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Abstrações em movimento:
Concretismo, Neoconcretismo e Tachismo
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Rodrigo Vivas
Abstrações em movimento:
Concretismo, Neoconcretismo e Tachismo
Porto Alegre
1ª edição
2016
3
copyright © 2016 editora zouk
V856a
Vivas, Rodrigo.
Abstrações em movimento: concretismo, neoconcretismo
e tachismo / Rodrigo Vivas. – Porto Alegre (RS): Zouk, 2016.
140 p. : il. ; 16 x 23 cm
Inclui bibliografia.
ISBN 978-85-8049-040-4
1. Arte abstrata. 2. Pintura moderna. I. Título.
CDD-709.81
direitos reservados à
Editora Zouk
r. Cristóvão Colombo, 1343 sl. 203
90560-004 - Floresta - Porto Alegre - RS - Brasil
f. 51. 3024.7554
www.editorazouk.com.br
4
Sumário
Índice de ilustrações 7
Conclusão 99
5
6
Índice de ilustrações
7
Figura 10 – MALAGOLI, Ado. Abstração. 1960. Tinta a óleo s/tela. 65 x
83 cm. Prêmio Pintura, XV SMBA/PBH,1960. Acervo Museu de Arte da
Pampulha, Belo Horizonte.
Figura 11 – MALAGOLI, Ado. Sem título. 1962. Tinta a óleo s/tela. 88,5
x 116,3 cm. Prêmio Pintura, XVII SMBA/PBH, 1962. Acervo Museu de
Arte da Pampulha, Belo Horizonte.
Figura 12 – MOREIRA, Ildeu. Alkimia Solar I. 1966. Tinta a óleo, metal
e liga sobre suporte tipo Eucatex. 76 x 53 cm. 2º Prêmio, XXI SMBA/
PBH, 1966. Acervo Museu de Arte da Pampulha, Belo Horizonte.
Figura 13 – PAULA Filho, Eduardo Vianna de. Cartaz. 1966. Tinta a óleo
sobre Eucatex. 120 x 120 cm. Prêmio Varig de Viagem, XXI SMBA/PBH,
1966; doação do autor, 1968. Acervo Museu de Arte da Pampulha, Belo
Horizonte.
Figura 14 – PAULA Filho, Eduardo Vianna de. Cartaz. 1965. 120 x 120
cm. Acervo do Museu de Arte da Pampulha, Belo Horizonte.
Figura 15 – AQUINO, Ângelo de. Outono Inverno. 1967. Tinta a óleo
sobre tela. Díptico com dimensão total de 80,8 x 199 cm: 80,8 x 99,5
cm (cada parte). 2° Prêmio de Pintura, XXII SMBA/PBH, 1967. Acervo
Museu de Arte da Pampulha, Belo Horizonte.
Figura 16 – SOUZA, Geraldo de. Ocre Horizontal. 1965. Tinta a óleo,
linhagem e tecido s/tela. 79,7 x 110 cm. Prêmio Editora Pilar, XX SMBA/
PBH, 1965.
Figura 17 – BREZEZINSKI, João Osório Bueno de. A hora da noite min-
guante. 1964. Tinta a óleo e linhagem s/tela. 113,7 x 144,5 cm. 3º Prêmio,
XIX SMBA/PBH, 1964. Acervo Museu de Arte da Pampulha, Belo Ho-
rizonte.
Figura 18 – MAIA Cruz, Antônio. Gênesis XIV. 1962. Tinta a óleo s/
tela. 49,5 x 61 cm. Prêmio Associação Comercial de Minas Gerais, XVIII
SMBA/PBH, 1962. Acervo Museu de Arte da Pampulha, Belo Horizonte.
Figura 19 – JUAREZ Antunes, Jarbas. Composição em preto n° 1. 1964.
Papelão, papel, cordão e tinta acrílica s/tela. 131,5 x 98,5 cm. 1º Prêmio,
SMBA/PBH, 1964. Acervo Museu de Arte da Pampulha, Belo Horizonte.
8
Figura 20 – CHANINA, Luwisz Szejnbejn. Grupo de três. 1962. Tinta a
óleo sobre tela. 59,5 x 72,5 cm. Prêmio Clube dos Diretores Lojistas, XVII
SMBA/PBH, 1962. Acervo Museu de Arte da Pampulha, Belo Horizonte.
Figura 21 – SERPA, Ivan Ferreira. Pintura. 1964. Tinta a óleo s/tela. 175
x 199 cm. Premiação, XX SMBA/PBH, 1965. Acervo Museu de Arte da
Pampulha, Belo Horizonte.
Figura 22 – STOCKINGER, Francisco Alexandre. A Sentinela. s.d. Bron-
ze. 56 x 16 x 10,5 cm. Premiação, XVI SMBA/PBH, 1961. Acervo Museu
de Arte da Pampulha, Belo Horizonte.
Figura 23 – CASTRO, Amilcar Augusto Pereira de. Sem título. 1963. Fer-
ro. 50 x 49 x 26 cm. Prêmio Aquisição do Clube dos Diretores Lojistas
de Belo Horizonte, XVIII SMBA/PBH, 1963. Acervo Museu de Arte da
Pampulha, Belo Horizonte.
Figura 24 – FERNANDES, Maria Guilhermina Gonçalves. Escultura
XVII. s.d. Pedra sabão. 65 x 30,5 x 27 cm. 1º Prêmio de Escultura, XIX
SMBA/PBH, 1964; obra com dano permanente em sua parte superior.
Acervo Museu de Arte da Pampulha, Belo Horizonte.
Figura 25 – SECCO, Maria do Carmo Fortes. Retrato de Álbum de Casa-
mento. 1967. Metal, tinta esmalte, tinta vinílica e papel contact sobre su-
porte tipo Eucatex, 31 x 242, 7 cm. Prêmio Pesquisa, XXII SMBA/PBH,
1967. Acervo Museu de Arte da Pampulha, Belo Horizonte.
Figura 26 – SOARES, Terezinha. A caixa de fazer amor. 1967. Madeira,
tinta plástica, metal, plástico e tecido. Acervo Teresinha Soares.
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Apresentação:
Agradecimentos:
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12
Com amor,
Leilane Arães
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14
Introdução:
1 O presente trabalho faz parte das pesquisas desenvolvidas nos últimos anos pelo
Grupo de Pesquisa do CNPq – “Memória das Artes Visuais em Belo Horizonte (MAV-
-BH)”. O objetivo é realizar o estudo da história da arte em Belo Horizonte a partir das
obras reunidas nas coleções do Museu Histórico Abílio Barreto (MHAB), Museu Mineiro
(MM) e Museu de Arte da Pampulha (MAP).
2 OLIVEIRA, Emerson Dionisio G. de. Museus de fora: a visibilidade dos acervos de
arte contemporânea no Brasil. Porto Alegre (RS): Zouk, 2010.
3 Campinas (MACC), Pernambuco (MACPE), Paraná (MACPR), Brasília (MAB),
Goiás (MACG), Mato Grosso do Sul (MARCO), Rio Grande do Sul (MACRS), Ribeirão
Preto (MARP) e Londrina (MAL).
4 OLIVEIRA, Emerson Dionisio G. de. A Arte de Julgar: apontamentos sobre os jú-
ris de salões brasileiros nos anos de 1960. In: XXXI Colóquio do Comitê Brasileiro de
História da Arte, 2012, Campinas, SP. Anais do XXXI Colóquio do Comitê Brasileiro de
História da Arte. Campinas: Comitê Brasileiro de História da Arte, 2012. p. 475-487.
