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Sobre a proximidade do senso comum

das pesquisas qualitativas em educação:


positividade ou simples decadência?

Catia Piccolo Viero Devechi


Universidade de Brasília, Departamento de Teoria e Fundamentos da Educação

Amarildo Luiz Trevisan


Universidade Federal de Santa Maria, Departamento de Fundamentos da Educação

Considerações introdutórias sentimentos, as diferenças e as questões sociais e


culturais, entre outros.
Tendo em vista os inúmeros acontecimentos No entanto, a ampliação do leque de perspectivas
ocorridos nos últimos tempos no campo do conheci- de tratamento do objeto educacional não se fez acom-
mento, entre eles a crítica à racionalidade instrumen- panhar de um necessário aprofundamento teórico. Por
tal, o perspectivismo interpretativo e o movimento isso existem no ambiente acadêmico algumas suspeitas
da virada para a linguagem, tem-se utilizado muito de que a pesquisa qualitativa estaria contribuindo
na educação a abordagem das pesquisas qualitativas. para que a educação se tornasse empobrecida, tendo
Trata-se de um modo de investigação surgido com em vista a sua falta de “rigorosidade” nas investiga-
o movimento de rejeição ao modelo positivista de ções. Essa preocupação também é compartilhada por
produção do conhecimento, que se estende desde a Alves-Mazzotti (1991, p. 54), quando diz “que mui-
fenomenologia, passando pela hermenêutica, à dialé- tos estudos ditos qualitativos não passam de relatos
tica em seus diferentes desdobramentos, tendo como impressionistas e superficiais que pouco contribuem
objetivo principal apreender os fatores não conside- para a construção do conhecimento e/ou a mudança
rados pelas pesquisas de ordem hipotético-dedutivas. de práticas correntes”. Brito e Leonardos (2001, p. 11)
Podemos dizer que as pesquisas qualitativas surgem consideram que o seu desenvolvimento fora do para-
com a certificação dos limites das pesquisas quan- digma hegemônico tenha provocado nessas pesquisas
titativas, especialmente no que se refere às ciências um “sofrimento por sua precocidade”. Nessa mesma
sociais e humanas. Não há dúvida de que elas linha de raciocínio, Moraes (2001) atenta para o fato
trouxeram muitos benefícios para a educação, pois de que a educação vive um momento de “recuo da
foi por seu intermédio que passamos a considerar teoria”; Mazzotti e Oliveira (2000) dizem, apoiados
elementos não mensurados por meios matemáticos, em Tardy, que se trata de uma “debandada epistemo-
como a subjetividade, os valores, os contextos, os lógica”; Flickinger (1998) afirma que falta à educação

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“um consenso em torno de um paradigma epistemoló- de sua história ou existem positividades nesse proces-
gico”; e Charlot (2006) enuncia que a educação vive so? Tais questionamentos estão baseados naquilo que
uma “crise de identidade”. conhecemos das abordagens qualitativas de pesquisas
Muitos são os dilemas e incertezas que têm de- em seus pilares básicos, que em nenhum momento
sencadeado tais descontentamentos, mas com certeza defendem a rendição ao simples caráter exploratório
a má condução das pesquisas qualitativas na educação ou descritivo dos fatos. Até porque essa redução do
aparece como um dos fatores predominantes, os quais conceito foi operada pela “ciência moderna”, a qual
a têm transformado por vezes mais num palco de lutas “construiu-se contra o senso comum que considera
autodestrutivas do que propriamente num ambiente de superficial, ilusório e falso” (Santos, 2006, p. 88). Não
saudável convívio democrático. queremos dizer com isso que o senso comum deva
A contestação reside na desconfiança de que esse ser abandonado, como objetivou Platão, ou a própria
modelo investigativo estaria demonstrando dificulda- modernidade científica, e muito menos esconder o
des em ir além daquilo que seria uma mera interpreta- seu caráter conservador. Porém, mais do que isso,
ção imediatista da realidade, tornando-se mais descri- acreditamos que ele é também um horizonte de sen-
tora do óbvio do que investigadora científica. Agindo tido, sendo então necessário oportunizar a ampliação
dessa maneira, as denominadas pesquisas qualitativas da sua “dimensão utópica e libertadora [...] através
apresentam-se com um nível de cientificidade baixo, às do diálogo com o conhecimento científico” (idem, p.
vezes nulo. Não precisamos grandes esforços para ve- 99). Dado então que a sua aproximação com o senso
rificar essa situação, pois ela é facilmente identificável comum não as tornaria, em princípio, improdutivas,
nos arquivos de monografias, dissertações e teses das antes pelo contrário, serve-lhes de apoio, como uma
bibliotecas das universidades. Perguntamos: Esses fe- reserva de energias que enriquece o seu acontecer,
nômenos que minimizam a confiabilidade das pesqui- entendemos que as pesquisas qualitativas parecem não
sas se devem a uma tendência natural de declínio em estar realizando esse diálogo adequadamente.
sua “curva evolutiva” ou existe aí um deficit cognitivo Buscamos responder a essas questões de que as
de sua compreensão? O estado de coisas vigente não pesquisas qualitativas em educação não se estão de-
resulta de uma compreensão descomprometida daquilo senvolvendo de forma coerente com os seus embasa-
que de fato caracteriza historicamente as pesquisas mentos, precisando urgentemente de um conhecimento
qualitativas? Essa aproximação com o senso comum1 mais aprofundado de seus objetivos, a partir de uma
pode ser interpretada como uma simples decadência reflexão embasada na racionalidade comunicativa,
“tendo em vista a possibilidade de lidar com proble-
  Entendemos o conceito de senso comum na linha do que
1 mas a partir da comunicação entre os pesquisadores
propõe Boaventura de Sousa Santos (1989, p. 34 ss.), quando das diferentes perspectivas teóricas” (Devechi, 2008,
argumenta que a ciência moderna se instituiu contra o senso p. 186), ou seja, não é nossa pretensão sugerir uma
comum porque o considerava como algo falso e ilusório. Porém verdade para o campo da pesquisa em educação, o
essa posição não é compartilhada pelas ciências humanas, pois que representaria uma aspiração por uma posição
nem todas elas (como é o caso da fenomenologia) romperam com indubitável e não sujeita a qualquer tipo de revisão
o senso comum. Mesmo as que promoveram a primeira ruptura crítica, mas justamente reforçar a possibilidade de
epistemológica não são unânimes, e algumas consideram a sua existência das diferentes abordagens pelo procedimen-
positividade e outras a sua negatividade. Entretanto, o sociólogo to comunicativo, revertendo assim diversos problemas
português concebe-o a partir da dupla ruptura epistemológica, isto ocasionados pela fragmentação das investigações. “É
é, admitindo a necessidade de um trabalho de transformação tanto uma proposta que se coloca como uma importante
de um quanto de outro, tornando assim o senso comum esclarecido intercorrência para reverter a situação dissociada das
e a ciência prudente. perspectivas teóricas em favor de um empenho do

