Ac. 90863
INDUSTRIA
JOSÉ
GRÁFICA E ANTÔNIC
EDITORA DO
OESTE PAULISTA TOBIAS
"A EDUCAÇÃO É A ATUALIZAÇÃO
DAS BOAS POTENCIALIDADES DA PESSOA
ENQUANTO PESSOA”.
GRAFOESTE
INDÚSTRIA GRÁFICA E EDITORA DO OESTE PAULISTA da
a s s o c ia ç ã o
PRUDENTINA DE
EDUCAÇÃO E CULTUR A-APEC
Presidente Prudente, SP
1985
© 1967
2?edição revista e ampliada - 1983
3? edição revista e ampliada - 1985
Coordenação Editorial
- Rubens dos Santos
Revisão de Texto
- llélia Sônia Raphael
UDESC - BC
B iblioteca U niversitária
Data:_______/______ L
Acervo:_____
Ex.:__â i ^ - i S l X ô S
C.P.D.: QQo t â £ S J l 3
Patrimônio:
Bibliografia
1. Educação - Filosofia 2. Educação - Raízes I.
Título.
7
II.C - CONCEITUAÇÕES DE FILOSOFIA DA
EDUCAÇÃO
C.l - Dança das VariaçOes.............................. 54
C.2 - Filosofia da Educação Totalitarista . . 57
C.3 - Filosofia da Educação Naturalista . . . 59
C.4 - Filosofia da Educação Marxista........... 63
C.5 - Filosofia da Educação Perene............. 65
8
V.B - EDUCADOR
B. 1 - Papel do Educador................................ 115
Bibliografia.............................................. 118
9
PREFÁCIO
11
como meio de armar a juventude e o leitor do instrumental necessá
rio para conscientizá-los a não se deixarem reduzir-seà condição de sim
ples instrumento de intenções e de finalidades muita vez inconfessá
veis de terceiros.
O FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO, em sua 34 edição, tem a honra
de marcar o inicio da Editora da Associação Prudentina de Educação
e Cultura (APEC), isto é, da Editora da futura Universidade do Oeste
Paulista, cuja carta consulta já se encontra oficialmente aprovada pelo
Colendo Conselho Federal de Educação desde a reunião do dia 05 de
dezembro de 1984.
O autor, que se sente honrado pelo privilégio concedido a seu FI
LOSOFIA DA EDUCAÇÃO pelo Prof. Agripino de Oliveira Lima Fi
lho e Dr. Altamiro Belo Galindo, respectivamente Diretor Geral e Di
retor Administrativo da APEC, envidará todos os esforços para, se
guindo-lhes a orientação, poder participar dos que lutam por fazer da
futura UNOESTE (Universidade do Oeste Paulista) não só uma edito
ra séria mas também e principalmente um centro de pós-graduação e
de pesquisa, motivo de orgulho para Presidente Prudente e para o
Oeste do Estado de São Paulo.
Não acreditamos em progresso sem critica. Por isso, mais uma
vez, nossos agradecimentos antecipados a todo leitor que houver por
bem escrever-nos comunicando qualquer sugestão ou reflexão, através
da Caixa Postal, 73 - Marília - SP, CEP 17.500.
J. A. T.
12
Parte I
13
A noção de Estado e a conceituação de moralidades e de socie
dade levantam-se como outros elementos fundamentais que a educa
ção tem de ir solicitar à Filosofia, casa onde eles residem. A Filosofia
é portanto necessária à educação e à Filosofia da Educação.
A educação portanto e a Filosofia da Educação não podem pro
cessar-se sem a fundamentação dos princípios vindos da Filosofia. É
na batalha das idéias e das filosofias que se decidem os mais profundos
assuntos educacionais.
Conclusão geral:não é possível Filosofia da Educação sem a fun
damentação de certos princípios fornecidos pela Filosofia.
PRÁTICA:
/ - Reflexão sobre educação funda uma ciência? Se sim, qual?
2 - O conceito de homem é importante para a educação? Por quê?
3 - O conceito de Estado, que é fornecido pela Filosofia, é importante para a
Educação? Por quê?
4 - Invente você outro conceito derivado da Filosofia e necessário para a educação.
5 - Segundo você, qual é o conceito de Filosofia que até hoje mais influenciou
no seu conceito de educação?
14
coisas e de todas as ciências. Ora, por mais que se pense, essas coisas
mais profundas, primeiro, ou são a finalidade, pois esta sempre é aqui
lo em vista do qual se faz a coisa; por exemplo, se o sapato é sapato é
porque foi feito para a finalidade de calçar os pés. Em segundo lugar,
ou o que é a coisa, quer dizer, sua essência, constituída de um lado pe
lo elemento material, chamado matéria, por exemplo o couro no caso
do sapato e, de outro lado, pelo elemento imaterial, chamado forma,
como a forma de sapato para o homem adulto. Ou, em terceiro lugar.
quem fez a coisa; a origem explica muito do ser, por exemplo se al
guém disser que Deus é o ente que não foi criado, terá distinguido
Deus, das criaturas por meio da noção de origem. Quatro são pois as
coisas mais profundas procuradas, não só pelos filósofos mas também
pelo homem da rua, pelo adolescente, pela criança, enfim por todo
mundo, ainda que de maneiras diferentes: a finalidade, o elemento ma
terial, o elemento imaterial e a origem das coisas.
Em lugar daquilo em vista do qual se faz a coisa, a linguagem de
escola diz causa final, porque realmente a finalidade também causa o
ser; o sapato por exemplo, só existe porque o sapateiro tinha a finali
dade de fazer algo para calçar os pés. Em vez de elemento material e
de elemento imaterial, os antigos falavam de causa material e causa
formal porque realmente elas causam a seu modo; por exemplo, o ele
mento material do sapato é causa, do contrário não haveria couro no
sapato e nem nada. O elemento imaterial do sapato é a causa imaterial,
a forma do sapato, é a causa formal, pois ela é tanto mais imaterial
quanto se encontra em todos os sapatos, uma vez que todos e cada um
são sapato; claro que, no presente sapato já feito, é causa formal mate
rializada. Em vez de causa que faz, os antigos falavam de causa eficien
te; também ela é causa, porque é o sapateiro quem faz o sapato.
