Cor 9,16) e que
Palavra e na eucaristia, renova em nós a fé na vida. tenhamos a coragem de confortar os corações despedaça-
dos, enfaixar as feridas e curá-las; ser presença na vida dos
4. Dicas e sugestões humildes (cf. Sl 147 [146]).
Na recordação da vida, logo no início da celebração,
ou antes da oração do dia, podemos lembrar as pessoas 4. Dicas e sugestões
doentes, ou que passam por qualquer tipo de sofrimento. Pode ser feita a oração de bênção pela saúde. Outras
Outras sugestões vejam m Dia do Senhor, Tempo Comum, sugestões no Dia do Senhor: guia para as celebrações das
Ano B, p. 59-63. comunidades, Tempo Comum, ano B, 2003, p. 68.

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Revista de LituRgia
229 JaneiRo/FeveReiRo 2012
6º DOMINGO DO TEMPO COMUM 7º DOMINGO DO TEMPO COMUM
12 de fevereiro de 2012 19 de fevereiro de 2012

1. Aprofundando os textos bíblicos: Levítico 13,1- 1. Aprofundando os textos bíblicos: Isaías 43,18-25;
2.44-46; Salmo 32(31); 1Coríntios 10,31-11,1; Marcos Salmo 41(40); 2Coríntios 1,18-22; Marcos 2,1-12
1,40-45 A cura do paralítico manifesta o amor misericordioso de
Marcos apresenta o relato da cura do leproso como o Deus agindo em Jesus, cumprindo as profecias messiânicas
resumo dos outros milagres narrados até este momento. (cf. Mt 11,5; Is 35,5-6; 61,1). Enquanto Jesus anunciava
Como a lepra se caracterizava por diversas enfermidades a palavra de esperança a uma multidão reunida, quatro
contagiosas de pele, o leproso era afastado da comunidade. homens carregavam e encontravam meios para aproximar
Contudo, o leproso se aproxima de Jesus e implora a cura, o paralítico. Ao ver a fé que eles tinham, Jesus diz ao
de joelhos, confiando no poder da salvação. Assim, a sua paralítico: Filho, os teus pecados estão perdoados. Como
súplica é uma verdadeira profissão de fé em Jesus, o Sal- tal poder era reservado a Deus, Jesus revela sua verdadeira
vador. Movido de compaixão, Jesus rompe preconceitos, identidade divina de Filho. A cura, acompanhada do per-
estende a mão, toca o leproso e devolve-lhe a saúde. Curado dão, é sinal da salvação integral proporcionada pela graça e
integralmente, o leproso é reintegrado na sua comunidade misericórdia do Senhor. Na 1ª leitura, o profeta mostra que
e se transforma numa testemunha da Boa Nova do Reino. a memória das ações libertadoras de Deus faz surgir uma
A 1ª leitura reflete a situação de sofrimento e humilhação nova esperança de salvação, durante o exílio babilônico.
da pessoa por causa da doença e da exclusão (cf.13,1-46) Deus perdoa as infidelidades do povo e abrirá um caminho
e as prescrições para curar os leprosos e reintegrá-los na no deserto, como no tempo do Êxodo. Um povo convertido
comunidade (cf. Lv 14). A readmissão, acompanhada de voltará à sua terra para cantar a eterna misericórdia do
um sacrifício de expiação, demonstra que a lepra estava Senhor. O salmo recorda a salvação de Deus, revelada em
ligada ao pecado. O salmo ressalta que a confiança, na momentos difíceis como a doença. Deus cura e recompensa
misericórdia e no perdão de Deus, possibilita celebrar a com seu auxílio e benevolência os que agem em favor dos
salvação com alegria e gratidão. A 2ª leitura convida a pobres e desamparados. Paulo, na 2ª leitura, afirma que seu
glorificar a Deus através da vida e atividades cotidianas. ministério está centrado na fidelidade de Jesus Cristo, pois
nele realizaram-se todas as promessas de Deus. Selados
2. Atualizando pelo Espírito, também os cristãos são chamados a uma
Jesus, com seu gesto compassivo, reintegrando o le- dedicação total a Cristo e ao evangelho.
proso na comunidade, acentua que ninguém é excluído da
nova família dos filhos de Deus. Somos impelidos a ter a 2. Atualizando
audácia do leproso para nos aproximarmos do Salvador e Bendizemos ao Deus de amor e perdão, porque em
confiar a Ele nossa esperança de salvação. Cristo nos reconciliou e ensinou que o mundo novo é
construído a partir da recuperação e libertação plena do ser
3. A palavra de Deus na celebração humano. Os gestos de solidariedade favorecem o encontro
A celebração de hoje nos faz experimentar a grande com Cristo e a experiência de sua misericórdia.
compaixão de Jesus, o Filho de Deus, que diante do so-
frimento humano estende a mão e promove a cura. Que o 3. A palavra de Deus na celebração
Senhor em sua eterna bondade nos ajude a sermos sensíveis O sinal maior da bondade de Deus é a entrega de seu
às necessidades dos sofredores e necessitados. Filho amado. O próprio Jesus se dá a nós: “isto é meu corpo,
isto é meu sangue que é dado por vós”. A nossa celebração
4. Dicas e sugestões torna-se uma confissão de fé naquele que cumpriu sua pa-
Pode ser feito o rito de imposição das mãos: O (a) lavra, e ao qual elevamos nossa oração de ação de graças
coordenador (a) convida todos os agentes da saúde a se e louvor. E como conseqüência as nossas ações devem ser
colocarem em diferentes pontos da igreja, e as pessoas que de acordo com o que confessamos e celebramos.
desejarem se aproximam para que estes imponham as mãos
e rezem: O Senhor tenha compaixão de ti! Que ele te livre 4. Dicas e sugestões
de todas as preocupações, alivie o teu sofrimento e te dê A saudação inicial pode ser com estas palavras: A graça
saúde e paz de espírito. Amém. Outras sugestões no Dia e a compaixão de nosso Senhor Jesus Cristo, o amor infini-
do Senhor, Tempo Comum, Ano B, p. 73. to do Pai e comunhão do Espírito Santo estejam convosco.
Outras sugestões vejam no Dia do Senhor, Tempo Comum,
Ano B, p. 75-80.