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discurso intersubjetivo no tratamento de problemas” anticientífico. Cândida Moraes (1997, p. 79) constata,
(idem, ibidem). Até porque a perspectiva que adotamos inclusive, que “cada ciência passou então a criar sua
sobre as pesquisas qualitativas é a defesa de seu caráter própria metodologia com base nesse referencial”.
inevitavelmente posicionado, dada a abolição da neu- Resumidamente, segundo esse estudo, as principais
tralidade positivista, o que não significa compactuar características do método empírico-quantitativo são:
com um comportamento dogmático. busca os fatos ou as causas, prestando pouca atenção
Acreditamos, assim, que a hermenêutica recons- aos estudos subjetivos ou interativos; é objetivo,
trutiva proposta do ponto de vista da racionalidade excluindo os valores, orientado à comprovação; é
comunicativa pode contribuir para explicitar os reducionista, inferencial, hipotético e dedutivo; almeja
limites e possibilidade dos elementos que dão base resultados que podem ser generalizados, utilizando
aos fundamentos epistemológicos e ontológicos de metodologia estatística; é fragmentado, aleatório e
cada abordagem. A partir de um horizonte comum, não leva em consideração o contexto; em síntese,
como lugar de fala ou possibilidade de aproximação é considerado um método escondido atrás de dados
das diversas abordagens teóricas, é possível superar metodologicamente exatos.
as ambiguidades das discussões que acabam criando As pesquisas qualitativas aparecem para dar
mais um clima de animosidade do que, conveniente- conta do lado não perceptível e não captável apenas
mente, de concertamento. Na medida em que com- por equações, médias e estatísticas; emergem para
preendemos as abordagens qualitativas para além dos mostrar que o procedimento fundamentado apenas na
seus detalhamentos, portanto, a partir de enfoques matemática era insuficiente para pensar a formação do
fundamentadores, podemos fazer a sua associação sujeito social que se relaciona com os outros e com
com o mundo da vida, ultrapassando desse modo a o mundo. Na perspectiva de Alves-Mazzotti (1991,
compreensão negativa que poderia provocar a sua p. 55), essa transição se torna mais clara, pois, segun-
relação equivocada com o senso comum. do sua avaliação, “enquanto os positivistas buscam
independência entre sujeito e objeto e neutralidade
O significado das abordagens qualitativas no processo de investigação, para os ‘qualitativos’
conhecedor e conhecido estão sempre em interação”.
As abordagens qualitativas surgem na educação A ideia, então, de que o conhecimento educacional é
como consequência das críticas às abordagens quan- resultado da descoberta medida do objeto de estudos
titativas, em que tudo era explicado pelo uso de me- e de que o sujeito era apenas o elemento de sua repre-
didas, de procedimentos estatísticos, de testes padro- sentação na realidade torna-se insustentável.
nizados e codificados por sistemas numéricos. Nessas As pesquisas qualitativas surgem, portanto, como
abordagens, a finalidade da investigação (educativa) forma de evitar o tecnicismo e o reducionismo lógico-
consistia, como nas ciências naturais, em ascender formal nas investigações educacionais em favor da
ao conhecimento de regularidades que, funcionando recuperação da subjetividade. O diferencial das pes-
como leis, poderiam aplicar-se à prática (educativa) quisas qualitativas está relacionado com a inclusão da
com o objetivo de melhorar a eficácia dela. Elas de- subjetividade; não é possível pensá-las sem a participa-
fendem, assim, a neutralidade do pesquisador diante ção do sujeito. São qualitativas porque o conhecimento
dos fatos e da unidade do método, ou seja, propõem o não é indiferente; porque não existe relato ou descrição
transporte dos princípios e regularidades das ciências da realidade que não se refira a um sujeito. Ainda de
da natureza para o interior das ciências humanas. Além acordo com Cândida Moraes (1997), as pesquisas
disso, preconizam que o tipo de conhecimento correto qualitativas contribuíram para o surgimento do novo
é o conhecimento científico provado, desmerecendo paradigma da educação, cujas principais ideias são:
qualquer outro tipo de conhecimento como pré ou integração do qualitativo ao quantificável; totalidade

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indivisa; visão sistêmica, ecológica, interativa e in- o sentido ou vários sentidos (polissemia) dentro de seus
determinada; defesa da reintegração do sujeito e do contextos de significação (horizontes de compreensão).
conhecimento em processo; a percepção das conexões
e do significado do contexto; conhecimento em rede O sujeito é sempre confrontado com o objeto,
e a educação como um sistema aberto. ele o interpreta no sentido do contexto, buscando
A seguir, pretendemos identificar diferentes tipos compreendê-lo a partir do momento histórico em
de abordagens qualitativas, procurando tratar, por que o mesmo ocorre. A fenomenologia husserliana,
questões de delimitação teórica e didática, apenas por exemplo, procurou deixar claro que nós só temos
daquelas que parecem ter maior vitalidade na educação acesso ao mundo objetivo através das nossas vivên-
atual: as fenomenológico-hermenêuticas (na linha de cias. A investigação sobre o mundo tende sempre a
Husserl, Heidegger e Gadamer), as crítico-dialéticas se voltar para sua índole enquanto vivido, isto é, ao
(seguindo Karl Marx, Lukács e A. Gramsci) e as mundo pessoal das experiências, e não a um ente
hermenêutico-reconstrutivistas (de Apel, Habermas neutro independentemente do sujeito que poderia ser
e Honneth). É claro que qualquer tentativa de síntese acessado como tal.
ou de classificação envolvendo a produção de autores Ainda de acordo com Hermann (2003, p. 16), tal
tão complexos como esses e respectivas correntes teó- abordagem se opõe ao “mito do objetivismo”, isto é,
ricas, as quais se entrecruzam muitas vezes, é sempre “à crença em uma verdade objetiva que corresponde a
suscetível da acusação de arbitrariedade. De outra uma realidade também objetiva, trazendo a perspectiva
maneira, nossa intenção é apenas apresentar algumas de interpretar, da produção de sentido e da impossibili-
balizas que auxiliem a compreender e explicitar seus dade de separar o sujeito do mundo objetivado”. Dessa
supostos epistemológicos e ontológicos do ponto de maneira, a crítica à existência do “mundo objetivo”,
vista de uma racionalidade comunicativa. independentemente de nossas vivências, não vai de-
sembocar na abolição de posicionamentos dos diversos
Características das diferentes sujeitos envolvidos na discussão. Pelo contrário, para
abordagens qualitativas essas pesquisas há um reforço da perspectiva do sujeito
inevitavelmente envolvido com um mundo visto como
Nas abordagens fenomenológico-hermenêuticas, inacabado, e por isso o conhecimento é dinâmico e
o sujeito aparece como intérprete do objeto. As pesqui- em processo de decodificação constante. É assim que
sas buscam desvendar ou decodificar subjetivamente Gadamer propõe a compreensão da hermenêutica num
os pressupostos implícitos nos textos, nos discursos e processo de diferenciação entre o método (científico)
nas comunicações. Elas levam à consciência a posição e a verdade, ou seja, ele não acredita na via metodoló-
do sujeito que interpreta, oferecendo o significado pela gica estabelecida com passos previamente estipulados,
manifestação dos textos em seus contextos históricos. como no caso do procedimento científico. Ele destaca
Segundo Hermann (2003, p. 16), tais abordagens a liberdade e a responsabilidade individual na inter-
tematizam “a compreensão da experiência humana pretação dos supostos implícitos nos discursos. Os
no mundo, que desde já se dá interpretado”. Elas significados são apreendidos pelo sujeito; este é quem
instauram o sentido que surge no próprio diálogo do tem a obrigação de compreender da melhor forma
intérprete com o mundo. É desse modo que Gamboa possível o objeto da investigação. Podemos dizer que
(1995, p. 94) compreende que o compromisso da hermenêutica é com a subjetividade
linguística capaz de discernimento entre o certo e o
[...] o processo exige o comando do intérprete que assume errado, o bom e o mau, a partir daquilo que a sua rela-
a “subjetividade fundante do sentido”, a interpretação (her- ção com o objeto suposto, em seu contexto histórico,
menêutica) dos fenômenos, recuperando os significados, oferece. Conhecer, nessa perspectiva, é compreender