15
Artur Freitas5 realizou, em igual medida, importante trabalho que
discorre sobre a transição entre a produção figurativa e a abstrata nos Salões
de Arte do Paraná, sendo mais um exemplo que desloca o olhar do tabu-
leiro tradicional que somente reconhece os estados de Rio de Janeiro e São
Paulo como realizadores de movimentos efetivos e representantes de todo
o quadro nacional.
No cenário campineiro, é notória a atitude de Renata Zago6 ao cen-
tralizar em sua dissertação de mestrado as ocorrências dos Salões de Arte
em Campinas, delineando extenso panorama acerca dos participantes.
Esses estudos acabam por revelar de forma significativa a realidade do pro-
cesso de conexão e intercâmbio entre críticos e artistas na década de 1960.
Os referidos trabalhos compartilham o horizonte de interesse do
presente estudo, mas encontra-se aqui um caráter de diferenciação que
conduz à análise institucional em paralelo à análise específica das obras
premiadas7 e incorporadas aos acervos mineiros. Tal caminho é repleto de
riscos e limitações: seja as dificuldades de acesso às obras guardadas nas
reservas técnicas dos museus,8 seja as inerentes ao embate direto com as
obras artísticas. Como se sabe, as análises de obras artísticas são sempre
parciais e iniciais. O fato de serem quase nulos os comentários críticos,
referências e dados anteriores sobre as obras e seus produtores converte o
trabalho em um transcurso penoso e até mesmo solitário. Como é praze-
roso encontrar um texto – por menor que seja, escrito por um crítico que
16
tentou desvendar ou traduzir em palavras o contato com a obra de arte! O
desenvolvimento da pesquisa sobre o tema é longo e os resultados não pa-
recem demonstrar o seu tempo de gestação. Como atesta Rodrigo Naves,9
9 NAVES, Rodrigo. A forma difícil: ensaios sobre arte brasileira. São Paulo: Ática,
1996. p. 10.
10 VIVAS, Rodrigo Vivas. Os salões municipais de belas artes e a emergência da arte con-
temporânea em Belo Horizonte: 1960-1969. Tese (doutorado) - Universidade Estadual de
Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, 2008.
11 VIVAS, Rodrigo. Por uma história da arte em Belo Horizonte: artistas, exposições e
salões de arte. Belo Horizonte: C/Arte, 2012.
17
elementos que permitam o estabelecimento de conexões gerais e amplia-
das, mas foi a análise pormenorizada das obras premiadas que norteou a
constatação aqui exposta.
Nesse sentido, a concentração fundamenta-se na década de 1960
e na instituição responsável pela visibilidade, legitimação e aquisição das
obras artísticas: os Salões Municipais de Belas Artes (SMBA). Realizados
anualmente, foram responsáveis por congregar grande parte da produção
nacional e dispor da participação de críticos como Mário Pedrosa, Walter
Zanini, Frederico Morais, Walmir Ayala, José Geraldo Vieira, dentre ou-
tros. Apesar de encontrarmos as primeiras discussões sobre arte abstrata na
participação de Candido Portinari na Exposição de Arte Moderna em 1944
em Belo Horizonte,12 que será apresentada no decorrer desse texto, a rele-
vância do debate se apresenta com maior contundência na década de 1960.
As bienais internacionais de São Paulo foram inauguradas em 1951,
aspecto que merece ser estudado a fim de apreender o papel do evento
na constituição das produções artísticas regionais. Busca-se acompanhar,
assim, as participações de artistas nas bienais comparativamente às premia-
ções dos Salões Municipais de Belas Artes de Belo Horizonte (SMBA-BH),
ambas inquestionáveis no que diz respeito às edificações de significado nas
décadas de 1950 e 1960. É importante esclarecer que as análises são rea-
lizadas buscando evitar tanto a supervalorização do evento internacional,
quanto a desvalorização de sua representatividade dentro do circuito artís-
tico. O cuidado recaiu, neste sentido, na recusa em transformar a produção
de outras unidades da federação apenas como mais uma de suas possíveis
consequências.
A década de 1960 desempenha, como demonstra Michael Archer,13
uma mudança vertiginosa no sistema artístico internacional. O fim do
duopólio pintura-escultura demarca a ruptura com séculos de representa-
12 A Exposição Moderna de 1944, também conhecida como “Semaninha” reuniu ar-
tistas de arte moderna do Rio de Janeiro e de São Paulo. Durante três meses os artistas
e pensadores ligados às artes proferiram palestras, além de ter sido realizada uma grande
exposição a qual foi invadida e teve oito telas rasgadas.
13 ARCHER, Michel. Arte contemporânea: uma história concisa. São Paulo: Martins
Fontes, 2001.
18
ção artística. Observa-se que, ainda no início da década de 1960, é possível
demarcar as diferenças em categorias como pintura e escultura. Mas, como
afirma Archer, este duopólio passa a ser questionado após o advento das
colagens cubistas e da performance futurista, além dos eventos dadaístas.
Uma dessas alterações digna de realce, ocorrida na Europa, foi a
progressiva eliminação dos conceitos tradicionais de modalidade artística,
constatada tanto nas propostas dos artistas futuristas como no conceito
de “escultura expandida”.14 Iniciada pelas ações das vanguardas históricas,
tal tensionamento às categorias tradicionais do fazer artístico adquire ou-
tra dimensão na década de 1960. As modificações foram tão vertiginosas,
com uso de materiais não artísticos e propostas de desmaterialização15, que
se indagava: seria a “morte” da pintura e da escultura enquanto concep-
ções artísticas? Qual o papel da crítica de arte no acompanhamento dessas
transformações? Quais as novas possibilidades de escrita sobre as novas
formas de apresentação das proposições artísticas?
Seria interessante notar que, enquanto na Europa o processo foi gra-
dual, por aqui as ideias e propostas se sobrepõem. No final da década de
1940, no Brasil, assistiu-se gradualmente ao abandono da representação da
“realidade” nacional para um caminho de abstração trilhada com o movi-
mento Concreto. O projeto de uma arte de vanguarda brasileira rapida-
mente se mostrou ameaçado pela “ofensiva informal ou tachista”.16
14 Cf: KRAUSS, Rosalind E. Caminhos da escultura moderna. São Paulo: Martins
Fontes, 1998.
15 Acerca de tais propostas, Marília Andrés Ribeiro aponta que são tendências oriun-
das dos projetos das vanguardas históricas. O movimento dadaísta teria sido exemplar
nesse sentido, “[…]e foi através dos ready-mades de Duchamp que ocorreu a ruptura com
a concepção de arte direcionada para a valorização do projeto artesanal e decorativo. Du-
champ dizia, a propósito dos ready-mades, que estava mais interessado nas ideias do que
no produto visual […]” (RIBEIRO, 1997, p. 46).
16 A expressão “ofensiva tachista e informal” refere-se ao posicionamento de Mário
Pedrosa com relação ao grande contingente de artistas informais participantes da V Bienal
de São Paulo, realizada em 1951. É possível compreendê-la como parte de seu projeto
de defesa da arte concreta praticada pelos artistas brasileiros, considerada por ele como
uma forma de recusar a interferência do modelo artístico internacional. Cf. PEDROSA,
Mário. A Bienal de cá pra lá. In: ARANTES, Otília Beatriz Fiori. (Org.). Política das artes:
textos escolhidos I. São Paulo: Edusp, 1995.
19
Outro fator que deve ser demarcado, com relação ao trabalho de
pesquisa, é a tipologia das referências utilizadas. Grande parte dos estu-
dos concentrados nas décadas de 1960 propõe a análise dos manifestos
artísticos assim como as entrevistas dos artistas, em detrimento ao estudo
das obras artísticas. Entretanto, dizer que o estudo reside na obra de arte
enquanto detentora de “materialidade” e “visualidade” não é o mesmo que
desconsiderar a historicidade das produções e processos de construção e
reconhecimento artístico.