Como essas quatro causas estão em todas as coisas e são as mais
profundas, os filósofos as chamam de causas supremas, de causas pri
meiras ou de causas últimas. Assim, pode-se definir: a Filosofia é a
ciência das causas supremas dos entes.
Com esta definição de Filosofia encontram-se em geral de acor
do os filósofos e educadores. Aristóteles, com outros termos, afirma
o mesmo: a Filosofia é a ciência do ente enquanto ente (1). John De-
wey escreve: “Como poderíamos então esperar, a Filosofia foi geral
mente definida de modo a implicar certa totalidade, generalidade e úl
tima causalidade da matéria e do método” (2). Segundo Farias Brito,
a Filosofia “é a ciência do ser enquanto ser, a indagação das primei-
15
ras causas e dos primeiros princípios” (3), ou citando o livro inédi-
to do pensador brasileiro: “A Filosofia, de fato, foi por nós definida
desde o início dos nossos trabalhos, como o instinto mesmo do conhe
cimento, como a curiosidade natural que nos leva a investigar a natu
reza das coisas” (4). Para o marxista, escreve Georges Politzer: “Para
definir a Filosofia, diremos que ela pretende explicar o universo, a natu
reza, que a Filosofia consiste no estudo dos problemas mais gerais, sen
do os problemas menos gerais estudados pelas ciéncias”(5).Segundo Jac-
ques Maritain, “a Filosofia é o conhecimento científico que pela luz na
tural da razão considera as causas primeiras ou as razões mais elevadas de
todas as coisas”(6). “Hoje, como nas suas origens”, escreve Anísio Tei
xeira, “é a Filosofia uma tentativa de éompreender os aspectos da vida
e do mundo em um todo único, para dar sobre a experiência humanaem
sua totalidade, uma visão tão completa e coerente quanto possível” (7).
Se na vida o homem tem direito de discordar da idéia de outro,
com maior razão deverá este princípio encontrar-se no campo da Filo
sofia, o domínio por excelência das idéias. Tendo o direito de pensar
como sua consciência lhe diz, o filósofo, ou antes, a Filosofia torna-se
a crítica dos povos, o aperfeiçoamento das instituições e um dos mais
importantes fundamentos da Filosofia da Educação. Isso porém, só é
possível admitindo-se a liberdade de pensar e conseqüentemente a de
errar, isto é, a liberdade de muitas filosofias: é o direito à liberdade de
pensamento, fundamento primeiro da democracia e da educação.
PRÁTICA:
1 - O que é causa eficiente?
2 - Por que é que, ao se referir às quatro causas da Filosofia, os termos de causas
primeiras e de causas últimas são sinônimos?
3 - A definição de Filosofia de todos os autores aqui citados estão de acordo em
tomá-la como "a ciência das coisas mais profundas de tu d o ”?
4 - Por que o conceito de Filosofia é importante como fundamento da Filosofia
da Educação?
5 - Deve existir uma só ou mais de uma filosofia? Por quê?
(3) A Base Física do Espírito. Rio de Janeiro, Francisco Alves, 1912. p. 37.
(4) BRITO, Raimundo de Farias. Perennis Philosophia. In:------ .Ensaio sobre
o Conhecimento. Revista do Livro, n° 25, ano VI, mar. 1964.
(5) Curso de Filosofia. 3.ed. Rio de Janeiro, s. d. p. 17.
(6) Introdução Geral à Filosofia. 4. ed. Rio de Janeiro, Agir, 1956. p. 63.
(7) Educação Progressiva, uma Introdução à Filosofia da Educação. São Paulo,
Nacional, 1954. p. 172.
16
c operários. De pouco pois servirá um Curso de Introdução à Filosofia
ou de Fundamentos Filosóficos da Educação, se não estiver construí
do sobre uma análise do conceito de ideologia, que antes de ser expos
to deve ser comparado tanto com o conceito de filosofia popular e in
conscientemente adquirido quanto com o conceito de Filosofia cienti-
licamente aprendido por meio dos livros e das salas de aula.
Originada propositadamente de um grupo, a ideologia tem finali
dade prática, especialmente finalidades políticas e político-sociais en
quanto a filosofia popular, pelo contrário, apreendida no decorrer da
vida, não tem finalidade dirigida por terceiros, nascendo e desenvol
vendo-se naturalmente como necessidade e fruto da existência huma
na. Além disso, a ideologia, executora de intenções de terceiros, e' fabri
cação humana, é artificial, afasta a ciência, a reflexão, a crítica, a to
mada de consciência e a Filosofia, tendendo a desaparecer no momen
to em que se tiver consciência dela como ideologia. Por ser simples
mente imposição da vontade de terceiros para a vontade de outra pes
soa, a ideologia requer muito pouco tempo para ser comunicada e re
cebida enquanto a filosofia popular requer muito tempo e grande par
te da vida da pessoa para ser conseguida. Por causa de suas finalida
des, a ideologia nega a pesquisa, a reflexão e a vida especulativa, sendo
fruto da vontade e do voluntarismo enquanto a filosofia popular, pelo
contrário, está aberta para a pesquisa, para a reflexão, para a Filosofia
científica e para as ciências, apresentando-se como fruto natural da in
teligência humana ainda que de modo inconsciente e popular. Além
disso, a ideologia marxista, que é a dominante no Brasil, nega a liber
dade. o espiritual. Deus e todas as religiões.