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Revista de LituRgia
229 JaneiRo/FeveReiRo 2012
Veronice Fernandes é discípula do divino mestre. possui mestrado em liturgia,
é membro do centro de liturgia e assessora cursos de formação litúrgica.
Helena Ghiggi é discípula do divino mestre,
mestra em Bíblia e assessora cursos de formação bíblica.

1º DOMINGO DA QUARESMA
26 de fevereiro de 2012
Aleluia, porque hoje
1. Aprofundando os textos bíblicos: Gênesis 9,8-15; é páscoa
Salmo 25(24); 1Pedro 3,18-22; Marcos 1,12-15
O evangelho apresenta um resumo da pregação inau-
gural de Jesus na Galileia. Após ser investido da força do
Espírito para realizar a obra messiânica, no batismo, Jesus
enfrenta o embate com as propostas de satanás, inimigo do
plano de Deus. Quarenta dias tem sentido simbólico, lem-
bra a experiência do povo de Israel no deserto (cf. Dt 8,2-5)
e abrange toda a vida de Jesus. As propostas diabólicas
têm a finalidade de desviar Jesus da fidelidade à vontade
do Pai, fazendo-o abandonar a missão de ser o Messias
sofredor. Com a oração e a confiança no Pai, Jesus supera
as provações e assume o seu ministério a favor das pessoas
excluídas. Sua vida será uma luta contínua para vencer as
estruturas do mal até a vitória na cruz pela ressurreição.
Deus, mediante a salvação realizada com Noé e sua família,
renova a criação e sela a aliança com todo o ser humano e
com o cosmos, cujo centro é a vida (1ª leitura). O salmista
reza a Deus para aprender a ser obediente à sua vontade e
ser conduzido no caminho da salvação. Na 2ª leitura, Jesus
oferece a vida nova da graça através de sua morte e ressur- Esse CD resulta de uma feliz parceria
reição, da qual participamos pelo batismo. Professando a entre o poeta e compositor Reginaldo
fé em Cristo que sofreu a morte na sua existência humana, Veloso, membro da equipe do Hinário
ressuscitou e foi exaltado à direita de Deus, começamos a Litúrgico da CNBB, e o genial compositor
fazer parte de uma nova humanidade. nordestino, Maestro Duda. é uma
sucessão surpreendente de canções,
2. Atualizando
Neste tempo quaresmal de preparação para a Páscoa, letras, melodias, ritmos e arranjos bem
nos unimos a Cristo para permanecermos na fidelidade diversificados, que vão do “clamor” de
à vontade do Pai. A oração e a força de sua palavra nos profundis, à euforia do aleluia pascal,
fortalecem para vencermos as propostas opostas ao plano passando por reggaes e sambas da
de Deus e sermos construtores de um mundo novo. caminhada latino-americana e brasileira,
resgatando a leveza e profundidade do
3. A palavra de Deus na celebração
A comunidade reunida, conduzida pelo Espírito, sus-
Canto Gregoriano e vindo desembocar
tentada pela Palavra de vida e salvação, renova a aliança na ludicidade da ciranda e do frevo
com Deus, na partilha do corpo e sangue do Filho amado, pernambucanos, tendo a cantata pascal
vencedor de todo mal e de todo pecado do mundo. como desfecho e coroação.
Continuando o caminho quaresmal, iniciado na quarta-feira
de cinzas, nos preparamos para a páscoa, intensificando a O que garante a coerência e unidade
prática da oração, do jejum e da esmola (solidariedade). desta multifacetada diversidade é o
Espírito do Senhor, aquele que nos
4. Dicas e sugestões
Manter o espaço da celebração durante este tempo,
permite viver e cantar a alentadora e
sóbrio, despojado. O ato penitencial pode ser valorizado, prazerosa experiência da passagem
possibilitando a comunidade de fazer a experiência de libertadora de Deus no cotidiano de
misericórdia divina. Guardar o gesto do abraço da paz para nossas vidas.
a noite pascal. Outras sugestões vejam no Dia do Senhor:
guia para as celebrações das comunidades, ciclo pascal
ABC, p. 101-105.

