O Direito delineia a família, mas reconhece e trata aquela situação que ele próprio considera família. Na medida em que o Direito fixa o entendimento do que é família, paralelamente já determina o que não é. Diante do desenvolvimento social, alcançam-se múltiplas formas familiares e, portanto, é possível que o direito não acompanhe tal movimento ao definir o que família seja. EVOLUÇÃO DA ESTRUTURA FAMILIAR DA FAMÍLIA ROMANA A CODICISTA Na cidade antiga, a religiosidade é a condicionante e, assim, circunscreve também a família. A família romana é descrita como a comunidade de culto dos mortos. Em cada grupo, antepassados a serem reverenciados representavam a chamada religião doméstica. Em face disso, torna-se inteligível a necessidade de pessoas para o culto, formulando-se, então, o casamento como assento dessa família. O casamento era, antes de mais nada, solenidade religiosa mediante a qual a mulher era afastada, definitivamente, da sua inicial religião doméstica – representada pelo pai – para ingressar em outra, a do marido. O casamento tinha caráter indissolúvel. O parentesco tinha exclusiva natureza masculina. Aos homens transmitiam-se a família e o culto, isso porque as mulheres não permaneciam na entidade familiar originária. A autoridade familiar também se fundava no homem, pois nele se encontrava a religião. Em síntese, é possível dizer que, para os romanos, a família era uma comunidade instituída pelo casamento: solenidade religiosa pela qual, unidos homem e mulher, obtinha-se a descendência tão necessária à preservação do culto. Em consequência, a situação feminina resumia-se à função reprodutiva e os filhos restringiam-se a recurso para continuidade da religião. Ao revés, a figura masculina concentrava a autoridade do grupo, pois o homem garantia o culto. Com o iluminismo, o code foi formulado. O importante papel ocupado, no Direito Romano, pela chamada religião doméstica foi preenchido, a partir de então, pelo patrimonialismo. Antes a família justificava-se para manter o culto e, em vista disso, valia-se da propriedade privada. Já nesse novo momento histórico, a família formava-se para a aquisição de patrimônio. Alterou-se o escopo, tornando fim o que era simples meio. Isso não significa dizer que a influência religiosa cessou. O que se extinguiu foi a ideia de veneração dos antepassados como sacramento a fundamentar as formações familiares. O cristianismo colocava-se como legitimador da constituição familiar. Tanto era assim que a família codicista permaneceu sendo considerada aquela oriunda do casamento. O Código Civil de 1916, da mesma forma, definiu como família o casamento. A partir disso, foi pautada toda a estrutura jurídica direcionada à sua proteção. O casamento fundava a família legítima. A reprodução também se manteve como objeto propulsor da família. Casava-se para obter filhos, como ocorria em Roma. Os filhos tornavam-se importante força de trabalho para isso destinada, servindo, ainda, através da sucessão, à manutenção desse patrimônio na família. A família era, assim, caracteristicamente hierarquizada, patriarcal. A mulher era considerada relativamente incapaz, após o casamento, e carecia de autorização marital para o exercício de certos atos da vida civil. Nem mesmo sobre os filhos a mulher possuía autoridade. O pátrio poder tinha sua titularidade encontrada no pai. Essas considerações se aplicavam aos filhos nascidos durante a união conjugal. Afinal, o modelo codicista de família era exclusivamente matrimonial. Eventuais nascidos de relações extraconjugais adulterinas não obtinham reconhecimento jurídico. Considerados ilegítimos, não auferiam proteção do ordenamento. Pior, era-lhes negada a constituição de paternidade. O Código Civil impunha a preservação da família matrimonial mediante um jogo de presunções e proibições legais, mesmo em face de evidências. A família deve ser preservada a todo custo. O casamento, como regra, não poderia ser extinto. A tutela jurídica destinava-se ao patrimônio, de forma extremada, em detrimento dos sujeitos. Pouco importava a satisfação pessoal dos sujeitos componentes da entidade. A harmonia familiar era entendida como a situação em que cada um dos seus membros cumpria a função que lhe era destinada, colaborando para o alcance dos fins patrimoniais. Em suma, matrimonial, hierarquizada e patrimonial: assim se entendia a família sob os ditames da codicística. FATOS QUE DESMENTIRAM OS CÓDIGOS Toda essa sistemática codicista