Um dos esforços dessa pesquisa está em contextualizar as produções
artísticas acompanhando a recepção à época em que as obras foram produ-
zidas. Esse esforço é importante para não projetarmos no passado análises
que foram construídas no presente, como demonstra Rodrigo Naves no
artigo “Um azar histórico”.17 O autor elaborou uma refinada discussão das
diferenças entre a recepção de uma produção artística em um determinado
período e o seu reconhecimento artístico posterior. Várias são as produções
reconhecidas muitos anos depois de sua produção, mas também não é
raro que o reconhecimento de algumas tenha sido forçado à época em que
foram realizadas. Um exemplo talvez seja suficiente para esclarecer esse
anacronismo. Lygia Clark e Hélio Oiticica são atualmente os artistas mais
reconhecidos da década de 1960, mas existia essa noção compartilhada na
década em que produziram? A grande maioria dos especialistas sabe que
não. Esses artistas eram conhecidos assim como outros nomes que atuaram
na década de 1960, mas por qual razão os demais foram “esquecidos”? Tal
fato pode ser explicado por um tipo específico de crítica, como explica
Naves, que acaba por produzir:
17 NAVES, Rodrigo. O vento e o moinho: ensaios sobre arte moderna e contemporâ-
nea. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. p. 211.
18 NAVES, Rodrigo. O vento e o moinho: ensaios sobre arte moderna e contemporâ-
nea. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. p. 211.
20
O problema, ainda conforme Naves, está na criação de uma “espécie
de justificativa teórica para a superioridade das obras de Oiticica e Clark,
apoiada no fato de que teriam antecipado um movimento necessário e
irreversível da história da arte”.19
Desse modo, alguns pesquisadores utilizam os nomes desses artis-
tas como chancela de vanguarda20, produzindo a fascinação automática.
Independente do teor das ações por eles desempenhadas, suas respectivas
presenças se tornam justificativas para dotar qualquer evento de relevância.
Sintomático é o caso do destaque construído para as exposições Vanguarda
Brasileira e Do Corpo à Terra,21 altamente dependentes e vinculadas à falsa
participação de Hélio Oiticica, que, apesar de “figurar” nos dois eventos,
não participou de nenhum.
No intuito de erigir sobre tais equívocos uma atitude distanciada,
torna-se necessária uma passagem do evento à análise das obras e/ou das
proposições artísticas. O contato e o estudo das obras artísticas estariam
em contradição à certeza do discurso da “verdade histórica”. Dessa forma, é
de extrema importância o levantamento e análise das obras produzidas ou
incorporadas fora do circuito do Rio de Janeiro e São Paulo. O objetivo, –
como delineado no início, não se resume à realização de histórias da arte
regionais, mas sim, na expansão à percepção da capacidade dos museus
modernos brasileiros de reunirem artistas importantes, contribuindo para a
reversão do atual cenário de invisibilidade e para a demarcação de uma
tradição artística.
19 NAVES, Rodrigo. O vento e o moinho: ensaios sobre arte moderna e contemporâ-
nea. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. p. 211.
20 O termo vanguarda no contexto da década de 1960 passou a designar produções
originais, experimentais e de qualidade artística.
21 As “mostras” Objeto e Participação e Do Corpo à Terra ocorrem paralelamente e
fazem parte do mesmo projeto coordenado por Frederico Morais. A primeira é realizada
na parte interna do Palácio das Artes, e Do Corpo à Terra ocupa toda a extensão do Parque
Municipal. A emergência dessas mostras refere-se a um conjunto de mudanças nas artes
plásticas da década de 1960, que dialoga com questões levantadas anteriormente por
Hélio Oiticica e Frederico Morais. O primeiro, principalmente, introduz o conceito de
“nova objetividade”, rompendo com definições artísticas tradicionais. Como é demons-
trado, Morais tem um papel importante para Minas Gerais, tendo sido um fundamental
articulador das artes plásticas em um circuito ainda incipiente. (VIVAS, 2012, p. 156).
21
Movimentando a crítica de arte, portanto, na década de 1960, se
efetiva nos SMBA de Belo Horizonte o debate entre concretos, neocon-
cretos envolvidos em uma dinâmica de racionalização ou não das formas
geométricas e os artistas informais, fazendo com que a querela a princípio
polarizada entre concretos e neoconcretos receba uma nova fisionomia e
informal.22 Uma quantidade significativa de artistas considerados infor-
mais passou a fazer parte das premiações das Bienais e, consequentemente,
atingiram um lugar de notoriedade nas artes visuais. No momento em que
a arte brasileira parecia abandonar a necessidade de representação da reali-
dade nacional e estava próxima à instauração de uma arte vanguardista, os
artistas e o circuito são “surpreendidos” com o Informalismo. O debate foi
fartamente levantado por estudos importantes.23
Nessa leva, alguns trabalhos como o da pesquisadora Maria Luiza
Tavora,24 foram, de certa maneira, norteadores de preocupações que se es-
tenderam à recepção da crítica de arte com relação a arte abstrata informal
no Brasil, entre os anos 1950 e 1960, principalmente nos estudos sobre a
artista Fayga Ostrower. A pesquisa de Távora trouxe importantes reflexões
22 O termo “arte informal” foi cunhado na Europa, buscando designar um tipo
de pintura gestual que “[...] dominou o universo da arte internacional a partir
de meados dos anos 40 até o fim dos anos 50”. Cf. HERKENHOFF, 2008, p.
19. Paulo Herkenhoff ainda completa que foi criado pelo músico de jazz, escritor e
escultor francês Michel Tapié (1909-87), embora tivesse de competir com outros termos,
inclusive “abstração lírica”, “pintura matérica” e “tachismo”. Essa proliferação de nomes
surgiu da intensa competição entre os críticos franceses do período do pós-guerra, que
tratavam de localizar e definir uma nova vanguarda (HERKENHOFF, 2008, p. 19).
23 Mário Pedrosa dedicou inúmeros trabalhos ao informalismo. Apesar das reservas do
crítico sobre essa produção, é importante o conhecimento do estudo. O Japão em cada um
de nós, exposição comemorativa do centenário da imigração japonesa. Patrocínio e reali-
zação Banco Real. Curadoria de Célia Abe Oi e Paulo Cézar Garcez Marins. São Paulo:
maio, 2008. COUTO, Maria de Fátima Morethy. Por uma vanguarda nacional: a crítica
brasileira em busca de uma identidade artística (1940-1960). Campinas: São Paulo, Edi-
tora da Unicamp, 2004.
24 Cf. TÁVORA, Maria Luisa Luz. A crítica e a gravura artística - anos 50-60: entendi-
mento da experiência informal. Arte & Ensaio (UFRJ), v. 27, p. 120-131, Rio de Janeiro
2014. TÁVORA, Maria Luisa Luz. O lirismo na gravura abstrata de Fayga Ostrower. Dis-
sertação (Mestrado) - Escola de Belas Artes/UFRJ. Rio de Janeiro, 1990. p. 326.
22
sobre questões da época, na qual uma parcela operante da crítica de arte
buscou validar a arte abstrata apenas pelo viés da geometrização das formas:
25 TÁVORA, Maria Luiza Luz. Fayga Ostrower e a gravura abstrata no Brasil. In:
Seminário Vanguarda e Modernidade nas Artes Brasileiras 2005, Campinas. Anais eletrô-
nicos... São Paulo: Unicamp, 2005. p. 2-3.
26 COCCHIARALE, Fernando; GEIGER, Anna Bella. Abstracionismo geométrico e
informal: a vanguarda brasileira nos anos cinquenta. Rio de Janeiro: Funarte, 1987. p.13.
