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Metabolismo do glicogénio; Rui Fontes

Metabolismo do Glicogénio
1- O glicogénio é um polímero de tamanho variável que contém resíduos glicose ligados por ligações
glicosídicas α-1,4 e, nos locais de ramificação, glicosídicas α-1,6. A formação deste polímero permite
a acumulação de glicose nas células sem aumentar a pressão osmótica dentro destas. O glicogénio
existe no citosol de todas as células do organismo mas é mais importante no fígado e músculo
esquelético.
2- A glicogénese é a via metabólica pela qual as moléculas de glicogénio crescem por transferência de
resíduos glicose para os grupos 4-OH livres dos resíduos glicose das extremidades. Esta transferência
é catalisada pela síntase do glicogénio: a síntase do glicogénio é uma transférase em que o dador de
glicose é a UDP-glicose. A UDP-glicose forma-se a partir da glicose-1-P (pirofosforílase da UDP-
glicose: glicose-1-P + UTP → UDP-glicose + PPi), por sua vez formado por isomerização da glicose-
6-P (fosfoglicomútase: glicose-6-P ↔ glicose-1-P). A ramificação do glicogénio é catalisada pela
enzima ramificante, que catalisa a transferência de uma cadeia com cerca de 7 resíduos glicose de
uma extremidade para um grupo 6-OH de uma cadeia vizinha.
3- A glicogenólise é a via catabólica. A fosforílase do glicogénio catalisa a fosforólise do glicogénio; ou
seja, catalisa a transferência de resíduos glicose das extremidades com grupos 4-OH livres para o Pi
formando glicose-1-P (glicogénio(n) + Pi → glicogénio(n-1) + glicose-1-P). De seguida a glicose-1-P
sofre isomerização gerando glicose-6-P. A desramificação do glicogénio é catalisada por uma enzima
(enzima desramificante) com duas actividades: transferência intra-molecular de maltotriose e
hidrólise da ligação α-1,6.
4- No fígado, a glicogénese está activada quando, durante a absorção intestinal de glicídeos, a glicemia
aumenta. A descida da glicemia leva ao desencadear de mecanismos homeostáticos que levam à
activação da glicogenólise. A presença de glicose-6-fosfátase neste órgão permite a formação de
glicose que é vertida na corrente sanguínea sendo consumida pelos tecidos extra-hepáticos. O fígado é
um órgão central no metabolismo da glicose: acumula glicose na forma de glicogénio quando a
glicemia é elevado e, através da glicogenólise e da gliconeogénese, forma glicose que verte para o
sangue e, em última análise, para os outros tecidos quando a glicemia baixa durante o jejum. De
recordar que, no jejum, o ATP formado no fígado é uma consequência da oxidação dos ácidos gordos.
5- Nos músculos esqueléticos, o papel do glicogénio é muito distinto do do fígado. Nos músculos
esqueléticos, a acumulação de glicogénio está favorecida durante o repouso e quando a glicemia
está elevada enquanto a sua degradação está aumentada quando aumenta a actividade
muscular. No músculo, a glicose-6-P (formada por acção da fosforílase e da fosfoglicomútase) e a
glicose (formada por acção da enzima desramificante) originadas durante a glicogenólise são
consumidas na fibra muscular onde se formaram. No músculo (e noutros tecidos) a degradação do
glicogénio serve as necessidades energéticas da célula onde foi armazenado.
6- Os estudos feitos até hoje sobre a regulação da glicogénese e glicogenólise incidiram de forma
particular sobre a síntase do glicogénio e a fosforílase do glicogénio. Na regulação da actividade
destas enzimas participam mecanismos de fosforilação reversível assim como mecanismos
alostéricos. A síntase do glicogénio é menos activa na forma fosforilada o contrário acontecendo no
caso da fosforílase do glicogénio. Várias cínases, como, por exemplo: a PKA, a cínase-3 da síntase
do glicogénio e a cínase da fosforílase do glicogénio, estão envolvidas na fosforilação e consequente
inactivação da síntase do glicogénio. A fosforilação e consequente activação da fosforílase do
glicogénio é o resultado da acção catalítica da cínase da fosforílase do glicogénio. Esta enzima,
catalisando a fosforilação quer da síntase do glicogénio quer da fosforílase do glicogénio,
inactiva a síntese de glicogénio e activa a sua fosforólise. A desfosforilação da síntase de glicogénio
(activação) e da fosforílase do glicogénio (inactivação) é o resultado da acção catalítica de uma mesma
fosfátase: a fosfátase-1 de proteínas. A glicose-6-P que resulta da fosforilação da glicose é um
activador alostérico da síntase do glicogénio (quer muscular quer hepática) podendo activar a forma
fosforilada da enzima. O AMP, um nucleotídeo que aumento na célula quando o consumo de ATP é
elevado, é um activador alostérico da fosforílase do glicogénio muscular. A ligação do AMP à forma
desfosforilada (supostamente inactiva) da fosforílase activa esta enzima.

