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O Modernismo nas décadas de 1930 e 1940 - As trocas culturais na arte dos refugiados

do nazismo no Brasil e o modernismo brasileiro.

Dianaluz da Costa Leme Corrêa, História-USP.

A presente comunicação pretende tratar da influência dos artistas judeus refugiados do


nazismo no Brasil, abarcando as correntes do expressionismo alemão, do
impressionismo, abstracionismo, cubismo, em seus desdobramentos artísticos nas
décadas de 30 e 40, quando a política antissemita expulsava da Europa grandes artistas.
Nomes importantes do cenário internacional, como Ernesto di Fiori e Erich Brill
enriquecerão o meio das artes plásticas, muitos deles aprofundarão seus estudos no
Brasil, e alguns deles aqui se estabelecerão, participando das intensas trocas
interculturais.

O presente artigo é um esforço de traçar uma reflexão a respeito da contribuição


de uma série de artistas que se refugiaram no Brasil em decorrência das circunstâncias
adversas de sobrevivência impostas durante a Segunda Guerra Mundial, e os
desdobramentos da Shoah. Este trabalho é resultado das pesquisas que vêm sendo
desenvolvidas através do projeto Arqshoah – Arquivo Virtual sobre Holocausto e
Antissemitismo, coordenado pela Professora Doutora Maria Luiza Tucci Carneiro, da
sessão de Artistas e Intelectuais, que abrange aqueles que vieram ao Brasil buscando
refúgio e em caráter de exílio, estes artistas que aportaram em terras brasileiras,
provenientes da Europa e de outras partes do globo, em fuga do nazismo, do fascismo e
da perseguição política, chegaram ao Brasil em um momento de efervescência de idéias
de renovação, que anunciava o moderno e propagava o rompimento com os paradigmas
clássicos. Cabe frisar que a concepção de modernismo, que aponta para uma percepção
muito ampla das artes plásticas no século XX, aqui é tomada pela ótica da
multiplicidade de tendências que, de maneira unívoca clamam por uma nova maneira de
se expressar, ultrapassando as barreiras estéticas dos estilos acadêmicos neoclássico e
barroco. O modernismo constitui um movimento de idéias que pretende romper com o
passado, mas utilizando-se dele – descartando o supérfluo aristocrático e utilizando-se
do conhecimento, das técnicas, dos materiais, para a descoberta do novo, através da
experimentação e da reflexão sobre o que é a arte propriamente dita, colocando a
questão sobre sua própria validade, buscando uma arte que não se sublima em si, mas
que tenha também interesse social.

Desde a Semana de Arte Moderna de 1922 até a década de 1930, aprofundam-se


as tendências de vanguarda surgidas na Europa – o impressionismo, o cubismo, o
expressionismo, o dadaismo e o futurismo – os diversos ismos que penetrariam no
ambiente moderno e se desenvolveriam sui generis no Brasil. Durante todo século XX o
moderno estaria no cerne das preocupações artísticas, e os processos de sua maturação
dariam frutos à contemporaneidade através daqueles artistas que se dedicaram à
construção de seu momento – de seu tempo. Dentre aqueles que se refugiaram no Brasil,
há de se encontrar grandes nomes que produziram aqui e fora do país, muitos que
pararam e se estabeleceram no país, enquanto que outros, retornaram após o exílio, mas
não sem influenciar a vida artística dos trópicos.

O contexto da época era composto pelos efeitos da crise de 1929, que faziam se
sentir no âmbito econômico; no âmbito político, eventos como a Revolução
Constitucionalista de 1932 e a instauração do regime ditatorial varguista em 1937, no
âmbito da política internacional o Brasil também seria influenciado pelos regimes
nacionalistas e autoritários na Europa, o nazismo e o fascismo, acontecimentos que
viriam favorecer a penetração das linhas político-ideológicas de esquerda e direita,
culminando com a polarização também entre conservador e moderno.

No período que se estende entre as décadas de 1930 e 1940, durante a Segunda


Guerra Mundial e também no pós Guerra há no Brasil uma crescente adesão à arte
moderna, ao mesmo passo em que há intensa diversificação, com liberdade de
expressão, nota-se um entrelaçamento da arte com a realidade física, humana e social.
Os movimentos surgidos com o modernismo estarão sempre fundamentados pela
reflexão e anunciação de suas ideias, tornando bem claras as intenções e declarando fim
ao passadismo. O alinhamento ideológico é denotado a partir das escolhas dos
movimentos estéticos, como por exemplo através do nacionalismo instigado pelo Pau
Brasil(1924), e também num viés social, com a temática operária e rural, opção
reverenciada pelo grupo Família Artística Paulista(1937)1, assim como as ideias do