23
Isso posto, ainda que os grupos concretistas do Rio e de São Paulo
divergissem em planos práticos e teóricos na produção artística, susten-
tavam uma contestação às obras da Abstração Informal: “[...] tanto o
Concretismo de São Paulo, quanto o do Rio, posteriormente neoconcreto,
opõem-se sistematicamente ao Abstracionismo informal”.27
Como demonstra Edith Behring, pairava uma hostilidade por parte
de textos críticos e dos artistas concretistas em relação à abstração informal,
pois, como afirma: “Eles seriam os autênticos artistas abstracionistas e nós
meros fazedores de formas decorativas”.28
Compreende-se, na produção crítica, todavia, a atuação de críticos
que buscaram legitimar a arte abstrata no terreno do Informalismo, como
Walter Zanini, que refletiu sobre a gravura de Rossini Perez, em 1961.29
Além disso, José Geraldo Vieira evidenciou a notabilidade da gravura de
Fayga Ostrower na revista Habitat: “[...] nessa arte difícil, que já não tem
nada a ver mais com o desenho inscrito em suporte e que, aos poucos,
adquiriu autonomia não só técnica e artesanal como foros de linguagem
outra que não a caligráfica”.30
Mas o que de fato ocorreu em outros circuitos fora do eixo Rio e São
Paulo? Como estudo de caso, podemos centrar nossas preocupações nos
Salões de Arte da Prefeitura de Belo Horizonte.
24
Centro e periferia: outros discursos
31 GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. São Paulo:
Companhia das Letras, 1989. p.6.
32 GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. São Paulo:
Companhia das Letras, 1989. p.6.
33 O Suplemento Literário de Minas Gerais (SLMG) existe há mais de quarenta anos e
até hoje é um dos mais respeitados periódicos do gênero no Brasil. Quando foi criado, em
1966, Minas Gerais era ainda um estado com pouca expressão em relação à divulgação de
seus escritores. A maioria deles trabalhava em São Paulo e no Rio de Janeiro, o eixo com
maior expansão cultural daquela época. Com pouca verba e material para publicação,
a maioria das tentativas de implantar uma revista ou um suplemento literário fixo não
passou da quinta edição. Foi então que o governador Israel Pinheiro decidiu criar um
25
das artes plásticas, e a análise das matérias permite perceber a atualização
da discussão.
Como exemplo, podemos citar Olívio Tavares,34 que, ainda em
1964, ao apresentar a obra de Jarbas Juarez, discute as relações entre a
premiação de Rauschenberg, na Bienal de Veneza em 1962, e a obra do
artista mineiro.
Os exemplos se avolumam, mas podemos ainda reconhecer Márcio
Sampaio, que demonstra conhecimento dos artistas de tradição japonesa
ao escrever sobre Yo Yoshitome, Manabu Mabe, Bin Kondo, Suzuki,35 re-
lacionados à abstração geométrica no estabelecimento de paralelos entre
o construtivismo, o suíço Max Bill e o mineiro Eduardo de Paula. Igual
conhecimento da discussão é verificável nas aproximações realizadas entre
arte e vida quando na apresentação de Lygia Clark36 e de sua exposição
realizada em Belo Horizonte. Sampaio, além de criticar a “[…] tentativa de
criar uma escola carioca” em uma “[…] exposição de vanguardeiros jovens
demais, fazendo happenings à base de guerra de ovos”,37 se refere ao campo
teórico ao citar Edouard Jaguer e considerar não somente a “teoria do não
objeto”38 de Ferreira Gullar bem como vários textos de Mário Pedrosa.
26
O conhecimento não se restringia apenas aos críticos. Basta analisar
a entrevista realizada com Jarbas Juarez39 no Suplemento Literário, na qual
apresenta seu trabalho mencionando obras de Antonio Dias e Lygia Clark
e apresentando Jean Dubuffet e os artistas da Pop art.
Os exemplos são importantes, pois desmitificam uma noção
comumente compartilhada de que as informações não circulavam
em cidades como Belo Horizonte e, por essa razão, os artistas esta-
riam “desatualizados” ou “atrasados” em relação ao debate artístico
internacional.
Partindo das considerações, anteriormente colocadas, o objetivo
do presente livro é analisar as pinturas e esculturas premiadas nos Salões
Municipais de Belas Artes de Belo Horizonte visando o entendimento do
debate das artes plásticas registrado na década de 1960. É necessário men-
cionar que grande parte dos críticos envolvidos na discussão em relação ao
Concretismo, Neoconcretismo e Informalismo de alguma forma participa-
ram dos salões, ora na posição de artistas, ora ocupando o corpo de jurados.
O entendimento dessa dinâmica se deve ao espaço simbólico cons-
truído pelo Salão Municipal de Belas Artes e sua capacidade de movimen-
tar o debate artístico. Nesse sentido, o livro foi dividido em três segmentos:
1) a importância dos salões de arte como espaço simbólico de en-
volvimento de artistas, de reconhecimento público, de premiações e de
constituição do acervo do Museu de Arte da Pampulha;
2) exame da crítica atuante nos jornais e repetida no próprio corpo
de jurados como formadora da legitimidade das obras (a análise das atas
de premiações dos salões e dos textos publicados “ao calor da hora” são
elementos fundamentais para o resgate do debate e dos valores que carac-
terizavam as seleções);
27
3) análise das pinturas e das esculturas premiadas e que foram incor-
poradas ao acervo do Museu de Arte da Pampulha. A escolha metodológi-
ca foi a consideração da década em sua totalidade, mas sem a divisão anual
por cada salão. As comparações serão efetuadas pela análise formal e das
proposições artísticas.
Os segmentos supracitados, por sua vez, abordam a história da arte
em Belo Horizonte na década de 1960 em cinco capítulos.
O capítulo I inicia a discussão sobre o circuito artístico mineiro
como pouco estudado; verificado pelos poucos artistas que alcançaram re-
levância nesse cenário, entre os quais se destacam Aníbal Mattos e Alberto
da Veiga Guignard. Os dois artistas foram responsáveis por tentativas de
modificação da situação através da realização de exposições e a fundação
de escolas de arte. Outra opção foi a inauguração, em 1937, do I Salão
de Belas Artes, que, ao longo das décadas, tornou-se o meio para a so-
brevivência dos artistas em Belo Horizonte. Esse capítulo ainda recupera
o surgimento dos primeiros núcleos de artistas no Rio de Janeiro e São
Paulo, as duas exposições responsáveis pela introdução do abstracionismo
no Brasil e a inserção de artistas de outros estados nos salões de arte de Belo
Horizonte, aproximando os discursos nacionais e ampliando as perspecti-
vas no que se refere a questões regionais.
O capítulo II se concentra na compreensão dos termos utilizados
para designação das modalidades e produções artísticas desenvolvidas no
Brasil no decorrer dos anos de 1940 a 1960. “Abstração”, “Informalismo”,
“Concretismo”, “Neoconcretismo”, “Tachismo” e suas generalizações que
se tornaram sinônimas de “abstração”. Também estão tratadas as atuações
dos grupos Frente e Ruptura e os diálogos conduzidos com as vertentes
internacionais, como o Concretismo de Max Bill e o Neoplasticismo. O
subtítulo desse capítulo, “O Informalismo”, encontra justificativa na pro-
porção alcançada por tal prática no território nacional a partir da década
de 1950, principalmente pela IV Bienal de São Paulo realizada em 1957.
Essa corrente foi identificada como uma forma de valorização do gesto,
da matéria e da espontaneidade. Críticos brasileiros associados à arte de
matriz geométrica viam o Informalismo como uma moda internacional
e identificaram sua expansão no Brasil como um retrocesso. Uma de suas
28
mais latentes reverberações é a atuação de artistas nipo-brasileiros, bastante
presentes no circuito artístico nacional. Exemplo é a mostra 19 Pintores
realizada em abril de 1947, em São Paulo, na Galeria Prestes Maia.