A Filosofia científica, resultado de esforços individuais e da vi
da dos pensadores, tem finalidade especulativa que é a pesquisa do ser,
respeita a liberdade individual de cada um, tende a formar gente e não
massa, é permanente e desinteressada procura da verdade, fundando
como conseqüência disso a História da Filosofia enquanto a ideologia,
pelo contrário, resultante de grupo anônimo, não respeita a liberdade
individual, tem finalidade prática e interesseira quando não contrária
ao bem da pessoa a quem é dirigida, usa e abusa de pressão para atingir
suas finalidades, tende a formar massa e não gente, nada tem de procu
ra da verdade e nem de ciência, constituindo-se em permanente desejo
de controle do comportamento e da vida de outras pessoas, não po
dendo por isso oferecer uma história de nomes próprios como na His
tória da Filosofia. Comunicada geralmente por professores através de
livros e de cursos ministrados em salas de aula, a Filosofia cientifica
fundamenta-se na reflexão e na crítica, afastando em decorrência disso
a intromissão direta da vontade, enobrecendo os que a cultivam, sendo
considerada ciência e elemento fundamental de cultura e de civilização
17
pelas religiões, inclusive pelo cristianismo; a ideologia, pelo contrário,
além de não necessitar de professor, podendo ser comunicada até por
um analfabeto, não precisa de livros e nem de salas de aula, não po
dendo e nem devendo ser transmitida em escolas a não ser clandestina
mente, porque a reflexão e a crítica matam a ideologia que só se fun
damenta em interesses de terceiros,sendo por isso considerada coisa es
púria e prejudicial pelas religiões, inclusive por pensadores cristãos
que mais de uma vez a comparam“à sofística do mundo moderno”(8),
ou“à mistificação da verdade”(9), ou“à pseudofilosofia”(10), ou“à fi
losofia em forma negativa”(l 1 )•
Concluindo do que até aqui foi exposto assim como dos estudos
dos pensadores (12), pode-se dizer que a ideologia, termo criado por
Destutt de Tracy (1754-1836)e conceito desenvolvido particularmen
te por autores marxistas desde o século XIX, é um conjunto de idéias
e de crenças, empregado por um grupo com a finalidade de persuadir
e de controlar de m odo inconsciente o comportamento e a vida de pes
soas tidas como simples.
Os elementos constitutivos da ideologia são; 1) um conjunto (de
idéias e crenças) porque ela constitui um agregado voluntarista e não
um sistema cientificamente ordenado de verdades; 2) (um conjunto)
de idéias e crenças porque ela se forma não de verdades e raciocínios
conseguidos pela reflexão e pela crítica mas sim de idéias e crenças in
conscientemente aceitas e vividas; 3) empregado por um grupo ou
mesmo por uma só pessoa mas não por uma escola, por uma religião
ou por um sistema filosófico; 4) com a finalidade de persuadir e de
controlar o comportamento e a vida de pessoas, o que representa e sin
tetiza a ideologia, uma vez que as coisas práticas são a sua finalidade.
5) é comunicada de modo inconsciente, porque o alimento da ideolo
gia é a inconsciência em que nasce e se desenvolve; 6) para ser comuni
cada e usada, a ideologia necessita de pessoas tidas como simples que
não se servem da reflexão e nem da crítica e que não tenham consciên-
18
cia do que estão recebendo para serem melhor usadas, justificando
aliás a frase de que a ideologia é a filosofia daqueles que não consegui
ram tê-la.
PRÁTICA:
/ - Comparar, mostrando as diferenças entre Filosofia científica e ideologia.
2 - Você estaria de acordo se alguém dissesse que a diferença fundamental entre
Filosofia científica e ideologia, está em que uma usa espírito crítico e a outra
não?
.1 ■O que você achou da definição de ideologia, exposta aqui neste livro?
4 - Quantos e quais são os elementos constitutivos da ideologia?
.5. Uma filosofia (ou Filosofia) pode ser transformada em ideologia? Como?
19
1.5 - CONCEITUAÇÃO DA CRfTICA
20
logia e da Teodicéia. Contudo, pessoas existem, de tal modo impres
sionadas com a Critica, que acabam em autêntica obsessão; não que
seja possível estudar demais a Crítica, mas sim porque elas supõem
exageradarmmte ser ela a Metafísica, a Filosofia. Ora, a Crítica é intro
dução à Metafísica mas não é a Metafísica, nem mesmo é a parte cen
tral da Metafísica, constituída pela Ontologia e pela Teodicéia. Estu
dar a Crítica e dela fazer a Metafísica é como a pessoa que constrói
sua casa e vai morar ao relento.
Portanto, a Crítica, também chamada de Criteriolugia, Episte-
mologia ou Gnoseologia, é a ciência do valor do conhecimento huma
no. Por outras palavras, a Critica é a parte da Metafísica que investiga
se o conhecimento Intmano é verdadeiro e objetivo.
PR ÁTICA
/ A certeza que o camponês tem de sua própria existência tem valor? Por quê?
2 A definição da verdade como "a adequação da inteligência com a coisa co
nhecida". você a entendeu? Mostre-o através de um exemplo seu.
I Em que consiste o materialismo?
■I Por que a Crítica é considerada uma introdução à Filosofia?
S Os adeptos de qualquer ideologia são a favor ou contra a Crítica? Por quê ''
21
no mesmo rumo, não há possibilidade de se falar de educação, já que
esta, para existir, supõe a possibilidade de desabrochamento em vários
rumos bons e maus, sendo a educação justamente o processo para se
tomar o educando apto a se dirigir sempre para o rumo que lhe é me
lhor.
Mas, dizem alguns: “O animal tem inteligência, uma vez que,
educado, sabe jogar bola, guardar casa, salvar pessoas, usar bastão para
pegar banana, etc. Isto seria educação, pois não está marcado pelo ins
tinto; é o animal que se autodetermina".
O animal, ensinam H. Delacroix, Paul Guillaume e W. Kohler, o
que possui nesses e em casos semelhantes, é a propriedade de adaptar-
se a situações novas, não contidas explicitamente dentro do instinto;
na realidade trata-se pois, não de faculdade nova com oé a inteligência
no homem, mas tão somente de adaptação do instinto; o macaco, diz
Kohler, ao subir na caixa e se servir do bastão para apanhar a banana
presa ao teto, serviu-se do instinto da fome e dos sentidos da visão, da
memória e da imaginação para. dentro de uma situação concreta e ma
terial, apanhar a banana. Notam os cientistas que todos estes atos “in
teligentes” de certos animais, só se realizam quando dentro do campo
visual; quer dizer, se o macaco se serviu do bastão para apanhar bana
na, é porque as caixas, o bastão, a banana e os movimentos necessários
eram todos visíveis ao mesmo tempo pelo seu olhar. Pode-sc, pois, fa
lar de inteligência em animais, contanto que se entenda ser ela a capa
cidade que têm estes de se adaptar a situações novas, implicitamente
contidas dentro do instinto; não é faculdade nova.e muito menos não
é faculdade para conhecer a essência, isto é. a idéia das coisas, uma vez
que a inteligência animal se encontra presa a imagens e a situações
concretas.