1
Grupo de artistas formado em São Paulo em 1937, deve ser entendida no interior de uma cena ampliada, em que se
destaca a criação de diversas associações de artistas. Na mesma cidade de São Paulo vêm à luz o Clube dos Artistas
Futurismo de Menoti Del Picchia e de Sérgio Milliet, que serão escritas e anunciadas no
Manifesto Futurista. Desde a gênese da arte moderna houve a clara intenção de alinhar a
arte ao universo intelectual, afinando-a à literatura, através dos manifestos, numa
profusão de discursos que também se remetem ao âmbito político e refletem a
necessidade do engajamento social. Essa demanda pela resposta à realidade material que
se apresentava naquele contexto histórico, no entanto, não resulta em um discurso
homogêneo, ainda que entre os artistas houvesse uma forte tendência para o socialismo,
o momento favorecia também o surgimento de movimentos simpatizantes ao nazismo e
ao fascismo, a exemplo da Ação Integralista Brasileira, idealizada por Plínio Salgado
em 07 de Outubro de 1932, de um lado, e por outro lado, modernistas como Mário de
Andrade e Oswald se envolveram com surgimento de partidos de esquerda.

Durante a Semana de Arte Moderna, e a partir dela, foram anunciados os


manifestos em prol de uma arte anti-acadêmica, combativa, e que negava o passado
artístico colonial como uma mera reprodução da cultura clássica europeia, assimilando
por certo algumas correntes artísticas advindas do Velho Mundo. O modernismo, apesar
de suas inegáveis raízes exógenas, reivindica para si as tendências de vanguarda sob a
ótica brasilianista, uma releitura e uma nova proposta para o Brasil. A necessidade de
fixar o elemento característico da arte brasileira será uma grande preocupação de Mário
de Andrade e de Tarsila do Amaral, que a partir de São Paulo buscarão ampliar o
movimento moderno, que ganhará flexibilidade e expansão com as viagens pelo Brasil
em busca desta essência brasileira. Entre os modernistas, no entanto, o destino do
escritor-viajante passaria a incluir tanto a Europa quanto o próprio Brasil. E essa dupla
inclusão é revelada singularmente pela afirmação de Paulo Prado (1869-1943), em
prefácio ao livro Pau-Brasil (1924), segundo a qual Oswald de Andrade (1890-1954)
teria descoberto o Brasil do “umbigo do mundo”, no caso, Paris. O diapasão modernista
incorporou a exploração das terras brasileiras ainda que via contribuições europeias, daí
experiências como a famosa viagem de descoberta do Brasil realizada em 1924 pela
caravana modernista liderada por Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral (1886-1973) e
Mário de Andrade (1893-1945) e que consolidou o roteiro Carnaval no Rio de Janeiro e

Modernos - CAM, a Sociedade Pró-Arte Moderna - SPAM, ambos de 1932, e o Grupo Santa Helena (1934). No Rio de
Janeiro, por sua vez, forma-se o Núcleo Bernardelli (1934). Tais agremiações artísticas expressam, antes qualquer
coisa, o êxito do associativismo como estratégia de atuação dos artistas na vida cultural do país ao longo da década de
1930.
Semana Santa em Minas Gerais. Por outro lado, somam-se à excursão do grupo de São
Paulo as viagens etnográficas de Mário de Andrade, cujos registros originaram O turista
aprendiz2 (1976), e que representaram práticas de deslocamento e escrita que
consolidaram a necessidade de incorporação definitiva da geografia brasileira no ideário
do intelectual brasileiro normalmente mais interessado nas travessias oceânicas. Viajar e
escrever, portanto, são processos implicados nas premissas de um projeto político,
ideológico e estético3.

As influências mais marcantes na arte moderna brasileira estão afinadas com o


cenário mundial. Algumas tendências que podemos assinalar são o impressionismo, o
expressionismo, artes transitórias entre a arte classista e o radicalismo de outras
tendências, como o cubismo, dadaismo e o futurismo. A carga cultural advinda da
Europa através da imigração traz no âmbito intelectual a influência do Cavaleiro Azul4,
fundada pelo suisso Paul Klee, o austríaco Alfred Kubin e o russo Wassily Kandinsky e
outras tendências que sublinhavam a subjetividade, como o Surrealismo de Max Ernst,
o cubismo de Pablo Picasso e Geoge Braque.