suprademonstrada, ainda que guardasse coerência teórica, não estampava a conjuntura social havida. Na verdade, pode- se mesmo dizer que o ocorrido era exatamente o oposto: em vez de a realidade social se refletir na jurídica, foi a realidade jurídica que se impôs à social. Um modelo era imposto: a família fundada no matrimônio; porém, vários outros modelos eram reais: famílias desprovidas dessa origem. A família matrimonializada e patriarcal existiu na conjuntura social brasileira, mas, concomitante a ela, haviam outras estruturações parentais. A família matrimonial sofre maior abalo quando afastada sua indissolubilidade, em 1977, com a Emenda Constitucional nº 9 e a Lei do Divórcio. Tal lei representou uma inicial desobstrução da rigidez normativa em termos familiares. Não se pode negar que demonstrou o reconhecimento do desacerto em resumir o entendimento da família segundo a concepção religiosa, o que foi reforçado com o arranjo dos fatos havidos após sua entrada em vigor. Família não é mais apenas casamento, não é hierarquia, patriarcalismo, tampouco patrimonialismo. Com isso, a família não se enquadra mais na moldura oferecida pelo Código Civil de 1916. Resta saber, então, o que é a família. FAMÍLIA: ATUAL SEMÂNTICA E RECONHECIMENTO CONSTITUCIONAL. Com o passar de tantos fatos sociais, a família parece ter sido despida do invólucro que a tornava uma entidade autônoma e que impedia que recebessem atenção os que a compunham. A família passa por uma mudança de concepção: da natureza transpessoal à repersonalização, o que significa dizer que as pessoas que se encontravam inferiorizadas, reduzidas à consecução dos objetivos próprios da instituição familiar, sobrepõe-se, tornam-se destaque, chamando para sai a proteção jurídica. A ascendência feminina, o reconhecimento de interesses dos filhos, a admissão do divórcio... a prioridade é alterada e com ela toda a conjuntura familiar. O que mais interessa é promover o pleno crescimento das pessoas, e a família aparece como primeiro e principal ambiente para a consecução de tal fim. Por isso, costuma-se afirmar que a família atual se encontra funcionalizada, ou seja, serve enquanto exerce a função de mediar e sustentar a completa formação pessoal de seus componentes. Resultado imediato desse novo entendimento é a dissociação entre família e casamento. Postos como sinônimos pela concepção codicista, a automática equivalência dos termos é superada. Significa dizer que família não envolve necessariamente casamento, embora a recíproca possa ser verdadeira. O casamento continua sendo uma forma de constituição familiar, porém já não é mais a única. Portanto, decai a exclusividade da família matrimonial. Constata-se que é possível formar uma família mediante outra estrutura que não o casamento. Aliás, é possível formar uma família mediante outras tantas e variadas estruturas, contanto que se verifiquem os requisitos básicos da nova acepção que o verbete comporta. Com o Código Civil de 2002 o direito de família sofreu avanços e retrocessos. Dentre as inovações verificadas, algumas aniquilam a postura antiquada do Código de 1916, como o artigo 1565 e o artigo 1631. O CC/02 foi cuidadoso em reafirmar a igualdade constitucional. Havidos ou não da relação de casamento, naturais ou não, todos os filhos possuem os mesmos direitos, não se admitindo quaisquer discriminações nesse aspecto. Contudo, o CC/02 também mantém algumas falhas do código anterior, como a ideia permanente de família legítima advinda do matrimônio. Não se pode esquecer que o casamento e a união estável são formas familiares diferentes, cada uma com sua particularidade. Quanto à família Monoparental, aquela formada por qualquer dos pais e seus descendentes, a situação parece pior. Ela não mereceu sequer menção no texto codificado. Quando muito, valendo-se de esforço hermenêutico na tentativa de lhe destinar a tutela jurídica descrita é possível entende-la incluída na expressão entidade familiar. DIREITOS DAS FAMÍLIAS A família é um agrupamento informal, de formação espontânea no meio social, cuja estruturação se dá através do direito. Trata-se de uma construção social organizada através de regras culturalmente elaboradas que conformam modelos de comportamento. O intervencionismo estatal levou à instituição do casamento: convenção social para organizar os vínculos interpessoais. Em uma sociedade conservadora, os vínculos afetivos, para merecerem aceitação social e reconhecimento