Se se aproveitar desta propriedade da psicologia do animal de
adquirir o hábito de se adaptar a situações novas contidas dentro de
seus instintos de conhecimento e de afetividade, obtém-se o que se
convencionou de chamar de adestramento. A educação, encontrada no
adestramento,é pois instintiva, pressupõe os sentidos só e não inteli
gência; como só há liberdade onde existe inteligência para escolher en
tre vários rumos e, por outro lado, como o animal sempre está preso
ao instinto, conclui-se que o adestramento se realiza dentro do mundo
animal que, a mais das plantas, possui locomoção e certa escolha ins
tintiva, transformada em hábito por meio de exercícios e da memória.
O homem possui inteligência em sentido estrito. É pois, necessá
rio a distinção entre inteligência de animal e inteligência de homem: é
diferença de espécie e não só de grau. A este respeito instrutivas são
as experiências de Kellog que, dos sete aos dezesseis meses de idade,
criou juntamente seu próprio filho e uma macaquinha aproximada-
mente da mesma idade, livre como o menino, vivendo na moradia do
mesmo homem, comendo a mesma mesa, habituada a usar uma cadei-
■i lin 'da que devia pedir de vez em quando e oportunamente, iniciada
na compreensão elementar de algumas palavras; enfim, o macaco rece
beu a mesma educação que o menino. Resultado: o macaco jamais fa
lou, a criança falou; o macaco jamais teve idéias, a criança teve idéias;
o macaco jamais teve inteligência e livre-arbítrio, a criança teve inte
ligência, livre-arbítrio e ciência; conseqüência, mesmo recebendo a
mesma “educação”, o macaco jamais se educou, pois toda a educação
tem que ser conjuntamente uma auto-educação, coisa de que o animal
é incapaz, por lhe faltar por dentro de si mesmo esta possibilidade,
que existe e se realiza natural e normalmente em toda e qualquer
criança. O homem, portanto, é o ser que recebe educação; é o único
ente que pode e recebe educação. Pode-se, pois, em termos pedagógi
cos, perfeitamente definir o homem como o animal que recebe educa
rão.
O conceito realista de homem deve por conseguinte incluir a vi
da vegetativa, própria dos vegetais, com suas funções, por exemplo a
respiração, a digestão, a absorção dos alimentos, o nascimento, o viver
e a morte; deve também incluir a vida própria dos animais, como o
movimento, o cultivo dos sentidos externos e internos, a afetividade e
o sistema nervoso; deve, além disso, abranger o que nem a vida vegeta
tiva e nem a vida animal oferecem, como a inteligência, a vontade, o li
vre arbítrio, as idéias e a educação. O homem é pois vegetal, animal
e racional, tudo isso ao mesmo tempo e substancialmente unido, for
mando um só todo. O sistema nervoso, no homem, estudado pela Me
dicina Psicossomática, mostra um pouco a maravilha que é o todo hu
mano, com a contínua influência do animal e do vegetal sobre o racio
nal e vice-versa; por exemplo, a hipnose fazendo extrair dentes sem
dor. o parto sem dor, o fenômeno da onda nervosa, ossos unidos ou
pêlos crescidos de repente por causa de emoções.
Pessoas existem que, admiradas por algum desses aspectos do
homem, bloqueiam-se e, ou por causa de uma especialização bitolado-
ra, ou por causa de sua filosofia, ou por outros motivos, ficam obceca
das e conceituam e educam o homem à base exclusiva de um ou de al
guns desses aspectos. Assim, em nome de sua psicologia, o behavioris-
ta, também chamado comportamentista, só vê a parte animal do ho
mem; concebe-o à base da fórmula matematizada S = R, onde “S =
estim ulo”, letra derivada da palavra latina “stimulus” e “ R = reação” .
Segundo essa fórmula, o homem é reduzido a reações, conhecidas pelos
estímulos; quer dizer, se apresento ao militar, dinheiro (S) para com
prar seu amor à pátria, sua reação deverá ser deixar-se comprar. Se as
sim acontecer para um. mas não para outro, então a fórmula S = R fa-
23
lha; de fato, como saber, antecipadamente, por meio da fatalidade de
uma fórmula físico-matemática a resposta de todos os homens em as
suntos onde entra a liberdade humana? Isso não será possível mesmo
em um só caso, porque o homem, além do elemento vegetativo e ani
mal, até certo ponto perfeitamente previsíveis por fórmulas matemáti
cas ou matematizadas, possui algo que é seu maior título de glória, a
liberdade, imprevisível por fórmulas matemáticas ou matematizadas.
As lições da História, o afinco com que se ataca ou se defende a
idéia de Deus e o instinto religioso são argumentos que mostram ter o
homem necessidade de Deus, tanto na vida quanto na educação.
Concluindo, existem várias conceituações de homem: 1) o con
ceito vegetal que o tem como o ser que, a maneira do vegetal, nasce,
vive, respira, alimenta-se, reproduz-se e morre;2) o conceito animal que
o define como o ser que, às qualidades do vegetal, acrescenta o conhe
cimento dos sentidos e a parte afetiva dos animais; 3) o conceito hu
mano, que baseando-se nas vidas vegetativa, animal e racional, subdivi
de-se em: a) conceito humano-cientifico, se acreditar na possibilidade
da ciência positiva responder a todas as perguntas e necessidades huma
nas; b) conceito humano-filosófico, como o conceito materialista e o
idealista, fundamentados exclusivamente em determinada filosofia; c)
conceito humano-filosófico-religioso, como o budista, o protestante e
0 católico, quando além da filosofia,também postula uma religião! 13).
Uma vez que a conceituação realista de homen inclui os elemen
tos vegetal,animal.racional e religioso,sua melhor definição deverá ser a
de Aristóteles que o define como “o animal racional”.lembrando porém
que,em concreto,como só se entende o homem com o elemento religioso
sua definição serd:”o homem é o animal racional criado por e para Deus.
PRÁTICA:
1 - Posso dizer de uma pessoa que ela fo i adestrada? Por quê?