No capítulo seguinte, – de número III, investiga-se a crescente atu-
ação dos artistas abstratos e informais, tanto brasileiros como estrangeiros,
demarcada pela V Bienal de São Paulo, de 1959. Em sequência, são ana-
lisadas as premiações dos Salões Municipais de Belas Artes, nos quais se
constata a preponderância de obras abstratas, divididas para a análise atra-
vés das seguintes possibilidades: nipo-brasileiros, arte abstrata dos pintores
modernos, abstração geométrica, pintura matérica e a figuração como per-
manência. A divergência e a similitude externadas durante o percurso de
pesquisa são sintomáticas de um mesmo aspecto: a ascendência japonesa.
O capítulo IV examina as discussões associadas à categoria escultu-
ra, na década de 1960, nos Salões Municipais de Belas Artes, não detento-
ra de mesma importância quando comparada à pintura, sendo que tanto
os comentários críticos como as premiações eram inferiores em termos
quantitativos. A passagem gradual da figuração à abstração – vista como
um problema para a pintura, não o foi para essa categoria. No decorrer do
capítulo, são analisadas as esculturas premiadas pelos salões.
O capítulo V, que encerra o livro, se situa na instituição de uma
nova categoria, – o Prêmio Pesquisa, analisado de forma direcionada à
primeira artista premiada em 1967, no XXII SMBA-BH, Maria do Carmo
Secco, com o trabalho Retratos de um álbum de casamento. A premiação
dessa artista suscita inúmeras indagações acerca dos elementos capazes de
definir obras artísticas como exemplos de experimentação. Outra artista
considerada no capítulo cinco é Teresinha Soares, responsável pelo tensio-
namento da pintura como categoria, finalizando a investigação com Caixa
de fazer amor e já lidando com questões que ocupariam papel central com
a chegada das décadas subsequentes e com a transformação dos Salões
Municipais de Belas Artes em Salões Nacionais de Arte Contemporânea.
Como apontamento final, é importante registrar a construção do li-
vro através da inter-relação entre diferentes variações das fontes bibliográfi-
cas, como: críticas, jornais, livros, entrevistas, demonstrando a necessidade
de mapeamento das diversas possibilidades interpretativas e do confronto
29
de visões consensuais. Perpassando os interesses pela revisão dos salões de
arte da década de 1960 na capital mineira, é focalizada a compreensão do
acervo do Museu de Arte da Pampulha enquanto representante da história
da arte em Belo Horizonte.
30
Capítulo 1:
1 Para mais informações sobre o artista Anibal Mattos conferir os seguintes trabalhos:
VIVAS, Rodrigo; ASSIS, Márcia Georgina de. A Academia Imperial de Belas Artes no
Museu Mineiro. 19&20, Rio de Janeiro, v. VIII, p. 1, 2013. VIVAS, Rodrigo. Por uma
História da Arte em Belo Horizonte: artistas, exposições e salões de arte. 1. ed. Belo Hori-
zonte: C/Arte, 2012.
31
permitiu a projeção de sua obra para além do isolamento cultural mineiro.
Guignard mantém sua lembrança associada a um imaginário duplo que
não ultrapassa os limites da narrativa: seja pela vida miserável seja pela
fundação de uma escola de artes.
Os artistas de Belo Horizonte, visando contornar esse cenário lacu-
nar, reivindicaram a instalação de um salão de artes que premiaria os me-
lhores artistas da cidade. Em 1937, inaugurou-se o I Salão de Belas Artes
organizado pela prefeitura, em certa medida obedecendo aos pedidos dos
participantes do Salão Bar Brasil2, realizado no ano anterior. Nesse primei-
ro evento participaram os seguintes artistas: José Augusto Rocha, Indiana
Belgrano Simoni, Climone Simoni, João de Almeida Ferber, Guilhermino
Ferber, Rita Lotti, Nazareno Altavilla, Camino Provenzano, Délio Delpino,
Raul Tassini, Amélia Rubião, Renato Lima, Aníbal Mattos, Delpino Jr,
Pedro Braga, Ângelo Biggi, Amílcar Agretti, Helena Apetti, Torásio Silva,
Virgílio, entre outros. O salão contou com 139 trabalhos enviados.
Destaca-se, com relação aos eventos supracitados, a concorrência de
artistas das Exposições Gerais de Belas Artes3 como Délio Delpino, Ângelo
Biggi, o próprio Aníbal Mattos, que participara como pintor e como
jurado, e, “além dele, participaram do júri Sr. Ministro Mário Mattos,
Professor Gil de Lemos, Jeane Milde, Rafael Berti, Ângelo Biggi e Floriano
de Paula”.
A discussão anterior trazida com o Salão Bar Brasil – de reivindicação
por maiores possibilidades de espaço expositivo para obras e artistas frente à
assim pregada “hegemonia” de Aníbal Mattos – ganha contornos mais direta-
mente associados ao fazer, ou seja, o que antes figurava em um plano institucio-
nal, passa a perpassar questões artisticas. Foi na década de 1940 que o debate
entre figuração-abstração movimentou o circuito mineiro com a Exposição
2 “A exposição Salão Bar Brasil, em 1936, foi a primeira a questionar a produção artís-
tica de Aníbal Mattos. […] Aníbal Mattos realiza em setembro de 1936 a XII Exposição
da Sociedade Mineira de Bellas Artes […]” (VIVAS, 2012, p. 78-79).
3 As Exposições Gerais de Belas Artes foram organizadas por Aníbal Mattos.
32
de Arte Moderna de 1944, a qual será analisada a seguir, mas antes tratare-
mos de compreender a questão no momento de seu surgimento.
33
Duas importantes exposições demarcaram a introdução do abstra-
cionismo no Brasil, indicando, segundo o crítico Mário Pedrosa, que Paris
não mais ocupava o posto de “capital propulsora das Artes no mundo”.8
A primeira exposição, realizada em 1948, por iniciativa privada, foi a de
Alexander Calder, com apresentação dos seus hoje conhecidos móbiles. A
segunda, ocorrida em 1951, foi uma retrospectiva do construtivista suíço
Max Bill no MASP, do qual, dentre os trabalhos expostos, já se era possível
enumerar Unidade Tripartida, – Grande Prêmio de Escultura da I Bienal
de São Paulo em 1951.
Mantendo-se como um dos porta-vozes das relações construídas
entre a presença/ausência da figura na arte nacional, Di Cavalcanti pro-
fere no Museu de Arte de São Paulo a conferência que recebeu o título
“Realismo e Abstracionismo”. A conferência foi posteriormente publicada
em Fundamentos.9 O caráter político existente no debate caracterizava a
matriz realista como condição de uma arte próxima ao povo e distante
de uma burguesia diletante: dessa forma, os elos entre o meio artístico e
o comprometimento político com a realidade social se fazem na atitude
do artista em trazer para seus quadros elementos compartilhados pela cul-
tura nacional – exemplo da representação do brasileiro e da brasilidade.
Caracterizava, por fim, as tendências abstratas como “anarquismo moder-
nista” e resumia seus adeptos como “artistas que fogem ao compromisso de
34
seu tempo” ao se apegarem “a uma concepção desesperada da arte pura”,
produzindo obras que não se integram ao “desenvolvimento histórico da
sociedade”.10 Apesar de toda a campanha de Di Cavalcanti, o Museu de
Arte Moderna de São Paulo foi inaugurado em 8 de março de 1949 com
a exposição Do Figurativismo ao abstracionismo. A escolha dessa exposição
por Léon Dégand, na época diretor do MASP, estabeleceria o posiciona-
mento percebido na declaração “[…] a principal função do Museu é a de
apresentar a arte moderna ao público”,11 em que o figurativismo traça um
caminho em direção a abstração.