jurídico, necessitavam ser chancelados pelo que se convencionou chamar de matrimônio. O núcleo familiar dispunha de perfil hierarquizado e patriarcal. A família é o primeiro agente socializador do ser humano, sendo a base da sociedade e, por essa razão, recebe especial atenção do Estado. Sempre se considerou que a maior missão do Estado é preservar o organismo familiar sobre o qual repousam suas bases. O formato hierárquico da família cedeu lugar à sua democratização, e as relações são muito mais de igualdade e de respeito mútuo. É preciso demarcar o limite de intervenção do direito na organização familiar para que as normas estabelecidas não interfiram em prejuízo da liberdade do “ser” sujeito. Ainda que tenha o Estado interesse na preservação da família, cabe indagar se dispõe de legitimidade para invadir a auréola de privacidade e de intimidade das pessoas. O Código Civil anterior, que datava de 1916, regulava a família do início do século passado, constituída unicamente pelo matrimônio. Em Sua versão original, trazia uma estreita e discriminatória visão da família, limitando-a ao grupo originário do casamento. Impedia sua dissolução, fazia distinção entre seus membros e trazia qualificações discriminatórias às pessoas unidas sem casamento e aos filhos ilegítimos eram punitivas e serviam exclusivamente para excluir direitos. A evolução da família forçou sucessivas alterações na legislação. A mais expressiva foi o Estatuto da Mulher Casada, que devolveu a plena capacidade à mulher casada e deferiu-lhe bens reservados que asseguravam a ela a propriedade exclusiva dos bens adquiridos com o fruto de seu trabalho. A instituição do divórcio acabou com a indissolubilidade do casamento, eliminando a ideia de família como intuição sacralizada. A CF/888 instaurou a igualdade entre o homem e a mulher e esgarçou o conceito de família, passando a proteger de forma igualitária todos os seus membros. Estendeu igual proteção à família constituída pelo casamento, bem como a União Estável entre homens e mulheres e à comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes, que recebeu o nome de família monoparental. Consagrou a igualdade dos filhos, havidos ou não do casamento, ou por adoção, garantindo-lhes os mesmo direitos e qualificações. Após a Constituição, o Código Civil perdeu o papel de lei fundamental do direito de família. O atual CC procurou atualizar os aspectos essenciais do direito de família, mas não deu o passo mais ousado: operar a subsunção, à moldura da norma civil, de construções familiares existentes desde sempre, embora completamente ignoradas pelo legislador infraconstitucional. Procedeu o legislador constituinte ao alargamento do conceito de família, calcado na nova realidade que se impôs, emprestando juridicidade ao relacionamento existente fora do casamento. Afastou da ideia de família o pressuposto do casamento, identificando como família também a união estável entre um homem e uma mulher. A família à margem do casamento passou a merecer tutela constitucional porque apresenta condições de sentimento, estabilidade e responsabilidade necessários ao desempenho das funções reconhecidamente familiares. Nesse redimensionamento, passaram a integrar o conceito de entidade familiar as relações monoparentais: um pai com seus filhos. O constituinte de 88 consagrou, como dogma fundamental, antecedendo a todos os princípios, a dignidade da pessoa humana, impedindo assim a superposição de qualquer instituição à tutela e seus integrantes. Foram eliminadas injustificáveis diferenciações e discriminações que não mais combinam com uma sociedade democrática e livre. A mudança da sociedade e evolução dos costumes levaram a uma verdadeira reconfiguração, quer da conjugalidade, quer da parentalidade. O pluralismo das relações familiares ocasionou mudanças na própria estrutura da sociedade. Rompeu-se o aprisionamento da família nos moldes restritos do casamento, mudando profundamente o conceito de família. A CF viu a necessidade de reconhecer a existência de outras entidades familiares, além das instituídas pelo casamento. Não se pode deixar de ver como família a universalidade dos filhos que não contam com a presença dos pais. Dentro desse aspecto mais amplo, não cabe excluir os relacionamentos de pessoas do mesmo sexo, que mantêm entre si relação pontificada pelo afeto, a ponto de merecerem a denominação de uniões homossexuais. O elemento que diferencia a família, que a coloca sob o manto da