2 - Como é que se distingue entre inteligência humana e inteligência animal?
3 - Em que consiste o conceito animal de homem?
4 - Dos diversos conceitos de homem, qualé o seu?
5 - Se a pessoa tiver ideologia, poderá admitir critica ou diálogo a respeito de
seu conceito de homem? Por quê?
(13) Afirmamos isto porque a educação lida com o homem histórico e existen
cial, o que necessariamente vai levar ao problema religioso, uma vez que em
concreto, todos e cada um dos homens têm posição tomada a respeito de
Deus e a grande maioria foi e é pela admissão de sua existência.
24
ção, é ato moral, já que o homem primeiro age para depois se educar.
Tanto assim que a arte pedagógica é considerada arte moral. De todas
as partes da Filosofia nenhuma lança raízes tão extensa e tão intensa
mente na Filosofia da Educação e na Pedagogia quanto a Filosofia Mo
ral. Por isso, das partes da Filosofia, pele menos da Moral faz-se neces
sário uma noção em toda Introdução à Filosofia da Educação.
A Filosofia Moral, ou simplesmente a Moral, é ciência, porque
forma um conjunto de verdades coordenadas, criticamente induzidas
da experiência e do bom senso, ou deduzidas de princípios da filosofia
especulativa; dessas verdades suas pode partir a Moral para retirar ou
tros princípios e conclusões.
Além disso, a Moral é ciência filosófica, baseada por conseguinte
em argumentos de razão, não em argumentos de fé como acontece na
Teologia Moral e na Moral Religiosa. Ainda por ser filosófica, a Moral
estuda os atos humanos em suas causas mais profundas, especialmente
em sua causa final última.
A Filosofia Moral, ciência prática e portanto posterior às ciên
cias especulativas, pressupõe a noção de pessoa, de homem, de causas,
de fim, de substância e postula os fundamentos psicológicos do ato
humano; enfim, precisa de muitos dos princípios fornecidos pela filo
sofia especulativa; o que esta for. aquela haverá de ser. Se a filosofia
especulativa mostrar o homem como uma idéia platônica, ou como
animal racional, ou como animal irracional, a Moral necessariamente
haverá de ser Moral para homem platônico, ou para homem real, ou
para animal.
A Moral é ciência filosófica da ordem nos atos humanos. A or
dem é a conveniente disposição dos meios para o fim. Ora, a ordem esta
belecida pela Moral nos atos humanos é para o fim último do homem;
é por conseguinte ordem filosófica, pois ao filósofo cabe estudar as
causas últimas, como é na Moral a causa final do homem.
Como nenhuma parte da Filosofia, a não ser a Filosofia Moral,
trata dos atos humanos para ordená-los ao fim último, distingue-se a
Moral tanto das ciências positivas quanto das partes da Filosofia; é,
portanto ciência autônoma.
0 objeto material, isto é, a matéria, da Filosofia Moral é desta
maneira constituído pelos atos humanos, enquanto o objeto formal,
isto é, o ponto de vista, pela ordem nos mesmos atos humanos. Por
isso, a Filosofia Moral é a ciência filosófica da ordem nos atos huma
nos para o fim último do homem.
25
PRÁTICA:
1 - O que é ato humano?
2 - As batidas de seu coração são ato humano? Por quê?
3 - Qual é a matéria de que trata a Moral?
4 - Qual é o ponto de vista da Filosofia Moral ao estudar os atos humanos?
26
objetiva e, em última análise, com a própria essência de Deus de que
a razão humana é participação limitada e imperfeita! 15);2) outra, a
moralidade subjetiva, também chamada formal, baseada na conformi
dade do ato humano com a consciência individual da pessoa que age.
Como o ato humano, para ser humano, tem que proceder do conheci
mento da inteligência e do consentimento da vontade, conclui-se que
a parte principal do ato humano é a subjetiva e por conseguinte a mo
ralidade subjetiva, por isso mesmo chamada moralidade formal.
Atos humanos como fazer justiça, matar, trabalhar, roubar, são
bons ou maus, antes de mais nada porque seu objeto, isto é, o que eles
realizam, em si mesmo, é bom ou mau. A moralidade objetiva do ato
humano por isso depende em primeiro lugar de seu objeto.
A cor, o tamanho, as virtudes, os vícios, a alegria e as outras
qualidades completam a substância. No domínio da moralidade, papel
análogo desempenham as circunstâncias, que completam o ato huma
no, já especificado anteriormente pelo seu objeto. Circunstâncias são:
quem fez a ação, onde, por quais auxílios, por que, como, quando,
etc. Entre as circunstâncias,uma existe que se projeta de modo espe
cial: o fim, porque o ato humano, para ser humano, tem que ser vo
luntário e para ser voluntário tem necessariamente que ser para um
fim. Em concreto, não há ato humano gratuito, isto é, sem finalidade.
Conclusão: a moralidade objetiva do ato humano depende ao
mesmo tempo do objeto, das circunstâncias e do fim. Se faltar qual
quer um desses três elementos: objeto, circunstâncias e fim, o ato não
será moral Julga-se, pois, da moralidade objetiva de uma ação confor
me seus três elementos estão ou não de acordo com a razão dos ho
mens em geral e, em última análise, com a própria essência divina de
que a razão humana é participação.
A moralidade subjetiva é a própria consciência moral, enquanto
baseada nos primeiros princípios da lei natural (sindérese) e nos seus
conhecimentos morais, produz um juízo sobre a ação, isto é, sobre a
moralidade objetiva, dizendo se a pessoa pode ou não fazer o ato hu
mano.
A consciência moral pode ser verdadeira ou errônea, conforme
pionuncie seu juízo em acordo ou desacordo com a razão dos homens
cm geral, isto é, em acordo ou desacordo com a moralidade objetiva;
pode ser ainda certa ou duvidosa, conforme julgue com prudência e
sem receio de errar, ou então, julgue mas baseando seu juízo em moti
vos mais ou menos prováveis, incertos ou fúteis. A boa consciência
moral é verdadeira e certa.
(15) Conferir nosso Iniciação à Filosofia. 6. ed. São Paulo, Editora do Brasil,
1974. p. 186-7.