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a partir da experiência linguística em um determinado Nas abordagens crítico-dialéticas, o sujeito


contexto de acontecimento, portanto. aparece como elemento que se contrapõe ao objeto e
Se não é objetivo das abordagens fenomenológi- vice-versa. As pesquisas dessas abordagens desenvol-
co-hermenêuticas alcançar um saber seguro por meio vem-se por um caráter conflitivo, manifestam interesse
de métodos científicos, isso não significa que elas não transformador da realidade. Cabe ao sujeito perceber a
busquem a verdade. Para Gadamer, segundo a apre- contradição com o objeto, num primeiro momento, no
ciação de Stein (1987, p. 113), “o que é compreendido sentido de alcançar uma síntese posterior entre um e
na compreensão é verdade, a qual ultrapassa a esfera outro. O mundo é visto nos seus aspectos de interesses
do conhecimento metódico”. Tanto na perspectiva de antagônicos e em construção. Faz parte dessas abor-
Gadamer, quanto na de Heidegger, temos a herme- dagens uma práxis transformadora dos homens como
nêutica como recuperação de sentido; dessa forma, agentes históricos, mas essa práxis deve ser científica
o sujeito alcança a significação pela ocupação de um e historicamente embasada. Sobre esses aspectos da
lugar determinado na história, ou seja, não se trata dialética, escreve Bottomore (1988, p. 104):
de um método científico no sentido moderno, mas de
um caminho do pensamento afundado na dinâmica [...] a dialética de Marx é científica porque explica as
histórica. O intérprete não pode escapar da história, contradições do pensamento e as crises da vida socioeco-
pois esta é a condição da verdade. A hermenêutica nômica em termos das relações essenciais, contraditórias e
preocupa-se, nesse universo de discussão, com a particulares que as geram (dialética ontológica). E a dialética
alteridade que está na linguagem e nas tradições. É de Marx é histórica porque a mesma tem raízes nas – e é
o outro, diferente e estranho, que causa o phatos, o (condicionalmente) um agente das – mudanças nas relações
assombro que leva à curiosidade do compreender. O e circunstâncias que descreve (dialética relacional).
limite do compreender hermenêutico é dado por aquilo
que se deixa observar sob determinada perspectiva, Os significados resultam da superação dos confli-
aquilo que é visível a partir de um determinado ponto, tos entre o sujeito e o objeto, estando o caráter crítico
sendo a experiência linguística a possibilitadora do na relação entre eles. Apreendem não só o contexto,
reconhecimento do real. mas o conjunto, a coletividade, o todo. Podemos di-
As investigações, nessas abordagens, utilizam, zer que tais abordagens resgatam o caráter relacional
entre outras, metodologias e técnicas de pesquisa como entre o todo e a parte no processo de produção do
questionário, entrevista, observação participante, conhecimento.
narração, história de vida, estudo de caso, etnografia, Uma pesquisa crítico-dialética requer do pes-
pesquisa participante e pesquisa-ação. Na pesquisa- quisador uma postura histórico-social em relação ao
ação, por exemplo, objeto investigado. O pesquisador desenvolve uma
relação dinâmica, em que tanto ele como o próprio
[...] trata-se, por excelência, de reconhecer o “pleno em- objeto podem sofrer transformação ao longo do pro-
prego das forças subjetivas” – como afirma Edgar Morin a cesso de investigação. O conhecimento é resultado da
propósito de seu próprio método de pesquisa (a simpatia, a contradição entre o pesquisador e o objeto pesquisado
convivibilidade, o “viver com”) –, isto é, estar o mais possí- (sociedade), na medida em que essa relação pode ser
vel dentro dos efeitos de emergência e de auto-organização mediada pelas categorias da reificação ou alienação e
da complexidade do mundo. (Barbier, 2002, p. 86) da ideologia. É assim que ela se destaca pelo dinamis-
mo da práxis transformadora dos sujeitos históricos
A tarefa é, portanto, vivenciar, pela interpretação, que percebem a influência da reificação em suas vidas,
os significados possíveis estabelecidos no diálogo ou seja, “o fato de uma relação entre pessoas tomar o
com o mundo. caráter de uma coisa” (Lukács, 2003, p. 194). A partir

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de um princípio de movimento, o sujeito e o objeto sentido de dar conta das contestações às abordagens
modificam-se e complementam-se. A síntese é consi- fenomenológico-hermenêuticas no que se refere à
derada a “superação de níveis de um mesmo processo atribuição dos significados ao intérprete, sem possi-
em que é admitida a contradição entre os opostos e a bilidade de crítica ou validação externa; e às aborda-
passagem de um para ou outro” (Gamboa, 1995, p.108). gens crítico-dialéticas no que se refere à contenção
Trata-se de uma relação dinâmica em que não há priori- na leitura crítica da realidade social, não oferecendo
dade entre o sujeito e o mundo; ambos são participantes possibilidade de solução aos problemas práticos en-
de um único processo, sendo o conhecimento a síntese frentados pela educação, a não ser na configuração
resultante do todo. Tal abordagem associa a origem ob- de uma nova visão de sociedade. As abordagens
jetiva do conhecimento das ciências empírico-analíticas hermenêutico-reconstrutivistas colocam-se como uma
com a interpretação fenomenológica-hermenêutica, espécie de síntese de elementos positivos das prece-
pretendendo a superação de ambas. Ela considera, dentes, aproveitando os aspectos “críticos” e “evoluti-
desse modo, o movimento transformador como ele- vos” das dialéticas e a preocupação com as categorias
mento epistemológico fundamental para encetar a “contexto”, “mundo da vida” e “compreensão” das
passagem em direção a um nível mais qualificado de fenomenológico-hermenêuticas; é por esse motivo
interpretação da realidade, na medida em que desvela que alguns autores a consideram como hermenêutica
nesse processo os significados político-sociais e ide- crítica. Para elas, o sujeito é comunicativo e objetiva
ológicos. Tratando dessa abordagem, Gamboa (1991, o consenso. Os significados resultam dos acordos
p. 101) diz que construídos pragmaticamente por uma comunidade de
argumentação, estando o caráter crítico na aceitação
[...] a produção científica é uma construção que serve de me- ou não das pretensões de validade do declarante. As
diação entre o homem e a natureza, uma forma desenvolvida pesquisas dessas abordagens desenvolvem-se pelo
da relação ativa entre o sujeito e o objeto, na qual o homem, descentramento do sujeito, na medida em que o ego
como sujeito, veicula a teoria e a prática, o pensar e agir, precisa agora se justificar para um alter. O outro
num processo cognitivo-transformador da natureza. passa a ser, assim, a categoria central das pesquisas,
e por isso essas investigações surgem como reação à
A pesquisa é vista como prática social que apreen­ hermenêutica tradicional (que vai de Schleiermacher,
de as determinações econômicas, sociais e políticas, Dilthey e Heidegger até chegar ao próprio Gadamer),
sendo a possibilidade de desvelar as contradições a dado que esta havia subsumido o outro na tradição. De
causa responsável pelas mudanças sociais. Sendo as- outra maneira, ela é fiel nesse ponto aos pressupostos
sim, a atitude do pesquisador dialético não é a de um da crítica por meios comunicativos, como consciência
sujeito cognoscente que simplesmente examina obje- aguda de negação da alteridade, sejam minorias ex-
tos, mas de um sujeito que age objetiva e praticamente ploradas, movimentos sociais, povos que lutam pela
a partir das condições que o rodeiam. Assim como sua independência e os diferentes.
as abordagens fenomenológico-hermenêuticas, elas Sendo assim, enquanto a hermenêutica tradicional
se utilizam de diversos dispositivos metodológicos e identifica a tradição com o conhecimento, limitando as
de técnicas como questionário, entrevista, narração, possibilidades do compreender, ela propõe uma herme-
história de vida, pesquisa participante e etnográfica e nêutica que se utiliza do processo de reflexão crítica.
da pesquisa-ação. Compreende igualmente que a hermenêutica não deve
As abordagens hermenêutico-reconstrutivistas ficar presa na substancialidade que o texto determina, e
surgem no campo da educação no sentido de transcen- sim constatar e romper com as possíveis determinações
der os problemas apontados pelas críticas realizadas por processos reflexivos. Nesse sentido, Habermas
às abordagens anteriores. Elas parecem emergir no (2004, p. 100) diz que “a atitude reflexiva com rela-