Portinari, na ocasião, se interessava pela produção de uma “arte mais
legível”, uma arte que o povo pudesse compreender. O objetivo era pro-
duzir a arte para o povo, e não apenas para meia dúzia de “viciados” em
folhinhas e nem para os snobs.12
A discussão passava pelo compromisso ético que o intelectual brasi-
leiro deveria ter com a sociedade, “[…] particularmente no momento em
que o país se organiza politicamente depois do Estado Novo”.13 Por outro
lado, os artistas defensores da abstração pareciam “[…] não se preocupar
com a dimensão da ‘realidade’. Lutam pela conquista de um lugar para a sua
produção na cultura visual do país”.14 Há um descompasso entre os cam-
pos de localização dos debates: enquanto os primeiros, – defensores de um
realismo social, parecem se assumir por questões de teor político e ligadas
ao sentido que as obras são capazes de realizar, os segundos se ocupam do
10 AMARAL, Aracy A. Arte para quê?: a preocupação social na arte brasileira, 1930-
1970. 3. ed. São Paulo: Studio Nobel, 2003. p. 233.
11 J. E. F. Museu de Arte Moderna de São Paulo. Fundamentos, São Paulo, (9/10):
194-7, março/abril, 1949.
12 PORTINARI, Cândido. A todos os Joaquins do Brasil. Joaquin, Curitiba, (20),
out. 1948.
13 COCCHIARALE, Fernando; GEIGER Anna Bella. Abstracionismo Geométrico e
Informal: A Vanguarda Brasileira nos Anos Cinquenta. Rio de Janeiro: Funarte, 1987.
p. 12.
14 COCCHIARALE, Fernando; GEIGER Anna Bella. Abstracionismo Geométrico e
Informal: A Vanguarda Brasileira nos Anos Cinquenta. Rio de Janeiro: Funarte, 1987.
p. 12.
35
rompimento “[…] com os princípios formais dominantes na pintura mo-
derna brasileira”.15
O ápice do debate sobre arte abstrata versus figuração ou a consoli-
dação da arte moderna ocorreu em 1944, em Belo Horizonte.
36
expressões artísticas”.18 Guignard seria um “artista de visão moderna”, mas
obedeceria, no entanto, ao rigor do desenho absoluto, justo e sincero, não
admitindo excentricidades abstratas: possuiria paleta repleta de cores vivas,
tornando-se conhecido como pintor de retratos, paisagens, flores e deco-
rações em murais a seco. De modo a promover a integração entre a visão
construída sobre o artista, veiculada pelo jornal, e a sua figura, a matéria é
feita sob o formato de uma entrevista, e a seguinte passagem é representati-
va de sua posição: “Todas as obras de arte consistem na segurança absoluta
do desenho cientificamente sentido e estudado. A arte moderna, como a
do mestre Salvador Dali na pintura surrealista, não é mais nada do que um
esforço para se integrar de novo na arte clássica do passado”.19 Para expli-
car sua argumentação, Guignard faz menção aos artistas “ultra-modernos”
Giotto e Botticelli. O autor da Nascida de Vênus é um puro “[…] exemplo
de surrealismo no ano de 1500”.20 A matéria foi encerrada com o anúncio
da exposição: “[…] em breve, também por esforço do prefeito, teremos
pela primeira vez uma exposição de arte moderna brasileira, com represen-
tantes cariocas e paulistas”.21
No mês de maio, de modo a ressaltar a relevância do evento em
meio à sociedade mineira, os jornais passaram a noticiar as “[…] figuras
importantes que abrilhantaram o evento como: Jorge Amado e senhora,
Valdemar Cavalcanti e senhora (Folha Carioca); Millor Fernandes (Revista
Brasileira); Geraldo Freitas (O Cruzeiro); Milton Dacosta; Djanira Pereira,
Carlos Poty, Ivone Bressane, Lígia de Morais, Else Marie, Silvia Amorim,
Luís Macaíba, do Instituto Brasil-Estados Unidos; Sebastião Zaque Pedro.
Foram, ainda, realizadas conferências por Santa Rosa (sobre arte moder-
na), José Lins do Rego (sobre o senso de humor dos nordestinos), Sérgio
18 Guignard exporá brevemente seus novos trabalhos realizados em Minas. Estado de
Minas, Belo Horizonte, 02 de abr. 1944, p. 3.
19 Guignard exporá brevemente seus novos trabalhos realizados em Minas. Estado de
Minas, Belo Horizonte, 02 de abr. 1944, p. 3.
20 Guignard exporá brevemente seus novos trabalhos realizados em Minas. Estado de
Minas, Belo Horizonte, 02 de abr. 1944, p. 3.
21 Guignard exporá brevemente seus novos trabalhos realizados em Minas. Estado de
Minas, Belo Horizonte, 02 de abr. 1944, p. 3.
37
Milliet (sobre os fundamentos da arte moderna), Luis Martins (sobre a
evolução da arte brasileira), Oswald de Andrade (sobre o desenvolvimento
do Modernismo no Brasil, em arte e na literatura, assinalando o seu pa-
pel e de outros companheiros través das várias fases do movimento) e Di
Cavalcanti, que veio depois da mostra encerrada e discorreu sobre o tema:
“mitos do Modernismo”.
38
‘retrato inacabado’”.23 É interessante notar que as telas de maior aceitação
e rejeição pertencem ao mesmo pintor: Portinari.
Preto (Figura 1) representa um negro no primeiro plano, posiciona-
do diagonalmente em relação à paisagem. A representação é neutra, sem
valorização dos traços de personalidade, sem heroísmo, força, marginalida-
de ou opressão. O posicionamento da figura assume um papel fundamen-
tal na produção da distância entre figura e paisagem. O direcionamento do
olhar do personagem cria uma correspondência com as linhas de ponto de
fuga construídas pelos postes que conduzem ao fundo do quadro e aden-
tram a paisagem. O mesmo acontece com as cercas, também atuantes na
estruturação do espaço.
A neutralidade observada nas expressões do negro se estende à com-
posição da paisagem, que não possui ponto específico capaz de destacar-se
com relação ao todo ou possibilidade de identificação regionalista, con-
tendo apenas os mínimos elementos característicos de qualquer panorama
brasileiro, que assume, desse modo, um apelo universal.
Somente um elemento produz relação emotiva com a tela, no caso, a
imobilidade do olhar que coincide com o efeito produzido pela paisagem.
Observa-se uma pequena igreja ao fundo, pássaros que descansam nos fios
de energia elétrica e urubus “congelados” no céu. Quando analisados em
conjunto, parecem utilizar-se do equilíbrio térmico presente na cena de
modo a manterem-se inertes, como se pudessem existir em um tempo an-
terior, sem se submeterem ao quadro.
A sensação de rigidez resultado da distribuição das figuras no espaço
da tela está indissociável das percepções das cores e da conformação do
cenário. No caso específico de Preto, a repetição das tonalidades na camisa,
na estrada, na montanha, nos postes, no telhado da casa e no céu, reforça
tal compreensão ao dotar a totalidade da cena com a mesma nota.
Por um esforço investigativo é possível imaginar a obra Preto, com
seu tom decorativo, sendo exposta ao lado de Cabeça de Galo. A facilida-
de de reconhecimento do tema e as cores harmoniosamente produzidas e
23 OLHAR MODERNISTA DE JK. Curadoria Denise Mattar. São Paulo: FAAP,
2006. p. 17.