O expressionismo já vinha sendo propagado por artistas como Lasar Segall5, e


sua esposa Jane Baucher, o futurismo de Marinetti, teve seu espaço, e ainda assim foi

2
Publicação póstuma que incorporou notas deixadas por Mário de Andrade sobre a sua viagem de 1927
e crônicas escritas durante a excursão para o nordeste entre 1928 e 1929, publicadas no Diário nacional.
3
Sobre as viagens empreendidas por alguns modernistas, a tese de Claudete Daflon:

DAFLON, Claudete; O percurso escrito da viagem modernista: experimentação em Alcântara Machado e


Raul Bopp, 2011, Universidade Federal Fluminense (UFF). Revista Investigações - Vol. 24, nº 1,
Janeiro/2011. p.28.
4
Cavaleiro Azul foi fundado por pelo suisso Paul Klee, o austríaco Alfred Kubi n e o russo Wassily
Kandinsky entre outros artistas Alemães, logo após a saírem da da Nova Associação de Artistas/Neue
Kunstlevereinigung de Munique, entre eles, Kandinsky, Franz Marc e Gabriele Münter, se dirigiram à
galeria Tannhauser e pediram uma sala de exposições.

A proposta do Cavaleiro Azul foi editar uma revista, Almanach der Blaue Reiter, e organizar
exposições.Em 18 de dezembro de 1911, inauguraram a I Exposição dos Editores do Cavaleiro Azul, na
mesma época e no mesmo local da terceira exposição da Neue Kunstlevereinigung. O denominador
comum foi a expressão subjetiva. Kandinsky comenta, na primeira exposição do grupo: "Nesta pequena
exibição, nós não tentamos propagar um preciso e particular estilo pictórico; nós, melhor do que isso,
tentamos mostrar, pela variedade de formas representadas, a multiplicidade de caminhos nos quais os
artistas manifestam seu desejo interior". MAC Virtual.
5
Lasar Segall não foi um refugiado do nazismo, mas sua arte transformou-se em um libelo pela paz e em
instrumento de denúncia sobre o que acontecia aos judeus na Europa. Artista plástico lituano, naturalizado
reapropriado na literatura pelo próprio Serge Milliet, o impressionismo de Cezzane foi
incorporado nos Salões de Maio e nas mostras do Grupo Santa Helena, bem como as
obras de Picasso, o cubismo, o dadaísmo, o abstracionismo. Tendo assim uma
recordação inefável da obra de Fernand Léger, Klimt e Marc Chagal, Wassily
Kandinsky, muitos nomes estrangeiros de renomada formação acadêmica saíram da
Europa ao longo da década de 30, e início de 1940, e são vários os artistas exilados ou
refugiados que chegarão ao Brasil.

A exemplo da influência das artes e do ambiente político e social da Europa, o


artista Lasar Segall viajou e trouxe consigo suas impressões, e tem sua vida e obra
interseccionadas à história no massacre nazista na Europa, fato o qual obteve
conhecimento a partir de cartas de seus amizagos que padeciam nos guetos. Lasar Segall
não foi um refugiado do nazismo, mas sua arte transformou-se em um libelo pela paz e
em instrumento de denúncia sobre o que acontecia aos judeus na Europa. Artista
plástico lituano, de família judia, ele foi naturalizado brasileiro, nasceu em 21 de julho
de 1891, em Vilna, Lituânia. Iniciou seus estudos em 1905, na sua cidade natal na
Academia de Desenho de Vilna. No ano seguinte, mudou-se para Berlim, passando a
estudar na Academia Imperial de Berlim, durante cinco anos. Mudou-se, a seguir, para
Dresden, estudando na Academia de Belas Artes.

Veio pela primeira vez ao Brasil em 1912 para visitar seus irmãos, aí realizou
suas primeiras exposições individuais em São Paulo e em Campinas. Em 1913
regressou à Europa, período em que viveu entre Europa e Brasil, época também em que
casou-se a primeira vez, com Margarete Quack (em 1918). Em 1914 participou em São
Paulo, da primeira exposição modernista em solo brasileiro e fundou, com um grupo de
artistas, o movimento "Secessão de Dresden", em 1919, realizando, a seguir, diversas
exposições na Europa. Sua obra neste período está marcada pelo expressionismo, um
tanto lúgubre, e naquela época, sua obra artística já ecoava Cézanne e o impressionismo
tal como fora interpretado e entendido pela 'Secessão' berlinense (1899) de Max
Libermann - desdobramento daquela vienense (1897) brilhantemente conduzida por

brasileiro, nasceu em 21 de julho de 1891, em Vilna, Lituânia. Veio pela primeira vez ao Brasil em 1912 para visitar
seus irmãos, aí realizou suas primeiras exposições individuais em São Paulo e em Campinas. Em 1913 regressou à
Europa, casando-se, em 1918, com Margarete Quack.
Gustav Klimt, entre outros - a qual será o embrião dos três grandes movimentos
expressionistas alemães; isto é, A Ponte, O Cavalerio Azul e A Nova Objetividade.