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ção aos proferimentos próprios efetua-se segundo o ao outro, como saída da centralidade do “si mesmo”
modelo da atitude que outros participantes assumem ou da “autoconsciência de si” absolutizada no sistema
com relação à validade problemática de seus proferi- hegeliano. A tese do reconhecimento do outro (Hon-
mentos”. A tradição só garante, então, continuidade de neth, 2003) passa a ser o vetor em todas as instâncias
um ponto de vista crítico, isto é, depois de passar pelo pesquisadas. E isso ocorre porque o pesquisador deve
crivo do intérprete situado no contexto histórico atual. ter como pressuposto a análise das crenças pela acei-
Os indivíduos passam então a entender a comunicação tação pública, como voz a ser levada em consideração
por esse caminho, não mais por intermédio do jogo de em todas as decisões da vida pública. Tais aborda-
linguagem construído de forma solitária ou monoló- gens apanham não só o contexto, mas uma ideia de
gica, mas pelo seguimento de pretensões de validade universalidade, ou seja, o conhecimento é acordado
que devem ser aceitas no discurso. Outra diferença em diante dos interesses gerais, porém sempre suscetível
relação à hermenêutica tradicional está no fato de que de falibilidade.
as abordagens reconstrutivistas não dispensam a questão Há um télos presente na linguagem que garante a
do método nas ciências humanas, mas apostam na sua comunicação através da instância performativa voltada
recolocação no processo intersubjetivo. É nesse sentido ao entendimento mútuo. A racionalidade comunicativa
a observação de Stein (1987, p. 114), quando refere que remonta à experiência de gerar consenso, sem coações;
“Habermas, embora reconhecendo [...] o alcance da consenso em que diversos participantes superam a
hermenêutica, teme que sua autossuficiência ontológica subjetividade inicial de seus respectivos pontos de
(herança heideggeriana do pensamento de Gadamer) a vista e, graças a uma comunidade de convicções ra-
afaste do debate relevante com as questões do método cionalmente motivada, asseguram a unidade do mundo
nas ciências”. objetivo e a intersubjetividade do contexto em que
Essa abordagem também se contrapõe às con- desenvolvem suas vidas.
cepções crítico-dialéticas, na medida em que estas Assim como Habermas, Apel pressupõe a inves-
compreendem o processo histórico como resultado tigação como uma tarefa essencialmente reflexiva,
de forças sociais e econômicas e a evolução social em que sujeitos dotados de competências linguísti-
independentemente, muitas vezes, da aprendizagem cas e comunicativas objetivam alcançar o consenso
dos sujeitos envolvidos no processo. Habermas, por sobre algo no mundo. Os intérpretes comunicativos
exemplo, propõe a instância da aprendizagem crítica precisam ter consigo o contexto da investigação como
como limite tanto do compreender hermenêutico um saber comum, apreendendo as validades a partir
quanto do dialético, incorporando as contribuições da da aceitabilidade dos enunciados argumentativos.
pragmática formal da linguagem. Isso significa dizer, É nesse espírito que Apel (2000, p. 384) afirma que
conforme argumenta Oliveira (1996, p. 13), “o pré-entendimento linguístico do mundo deveria
partir do acordo mútuo quanto ao sentido, como
[...] que a pergunta pelas condições de possibilidades do conquista de uma comunidade de comunicação”. Tal
conhecimento confiável, que caracterizou toda a Filosofia antecipação é o que permitirá a formação crítica do
moderna, se transformou na pergunta pelas condições de consenso que oferece validades. Já para Habermas
possibilidade de sentenças intersubjetivamente válidas a (1987, p. 88), trata-se de um “horizonte de processo de
respeito do mundo. [...] A linguagem é o espaço de ex- entendimento, com o qual os participantes concordam
pressividade do mundo, a instância de articulação de sua ou discordam sobre algo num único mundo objetivo,
inteligibilidade. num mundo social comum a eles ou em um mundo
sempre subjetivo”.
Assim, o giro da linguagem é entendido nessas A hermenêutica reconstrutiva busca ir além dos
pesquisas como uma virada da discussão em direção propósitos da hermenêutica tradicional, porque busca

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não só compreender, mas validar as ações linguísticas se referem ao se comunicar e ao estabelecer relações
diante do mundo comum a todos. Ainda segundo práticas com algo no próprio mundo. O mundo obje-
Habermas (idem, p. 94), “compreender uma mani- tivo é visto aqui como referência para tudo que nele
festação simbólica significa saber sob que condições poderia ser encontrado. Habermas (2004, p. 86) diz
sua pretensão de validade poderia ser aceita”. É nesse a esse respeito que, “como Humboldt já o vira, é ine-
caminho que segue também a reflexão de Honneth, rente à conversação uma referência objetiva, na qual
na medida em que tenta retomar as contribuições da se estabelece uma conexão interna entre o sentido e
teoria do reconhecimento, de Hegel, no contexto de a verdade possível do que se diz”. Trata-se de uma
predomínio do pensamento científico. Segundo o forma de impedir a compreensão intencionalista do
testemunho de Mattos (2006, p. 87), significado, apanhando a validade universal necessária
às ações do mesmo mundo. Em síntese, o pesquisador
[...] como Honneth se propõe a desenvolver uma socio- assumir-se-ia como sujeito reflexivo-comunicativo
logia do reconhecimento, faz-se necessário comprovar que busca o entendimento no mundo que é habitado
empiricamente como ocorre o processo de reconhecimento por todos.
em suas diferentes dimensões, o que Hegel só fez abstrata Sendo essa uma abordagem emergente, ela en-
e metafisicamente. A intenção de Honneth é desenvolver contra ainda muitas dificuldades para se fazer valer
uma perspectiva aberta às modernas ciências empíricas, no contexto da educação, principalmente a resistência
notadamente, à sociologia. a compreender a realidade pelo viés da linguagem
e a ideia de que o consenso poderia reviver o terror
Assim, a interpretação nesse outro momento racionalista do conceito. Além disso, o próprio Axel
não pode ficar presa ao texto como simples aplicação Honneth, discípulo direto de Habermas, tem feito re-
do sentido, como se fazia na exegese dogmática dos centemente sérias críticas a toda a trajetória da teoria
textos clássicos, mas deve apreender a conexão entre crítica, acusando-a de um deficit sociológico, o que
compreensão e validade. Diz Habermas (idem, p. 95) põe em dúvida um pensamento que nem chegou a se
nesse sentido que “uma mera aplicação fica devendo firmar. Por isso, essa abordagem se encontra diluída
a correspondência dialógica, porque uma pretensão em várias metodologias e técnicas de pesquisa e não
só pode ser reconhecida como pretensão de validade está, portanto, formatada de todo, por conseguinte,
num discurso. Pois uma pretensão de validade contém necessitando-se consolidar. Em princípio, elas pode-
a afirmação de que algo é digno de ser reconhecido”. riam ser as mesmas das abordagens fenomenológico-
É por isso que essa abordagem se caracteriza pelo hermenêuticas e das crítico-dialéticas; o que muda se-
descentramento do sujeito justificado diante do outro, ria o tratamento dos dados, o qual objetivaria, sempre,
o qual tem a tarefa de aceitar ou não as pretensões a validade diante do outro e do todo maior.
de validade do discurso. O pesquisador pauta o seu Assim sendo, a diferença entre uma abordagem
agir segundo o pressuposto de análise das crenças qualitativa e outra está na posição do sujeito e na com-
pela aceitação pública, sendo o seu télos o acordo preensão do objeto. Para a abordagem fenomenológi-
racionalmente motivado. O particularismo da abertura co-hermenêutica, o sujeito está no centro da relação
linguística associa-se à validade universal permitida sujeito-objeto, ou seja, ela propõe uma redescoberta
pelo consenso. do sujeito diante da ilusão da objetividade preconizada
Essa perspectiva permite repensar o conhecimen- pelo positivismo, sendo o objeto uma qualificação do
to a partir do processo de busca do entendimento mú- processo de interpretação. Para as abordagens crítico-
tuo, no qual pretensões de validades são reconhecidas dialéticas, não existe centralização, o sujeito e o objeto
intersubjetivamente, sendo o mundo objetivo enten- possuem o mesmo peso de importância para o co-
dido como suposição, à qual os sujeitos linguísticos nhecimento, sendo o objeto um elemento ontológico.