39
distribuídas não podem, contudo, serem encontradas nesta segunda obra
do mesmo pintor. Realmente, induzem ao questionamento se de fato per-
tencem ao mesmo autor, motivando a indagação por parte não só dos
visitantes, como também dos participantes da exposição.
Quando apresentada ao público de Belo Horizonte, a obra Cabeça
de Galo (Figura 2) causou indignação. Jair Silva ironicamente afirmou que
“[…] diante daqueles que exigem o indecifrável, ou quase esfinge, eis o Sr.
Cândido Portinari com seu galo de cabeça para baixo (um galo muitíssimo
sem vergonha)”.24 Seria a posição do galo para “[…] espiar as pernadas
das galinhas boas?” Jair Silva propõe que no catálogo deveriam ter escrito:
“Olag” e “[…] diante dele os entendedores da arte moderna ficam sérios,
estudando a originalidade”.25
Cabeça de Galo, efetivamente coloca no limite a dificuldade de “deci-
fração” da figura. Ernest Fromm aconselhara aos indignados com o quadro
que percebessem que, se o título atribuído fosse “estudo em branco e ver-
melho”, não faria a menor diferença. Fromm tinha consciência de que tal
tela de Portinari deveria ser compreendida mais em seus caracteres formais
do que com sua relação com a realidade.
O estranhamento oriundo da observação do quadro Cabeça de Galo
ocorreu principalmente pela tentativa de identificação da imagem evocada
pelo título e na forma como foi apresentada. No primeiro contato visual
com a tela, o observador é direcionado até o olho do galo, facilmente re-
conhecível, diferentemente de seu entorno, no qual não se percebe rapida-
mente o fato de que a cabeça do galo está virada. Isso certamente acontece
porque, independentemente da posição da cabeça do animal, a representa-
ção do olho permaneceria a mesma. Um sentido em espiral formado pelas
cores branca, vermelha e preta conduz o olhar para o interior do quadro. O
movimento, entretanto, não se constrói de forma homogênea, tanto pela
distribuição das cores quanto pelas grossas pinceladas que se apresentam
como cortes.
24 SILVA, Jair. O Olag de Portinari. Estado de Minas, Belo Horizonte, 21/05/1944.
25 SILVA, Jair. O Olag de Portinari. Estado de Minas, Belo Horizonte, 21/05/1944.
40
O debate produzido na Semana de Arte Moderna em 1944 vai ra-
pidamente se apagando com a não concretização da escola de arte que
seria coordenada pelo artista Alberto da Veiga Guignard. Essa constatação
pode ser feita a partir da análise dos Salões Municipais de Belas Artes da
Prefeitura de Belo Horizonte. Os Salões da década de 1950 ainda estive-
ram marcados pela figuração, exemplo seria verificar que, ainda no ano de
1952, funcionavam de forma dupla e desconexa: duas premiações, dois
júris específicos e dois grupos de expositores. Todas as categorias artísticas,
pintura, escultura, desenho, gravura e arquitetura eram avaliadas segundo
a divisão na qual se encontravam, a seção de Arte Neoclássica e a de Arte
Moderna, como se uma ala fosse capaz de representar a arte do passado e a
outra de apresentar a arte do futuro. A divisão de Arte Neoclássica, como
consta nas atas dos Salões, era também tratada como a divisão Acadêmica
à qual se referiam os jornais da época e colunistas como Frederico Morais
e Sylvio de Vasconcellos.
O primeiro lampejo de ruptura com a figuração pode ser encon-
trada em Marília Giannetti Torres. A artista mineira premiada no Salão
de 1957, com a obra Construção (Composição nº 2), abandona a figura-
ção por meio da sobreposição de formas geométricas. Mas se o traba-
lho de Giannetti é ainda uma exceção, no Salão de 1960 a abstração,
o gestual e a pintura matérica transformam-se em norma. É necessá-
rio afirmar que a presença da arte abstrata não é uma especificidade de
Belo Horizonte, tendo ocorrido no Salão Paranaense de Belas Artes.
41
Artur Freitas informa que no período entre 1961 e 1963 as obras
abstracionistas tornaram-se predominantes e conquistaram os principais
prêmios do certame. Dessa forma, seria necessário estabelecer pesquisas
comparativas para que seja possível avaliar a arte abstrata e seus desdobra-
mentos nas décadas de 1950 e 1960.
42
Capítulo 2:
43
Seria necessário pontuar que o debate entre as várias vertentes do
abstracionismo não ocorre apenas no Brasil. Cabe destacar o desentendi-
mento de Torres-Garcia e Michel Seuphor, que ao organizarem a expo-
sição do Cercle et Carré pretendiam congregar os mais diversos artistas,
mas, à mesma época, “Theo Van Doesburg, Helion, Carlsund, Tutundjan
e Wantz recusam-se a endossá-la e fundam, o Concretismo, lançando uma
revista e organizando uma exposição paralela”.4
As dificuldades inerentes às considerações teóricas são perceptíveis
nas tentativas de formulação e definição dos conceitos de “abstração” e
“representação”:
Pintura concreta e não abstrata, pois que nada é mais concreto, mais
real, que uma linha, uma cor, uma superfície […]. Uma mulher, uma
árvore, uma vaca são concretos no estado natural, mas no estado de
pintura são abstratos, ilusórios, vagos, especulativos, ao passo que um
plano é um plano, uma linha é uma linha, nem mais nem menos.5
44
vocada do Concretismo, e a diferença de atitude dos dois grupos localiza-
va-se na presença de autonomia em relação aos “postulados racionalistas da
arte concreta”, autonomia tida como uma “má compreensão” dos artistas
cariocas e resultante de “uma prática equivocada” por parte dos mesmos.
Os concretistas paulistas buscaram romper com a:
45
ra Neoconcretista estava em não considerar o quadro simplesmente como
suporte. A proposta estaria na integração da dimensão do quadro com o
espaço exterior: “Assim como do ponto de vista estético a obra transcende
a sua materialidade, procura estender-se também para além de seus limi-
tes físicos, tentando incorporar o espaço real”.8 Essa integração do espaço
pictórico com o “real” faz com que se eliminem as balizas representadas
pela noção de moldura e pela presença da base na escultura que, “[…]
conforme a teoria do não-objeto, salvaguardam a diferença entre o espaço
metafórico da representação do mundo”.9
É interessante notar que, apesar das aparentes e contrastantes diver-
gências existentes entre os concretistas e neoconcretistas, ambos os grupos
discordavam da corrente “informalista”, completamente despreocupada
em definir seus pressupostos por meio de ações conjuntas e veiculadas, ou
não, em manifestos.
O Informalismo
46
características para se alcançar uma definição estilística. Para exemplificar,
cita o movimento Impressionista, que teria inicialmente homogeneizado
como “coloristas vigorosos” nomes desde Renoir, Silsey até Cézanne.12
Pedrosa, ao comentar a respeito do uso do termo tachista, afirma que
12 PEDROSA, Mário. Mundo, homem, arte em crise. São Paulo: Perspectiva, 1975.
p. 35.
13 Revista bimestral fundada em 1949, em Paris. Foi dirigida por Andrê Bloc, desem-
penhando, até 1955, importante papel na divulgação da arte abstrata. Cf. DUROZOI,
Gérard (dir.). Diccionario Akal de Arte del Siglo XX. Madrid: Editorial Akal, 1997.
14 PEDROSA, Mário. Do Informal e seus equívocos. In: PEDROSA, Mário. Mundo,
homem, arte em crise. São Paulo: Perspectiva, 1975. p. 34
15 PEDROSA, Mário. Mundo, homem, arte em crise. São Paulo: Perspectiva, 1975.
p. 35.
