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Antonio Candido: Textos de Intervenção. SP: Duas Cidades; Ed. 34, 2002. 392 p.
(Coleção Espírito Crítico)
Texto original: Conferência pronunciada na XXIV Reunião Anual da SBPC. SP, julho de
1972. Primeira publicação na revista “Ciência e Cultura” (nº9, vol. 24, SP, set. 1972).
COMENTÁRIOS CITAÇÕES
Tema central: defesa de uma certa função
humanizadora da literatura.
1º dado: discutir o conceito de “Função” “O papel que a obra literária desempenha na
sociedade” (p. 77)
em literatura
Candido situa, teoricamente, o conceito de “O ponto de vista estrutural consiste em ver as
obras com referência aos modelos ocultos,
função ao de estrutura. Para o autor, a pondo pelo menos provisória e
“função” seria um dado historicizante da metodologicamente entre parênteses os
elementos que indicam a sua gênese e a sua
literatura, ao contrário de “estrutura”. função num momento dado, e que portanto
acentuam o seu caráter de produto contingente
Esta, como arcabouço geral de uma mergulhado na história. Isto é dito para
sistemática imanente ao texto, estaria justificar a afirmação inicial: que os estudos
modernos de literatura se voltam mais para a
numa busca de cientificidade que estrutura do que para a função. Privada dos
seus apoios tradicionais mais sólidos (o estudo
escaparia aos interesses focalizados pela da gênese, a aferição do valor, a relação com
noção de “função”, como o valor literário o público), a noção de função passa de fato por
uma certa crise.” (p. 79)
e a contingência histórica numa
interpretação.
Apesar deste diagnóstico, Candido
reconhece o valor da análise estrutural e
identifica que é possível fazer uma
mediação construtiva entre os dois pólos,
ao invés de primar entre um e outro.
O que faz Candido enfocar a ideia de “(...) na medida em que nos interessa também
como experiência humana, não apenas como
“função” mesmo reconhecendo que esta produção de obras consideradas projeções, ou
passa por uma certa crise? Para ele, a melhor, transformações de modelos
profundos, a literatura desperta
função ainda possui valor teórico por se inevitavelmente o interesse pelos elementos
contextuais. Tanto quanto a estrutura, eles nos
dizem de perto, porque somos levados a eles
pela preocupação com a nossa identidade e o
ancorar na perspectiva da experiência nosso destino, sem contar que a inteligência
da estrutura depende em grande parte de se
humana. saber como o texto se forma a partir do
contexto, até construir uma independência
dependente (se for permitido o jogo de
palavras). Mesmo que isto nos afaste de uma
visão científica, é difícil pôr de lado os
problemas individuais e sociais que dão lastro
às obras e as amarram ao mundo onde
vivemos.” (p. 79)
Para tentar conciliar estes dois pólos, “(...) indaga sobre a validade da obra e sua
função como síntese e projeção da experiência
Candido propõe uma divisão entre humana.” (p. 80)
“momentos” da análise literária: o
primeiro seria mais
científico/estruturalista, centrado no texto
como objeto de conhecimento. O segundo,
crítico/funcionalista que, segundo o autor:
Tendo feito isso que ele chama de
“delimitar os campos”, Candido parte para
uma análise mais detalhada sobre o papel
da literatura no sentido formativo e
humanizador do homem.
PARTE II (P. 80)
1º aspecto: função psicológica “A produção e fruição desta [da literatura] se
baseiam numa espécie de necessidade
universal de ficção e de fantasia, que decerto
é coextensiva ao homem, pois aparece
invariavelmente em sua vida, como
indivíduos e como grupo, ao lado da
satisfação das necessidades mais elementares.
E isto ocorre no primitivo e no civilizado, no
instruído e no analfabeto.” (p. 80)
A partir dessa função, podemos perceber A literatura propriamente dita é uma das
modalidades que funcionam como resposta a
como a argumentação de Candido essa necessidade universal, cujas formas mais
considera a literatura como um dado humildes e espontâneas de satisfação talvez
sejam coisas como a anedota, a adivinha, o
ontológico, posto que definidor do trocadilho, o rifão. Em nível complexo
surgem as narrativas populares, os cantos
homem. Neste sentido, Candido folclóricos, as lendas, os mitos. No nosso ciclo
empreende um esforço de colocar par a de civilização, tudo isso culminou de certo
modo nas formas impressas, divulgadas pelo
par a mais ordinária manifestação literária livro, o folheto, o jornal, a revista: poema,
conto, romance, narrativa romanceada. Mais
com a produção mais proeminente do recentemente, ocorreu o boom das
cânone ocidental. O que definiria a modalidades ligadas à comunicação pela
diferença entre um e outro, seriam os imagem e à redefinição da comunicação oral,
propiciada pela técnica: fita de cinema,
contingentes históricos e sociais. Esse radionovela, fotonovela, história em
movimento garante uma perspectiva de quadrinhos, telenovela. Isto, sem falar no
bombardeio incessante de publicidade, que
integração cultural e pode nos dar um nos assalta de manhã à noite, apoiada em
elementos de ficção, de poesia e em geral da
sentido analítico muito oportuno caso linguagem literária.” (p. 80-1)
pensemos que Antonio Candido se dedica,
praticamente concomitantemente, a
produzir um estudo sobre as culturas
rústicas (PRB) e sobre o nascente sistema
literário brasileiros (FLB). O elemento
aglutinador destes níveis, no caso em
questão, é o da própria identidade
nacional.