No ano de 1923, o pintor lituano Lasar Segall mudou-se para o Brasil. Já era um
artista conhecido. Contudo, foi aqui que, segundo suas próprias palavras, sua arte
conheceu o "milagre da luz e da cor". Segall mudou-se para o Brasil em 1923, quando já
era conhecido, e aqui dedicaou-se, além da pintura, às artes decorativas. Criou a
decoração do Baile Futurista, no Automóvel Clube de São Paulo, e os murais para o
Pavilhão de Arte Moderna de Olívia Guedes Penteado. Já separado de sua primeira
esposa, casou-se em 1925 com Jenny Klabin, com quem teve os filhos Maurício e
Oscar. Nessa época, passou a viver com a família em Paris, onde se dedicou também à
escultura. Suas obras nessa fase remetem à atmosfera familiar e de intimidade. Em
1932, Segall retornou ao Brasil, instalando-se em São Paulo na casa projetada pelo
arquiteto Gregori Warchavchik, seu cunhado. Essa casa abriga, atualmente, o Museu
Lasar Segall.6

Associações Artísticas: Grupo Santa Helena, Osirarte e Grupo Bernardelli

O desenvolvimento independente da arte pendia para associações ideológicas e


políticas entre os artistas, entre aqueles que eram imigrantes as associações de artistas
bastante populares. A ampliação do espaço dos artistas modernos deveu-se muito a sua
capacidade de constituir sociedades e promover exposições e encontros de estudos,
algumas associações e grupos se formaram neste período: em 1929 é criada a
Associação dos Artistas Brasileiros, que promovia as artes plásticas e também
concertos, teatros, festivais de cinema, conferências. Em 1930 a Pró Arte é fundada por
Theodor Heuberger irá ser incentivadora cultural, especialmente entre o intercâmbio
Alemanha-Brasil, no mesmo ano o pintor Navarro da Costa (1883-1931), cônsul
brasileiro em Munique, apresenta no Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro a I
Exposição de Arte Alemã, depois remetida a São Paulo, Campinas e Santos, esta e
outras exposições de arte alemã, como a Exposição de Arte Alemã no Brasil (1928) e a
exposição de Arte Decorativa Alemã no Brasil(1929), exposta na ENBA – Escola
Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro terão continuidade no decorrer da década de

6
Adaptação da história de vida de Lasar Segall no Banco de Dados do Arquivo Virtual Sobre o
Holocausto e Antissemitismo, Artistas e Intelectuais. Site www.arqshoah.com.br.
30. Na ENBA se forma logo um núcleo de oposição à arte acadêmica, o Núcleo
Bernardelli, formado por intelectuais das artes que se opunham ao ensino cristalizado da
escola. O núcleo tomou para si uma homenagem dois antigos nomes liberais que
fundaram um curso livre paralelo – Rodolfo Bernardelli (1852-1931) e Henrique
Bernardelli, o Núcleo Bernardelli funciona primeiramente no Studio Nicolas, do
fotógrafo Nicolas Alagemovits, e muda-se em seguida para os porões da Enba, onde
funciona até 1936. Nessa data, transfere-se para a Rua São José, depois para a Praça
Tiradentes, n. 85, até a sua extinção em 19417, era composto por Bruno
Lechowski(1889-1941), Manoel Santiago (1897-87) e Quirino Campofiorito (1902 -
1993) , que compunham a função de professores, e uma série de alunos: Ado Malagoli
(1906 - 1994), Bráulio Poiava (1911), Bustamante Sá (1907 - 1988), , Sigaud (1899 -
1979), Camargo Freire (1908 - 1988), Joaquim Tenreiro (1906 - 1992), Rescála (1910 -
1986), José Gomez Correia, José Pancetti (1902 - 1958), Milton Dacosta (1915 - 1988),
Manoel Santiago (1897 - 1987), Yoshiya Takaoka (1909 - 1978) e Tamaki (1916 -
1979).

Durante o regime nazista, de 1933 – 1945, os artistas modernos foram


duramente perseguidos, considerados como portadores de uma anti-arte, a arte
degenerada, justamente aquela que pretendia abolir os clássicos padrões da arte
acadêmica. Em 19 de julho de 1937, Adolf Ziegler, da Câmara de Artes Plásticas do
Reich, abre a exposição Arte Degenerada (Entartete Kunst) , que reúne cerca de 650
obras, entre pinturas, esculturas, desenhos, gravuras e livros, provenientes de acervos de
32 museus alemães, considerados inadequados, prejudiciais e moralmente condenáveis
pelo III Reich. Uma versão desta mostra em 1847 veio ao Brasil passando por São
Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, e assim como outras organizadas por núcleos
modernistas como o Grupo Guignard8, e também aquelas organizadas por Lasar Segall