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Catia Piccolo Viero Devechi e Amarildo Luiz Trevisan

Já para as abordagens hermenêutico-reconstrutivas, a outro. Concordamos com alguns argumentos de que


a centralização está nas relações entre os sujeitos o não entendimento da associação das abordagens
(sujeito-sujeito), sendo o objeto uma suposição acor- qualitativas com as quantitativas é o que tem per-
dada sobre o mundo objetivo. mitido o desenvolvimento de pesquisas carentes de
cientificidade. Porém, ao contrário do que se pensa,
A ausência de rigorosidade muitas vezes o quantitativo está presente nas pesquisas
nas pesquisas qualitativas qualitativas, com maior ou menor intensidade, cons-
tituindo um importante elemento para as pesquisas
Como dissemos antes, as pesquisas qualitativas científicas. Segundo Alves-Mazzotti (1991, p. 54), a
têm sido objeto de muitas discussões do campo edu- pesquisa qualitativa “tem o inconveniente de sugerir
cacional, já que ele se tem demonstrado cada vez mais uma falsa oposição entre qualitativo e quantitativo,
carente de análise, preso por vezes a interpretações a qual deve, de início, ser descartada: a questão é de
imediatistas e superficiais. Tais pesquisas parecem ênfase e não de exclusividade”. Tal é o motivo pelo
estar distantes da legitimidade que exige uma pesquisa qual buscamos esclarecimento. No entanto, acre-
acadêmica, o que tem desencadeado o empobrecimen- ditamos que o problema maior esteja no deficit de
to da educação, sendo percebido e denunciado por compreensão do que significa a pesquisa qualitativa
diferentes autores da área. em seus embasamentos teóricos.
Gatti (2007, p. 29) diz que o problema da falta Ora, uma pesquisa qualitativa em educação não
de rigorosidade da pesquisa qualitativa pode estar na pode ser dependente das inspirações intuitivas e espon-
compreensão de que ela é contrária à pesquisa quan- tâneas, deve necessariamente apreender um caminho
titativa; é nesse sentido o seu comentário: metodológico que garanta a legitimidade do processo.
Para a escolha correta do tipo de pesquisa, métodos
[...] é preciso considerar que os conceitos de quantidade e e instrumentos ou técnicas de pesquisa, é necessário
qualidade não são totalmente dissociados, na medida em apreender uma concepção teórica que ofereça visão
que de um lado a quantidade é uma interpretação, uma de conhecimento, de história, de homem e de mundo.
tradução, um significado atribuído à grandeza com que um Afinal, “o pesquisador qualitativo precisa planejar seu
fenômeno se manifesta (portanto, é uma qualificação dessa estudo de modo a obter credibilidade, transferibilida-
grandeza), e de outro ela precisa ser interpretada qualita- de, consistência e confirmabilidade” (idem, p. 61).
tivamente, pois, sem relação a algum referencial, não tem Tais exigências garantirão a rigorosidade enquanto
significação em si. pesquisa científica. Procuramos mostrar que os pro-
blemas oriundos da falta de rigorosidade das pesquisas
Não vamos, nos limites deste artigo, oferecer desenvolvidas na educação não estão nas abordagens
um tratamento teórico suficiente para a chamada qualitativas, mas na apropriação descuidada dessas
“falsa dicotomia” estabelecida na educação entre as abordagens. Parece existir aí um esquecimento do
abordagens qualitativas e quantitativas, pois existe objeto, como perda do conteúdo da crítica, ou seja,
bibliografia bem abalizada sobre o assunto (Santos do chamado exame crítico da sociedade em geral,
Filho & Gamboa, 1995; Gatti, 2007; Alves-Mazzotti, dos seus aspectos econômicos, políticos, ideológicos,
1991). Nosso propósito é apenas discutir a hipótese como se fosse possível realizar pesquisas científicas da
de compreensão, concordando com o diagnóstico realidade vazia. É um modo do esquecimento de fazer
desses autores, de que o surgimento das abordagens a crítica daquilo que Adorno declarava como responsá-
qualitativas na educação não significa um encontro vel pela perda do processo de individuação do sujeito,
com a qualidade e um abandono do quantitativo, mas produzindo irracionalidades e comportamentos de
um acréscimo mediado pela reflexão de um elemento massa. Ou então poderia ser um afastamento daquilo

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Sobre a proximidade do senso comum das pesquisas qualitativas em educação

que significava, mesmo para Habermas, o elemento essas críticas são devedoras do modelo de ciência
fundamental de questionamento à racionalidade oci- hegemônico no século XIX, que não estão afinadas
dental, na medida em que ela se fechou num monismo aos novos desenvolvimentos da ciência dos séculos
metodológico impróprio e esqueceu de dialogar com XX e XXI (Merrel, 2008; Santos, 1989, 2006). Em
o mundo da vida. Em consequência, as pesquisas têm realidade, a crítica de Gadamer a tal paradigma pode
caído, em alguns casos, na banalização e são conduzi- ser entendida também como um questionamento ao
das com precariedade, porque não há um seguimento apego e à aceitação não às verdades científicas em si
das abordagens no seu sentido fundamental. A título próprias, mas àquelas que, confiando excessivamente
de correção dessas distorções, observam-se, por ve- nas medidas estatísticas (crítica ao quantitativo), pre-
zes, algumas posturas que se voltam contra a esfera tendem abolir a instância da compreensão hermenêu-
das discussões de fundamentação das investigações. tica (qualitativo). Caso contrário, ele próprio não teria
Porém, de nosso ponto de vista, não são as abordagens afirmado que “a certeza proporcionada pelos métodos
qualitativas as responsáveis pela desqualificação das científicos não é suficiente para garantir a verdade. Isso
pesquisas na educação, mas sim justamente a impro- vale sobretudo para ciências do espírito, mas de modo
priedade com que tais abordagens são utilizadas. algum significa diminuição de sua cientificidade”
Se existe algum problema com as pesquisas qua- (Gadamer, 2007, p. 631).
litativas, não está na participação da subjetividade ou Se existe, então, essa incompreensão dos pesqui-
intersubjetividade, mas sim no esquecimento do seu sadores acerca da base necessária para uma pesquisa
diálogo com o objeto pelos pesquisadores, atitude qualitativa, esclarecemos a seguir alguns pontos
que, como vimos, é contrária àquilo a que as aborda- fundamentais, em forma de proposições, na tentativa
gens qualitativas se propõem. Se for isso mesmo que justamente de evitar o encurtamento de sua experiên-
acontece, compreendemos a razão da vulgarização cia no campo educativo. Elas são enunciadas mais a
das pesquisas qualitativas como oportunidade de título de provocação da reflexão, sendo expostas de
recuperá-las. forma bastante embrionária, o que certamente exigirá
desenvolvimento maior em outros trabalhos.
Revendo equívocos das
abordagens qualitativas 1) A pesquisa qualitativa não é contrária à
pesquisa quantitativa, pois não se trata de posições
Defendemos até o presente que a ausência de antagônicas, mas desiguais e complementares. Co-
rigorosidade científica das pesquisas qualitativas surge mentário: O que muda nas abordagens qualitativas
não em consequência das abordagens qualitativas em em relação às quantitativas é o modo de perceber o
si mesmas, e sim do seu emprego indevido. É isso objeto, que deixa de ser o centro, para se lhe apreender
que acontece, por exemplo, com a abordagem da a subjetividade ou intersubjetividade.
hermenêutica tradicional em algumas de suas formas 2) A crítica que se faz ao quantitativo nas pesqui-
de apropriação. Há um preconceito sobre a ciência sas qualitativas é em relação ao uso do “quantitativo
que aparece subjacente a essas apropriações, as quais puro”, não à participação do quantitativo no qualitati-
acusam o paradigma objetificador da cientificidade vo. Comentário: É esse acréscimo que lhe possibilitaria
moderna de conduzir a educação ao reducionismo a leitura a partir de “outro” ponto de vista, e não a
científico, na medida em que fixa sentidos previamente partir de si mesmo apenas. O quantitativo, embora com
e induz à crença de que o uso de um bom método con- intensidades diferentes, está presente nas abordagens
duziria à verdade. Nesse sentido, ele promove muito qualitativas. Na hermenêutica tradicional, em que
mais a diminuição da estatura do trabalho pedagógico Gadamer dispensa a questão do método nas investiga-
do que uma ampliação de horizontes. A nosso ver, ções, o quantitativo puro aparece como objeto de saída,