16 BENTO, Antônio. O triunfo da arte informal. Diário Carioca. Rio de Janeiro, 27
jul., 1958
47
tachista” teria ocorrido na IV Bienal de São Paulo, tanto pela presença de
Georges Mathieu no Brasil como pela premiação de Manabu Mabe:
17 COUTO, Maria de Fátima Morethy. Por uma vanguarda nacional: a crítica brasilei-
ra em busca de uma identidade artística (1940-1960). Campinas: São Paulo, Editora da
Unicamp, 2004. p. 144.
18 COUTO, Maria de Fátima Morethy. Por uma vanguarda nacional: a crítica brasilei-
ra em busca de uma identidade artística (1940-1960). Campinas: São Paulo, Editora da
Unicamp, 2004. , p.165.
19 COUTO, Maria de Fátima Morethy. Por uma vanguarda nacional: a crítica brasilei-
48
Outro impasse relacionado à arte informal, e também presente nas
constatações de Pedrosa, seria reconhecer a arte informal, tachista, como
apenas um dos estágios para o alcance à abstração, uma vez que seria so-
mente o momento inicial da criação artística sujeita às “virtudes do acaso,
da rapidez e da espontaneidade”, como uma projeção que não conduz as
formas à posterior estruturação e fixação da expressão. Não rompendo, por-
tanto, com os “[...] momentos vagos subjetivos de inspiração para os quais
não poderia haver critérios de julgamento precisos ou não aleatórios”.20
O problema do Tachismo, segundo Pedrosa, residia no conceito de
expressão e nas relações construídas entre a obra e o espectador. O crítico
entende que a arte não pode ser julgada por conceitos como o de “proje-
ção” e “ação”. As ideias de “criação” e “sensibilidade”, na arte informal, es-
tariam ancoradas na perspectiva de uma ação sem teoria. Pedrosa questio-
na tal pressuposto localizando o problema em pseudoteóricos e “críticos de
hoje (gênero Tapié)”. O artista Piet Mondrian e suas pinturas geométrica e
teoricamente estruturadas serviriam de exemplo:
[…] há os que pensam, […] não ter havido catarse na criação dos
retângulos de Mondrian, o místico e atormentado pesquisador da
exposição dos contrários, e para quem nessa dialética irredutível es-
tava o segredo do ritmo universal.21
49
ser constatada historicamente em todos os grandes artistas. O problema
decorre, entretanto, que essa passagem “natural” não ocorre nos artistas
informais ou tachistas. Ao considerar os dois estágios de criação artística,
os tachistas encerram o processo na projeção. Mas qual seria o problema
de se fixar na projeção? Para explicar tal aspecto, Pedrosa utiliza o conceito
de “distância psíquica” formulado pelo professor de Psicologia da Arte Ed
Bullough. O conceito se constitui como a separação entre arte e cotidiano;
a arte deve-se afastar
23 Mário Pedrosa, Às vésperas da Bienal. In: PEDROSA, Mário. Mundo, homem, arte
em crise. São Paulo: Perspectiva, 1975, p. 37.
24 COUTO, Maria de Fátima Morethy. Por uma vanguarda nacional: a crítica brasi-
leira em busca de uma identidade artística (1940-1960). Campinas, São Paulo: Editora
da Unicamp, 2004.
25 COUTO, Maria de Fátima Morethy. Por uma vanguarda nacional: a crítica brasi-
50
Visando defender uma “vanguarda nacional”, tornou-se necessá-
rio colocar expressões artísticas completamente diversas aproximando
um Iberê Camargo de um Manabu Mabe e de um Flávio Shiró como se
fossem um “bloco homogêneo”. Os Salões de Arte da Prefeitura de Belo
Horizonte contaram com um número expressivo de pintores abstratos. A
grande maioria deles pertencentes à tradição nipo-brasileira que foi re-
conhecida como informal. Apesar da relevância, poucos pesquisadores se
interessaram pelo estudo dessa tradição. Destaca-se, entretanto, o trabalho
de Maria Cecília França Lourenço, Vida e arte dos japoneses no Brasil, pro-
duzido em 1988. Paulo Roberto Arruda Menezes também colaborou com
a análise através do trabalho Grupo Seibi: o nascimento da pintura nipo-bra-
sileira do ano de 1995.
Parte significativa da produção nipo-brasileira se deveu aos esforços
de artistas que além de participarem dos Salões de Arte de São Paulo e Rio
de Janeiro também foram agraciados na Bienal de São Paulo, fatos que,
associados, produziram visibilidade ao movimento. Na década de 1930
notam-se os exemplos iniciais de artistas que poderiam ser considerados
como da primeira geração, caso de Massao Okinaka e Haiime Higaki.
Parte dos artistas de tradição japonesa se uniu no Grupo Seibi-Kai, que fez
sua primeira reunião em 30 de março de 1935 e que possui a ata lavrada
por Tomoo Handa, como informa a pesquisadora Lourenço.26
Os artistas nipo-brasileiros ocupavam um espaço distinto tanto da
produção denominada à época de “acadêmicos” como dos artistas “moder-
nos”. Assim, talvez se justifique a aproximação com o grupo Santa Helena,
que também estava à margem dos discursos oficiais. O termo “fora do
comum” foi cunhado por Hajime Higaki como definição
leira em busca de uma identidade artística (1940-1960). Campinas, São Paulo: Editora
da Unicamp, 2004.
26 LOURENÇO, Maria Cecília França Lourenço. Vida e arte dos Japoneses no Brasil.
São Paulo: Masp/Banco América do Sul, 1988. p. 48
51
estando bastante distantes das mesmas também sob o ponto de vista
de identificação.27
27 LOURENÇO, Maria Cecília França Lourenço. Vida e arte dos Japoneses no Brasil.
São Paulo: Masp/Banco América do Sul, 1988. p. 48
28 O JAPÃO EM CADA UM DE NÓS. Exposição comemorativa do centenário da
imigração japonesa. Patrocínio e realização Banco Real. Curadoria: Célia Abe Oi e Paulo
Cézar Garcez Marins. São Paulo: maio, 2008. p. 55.
29 LOURENÇO, Maria Cecília França Lourenço. Vida e arte dos Japoneses no Brasil.
São Paulo: Masp/Banco América do Sul, 1988. p. 52.
30 LOURENÇO, Maria Cecília França Lourenço. Vida e arte dos Japoneses no Brasil.
São Paulo: Masp/Banco América do Sul, 1988. p. 52.
52
Flávio Shiró também premiado no Salão de Arte de Belo Horizonte. Sérgio
Milliet dedicou uma série de críticas no jornal O Estado de São Paulo, em
que incluiu Jorge Mori e Flávio Shiró. Milliet menciona que Shiró possuía
um “[...] indiscutível temperamento e competência na fatura”,31 sua sen-
sibilidade seria garantia para o futuro de sua carreira, em que deveria ser
capaz de trabalhar a utilização das cores, ainda “monótona”, e a luminosi-
dade tida como “insatisfatória”.32
As exposições anteriores não produziram a visibilidade oferecida pe-
las bienais e logo no primeiro ano de realização do evento é possível consta-
tar-se a participação de dez artistas relacionados à tradição nipo-brasileira.
São eles: Handa, Okinaka, Hajime, Takaoka, Suzuki, Shigeto, Kaminagai,
Flávio-Shiró, Fukushima e Mori. Na segunda bienal, houve a participação
de Kaminagai e Shigueto e do jovem artista Manabu Mabe.
31 LOURENÇO, Maria Cecília França Lourenço. Vida e arte dos Japoneses no Brasil.
São Paulo: Masp/Banco América do Sul, 1988. p. 52.
32 LOURENÇO, Maria Cecília França Lourenço. Vida e arte dos Japoneses no Brasil.
São Paulo: Masp/Banco América do Sul, 1988. p. 52.
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