27
Se é certa mas errônea, é preciso e basta que o agente (uma vez
que esteja invencivelmente convencido de ser verdadeiro seu estado) se
encontre convicto de que lhe e' permitido agir como faz. De fato, após
ter feito o que lhe for possível, o homem pode, e às vezes deve, agir
conforme sua consciência lhe diz.
Por isso, uma coisa, objetiva e materialmente má como é o caso
do início da pessoa que matava para mandar para o céu, pode ser fo r
malmente boa; neste caso, a pessoa tem consciência moral errônea,
mas invencivelmente certa; outro exemplo de ato humano material
mente mau e formalmente bom é o do carrasco que, em nome da justi
ça, executa o condenado à morte. Como também, uma ação material
mente boa pode ser formalmente má; por exemplo, a pessoa que visi
ta uma casa a fim de melhor poder roubá-la depois.
Concluindo; uma vez que moralidade é questão de intenção, a
moralidade subjetiva, formada pela finalidade, isto é, pela intenção da
pessoa, é a principal das moralidades e o centro da Moral. Daí se infe
rir que, no domínio das ações morais, o ato humano ou a coisa, mes
mo se julgadas erradas em outrem, devem ser respeitadas, ainda que
não aceitas, pois supõe-se que, nesses casos, inúmeros na vida, o próxi
mo age de acordo com sua consciência; em outros termos, de acordo
com sua moralidade subjetiva.
PRÁTICA:
/ - Quantos e quais são os elementos constitutivos da moralidade objetiva?
2 - O que é moralidade subjetiva?
d - Qual é mais importante, a moralidade objetiva ou a moralidade subjetiva?
Por quê?
4 - Quando uma consciência é certa e errônea?
5 - Por que é que em virtude da moralidade subjetiva se deve respeitar a verdade
dos outros, mesmo quando discordante da nossa?
28
teza, escorrega-se-nos todavia entre os dedos quando se pretende fixá-
la mais de perto; é que ela não constitui ente que existe por si, como
uma árvore , enfim, não é substância ou algo semelhante como pensava
Durkheim; é tão somente acidente. Se se tirar as pessoas, evapora-se a
sociedade.
Tudo isso porque a sociedade não é substância, mas sim aciden
te imaterial, tenuíssimo e ao mesmo tempo fortíssimo; pertence ao
acidente relação, pelo qual um ente se refere a outro. Deste modo,
apesar de não o constatarem os olhos do corpo, por causa do acidente
relação, fortíssima é por exemplo a união entre mãe e filho. O que es
pecifica a relação, não são seus suportes, constituídos pelas pessoas no
caso da sociedade, mas sim a referência de uma pessoa a outra.
Ora, para se constituir sociedade, não basta uma relação. São ne
cessárias várias. Todavia, se se unem várias relações, tem que ser para
um fim. Sempre que se age como é o caso da união de relações, é para
um fim. Resumindo, a sociedade é a união de várias relações para um
fim comum.
Esta definição, porém, pode e deve ser mais precisa, pois se apli
ca tanto aos entes racionais quanto aos irracionais, por exemplo à col-
méia e à caixa de marimbondos, visto que também nestes casos há
união de relações para um fim comum. A diferença está em que os ra
cionais têm consciência desta união de meios para um fim comum,
0 que não acontece com os irracionais, em que a união é instintiva e
inconsciente.Por isso, a definição precisa de sociedade é união cons
ciente de relações para um fim comum.
Adaptar meios para um fim é propriedade exclusiva dos entes
dotados de inteligência. Por conseguinte, existe sociedade, em sentido
estrito, tão somente entre entes racionais e aos irracionais, sobretudo
aos animais, só em sentido lato pode ser aplicada. Daí a distinção en-
tre sociedade e gregarismo.
Assim sendo, as relações constituem a matéria da sociedade;«
união consciente, a sua forma; as pessoas, a sua causa e para um fim
1 i>mum, sua finalidade.
O fim é que especifica a sociedade; dele deriva a sociedade, seus
deveres e direitos, sua moralidade e imoralidade. Primeiro, em ordem
de intenção, coloca-se o fim para em seguida estabelecer-se a união pa
ia este mesmo fim, isto é, para fundar a sociedade; a finalidade é que
leva os homens a unirem suas forças físicas, intelectuais e morais para
utingl-la. É bem o caso de se dizer: o fim é o primeiro na ordem de in
tenção (precede à sociedade que vai encarná-lo) e entretanto é o últi
mo na ordem da execução, pois para ele, como para seu fim, vai cami
nhai a sociedade até conseguir atingi-lo.
29
PRÁTICA:
1 - A sociedade é um ser que a gente pode ver? Por quê?
2 - A referência é algo importante no acidente “relação"? Por quê?
3 - O que você achou de se definir a sociedade através das "relações " e não das
“pessoas"?
4 - Qual é a distinção entre sociedade e gregarismo?
5 - E a definição de sociedade desse livro, que critica você faz dela?
30
Parte II
CONCEITO E CONCEITUAÇÕES DE
FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO
A. I - FILOSOFIA E EDUCAÇÃO
31
arbítrio, só haverá educação entre os entes racionais. Requisitos, pois,
para haver educação: 1) possibilidade de atualização; 2) possibilida
de de atualização em pelo menos dois rumos; 3) existência de inteli
gência e de livre-arbítrio. Educar portanto nada mais é do que atuali
zar as boas potencialidades do homem. Adestrar é atualizar as poten
cialidades da inteligência animal. Corresponde bem à etimologia de
educar: “e = para fora + ducere = trazer”, significando o fato de
atualizar, isto e', desabrochar, de trazer de dentro para fora as boas
qualidades da pessoa humana.
PRÁTICA:
1 - Qual é a distinção entre adestramento e educação?
2 - Por que não é possível educar o fato de o coração bater?
3 - Quais são os elementos da educação?
4 - Pela etimologia explicar o que é educação.