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Catia Piccolo Viero Devechi e Amarildo Luiz Trevisan

rejeitado. Vejamos, então, como fica a manifestação do 4) Reafirmamos a necessidade imprescindível


quantitativo nas abordagens qualitativas da pesquisa de ter precisão no conhecimento dos aspectos teóri-
em educação: a) nas abordagens fenomenológico- cos, técnicos e metodológicos de cada abordagem.
hermenêuticas, o quantitativo aparece como mais Comentário: Nesse ponto, ressaltamos a importância
uma qualidade do fenômeno. A pesquisa se identifica de prestar atenção na abordagem que está sendo
como qualitativa, mas o quantitativo não deixa de estar empregada, coerente com os tipos de pesquisas e as
presente como qualidade do objeto; b) nas abordagens técnicas de coletas de dados, porque esses últimos
crítico-dialéticas, o quantitativo aparece na contradi- elementos devem percorrer um caminho de acordo
ção com o qualitativo e vice-versa. São reconhecidas com a fundamentação a que a pesquisa se propõe.
como pesquisas quantitativo/qualitativas, em que o Se realizarmos uma pesquisa qualitativa guiada por
significado é dependente da síntese entre ambas; c) uma abordagem fenomenológico-hermenêutica, de-
nas abordagens hermenêutico-reconstrutivistas, o vemos apreender a interpretação como um acordo o
quantitativo aparece como condição para o consenso, mais próximo possível do objeto, o que não significa
ou seja, como conjunto de informações acordadas descrevê-lo de forma imediatista, desconsiderando
sobre o mundo comum a todos. A abordagem aparece os fatores mais detalhados do estudo. De acordo com
como qualitativa, mas tem como condição um acordo Gadamer (idem, p. 356),
prévio sobre o mundo objetivo.
3) É necessário ter claro que a descentralização [...] quem busca compreender está exposto a
do eixo de gravidade do objeto não significa que ele erros de opiniões prévias que não se confirmam
deva ser abandonado, pois esse é um elemento fun- nas próprias coisas. Elaborar os projetos corretos
damental ao entendimento do mundo. Comentário: e adequados às coisas, que como projetos são
Caso contrário, poderemos incorrer no equívoco de antecipações que só podem ser confirmadas “nas
apoiar a emergência de uma subjetividade delirante. coisas”, tal é a tarefa constante da compreensão.
Tanto nas abordagens crítico-dialéticas como nas
abordagens fenomenológico-hermenêuticas ou nas Isso significa que, embora a pesquisa se desenvol-
hermenêutico-reconstrutivas, o objeto aparece de va por interpretações, deve assumir a responsabilidade
uma forma ou de outra no processo de investigação. de uma explicitação clara do objeto da compreensão.
O que é preciso saber é diferenciar os modos de É nesse mesmo sentido que Heidegger (2006, p. 77)
tratamento do objeto para as diferentes abordagens. chama “fenomenológico” a “tudo que pertence à ma-
Se a pesquisa for crítico-dialética, o objeto é onto- neira de demonstração e explicação que constitui a
lógico; se a pesquisa é de índole fenomenológico- conceituação exigida pela presente investigação”.
hermenêutica, o objeto é continuamente interpretado Se empreendermos uma pesquisa qualitativa
dentro do contexto; e se a pesquisa for hermenêutico- orientada numa intenção crítico-dialética, devemos
reconstrutiva, o objeto aparece como locus de vali- considerar o sentido contraditório que essa aborda-
dade dos acordos sobre o mundo objetivo. Tanto nas gem se propõe, apreendendo o conhecimento pela
abordagens fenomenológico-hermenêuticas quanto síntese do conflito entre o sujeito e o objeto, ou entre
nas hermenêutico-reconstrutivas, o sujeito tem mais o qualitativo e o quantitativo. Para Gamboa (1995,
força que o objeto no processo de significação, o que p. 104), nessa abordagem “o sujeito adquire dimensão
não quer dizer ou indicar, como dissemos antes, o histórico-social e estabelece uma relação dinâmica
apagamento de sua existência. E ainda, nas aborda- com um objeto que se constrói com o instrumental
gens crítico-dialéticas, o sujeito só se compreende em teórico-metodológico presente no momento da rela-
relação ao objeto, não existe uma separação desses ção”. A qualificação e quantificação, embora contradi-
elementos. tórias num primeiro momento, são processos conexos

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Sobre a proximidade do senso comum das pesquisas qualitativas em educação

e articulados na construção do conhecimento; elas se a ser saldada com a investigação atenciosa de dados
transformam e se complementam mutuamente. reais, sem o perigo de redução ao objetivismo ou
Se levarmos adiante uma pesquisa qualitativa de ao subjetivismo, pois ambos (subjetivo e objetivo),
acordo com a orientação hermenêutico-reconstrutivis- como vimos, são elementos necessários às práticas de
ta, devemos apanhar o conhecimento pelo consenso pesquisa bem-sucedidas. As abordagens qualitativas
permitido pelas considerações prévias do mesmo têm importância para a educação na medida em que
mundo objetivo. Em vez do “eu” hermenêutico do- mostram a insuficiência das abordagens quantitativas
minado pela linguagem, devemos apreender o “nós” no sentido puro e que o domínio do objeto é, desde
hermenêutico de uma comunidade de sujeitos que se sempre, dependente da incorporação da subjetividade
comunicam entre si. A investigação deveria acontecer ou do acordo intersubjetivo, sendo esses elementos
pela intersubjetividade permitida pela confiança na historicamente modificáveis.
possibilidade de um acordo. Ela deve perceber que a O problema mais evidente está não somente na
compreensão ocorre mediante a reflexão intersubjetiva tentativa de transição do quantitativo para o qualita-
dos problemas oriundos do mesmo mundo objetivo. tivo. É certo que a cobrança do sistema é concentra-
Sendo assim, acreditamos que, seguindo essas da, de modo geral, na sobrevalorização do aspecto
prerrogativas gerais, poderemos diminuir consi- quantitativo. E os pesquisadores querem-se contrapor
deravelmente a possibilidade de que as pesquisas a isso levantando dados qualitativos de uma subjeti-
qualitativas sejam reconhecidas, na educação, pela vidade particularizada. Talvez aqui se faça sentir a
forma prosaica com que vêm sendo interpretadas. necessidade de um qualitativo como conversação,
Esperamos ter deixado claro que o problema da falta comunicação, acordos. E ainda a necessidade de um
de rigorosidade científica das pesquisas qualitativas qualitativo que tenha como télos o consenso e, como
não está na concepção de pesquisa propriamente dita, referência e resistência, o mundo comum a todos.
menos ainda numa simples decadência natural de seu Afinal, “as condições utópicas já são encontráveis
acontecer. De maneira bem diferente, entendemos nas situações fáticas de uso da linguagem cotidiana.
que existe um deficit de compreensão que propicia a A linguagem natural possui um télos do entendimento
assimilação dessas abordagens de modo nem sempre que concede a possibilidade de antecipação da imagem
adequado às suas exigências de base. do consenso. É a antecipação de formas de vida não
fracassadas” (Trevisan, 2000, p. 263). A demanda de
Aspectos conclusivos tratamento das questões da educação a partir do uni-
verso da linguagem, da comunicação ou da busca do
Não há dúvida de que a pesquisa qualitativa é fun- entendimento mútuo é própria de um “senso comum
damental para a educação. Ela apresenta um vínculo esclarecido” (Santos, 1989, p. 41). É nessa dimensão
com as preocupações características do pensamento que se faz valer a positividade da aproximação das
crítico, componente necessário às práticas emanci- pesquisas qualitativas com o senso comum, uma vez
patórias. Para tanto, é necessário o conhecimento e a que se pode assim criar as condições para a emergên-
utilização adequada das suas abordagens. Na medida cia de uma “ciência prudente” (idem, ibidem). Nesse
em que percebemos o sentido das abordagens qua- sentido, posicionamo-nos criticamente em relação
litativas com base na análise de suas configurações, a abordagens que tendem a valorizar o esforço no
apreendendo a dimensão relacional entre o sujeito e sentido contrário, ao abalizar a relatividade e a abso-
o objeto, e as concepções de mundo a que se alicer- luta incongruência entre os diversos discursos. Sem
çam, poderemos auxiliar no processo de recuperação dúvida isso cria um campo minado, que faz com que
da sua credibilidade e confiabilidade na educação. A aqueles que se arrisquem a percorrê-lo fiquem sujeitos
dívida com a evolução do saber da área passa, enfim, a permanentes reveses.