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7- Durante o jejum, estimuladas pela hipoglicemia as células α dos ilhéus pancreáticos libertam
glicagina. Na membrana dos hepatócitos existem receptores para esta hormona. A ligação da
glicagina aos seus receptores induz a activação da cíclase do adenilato que leva ao aumento da
concentração de AMP cíclico no citoplasma do hepatócito. O AMP cíclico activa a PKA (enzima.alvo
+ ATP → enzima.alvo-P + ADP) que é uma cínase capaz de catalisar a fosforilação de muitos
proteídos. Dentre estes são de destacar a cínase da fosforílase, a síntase do glicogénio, a fosfátase-1
de proteínas e o inibidor-1. A fosforilação destes proteídos leva à estimulação da glicogenólise e à
libertação de glicose para o sangue.
8- A acção da PKA promove a fosforilação da cínase da fosforílase que activa esta enzima; a actividade
catalítica da cínase da fosforílase leva à fosforilação da fosforílase do glicogénio e da síntase do
glicogénio e, consequentemente, à activação da fosforílase e à inactivação da síntase. A fosfátase-1 de
proteínas catalisa a hidrólise dos resíduos fosfato ligados nestas três enzimas (cínase da fosforílase,
fosforílase do glicogénio e síntase do glicogénio) tendo efeitos opostos: activação da síntese de
glicogénio e inactivação da sua fosforólise. Contudo, a PKA ao catalisar a fosforilação da fosfátase-1
de proteínas inactiva-a. Para esta inactivação também contribui a fosforilação do inibidor-1 (por acção
da mesma PKA) que fosforilado funciona como inibidor da fosfátase-1. Assim, da activação da PKA
pelo AMP cíclico resultam a activação da cínase da fosforílase, da fosforílase do glicogénio e do
inibidor-1 e a inactivação da síntase do glicogénio e da fosfátase-1.
9- Quando a glicemia é elevada ocorre acumulação de glicogénio no fígado, quer como consequência
directa do aumento da concentração de glicose dentro dos hepatócitos quer como consequência do
aumento da insulina no sangue.
10- A glicemia elevada estimula as células β dos ilhéus pancreáticos a libertar insulina. A insulina liga-se
ao seu receptor na membrana do hepatócito e do músculo desencadeando cascatas de activações
enzímicas que desembocam na activação da fosfátase-1 de proteínas e na inactivação da cínase-3
da síntase do glicogénio. A activação da fosfátase-1 de proteínas vai provocar um conjunto de
desfosforilações (síntase do glicogénio, cínase da fosforílase e fosforílase do glicogénio) que
promovem a glicogénese e travam a glicogenólise. A cínase-3 da síntase do glicogénio é uma das
enzimas envolvidas na inactivação da síntase de glicogénio: a inactivação desta cínase também
contribui para a promoção da glicogénese.
11- A própria glicose estimula a fosfátase-1 na sua acção inactivadora sobre a fosforílase do glicogénio.
O mecanismo de activação envolve a ligação da glicose à fosforílase do glicogénio modificando a sua
conformação de tal forma que os resíduos fosfato a ela ligados ficam acessíveis à acção hidrolítica da
fosfátase-1.
12- A glicose-6-P para além de ser um activador alostérico da síntase do glicogénio também tem um efeito
semelhante ao descrito para a glicose na fosforílase do glicogénio. A ligação da glicose-6-fosfato à
síntase do glicogénio no estado fosforilado torna esta enzima um melhor substrato para a acção da
fosfátase-1. Ou seja, a glicose-6-fosfato estimula a síntase do glicogénio por dois mecanismos:
activação alostérica directa e facilitadora da acção activadora da fostátase-1.
13- A glicogenólise muscular é estimulada durante o trabalho muscular mas, preparando este trabalho,
pode também ter lugar por acção da adrenalina, uma hormona produzida na medula da glândula
supra-renal. Os receptores adrenérgicos β que existem no músculo quando estimulados pela
adrenalina levam a uma cascata de reacções em tudo semelhante à discutida para o caso da acção da
glicagina no fígado. Contudo, os glicogénios hepático e muscular têm papéis distintos: enquanto um
serve para manter a glicemia o outro serve para fornecer combustível à própria célula. No fígado, a
glicagina promove a glicogenólise (e a gliconeogénese) e inibe a glicólise e a glicogénese; no
músculo, a adrenalina promove a glicogenólise e a glicólise e inibe a glicogénese (não existindo
gliconeogénese).
14- Na origem da contracção muscular está um estímulo nervoso que induz aumento na concentração
citosólica do ião cálcio. Este aumento leva à contracção muscular mas também à estimulação directa
da cínase da fosforílase com a consequente estimulação da glicogenólise e inibição da glicogénese. O
trabalho muscular pode levar à diminuição da concentração de ATP e leva ao aumento do AMP; o
AMP é um activador alostérico da fosforílase do glicogénio muscular podendo estimular a forma
desfosforilada da fosforílase muscular que é activa na sua presença.

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