32
tãncia, não para o bem do educador mas sim para o bem do educando,
para a educação de outrem; prático é assim o material da Filosofia da
Educação que, sobre ele, especula, não com finalidade prática mas por
amor a verdade e só; o que não quer dizer que a pessoa do filósofo da
educação não possa ter finalidades práticas ao estudar Filosofia da
Educação. Uma coisa pois é a Filosofia da Educação e outra, as inten
ções pessoais do filósofo da educação, como uma coisa é a Medicina
cm si mesma e outra coisa as intenções de determinado médico; as in
tenções do médico, como médico, devem ser as mesmas que as da Me
dicina; mas isto pode não acontecer, sem em nada mudar a essência da
Medicina. Logo, a Filosofia da Educação é a ciência especulativamente
prática das causas supremas da educação.
Toda e qualquer ciência positiva, aprofundada, vai dar na Filoso
fia, que acaba assim sendo a cúpula de todo e de todo o saber. É a ori
gem das Filosofias das Ciências: Filosofia da Linguagem, Filosofia da
Educação, Filosofia do Direito, Filosofia da Matemática, Filosofia da
História, etc. Deste modo, a Filosofia da Educação é uma das Filoso
fias das Ciências, que não constituem filosofia à parte e nem tampou
co partes da Filosofia, a modo da Psicologia, da Metafísica ou da Filo
sofia Moral. A Filosofia da Educação não é uma das partes da Filoso
fia; é tão somente a própria Filosofia em todo seu conjunto, enquanto
considera uma face do saber e da atividade humana: a educação.
Assunto de suma importância o da Filosofia da Educação, pois
se de um lado forma o elo de união da Pedagogia, da Didática e da
educação com a Filosofia e remotamente com a Teologia, de outro la
do estebelece contatos e vivência da Filosofia com a Pedagogia e com
a educação. Pedagogia separada da Filosofia da Educação é pedagogia
decapitada; Filosofia da Educação, isolada da Pedagogia,é ciência cor
tada de contato com a terra, é Filosofia da Educação aérea e raquítica.
PRÁTICA:
I Por que a Filosofia da Educação é ciência?
' Por que o ato de educar é prático?
< Por que se diz que a Filosofia da Educação é ciência “especulativamente prá
tica"?
4 - A Filosofia das Ciências é filosofia? Se sim, de que modo?
.1 Por que “Pedagogia separada da Filosofia da Educação é Pedagogia decapita
da"?
33
teúdo. Autores existem mesmo que, com real propriedade de termo,
chamam a Filosofia da Educação, de Ontologia da Educação, por
exemplo, Arsenio Pacios Lopes. Outros, como Francisco Larroyo, com
o tratado A Ciência da Educação, estuda a Ontologia da Educação, a
Axiologia da Educação, a Teleologia da Educação, a Didática e Ciências
auxiliares da educação. A maioria dos autores, porém, como August
Messer, Josef Gottler, John S. Brubacher, William F. Cunningham e
N. A. Konstantinov dividem e subdividem seus tratados de educação
sem se preocupar com o problema das partes da Filosofia da Educa
ção. Ora, as partes de uma ciência são como o tronco e os galhos-mes
tres de uma árvore: ajudam a compreensão e explicação do todo; por
isso, após a definição de Filosofia da Educação, devem aparecer as
partes da Filosofia da Educação.
Inicialmente percebe-se não ser possível falar de educação do
homem sem antes conceituar o que é homem; não é possível estudar
a educação intelectual sem precisar o que se entende por inteligência;
é contraproducente dar aula sobre Filosofia da Educação sem ter ex
plicado primeiro o que é Filosofia e assim para os principais assuntos
da Filosofia da Educação. Em resumo, não é possível Curso de Filoso
fia da Educação sem uma Introdução à Filosofia adaptada à Filosofia
da Educação. Primeira parte, portanto, da Filosofia da Educação será
a Introdução à Filosofia da Educação, também chamada de Fundamen
tos Filosóficos da Educação.
Uma vez que se estabeleceram os fundamentos, pode-se pôr a
construir o conceito de Filosofia da Educação que será estudado, ora
dizendo o que é, pela definição; ora, dizendo o que não é, pela compa
ração com as disciplinas afins. Todavia, em qualquer matéria, especial
mente em matéria pedagógica como a Filosofia da Educação, é neces
sário mostrar os diferentes e mesmo opostos modos de pensar, a fim
de se ministrar espírito crítico, favorecer a educação para a pesquisa e
evitar o bitolamento. Deste modo, situa-se o que se entende por Filo
sofia da Educação, constituindo a segunda parte: Conceito e Concei-
tuações de Filosofia da Educação.
O coração da filosofia é a Metafísica, dividida em Crítica, Onto
logia e Teodicéia, conforme focalize todos os entes, ou quanto ao va
lor do seu conhecimento, ou em sua essência, ou então, em sua ori
gem e finalidade. O ente educacional pode também ser focalizado nesses
três aspectos, fundando-se deste modo a Metafísica da Educação.
Assim como o estudo do valor do conhecimento humano em
geral funda a Crítica, assim também o estudo particularizado do valor
do conhecimento do ente educacional vem a ser a Critica Educacional.
Mais. A Ontologia é a ciência que estuda o que é de cada um e
de todos os entes, isto é, constitui o estudo da essência do ente en-
34
quanto ente (2). Consequentemente, o estudo do que é a educação,
quer dizer, o estudo da essência da educaçao, constituído pela teoria e
teorias da educaçao, funda a Ontologia da Educação.
E.n toda a parte, se capital é a importância do estudo da finali
dade, muito maior será em educaçao. Teleologia da Educação é a par
te da Filosofia da Educação que trata da finalidade da educação.
Das quatro causas profundas em que pode ser estudada a educa
ção, resta a causa eficiente constituída pelo educando, pelo educador,
pelas entidades educacionais, pelo meio, etc, que faz aparecer Causa
da Educação, última parte da Filosofia da Educação e tratado da causa
eficiente, isto é, de quem causa a educação.
PRÁTICA:
I Q u a l é a d ife r e n ç a e n tr e F ilo s o fia d a E d u c a ç ã o e O n to lo g ia d a E d u c a ç ã o ?
.’ D e q u e tr a ta a T e le o lo g ia d a E d u c a ç ã o ?
I O q u e é c a u sa e fic ie n te ?