7
Verbete Núcleo Bernardelli, Enciclopédia Itaú Cultural das Artes Visuais.
8
Grupo de artistas que dividia um ateliê na Rua Marquês de Abrantes nº 4, onde antes funcionava a
gafieira A Flor de Abacate (daí o nome do grupo, A Nova Flor de Abacate, dado por Manuel Bandeira).
Guignard, orientador dos artistas, dava aulas matutinas diárias de desenho, aquarela e guache. A única
exposição do Grupo, realizada em outubro de 1943 no Diretório Acadêmico da Enba, teve boa acolhida
da crítica e foi marcada por um fato de ampla repercussão na imprensa: alunos acadêmicos da Enba
desmontaram a exposição à força, danificando trabalhos. A mostra foi reinaugurada na Associação
Brasileira de Imprensa. O Grupo se dissolveu com a mudança de Guignard para Belo Horizonte. Verbete
Grupo Guignard:Enciclopédia Itaú Cultural das Artes Visuais.
em 1943 no Rio de Janeiro foram atacadas por aqueles que eram contrários ao
modernismo. Em Minas Gerais, na Exposição de Arte Moderna de Belo Horizonte, em
1944 violentaram telas de Milton Dacosta e José Moraes, foi na Exposição de Arte
Degenerada Condenada pelo III Reich, organizada em 1945 pela Galeria Askenazi, no
Rio, que a tela de Willhelm Woeller(1907-54)9 foi atingida – mas não por
antissemitismo, e sim ‘antimodernismo’.

Também são deste período a CAM – Câmara de Arte Moderna e a SPAM –


Sociedade Pró Arte Moderna, e o Grupo Santa Helena, que se reunia nos ateliês do
Palacete Santa Helena, próximo à Catedral da Sé no centro da cidade de São Paulo, se
formou a partir de 1934. Os artistas motivados pela necessidade de fixar seus ateliês, se
aproximaram pelas afinidades e idéias comuns, mas não por uma pretensão prévia de
constituir um grupo. Entre os santelenistas: Francisco Rebolo Gonsales (1903-80) Mário
Zanini(1907-71), Manoel Martins(1911-79), Fulvio Pennacchi, Clóvis Graciano(1907-
88), Alfredo Volpi (1896-1988), Humberto Rosa (1908-48) e Alfredo Rullo Rizzotti
(1909-72) e Aldo Bonadei (1906-74), foram alunos e estudiosos das artes muitos
imigrantes italianos, alemães, franceses, que ali travaram amizades e teceram suas redes
de relações. Mais tarde o grupo se reúne na Família Artística Paulista (FAP), a partir de
1937, momento em que já alcançam algum reconhecimento. Estes artistas expressaram
em suas obras o contexto de sua classe social, os cenários domésticos do trabalho em
aspectos urbanos e na paisagem, dedicavam-se ao desenho com modelo vivo, prática
que teve continuidade nos próprios ateliês do Palacete Santa Helena. A busca pelo
aprimoramento técnico e excelência era o foco daqueles artistas que freqüentaram o
grupo e integraram a FAP. É importante salientar que os artistas do Grupo Santa
Helena nunca fizeram uma exposição de suas obras conjuntas, mas participaram das três
mostras da Família Artística Paulista, realizadas respectivamente em 1937, 1939 e em
194010.

9
ZANINI, Walter. A arte no Brasil nas décadas de 1930-40. O Grupo Santa Helena. São Paulo:EDUSP,
1991, p.34.
10
A Família Artística Paulista se reuniu em 1937 no Hotel Esplanada no Rio; no Automóvel Clube, na rua
Líbero Badaró, em São Paulo, em 1939; e no Palace Hotel do Rio em 1940, a convite da Associação dos
Artistas Brasileiros com o patrocínio da revista Aspectos. Catálogo Operários na Paulista> MAC USP
Artistas Artesãos, p.19.
No âmbito das artes na década de 1930 e 40 surge a azulejaria Osirarte, criada
em 1940 pelo artista ítalo-brasileiro Rossi Osir (1890 - 1959) com a finalidade de
realizar os azulejos desenhados por Candido Portinari (1903 - 1962) para o revestimento
do Ministério da Educação e Saúde no Rio de Janeiro, atual Palácio Gustavo Capanema.
Mesmo antes do término do trabalho para o ministério em 1945, a empresa já executa
outras encomendas, para arquitetos e outros artistas, além de manter uma produção de
azulejos avulsos para decoração de residências particulares. Agregava diversos pintores
interessados em comercializar sua arte, entre eles destacam-se Hilde Weber (1913 -
1994) de 1941 a 1950, Gerda Brentani (1908 - 1999) e Giuliana Giordi (ambas até
1943), Virginia Artigas (1915 - 1990) de 1940 a 1942, Cesar Lacanna (1901 - 1983) em
1945 e Frans Krajcberg (1921) em 1948 e eventualmente Ernesto de Fiori (1884 - 1945)
e Ottone Zorlini (1891 - 1967) executam trabalhos para Osirarte.