juridicidade, é a presença de um vínculo afetivo a unir as pessoas com identidade de projetos de vida e propósitos comuns, gerando comprometimento mútuo. O novo modelo de família funda-se sobre os pilares da repersonalização, da afetividade, de pluralidade e do eudemonismo (busca de uma vida feliz, seja em âmbito individual seja coletivo, o princípio e fundamento dos valores morais, julgando eticamente positivas todas as ações que conduzam o homem à felicidade). A Constituição, ao esgaçar o conceito de família, elencou como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes (CF 226, §4). O enlaçamento dos vínculos familiares constituídos por um dos genitores com seus filhos, no âmbito da especial proteção do Estado, atende a uma realidade que precisa ser arrostada. Tais entidades familiares receberam em sede doutrinária o nome de família monoparental, como forma de ressaltar a presença de somente um dos pais na titularidade do vínculo familiar. PRINCÍPIOS DO DIREITO DAS FAMÍLIAS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS DA FAMÍLIA A Constituição Federal consagrou como fundamentais os valores sociais dominantes. Os princípios que regem o direito de família não podem distanciar- se da atual concepção de família. MONOGAMIA Não se trata de um princípio do direito estatal de família, mas sim de uma regra restrita à proibição de múltiplas relações matrimonializadas, constituídas sob a chancela do Estado. Não há como considerar a monogamia como princípio constitucional, pois a Constituição não a contempla. A monogamia é considerada função ordenadora da família. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA É o princípio maior, fundante do Estado Democrático de Direito, sendo afirmado já no primeiro artigo da Constituição. Trata-se de um princípio extremamente universal. É um macro princípio do qual se irradiam os demais: liberdade, autonomia privada, cidadania, igualdade. A dignidade da pessoa humana encontra na família o solo apropriado para florescer. A ordem constitucional dá-lhe especial proteção independentemente de sua origem. A multiplicação das entidades familiares preserva e desenvolve as qualidades mais relevantes entre os familiares – o afeto, a solidariedade, a união, o respeito, a confiança, o amor, o projeto de vida comum – permitindo o pleno desenvolvimento pessoal e social de cada partícipe com base em ideias pluralistas, democráticas e humanistas. Ora, se é direito da pessoa humana constituir núcleo familiar, também é direito seu não manter a entidade formada, sob pena de comprometer-lhe a existência digna. É direito constitucional do ser humano ser feliz e dar fim àquilo que o aflige sem inventar motivos. Desse modo, também o direito de buscar a separação e o divórcio estão amparados no princípio da dignidade humana, nada justificando a resistência do Estado ao impor prazos ou exigir a identificação de causas para pôr fim ao casamento. PRINCÍPIO DA LIBERDADE A Constituição, ao instaurar o regime democrático, revelou grande preocupação em banir discriminações de qualquer ordem, deferindo à igualdade e à liberdade especial atenção. Os princípios da liberdade e igualdade, no âmbito familiar, são consagrados em sede constitucional. Todos têm a liberdade de escolher o seu par, seja do sexo que for, bem como o tipo de entidade que quiser para constituir sua família. A isonomia de tratamento jurídico permite que se considerem iguais marido e mulher em relação ao papel que desempenham na chefia da sociedade conjugal. Também, na União Estável, é a isonomia que protege o matrimônio entre personagens que disponham do mesmo status familiar. A liberdade floresceu na relação familiar e redimensionou o conteúdo da autoridade parental ao consagrar os laços de solidariedade entre pais e filhos, bem como a igualdade entre os cônjuges no exercício conjunto do poder familiar voltada ao melhor interesse do filho. Em face do primado de liberdade, é assegurado o direito de constituir uma relação conjugal, uma união estável hétero ou homossexual. Há a liberdade de extinguir ou dissolver o casamento e a união estável, bem como o direito de recompor novas estruturas de convívio. A possibilidade de alteração do regime de bens na vigência do casamento sinala que a liberdade, cada vez mais, vem marcando relações familiares. PRINCÍPIO DA IGUALDADE E RESPEITO À DIFERENÇA A supremacia do princípio da igualdade alcançou os vínculos de filiação, ao ser proibida qualquer designação