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Revista de LituRgia
229 JaneiRo/FeveReiRo 2012
Notícias
hernaLdo P. FarIas

SEmiNáRio NacioNal DE lituRgia ENcoNtRo DE comPoSitoRES


tudo está preparado para o seminário Nacional o setor de música litúrgica da cNBB promoveu
de liturgia, desta vez, promovido pela cNBB em mais um encontro de compositores e letristas de
parceria com a associação dos liturgistas do música litúrgica, contando com a presença de 35
Brasil – asli. o seminário em comemoração aos pessoas. o encontro, que desta vez aconteceu
50 anos da constituição conciliar Sacrosanctum na casa de oração irmãs paulinas, em são
Concilium terá como tema: Releitura da SC no paulo, entre os dias 12 e 15 de novembro, tem o
contexto do Vaticano II e nos documentos latino- objetivo de promover uma formação continuada
americanos. maiores detalhes, veja o folder em dos compositores e letristas que estão a serviço
vários blogs e sites, ou pelo endereço: www.cnbb. da liturgia no Brasil. os conteúdos trabalhados
org.br/liturgiasc. caso você seja um dos destina- foram: a música na cultura popular brasileira, a
tários e esteja disposto a participar deste círculo espiritualidade do tempo pascal, a percussão
de debates inscreva-se! na música ritual. além disso, foram realizadas
oficinas de composição de letra e música
ritual.
DiREtRizES gERaiS
Já foram publicadas as novas diretrizes da ação
cElmu 20 aNoS
evangelizadora da igreja no Brasil para os anos de
2011 a 2015. a novidade são as cinco urgências No dia 19 de novembro, a coordenação e os
que a igreja quer assumir neste período. Já no professores do curso ecumênico de formação
objetivo geral, os bispos do Brasil apontam para litúrgico-musical – celmu, comemoraram os
a centralidade da liturgia na vida da igreja, que é 20 anos de existência desse importante curso
“alimentada pela palavra de deus e pela eucaris- de formação de música litúrgica no Brasil. o
tia”. além do número 129 b, a liturgia é contempla- aniversário foi comemorado através de partilhas
da em vários momentos, sobretudo na segunda do caminho percorrido, celebração e uma
urgência: “igreja: casa da iniciação à vida cristã”. confraternização.
todos são chamados a estudarem e aplicarem
essas diretrizes em suas dioceses, paróquias e
comunidades. veja o material para formação no cElEbRação Em homENagEm a maRia com
site da cNBB: www.cnbb.org.br. mulçumaNoS E cRiStãoS

maria é mencionada 34 vezes no alcorão, sendo


assim, veículo de unidade entre muçulmanos
SEmaNa DE lituRgia
e cristãos. ela é reconhecida por cristãos e
Foi realizada a 25ª semana de liturgia, promovida muçulmanos como geradora e protetora da vida,
pelo centro de liturgia dom clemente isnard, em o que sensibiliza as religiões para lutarem pela
parceria com a casa da Juventude de goiânia – qualidade e garantia da vida de todas as pessoas,
caJu e a rede celebra. a semana contou com particularmente das crianças. assim, no dia 24 de
a participação de mais de duzentos agentes de março de 2012, ao aproximar-se da solenidade da
pastoral litúrgica do Brasil, no intuito de debater anunciação do senhor, muçulmanos e cristãos
e vivenciar o conteúdo deste ano comemorativo: farão uma celebração em honra a Nossa senhora.
liturgia e Juventude: uma proposta de formação o evento, promovido pela comissão episcopal
mistagógica. a semana aconteceu no centro de para o ecumenismo e a pastoral da criança,
pastoral santa Fé, em são paulo, entre os dias acontecerá em Foz do iguaçu, contando com a
3 e 7 de outubro de 2011. a presença de muitos participação de bispos e de representantes de
jovens ajudou a todos a lançarem um olhar sobre a diversas entidades. entre outros motivos, está o
realidade da liturgia em meio juvenil e a encontrar desejo de colaborar para a paz entre os povos das
caminhos para o seu aperfeiçoamento. duas maiores religiões do mundo.

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Revista de LituRgia
229 JaneiRo/FeveReiRo 2012
ó noite pascal, por todo um ano esperada.
Noite nupcial da igreja,
que fazes nascer os novos batizados
e despojas o demônio adormecido.
Noite em que o herdeiro introduz
os herdeiros na herança!
(Astério, teólogo cristão, século V)

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