Entre os artistas que neste contexto se inseriram nos ateliês do Grupo Santa
Helena e também no ateliê de cerâmica criado por Rossi Osir, a Osirarte, se destacam
Alice Brill, Gerda Brentani. Alice Brill chega no Brasil adolescente, ao encontro com
sua família, veio acompanhada do pai, Erich Brill11, também artista. Estuda na Cursa a
São Paulo Graded School, freqüenta o Grupo Santa Helena, participando regularmente
das sessões de modelo vivo no ateliê e das excursões de pintura ao ar livre. Em 1940
estuda com artistas como Rossi Osir (1890-1959) Quirino da Silva e Bonadei e Yolanda
Mohalyi. Desenvolve diversos trabalhos no Brasil e no exterior.

Outra artista que veio em contexto de refúgio das perseguições políticas do foi
Gerda Brentani, nascida em 1906 em Trieste, fronteira norte da Itália, um local em que
há grande confluência entre acultura alemã e italiana. A artista chegou ao Brasil em
1939. Em São Paulo, manteve contato com o meio artístico da década de 40,
participando do grupo Osirarte (Rossi, Zanini, Rossi Osir, Volpi de Fiori).Gerda trouxe
vasto cabedal de cultura e repertório advindo de sua formação na Europa,no entanto, foi
no Brasil que desenvolveu sua arte em plenitude, aqui descobriuo desenho como

11
Erick Brill teve um fim trágico, desconhecido da sua filha Alice Brill na época, que não sabia do
paradeiro do pai. O artista chegou a expor no Rio de Janeiro e São Paulo e, em 1937, retornou a
Hamburgo, sendo preso pelos nazistas durante cinco anos. O pai de Alice Brill terá um fim trágico, pois,
depois de sua estadia junto aos nazitas, após ter sido libertado, foi preso uma semana depois e
deportado para o campo de concentração de Jungfernhof, próximo a Riga (Letônia) onde foi fuzilado em
26 de Março de 1942.
instrumento de expressão acerca de suas inquietações. A artista emergiu no cenário
artístico de São Paulo com a amizade com diversos outros artistas, como Ernesto De
Fiori (1884 -1945), que conheceu através do Arquiteto Bernhard Rudofsky, que, em
visita à São Paulo levou ao amigo os desenhos de Gerda.

O italiano Ernesto di Fiore havia chegado já há três anos, e com ele Gerda teve
aulas de desenho também. A convite de Paulo Rossi Osir foi trabalharem seu ateliê de
cerâmica, fazendo pinturas à óleo e sobre azulejos e participada 1ª exposição da
Osinarte, em 1941. Neste período figura ao lado de muitosartistas amigos, como Hilde
Weber (1913-1994), Walter Lewy (1905- 1996),Giuliana Giorgi, Hilde Weber, Mário
Zanini, Alfredo Volpi, Sergio Milliet, Rino Levi, Ana Maria Fiocca, Tarsila do Amaral,
Marcello Grassmann, Paulo Mendes de Almeida, Paulo Vaanzolini Arnaldo Pedroso
d’Horta compunha o cenário artístico cultural de São Paulo.

Cabe aqui falar também de Ernesto di Fiori, que atuou junto aos artistas do
Grupo Santa Helena e no ateliê de Clóvis Rossi Osir, a Osirarte, e teve grandes embates
com os modernistas, o artista desenvolveu grande parte de sua carreira artística na
Alemanha e trouxe uma significativa contribuição ao desenvolvimento das artes no
Brasil. Sua posição diante da arte moderna, principalmente do dadaísmo é bastante
relevante sobre a análise das contribuições artísticas dos modernistas, ao passo que este
artista não admite a abdicação de toda sua cultura acumulada, não só o saber acadêmico,
mas toda a experiência adquirida, considerando sua importância primordial para as
investigações que darão vazão a novas maneiras de expressão. Ernesto di Fiori nasceu
em Roma, filho de mãe austríaca, Maria de Fiori Unger e pai italiano, Robeto de Fiori;
iniciou sua formação artística em Roma, e se aperfeiçoou em Berlim e Paris. Residiu na
França entre 1911 e 1914, conheceu no ambiente parisiense o artista suíço Hermann
Heller e realiza suas primeiras esculturas com sua ajuda, neste período também foi
muito influenciado pelos impressionistas e pelo cubismo de Matisse e Picasso. Aos 19
anos muda-se para Munique, onde estuda na Königliche Akademie der Bildenden
Künste [Real Academia de Belas Artes], onde estuda desenho com Gabriel von Hackl
(1843 - 1926). Optou pela nacionalidade alemã, mantendo ateliê em Berlim. Já era um
artista conhecido na Europa quando, em decorrência das pressões da guerra e do
nazismo, imigrou para o Brasil em 1936 onde já residiam seu irmão e médico Mário de
Fiori e sua mãe. No Brasil, atuou como escultor, pintor e colaborador dos jornais das
colônias italiana e alemã em São Paulo, mais tarde escreve para O Estado de São Paulo.
Em 1938 teve recusada sua maquete com figuras de O brasileiro, idealizada para o
edifício do Ministério da Educação no Rio de Janeiro. A figuração simplificada de seus
tipos humanos não coadunavam com a monumentalidade exigida pelo governo
autoritário varguista inspirada na estética proposta pelos regimes totalitários.