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Catia Piccolo Viero Devechi e Amarildo Luiz Trevisan

A proposta deste artigo é ampliar o leque da políticas e práticas: especificidades e desafios de uma área de saber.
reflexão sobre as pesquisas qualitativas na educação, Revista Brasileira de Educação. v. 11, n. 31, jan/abr. 2006.
em seus diferentes desdobramentos. Em meio a um DEVECHI, Catia Picolo Viero. Racionalidade comunicativa
distanciamento crescente das perspectivas teóricas no e a fundamentação da educação no contexto do pensamento
tratamento dos problemas educacionais, essa sugestão pós-metafísico. Tese (Doutorado em Educação). Programa de
se coloca como alternativa para assegurar, na diversi- Pós-Graduação em Educação. Universidade Federal de Santa
dade de abordagens, o aprimoramento teórico-metodo- Catarina, 2008, 200p.
lógico necessário a uma educação bem-sucedida. Ela FLICKINGER, Hans-Georg. Para que filosofia da educação? 11
poderia contribuir, desse modo, para instaurar, num teses. Perspectiva, v. 16, n. 29, p. 15-22, jan./jun. 1998.
ambiente sobrecarregado de conflitos, o giro em di- GADAMER; Hans-Georg. Verdade e método I: traços funda-
reção à busca de determinados acordos ou consensos, mentais de uma hermenêutica filosófica. 8. ed. Petrópolis: Vozes;
como ocorreu, por exemplo, quando da incorporação Bragança Paulista: Editora Universitária São Francisco, 2007.
do quantitativo. É isso que possibilita a superação de GAMBOA, Sílvio Sanchez. A dialética na pesquisa em educação:
posturas epistemológicas e/ou políticas reducionistas elementos de contexto. In: FAZENDA, Ivani (Org.). Metodologia da
ou marcadamente divergentes, que a distanciam de pesquisa educacional. 2. ed. São Paulo: Cortez, 1991. p. 91-115.
uma visão normativa enquanto a aproximam do status _______. Quantidade-qualidade: para além de um dualismo téc-
quo instituído. nico e de uma dicotomia epistemológica. In: SANTOS FILHO,
Nesse sentido, o trabalho alinha-se à ótica que José Camilo dos; GAMBOA, Sílvio Sanchez (Orgs.). Pesquisa
percebe os avanços das pesquisas qualitativas, mas educacional: quantidade-qualidade. São Paulo: Cortez, 1995. p.
confronta-se com os seus desencaminhamentos, apos- 84-111 (Coleção Questões da Nossa Época).
tando na possibilidade de validar saberes a partir da GATTI, Bernardete Angelina. A construção da pesquisa em edu-
ideia de um consenso minimamente atingível. Como cação no Brasil. Brasília: Liber Livro, 2007.
alternativa favorável à democracia, o agir orientado HABERMAS, Jürgen. Dialética e hermenêutica: para a crítica da
ao entendimento poderia atuar no desenvolvimento de hermenêutica de Gadamer. Porto Alegre: L&PM, 1987.
estruturas para a educação conquistar um ethos cada _______. Verdade e justificação: ensaios filosóficos. São Paulo:
vez mais universal, no qual as diferentes perspectivas Loyola, 2004.
teóricas poderão, enfim, dialogar, sem que isso impli- HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. Petrópolis: Vozes; Bragança
que o abandono de seus locus específicos. Paulista: Editora Universitária São Francisco, 2006.
HERMANN, Nadja. Hermenêutica e educação. Rio de Janeiro:
Referências bibliográficas DP&A, 2003.
HONNETH, Axel. Luta por reconhecimento; a gramática moral dos
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qualitativas em educação. Cadernos de Pesquisa, v. 77, p. 53-61, LUKÁCS, Georg. História e consciência de classe; estudos sobre
maio 1991. a dialética marxista. Trad. Rodnei Nascimento. São Paulo: Martins
APEL, Karl-Otto. Transformação da filosofia II: o a priori da Fontes, 2003.
comunidade de comunicação. São Paulo: Loyola, 2000. MATTOS, Patricia Castro. A sociologia política do reconheci-
BARBIER, René. A pesquisa-ação. Brasília: Plano, 2002. mento; as contribuições de Charles Taylor, Axel Honneth e Nancy
BOTTOMORE, Tom (ed.). Dicionário do pensamento marxista. Fraser. São Paulo: Annablume, 2006.
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CHARLOT, Bernard. A pesquisa educacional entre conhecimentos, UNIJUÍ, 2008.

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Sobre a proximidade do senso comum das pesquisas qualitativas em educação

MORAES, Maria Cândida. O paradigma educacional emergente. temporânea de crítica e de objetividade nas pesquisas em educação
9. ed. Campinas: Papirus, 1997 (Coleção Práxis). (Anais... 32a ANPEd, 2009. 1 CD-ROM); A educação entre verdade
MORAES, Maria Célia Marcondes de. Recuo da teoria: dilemas e justificação (Anais... 29a ANPEd, 2006. 1 CD-ROM); Habermas
na pesquisa em educação. Revista Portuguesa de Educação, v. 14, & educação (Aprender, Caderno de Filosofia e Psicologia da
n. 1 p. 5-24, 2001. Educação, v. 4, n. 7, p. 227-230, 2006). Pesquisa em andamento:
OLIVEIRA, Manfredo Araujo. Reviravolta linguístico-pragmática “A hermenêutica de Habermas na pesquisa em educação”. E-mail:
na filosofia contemporânea. São Paulo: Loyola, 1996. catiaviero@yahoo.com.br
SANTOS, Boaventura de Sousa. Introdução a uma ciência pós-
moderna. 4. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1989. AMARILDO LUIZ TREVISAN, doutor em educação pela
_______. Um discurso sobre as ciências. São Paulo: Cortez, Universidade Federal Rio Grande do Sul, é professor do Programa
2006. de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa
SANTOS FILHO, José Camilo dos; GAMBOA, Sílvio Sanchez Maria (UFSM). Publicações recentes: Formação ou reificação: a
(Orgs.). Pesquisa educacional: quantidade-qualidade. São Paulo: educação entre o mesmo e o outro (Anais... 32a ANPEd, 2006. 1
Cortez, 1995 (Coleção Questões da Nossa Época). CD-ROM); em coautoria com BARCELOS, Valdo H. A universida-
STEIN, Ernildo. Dialética e hermenêutica: uma controvérsia de ontem e amanhã – Da cópia acadêmica à invenção intercultural
sobre o método em filosofia. In: HABERMAS, J. Dialética e (Utopìa y Praxis Latinoamericana, v. 14, n. 45, p. 127-139, jun.
hermenêutica: para a crítica da hermenêutica de Gadamer. Porto 2009); Estetização da política vs. formação da opinião pública:
Alegre: L&PM, 1987. uma aporia da razão comunicacional? (Educação, ano XXX, v. 62,
TREVISAN, Amarildo Luiz. Filosofia da educação: mímesis e n. 2, p. 299-312, maio/ago. 2007). Pesquisa em andamento; “For-
razão comunicativa. Ijuí: Editora UNIJUÍ, 2000. mação no contemporâneo: racionalidade discursiva e estetização
do mundo da vida”, financiada pelo CNPq. E-mail: amarildoluiz@
CATIA PICCOLO VIERO DEVECHI, doutora em educação terra.com.br
pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), é professora
do Departamento de Teoria e Fundamentos da Faculdade de Edu-
cação da Universidade de Brasília (UnB). Publicações recentes: Recebido em agosto de 2008
A racionalidade comunicativa de Habermas e a possibilidade con- Aprovado em dezembro de 2009