Assim, Candido define a literatura como
uma das formas de “sistematizar a
fantasia”, sendo esta um atributo definidor
da própria humanidade. Note-se que a
literatura está ganhando contornos
ontológicos e deixando de ser
compreendida como mera coisa residual;
uma distração qualquer. Na visão da
Candido, a literatura, como forma da
fantasia, é uma parte central da natureza
humana.
O próximo passo é mostrar como essa “Sabemos que um grande número de mitos,
lendas e contos são etiológicos, isto é, são um
fantasia, definidora da condição humana, modo figurado ou fictício de explicar o
nunca é “pura fantasia” e, em graus os aparecimento e a razão do ser do mundo físico
e da sociedade. Por isso há uma relação
mais variados possíveis, nutre-se a partir curiosa entre a imaginação explicativa, que é
a do cientista, e a imaginação fantástica, ou
de pontos de contato com a realidade ficcional, ou poética, que é a do artista e do
imediata. escritor. Haveria pontos de contato entre
ambas? A resposta pode ser uma
especulação lateral no problema da função,
que nos ocupa.” (grifo meu) (p. 81)
Digressão: Gaston Bachelard e o devaneio “Independente de aceitarmos ou não o ponto
de vista de Bachelard, a referência a ele serve
como etapa necessária à produção de neste contexto sobretudo como amostra do
conhecimento laço entre imaginação literária e realidade
concreta do mundo. Serve para ilustrar em
profundidade a função integradora e
transformadora da criação literária com
relação aos seus pontos de referência na
realidade.” (p. 82)
Desta feita, Candido avança para um “Seja como for, a sua função educativa é
muito mais complexa do que pressupõe um
campo subsequente do mesmo problema: ponto de vista estritamente pedagógico. A
se há uma interpenetração entre ficção e própria ação que exerce nas camadas
profundas afasta a noção convencional de uma
construção do conhecimento com base na atividade delimitada e dirigida segundo os
requisitos das normas vigentes. A literatura
realidade concreta, podemos conceber a pode formar; mas não segundo a pedagogia
literatura como um potencial educacional oficial, que costuma vê-la ideologicamente
como um veículo da tríade famosa – o
para a própria formação do indivíduo? Verdadeiro, o Bom, o Belo, definidos
conforme os interesses dos grupos
Existe uma função educacional para dominantes, para reforço da sua concepção de
literatura? vida. Longe de ser um apêndice da instrução
moral e cívica (esta apoteose matreira do
óbvio, novamente em grande voga), ela age
com o impacto indiscriminado da própria vida
e educa como ela – com altos e baixos, luzes
e sombras. Daí as duas atitudes tradicionais
que eles desenvolveram: expulsá-la como
fonte de perversão e subversão, ou tentar
acomodá-la na bitola ideológica dos
catecismos (inclusive fazendo edições
expurgadas de obras-primas, como as
denominadas ad usum Delphini, destinadas ao
filho de Luís XIV).” (p. 83)
Dessa característica anti sectária da “Ela [a literatura] não corrompe nem edifica,
portanto; mas, trazendo livremente em si o
literatura é que Candido subscreve seu que chamamos os bem e o que chamamos o
próprio potencial humanizador mal, humaniza em sentido profundo, poque
faz viver.” (p. 85)
PARTE III
Tendo aferido as condições de fabulação e “(...) o fato de consistir na construção de obras
autônomas, com estrutura específica e filiação
de formação da personalidade contidos no a modelos duráveis, lhe dá um significado
sentido de “função da literatura”, Candido também específico, que se esgota em si
mesmo, ou lhe permite representar de maneira
avança para a questão da literatura como cognitiva, ou sugestiva, a realidade do
espírito, da sociedade, da natureza?” (p. 85)
função de “cognoscibilidade do ser e do
mundo”
Literatura: forma de conhecimento para “sabemos que as três coisas são verdadeiras;
mas o problema é determinar qual o aspecto
além da expressão e da formação de um dominante e mais característico da produção
objeto discursivo literária.” (p. 85)