Vinha sendo cultivada na nova arte a busca pelo desligamento das tradicionais
formas representativas – figurativas – espelhadas na realidade, esta tendência abstrata
que se inicia com Wassily Kandinsky e que ganhou destaque também nas obras do
holandês Piet Mondrian ganhou muitos adeptos na cena moderna brasileira. Essa nova
arte não figurativa favorecerá o surgimento na década de 1950 de grupos
abstracionistas: O Atelier Abstração (1951); o grupo Ruptura, também de São Paulo
(1952); o grupo Frente no Rio de Janeiro, encabeçado pelos alunos de Ivan Serpa, entre
eles Lygia Clark, Hélio Oiticica, Ferreira Gullar, etc, e também o jovem Franz
Weissman, artista de origem austríaca, emigrado para o Brasil aos onze anos de idade; e
o grupo Noigrandes (1952)12. O abstracionismo seria expressão intrínseca de alguns
artistas que vieram a fazer escola como Samsor Flexor, muito importante no
abstracionismo brasileiro, alunos seus, como Henrique Boese, Paulo Rossi Osir,
Yolanda Mohalyi seguiram esta linha, e por vezes vieram a desembocar no
Abstracionismo informal, desdobramento menos ascético do abstrato, manifestação que
aparecia entre as décadas de 40 e 50, no pós Guerra – quando acontece o boom da arte
americana, e artistas como Jackson Pullok tornam se populares e todo mundo. O
informalismo abstrato baseia-se na liberdade dos gestos, onde o principal objetivo é a
expressão do artista, e a única regra a ser seguida é a da não-representação, é um
desdobramento que virá figurar na I Bienal de São Paulo em 1952.

Samsor Flexor é franco-romeno, nascido na Bessarábia, viveu no Brasil durante


25 anos, vindo a falecer em São Paulo. Estudou na França junto à École Nationale des
Beaux Arts e Academia Ranson especializando-se em pintura mural, afrescos e arte
religiosa. Em Paris foi membro fundador do Salon des Surindépendants, vindo a se fixar
no Brasil em 1946. Pesquisando formas e cores, deixou-se envolver pela atmosfera
tropical e o barroco. Fez discípulos em torno do AtelierAbstração (1952), tornando-se

12 NOGUEIRA, Fernanda Ferreira Marcondes. Políticas estéticas e ocupações poéticas: uma genealogia
(im)possível a partir do concretismo brasileiro. Dissertação de Mestrado, FFLCH-USP, 2009.
pioneiro do Abstracionismo no Brasil, marcado por influências do Cubismo e da Section
d'Or. Posteriormente, retornou ao figurativo investindo em imagens de cunho
antropológico. Presença constante em Bienais Internacionais de São Paulo, participou
de exposições no Rio de Janeiro e São Paulo, New York, Montevidéo, Stuttgart, Lisboa
e Paris13.