discriminatória com relação aos filhos havidos ou não da relação de casamento ou por adoção. Também a respeito do princípio da igualdade é livre a decisão do casal sobre o planejamento familiar, sendo vetada qualquer tipo de coerção por parte do Estado, que deve propiciar os recursos educacionais e financeiros para o exercício desse direito. A relação de igualdade nas relações familiares deve ser pautada não pela pura e simples igualdade entre iguais, mas pela solidariedade entre seus membros, caracterizada da mesma forma pelo afeto e amor. A organização e a própria direção da família repousam no princípio da igualdade de direitos e deveres dos cônjuges, tanto que compete a ambos a direção da sociedade conjugal em mútua colaboração. São estabelecidos deveres recíprocos e atribuídos igualitariamente tanto ao marido quanto à mulher. Também em nome da igualdade é permitido a qualquer dos nubentes acrescer ao seu sobrenome do outro. É acentuada a paridade de direitos e deveres do pai e da mãe no respeitante à pessoa e bens dos filhos, nenhum dos genitores tem preferência. A recomendação é pela guarda compartilhada, atribuindo-se de modo igualitário a ambos, que têm similitude de deveres e direitos. Da mesma forma a desigualdade de gêneros foi banida, e, depois de séculos de tratamento discriminatório, as distâncias vem diminuindo. PRINCÍPIO DA SOLIDARIEDADE FAMILIAR Solidariedade é o que cada um deve ao outro. Esse princípio dispõe de conteúdo ético, pois contém em suas entranhas o próprio significado da expressão solidariedade, que compreende a fraternidade e a reciprocidade. A pessoa só existe quando coexiste. O princípio da solidariedade tem assento constitucional. Ao gerar deveres recíprocos entre os integrantes do grupo familiar, safa- se o Estado do encargo de prover toda a gama de direitos que são assegurados constitucionalmente ao cidadão. Basta atentar que se tratando de crianças e adolescentes, é atribuído primeiro à família, depois à sociedade e finalmente ao Estado o dever de garantir com absoluta prioridade os direitos inerentes aos cidadãos em formação. Os integrantes da família são, em regra, reciprocamente credores e devedores de alimento. A imposição de obrigação alimentar entre parentes representa a concretização do princípio da solidariedade familiar. Assim, deixando um dos parentes de atender a obrigação parental, não poderá exigi-la daquele a quem se negou a prestar auxílio. PRINCÍPIO DO PLURALISMO DAS ENTIDADES FAMILIARES As estruturas familiares adquiriram novos contornos com a CF/88. Nas codificações anteriores, somente o casamento merecia reconhecimento e proteção. Os demais vínculos familiares eram condenados à invisibilidade. O princípio do pluralismo das entidades familiares é encarado como o reconhecimento pelo Estado da existência de várias possibilidades de arranjos familiares. Excluir do âmbito da juridicidade entidades familiares que se compõe a partir de um elo de afetividade e que geram comprometimento mútuo e envolvimento pessoal e patrimonial é simplesmente chancelar o enriquecimento injustificado, é ser conivente com a injustiça. PRINCÍPIO DA PROIBIÇÃO DO RETROCESSO SOCIAL A CF, ao garantir especial proteção à família, estabeleceu as diretrizes dos direitos das famílias em grandes eixos, a saber: (a) a igualdade entre homens e mulheres na convivência familiar, (b) o pluralismo das entidades familiares merecedoras de proteção e (c) o tratamento igualitário entre todos os filhos. Essas normas, por serem direito subjetivo com garantia constitucional, servem de obstáculo a que se operem retrocessos sociais, o que configuraria verdadeiro desrespeito às regras constitucionais. A consagração constitucional da igualdade, tanto entre homens e mulheres, como entre filhos, e entre as próprias entidades familiares, constitui simultaneamente garantia constitucional e direito subjetivo. Assim, não podem sofrer limitações ou restrições da legislação ordinária. É o que se chama de princípio constitucional da proibição do retrocesso social. É evidente que nenhum texto proveniente do constituinte originário pode sofrer retrocesso que lhe dê alcance jurídico social inferior ao que tinha originalmente. A partir do momento em que o estado, em sede constitucional, garante direitos sociais, a realização desses direitos não se constitui somente em uma obrigação positiva para sua satisfação – passa a haver também uma obrigação negativa de não se abster de atuar de modo a assegurar