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Resumos/Abstracts/Resumens

crição dos discursos dos ministros, a the texts of projects and decrees. Ex- Imperio, bien como sobre los textos
quem se vinculam as questões educa- haustive use was made of the work of de los proyectos y decretos. Se recurre
cionais. Primitivo Moacyr for the transcription exhaustivamente a la obra de Primiti-
Palavras-chave: tradição; visão de of the minister’s discourses to which vo Moacyr en la transcripción de los
mundo; herança. the educational questions are linked. discursos de los ministros a quienes se
Key words: tradition; world vision; vinculan las cuestiones educacionales.
Elementary education in the Leôncio
inheritance. Palabras claves: tradición; visión de
de Carvalho Decree: a “world
mundo; herencia.
vision” inherited from Republican La enseñanza elementar en el
times? decreto Leôncio de Carvalho:
This article points to the predominance ¿“visión de mundo” heredada por el Catia Piccolo Viero Devechi e Amarildo
of an idea which arose at the end of the tiempo republicano? Luiz Trevisan
Brazilian Empire, that of the curia of Este artículo menciona el predominio Sobre a proximidade do senso
the people, and which, in the Republic de una idea que surgió al final del Im- comum das pesquisas qualitativas
that followed, was transformed into the perio en Brasil, la de negligencia del em educação: positividade ou
civic insufficiency of the same people. pueblo, y que, en la república que vino simples decadência?
The idea of the curia of the people did a seguir, se transformó en insuficiencia O artigo propõe uma discussão sobre
not last the duration of the Empire. It cívica, de este mismo pueblo. La idea a forma de recepção das pesquisas
arose in the last 15 years of that period de negligencia del pueblo no postergó qualitativas na educação. Procura
and changed the old imperial matrix of el Imperio; ella surgió en sus últimos enfrentar as acusações da ausência de
blaming the failure of policies on the quince años del mismo, mudando la rigorosidade científica, defendendo que
failure of institutions. In order to dem- vieja matriz imperial de culpar el fra- o problema não está propriamente na
onstrate the predominance of this new caso de las políticas a las fallas de las concepção de pesquisa, menos ainda
idea in the final phase of the Empire instituciones. Para demostrar el predo- numa simples decadência natural de
which changed the villain of history minio de esa nueva idea en esa fase fi- sua história. Entende que existe uma
we took education policy in the way in nal del Imperio, que mudó el villano de falta de compreensão que permite a
which it was expressed by the Minister la historia, se toma la política de edu- apropriação dessas pesquisas de ma-
Liberato Barroso and in projects of cación en la forma como se expresó el neira nem sempre adequada às suas
law which were debated in the General ministro Liberato Barroso y en los pro- exigências. Questiona, assim, o empo-
Assembly of the Empire (Paulino de yectos de ley que son discutidos en la brecimento da sua experiência no cam-
Souza and João Alfredo) as well as in Asamblea General del Imperio (Pau- po educativo, compreendendo a impor-
the Decree-Law Leôncio de Carvalho, lino de Souza y João Alfredo), bien tância do quantitativo nas abordagens
always in counterpoint with the tradi- como en el Decreto Ley Leôncio de em suas diferentes configurações. A
tion passed on from the Decree-Law Carvalho, siempre en contrapunto con título de provocação, enuncia algumas
Couto Ferraz of 1854. The idea of the la tradición resultado del Decreto Ley proposições com o intuito de diminuir
curia of the people is the supposition Couto Ferraz, de 1854. La idea de ne- a possibilidade de que tais pesquisas
which appears when new emphasis is gligencia del pueblo es lo supuesto que sejam avaliadas como formas prosaicas
given to obligatory schooling, exactly aparece cuando de la nueva énfasis de produção do conhecimento no con-
when the idea of free education also dada a la obligatoriedad escolar, justo texto educativo.
predominated. An attempt is made to cuando también predomina la idea de Palavras-chave: pesquisas qualitati-
characterize a certain “world vision”, enseñanza libre. Se busca caracterizar vas; rigorosidade científica; produção
in the old concept of Dilthey which una cierta “visión de mundo”, en el do conhecimento.
will be inherited by the Republic. The viejo concepto de Dilthey, que será On the proximity of common sense
work is based analytically on rescuing heredada por la República. El trabajo in qualitative research in education:
the tradition and on the emergence of se funda en el rescate de la tradición y positivity or simple decadence?
the new based on the impasses of the en la emergencia de lo nuevo a partir The article proposes a discussion on
tradition when faced with questions of de los obstáculos de la tradición a las the way in which qualitative research
the new era. It applies a hermeneuti- cuestiones del nuevo tiempo, recurrien- in education is received. It seeks to
cal procedure to the discourses of the do a un procedimiento hermenéutico face the accusations concerning the
ministers of the Empire, as well as to sobre los discursos de los ministros del lack of scientific rigor, defending the

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Resumos/Abstracts/Resumens

position that the problem is not pre- Palabras claves: pesquisas cualitati-
cisely in the conception of the research, vas; rigurosidad científica; producción
and less still in a simple natural deca- del conocimiento.
dence of its history. It understands that
the existence of a lack of comprehen- Carlos Roberto Jamil Cury
sion permits the appropriation of such
O debate sobre a pesquisa e a
research in a way not always suitable
avaliação da pós-graduação em
to its requirements. It thus questions
educação
the impoverishment of its experience in
O texto introduz as comunicações
the educational field, comprehending
feitas na mesa de abertura do IX En-
the importance of quantitative studies
contro de Pesquisa da Região Sudeste,
in approaches in their different config-
realizado na Universidade de São
urations. Provocatively, it enunciates
Carlos, em julho de 2009. De início,
some propositions with the intention of
destaca a importância do debate sobre
diminishing the possibility that such re-
a pós-graduação brasileira, em termos
search is evaluated as a prosaic means
da produção de pesquisa qualificada e
for the production of knowledge in the
da importância da avaliação conduzida
educational context.
pela CAPES. Coloca em questão o
Key words: qualitative research; sci-
dilema por ela enfrentado atualmente:
entific rigor; production of knowledge.
quais os limites impostos pela ne-
Sobre la proximidad del sentido cessária burocratização e a liberdade
común de las pesquisas cualitativas democrática de buscar realizar seus
en la educación: ¿positivismo o fins últimos? Ou seja, quais as possi-
simple decadencia? bilidades de conciliação entre a gestão
Este artículo propone una discusión burocrática, própria do sistema, e ges-
sobre la forma de recepción de las tão democrática, exigida inclusive pela
pesquisas cualitativas en la educación. autonomia universitária? Afirma que é
Busca enfrentar las acusaciones de desta perspectiva que deve ser entendi-
la ausencia de rigurosidad científica, da a tensão revelada no debate.
defendiendo que el problema no está Palavras-chave: pós-graduação; pes-
propiamente en la concepción de la quisa; avaliação
pesquisa, y mucho menos en una simple The debate on research and
decadencia natural de su historia. Se evaluation in postgraduate studies in
entiende que existe una falta de com- education
prensión que permite la apropiación This text introduces the communica-
de esas pesquisas de una manera ni tions presented during the opening
siempre muy adecuada a las exigencias session of the IX South-east Regional
suyas. Cuestiona, así, el empobreci- Meeting on Research, held at the Uni-
miento de su experiencia en el campo versity of São Carlos in July 2009.
de la educación, comprendiendo la Initially, it emphasizes the importance
importancia del cuantitativo en el plan- of the debate on Brazilian postgradu-
teamiento de sus diferentes configura- ate studies, in terms of the production
ciones. Con el sentido de provocación, of qualified research and the impor-
enuncia algunas proposiciones con el tance of that evaluation conducted by
intento de disminuir la posibilidad de the CAPES. It questions the dilemma
que tales pesquisas sean evaluadas which it faces at present: what are
como formas prosaicas de producción the limits imposed by the necessary
del conocimiento en el contexto edu- bureaucratization and the democratic
cativo. liberty to seek to achieve their own ul-

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