Alguns artistas, como Maria Helena Vieira da Silva, Szenes, Arpad e Ernesto Di
Fiori vieram ao Brasil em caráter de exílio, buscando refúgio em decorrência das
perseguições antisemitas, atuando brilhantemente por aqui durante um certo período, e
em sua volta para a Europa expandiram a visão acerca da arte brasileira, através do
intenso intercâmbio cultural. Maria Helena Vieira da Silva e Arpad Szenes são dois
artistas, por exemplo, que vieram ao país em exílio e depois retornaram à Europa. Arpad
Szenes foi um artista que teve oportunidade de conhecer intensamente o movimento
moderno que circulava na Europa, ele mudou-se em 1925 para Paris e lá
conheceu André Lhote, Fernand Léger e Roger Bissiere. Na França trabalha com
caricaturas e retratos em bares e cafés, freqüenta a Académie de la Grande Chaumière e
estuda com Stanley William Hayter, com quem aprendeu gravura e nesta época também
trabalha no atelier de Hayter e conhece importantes nomes do surrealismo que marcam
esta fase da sua obra. Arpad Szenes casou-se em 1930 com a pintora portuguesa Vieira
da Silva (1908 - 1992), sua modelo mais freqüente. Em 1939 mudam-se para Portugal e
confiam o atelier em Paris e suas obras ao artista Jeanne Bucher. Neste período, em
plena tensão de guerra, num contexto em que muitos estados pactuavam com as idéias
antisemitas, o Estado português nega aos artistas a nacionalidade portuguesa. Isso
ocorre mesmo com o casal tendo se casado no âmbito religioso e Arpad já ser
convertido ao catolicismo. Desta maneira, tanto Arpad Szenes quanto a sua esposa
Helena Viera tornaram-se apátridas, e pouco tempo depois saem da Europa buscando
refúgio no Rio de Janeiro. Estabeleceram residência no Rio de Janeiro no casarão na
Rua Marques de Abrantes, onde também morava o poeta Murilo Mendes (1901 - 1975),
e através dele entra em contato com outros grandes artistas, como Cecília Meirelles
(1901 - 1964), Carlos Scliar (1920 - 2001) e Ruben Navarra (1917 - 1955)14.

13
CARNEIRO, Maria Luiza Tucci, STRAUSS, Dieter. Brasil, um refúgio nos trópicos - Brasilien, Fluchtpunkt
in den Tropen. São Paulo: Estação Liberdade, 1996.
14
A História de Arpad Szenes também está disponível no site www.arqshoah.com.br.
O casal de artistas mais tarde muda-se para um conjunto de chalés pertencentes
ao antigo Hotel Internacional, em Santa Teresa, pensão e reduto de artistas emigrados
no período. No prédio principal do hotel em que moravam, montam um ateliê em que
Maria Helena poderia exercer sua arte e Arrpad também pode receber seus alunos, entre
eles, Frank Schaeffer (1917), Almir Mavignier (1925) e Polly McDonnell (1911). Passa
a dar aulas também na Colméia de Pintores do Brasil, criada por Levino Fanzeres (1884
- 1956). Entre os trabalhos de Arpad Szenes, realiza contribuiu as ilustrações do livro
de Rainer Maria Rilke (1875 - 1926), "Weise von Liebe und Tod des Cornets Christoph
Rilke" [A Canção de Amor e de Morte do Porta-Estandarte Cristóvão Rilke], cuja
tradução foi feita por Cecília Meirelles.

Em 1947, com as mudanças vindas com o fim da guerra, retornam à França e


dão continuidade à suas vidas artísticas, e neste período em Paris dá aulas a futuros
grandes nomes da arte como Lygia Clark e Teresa Nicolao. Compõe com Maria Helena
Vieira da Silva (1908), portuguesa, o "casal de pintores parisienses". Szenes marcou
espaço com sua pintura abstracionista. Maria Helena fez da guerra e do exílio temas de
inspiração para seus quadros, que geralmente retratam o isolamento e o confinamento.

Os artistas Arpad Szenes e Maria Helena Vieira influenciaram e foram


influenciados por uma frutífera geração. A contribuição para as artes é reconhecida e
celebrada por artistas como Carlos Scilar, que residiu em São Paulo e conviveu com
estes artistas e escreveu e dirigiu em 1944 o documentário “Escadas” sobre os dois.

Muitos outros artistas poderiam ser citados, entre os que viveram neste período e
construíram suas vidas artísticas no reduto Brasileiro. Entre eles, muitos estudados pelo
Núcleo Arqshoah de estudos sobre Holocausto e antissemitismo, a seguir, alguns nomes
que não puderam ser aprofundados neste artigo: Henrique Boese, ligado ao
Expressionismo Abstrato voltado para o informalismo, Eva Lieblich, que chega em
1940 no Brasil, foi frequentadora do ateliê de Mario Zanini e integra também mostras
dos 19 pintores, Mathilde Meier, que chega ao Brasil em 1938, Fayga Ostrower,
alinhada ao abstracionismo, participa do I Salão Nacional de Arte Abstrata em 1941,
George Rado.

Entre os artistas citados não citados, diversos deles que tiveram sua vida
atravessada pelas vicissitudes implicadas pela fuga do nazismo e fascismo, estão
Yolanda Mohalyi, Renina Katz, Liuba Boyadjieva, Gershon Knispel, Lisebeth (Lise)
Forel, Marcus Mizne, Walter Lewy, Agi Straus, Gerty Sarue e Franz Josef Weissmann,
suas histórias são pesquisadas e disponibilizadas pelo Arquivo Virtual – Arqshoah.

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