a sua realização. O legislador precisa ser fiel ao tratamento isonômico assegurado pela Constituição, não podendo estabelecer diferenciações ou revelar preferências. Todo e qualquer tratamento discriminatório levado a efeito pelo legislador ou pelo judiciário mostra-se flagrantemente inconstitucional. Por exemplo, todas as omissões da lei, deixando de nominar a união estável quando assegura algum privilégio ao casamento, devem ser tidas por inexistentes. Quando a lei não fala na união estável, é necessário que o intérprete supra essa lacuna. E quando a lei trata de forma diferente casamento e união estável, é de se ter simplesmente tal referência como não escrita. Também afronta a proibição de retrocesso social a omissão do Código Civil em regular as famílias monoparentais, as quais a CF também assegurou especial proteção. PRINCÍPIO DA AFETIVIDADE O Estado impõe a si obrigações para com os seus cidadãos. Por isso elenca CF um rol imenso de direitos individuais e sociais, como forma de garantir a dignidade de todos. Isso nada mais é do que o compromisso de assegurar afeto: o primeiro obrigado a assegurar afeto por seus cidadãos é o próprio Estado. Mesmo que a CF tenha enlaçado o afeto no âmbito de sua proteção, a palavra afeto não está no texto constitucional. Ao serem reconhecidas como entidade familiar merecedora da tutela jurídica as uniões estáveis, que se constituem sem o selo do casamento, tal significa que o afeto, que une e enlaça duas pessoas, adquiriu um modelo de família eudemonista e igualitário, com maior espaço para o afeto e a realização individual. Com a consagração do afeto como direito fundamental, resta enfraquecida a resistência dos juristas que não admitem a igualdade entre a filiação biológica e a socioafetiva. O princípio jurídico da afetividade faz despontar a igualdade entre irmãos biológicos e adotivos e o respeito aos seus direitos fundamentais. O sentimento de solidariedade recíproca não pode ser perturbado pela preponderância de interesses patrimoniais. É o salto à frente da pessoa humana nas relações familiares. São quatro os fundamentos essenciais do princípio da afetividade: - A igualdade de todos os filhos independentemente da origem (CF 227,§6) - A adoção, como escolha afetiva com igualdade de direitos (CF 227 §5 e 6) - A comunidade formada por qualquer um dos pais e seus descendentes, incluindo os adotivos, com a mesma dignidade da família (CF 226 §4) - O direito à convivência familiar como prioridade absoluta da criança e do adolescente (CF 227). O Código Civil utiliza a palavra afeto somente para identificar o genitor a quem deve ser deferida a guarda unilateral. Invoca somente a relação de afetividade como elemento indicativo para definição de guara a favor de terceira pessoa. Ainda que com grande esforço se consiga visualizar na lei a elevação do afeto a valor jurídico, mister é reconhecer que tímido mostrou-se o legislador. Os laços de afeto derivam da convivência familiar, e não do sangue. Assim, a posse de estado do filho nada mais é do que o reconhecimento jurídico do afeto, com o claro objetivo de garantir a felicidade, como um direito a ser alcançado. O afeto não é somente um laço que envolve os integrantes da família. Tem viés externo, pondo humanidade em cada família, compondo a família humana universa. A família transforma-se na medida em que se acentuam as relações de sentimentos entre seus membros: valorizam-se as funções afetivas da família. Despontam novos modelos de família mais igualitárias nas relações de sexo e idade, mais flexíveis em suas temporalidades e em seus componentes, menos sujeitas à regra e mais ao desejo. A família e o casamento adquiriram um novo perfil, voltados muito mais a realizar os interesses afetivos e existenciais de seus integrantes. Essa é a concepção eudemonista de família, que progride à medida que regride o seu aspecto instrumental. A comunhão de afeto é incompatível com o modelo único, matrimonializado, da família. Por isso, a afetividade entrou nas cogitações dos juristas, buscando explicar as relações familiares contemporâneas. O novo olhar sobre a sexualidade valorizou os vínculos conjugais, sustentando-se no amor e no afeto. Na esteira dessa evolução, o direito das famílias instalou uma nova ordem jurídica para a família, atribuindo valor jurídico para o afeto. Talvez nada mais seja necessário dizer para evidenciar que o princípio norteador do direito das famílias é o princípio da afetividade.