4 Q u a n ta s e q u a is s ã o a s p a r te s d a F ilo s o fia d a E d u c a ç ã o ?
35
é o mesmo: atos humanos. O método é o mesmo em ambos os casos: o
analítico-sintético. O objeto material igualmente é o mesmo em ambas
as ciências: os atos humanos. O que distingue, todavia, uma ciência da
outra não é o objeto material, mas sim o objeto formal, isto é, o ponto
de vista próprio de cada uma; ora, na Filosofia Moral, o objeto formal
é a ordem para o fim último que se estabelece nos atos humanos; ao
passo que, na Filosofia da Educação, o objeto formal é a atualização
das potencialidades, isto é, a educabilidade e a educação dos atos hu
manos. A Filosofia da Educação apesar, pois, de essencialmente esta
belecida sobre a Filosofia Moral, apesar de usar o mesmo método, é
especificamente distinta da Filosofia Moral. Dizemos “especificamen-
te” distinta, porque genericamente são idênticas, uma vez que ambas
pertencem ao género filosófico, são ciências das coisas mais profundas;
daí a semelhança geral e a dissemelhança específica entre Filosofia
Moral e Filosofia da Educação. Se às vezes parecem ser e realmente
são a mesma coisa, outras vezes parecem não ser e realmente não são
a mesma coisa.
Quanto à Psicologia Filosófica, também chamada Psicologia Ra
cional, sua semelhança com a Filosofia da Educação brota de vários fa
tos: ambas são filosofia, servem-se do mesmo método, tratam de atos
humanos e possuem o mesmo objeto material. Contudo, o objeto for
mal é diferente: na Psicologia Filosófica, ciência das causassupremas(3)
da alma humana, de suas faculdades e de suas operaçóes(4), o objeto
é essencial e puramente especulativo, é estudar e descobrir as quatro
causas da alma humana, de suas faculdades e de suas operações, o que
levanta formalidade especificamente distinta do objeto formal da Filo
sofia da Educação, constituído pelo ponto de vista da educabilidade e
da educação. A Filosofia da Educação, apesar, pois, de só se estabele
cer quando estiver baseada na Psicologia Filosófica, é especificamente
distinta desta. A Filosofia da Educação, ainda que partindo da Psicolo
gia Filosófica, faz colheita que é sua, exclusivamente sua. Em outros
termos, o mundo da Filosofia da Educação é todo feito com a Psicolo
gia Filosófica; mas os frutos, fundadores da Filosofia da Educação,não
são os frutos constituidores da Psicologia Filosófica.
A Metafísica, apesar de ser a ciência de todos os entes e de for
necer os princípios básicos para todas as ciências, não é formalmente
Filosofia da Educação, porque esta considera só uma parte dos entes:
a educação, isto é, a atualização das potencialidades doente racional.
A Filosofia da Natureza e a Filosofia da Arte, apesar de também for
necerem princípios à Filosofia da Educação, não são formalmente Fi-
36
losofia da Educação, uma vez que a formalidade é diferente, pois
aquelas tratam, ou dos corpos, ou da arte, enquanto a Filosofia da
Educação estuda a educação.
Concluindo: a Filosofia da Educação é ciência autônoma e inde
pendente, por ter objeto formal e m étodo próprio; autônoma das ou
tras ciências positivas e das demais partes da Filosofia. Não é, porém,
autônoma relativamente à Filosofia, porque também a Filosofia da
Educação é filosofia.
PRÁTICA:
1 Formalmente como se distingue entre Filosofia Moral e Filosofia Ja Educação?
2 O objeto material da Psicologia Filosófica e da Filosofia da Educação são o
mesmo? Por quê?
I Qual é o relacionamento da Filosofia da Educação com a Metafísica?
4 ■O que você achou da conclusão dessa lição?
(5) Conferir nosso História da Educação Brasileira. 2. ed. São Paulo, Juriscre-
di, s. d. p. 112-23.
(6) Ibidem. p. 240-56.
38
que só é válida a experiência fundadora do método de leis e negando
todo valor científico à experiência originadora do método e da ciência
filosóficos; 2) o fator cultural: falta de filosofia e de Cursos de Filoso
fia nas universidades e faculdades, de maneira que existe carência de
mais pensadores e de mais líderes da nação, canalizando para si o res
peito do povo e da intelectualidade brasileira; 3) o fator social: tiadi-
ção brasileira que, com muita diplomacia, tem a Filosofia em conta de
matéria estéril, se não prejudicial, para o progresso do Brasil; 4)
o fator ideológico: orientação naturalista de pessoas que perderam todo
o contato com a Filosofia e com a Filosofia das Ciências, passando a
supor todo o saber humano construído exclusivamente à base de leis,
sobretudo das Ciências Naturais; 5) o fator metodológico: aexplicação
mais profunda da condenação da Filosofia, por causa e em nome da
experiência, nasce do delicado parentesco entre método analítico e in
dução.
Expliquemo-nos a respeito da confusão e posterior identificação
entre método analítico e indução, que acabou gerando a supressão do
próprio método analítico. Pedro visita São Paulo; passeia pela cidade e
de repente observa: “é uma cidade industrial” . Essa intuição de Pedro é
uma análise porque, das milhares qualidades de São Paulo, Pedro, sem
raciocinar, retirou uma só nota: “cidade industrial” . João, pelo contrá-
iio, resolve comprovar a intuição de Pedro; visita uma fábrica, outra,
mais outra e muitas indústrias paulistas. Depois disso, conclui: “é ci
dade industrial” .
Em ambos os casos, houve ida do conjunto das qualidades da ci
dade de São Paulo para uma só nota: “cidade industrial” . A única dife
rença é que, no primeiro caso, não houve uso de raciocínios, mas sim
uma intuição; ao passo que, no segundo caso, só houve uso de raciocí
nios, e a verdade de que São Paulo é uma cidade industrial foi obtida
aos pedacinhos, através de raciocínios, e não de uma só vez, como é
ilado na intuição.
A análise, ou o método analítico é, portanto, o processo pelo
qual se sobe de maior número de qualidades, isto é, de maior compre
ensão, para menor número de qualidades, isto é, para menor compre
ensão. A indução é o método que também sobe de maior para menor
compreensão, mas fazendo uso de raciocínios; em outros termos, in
dução é a análise com raciocínios. Na análise e na indução, o ponto de
partida é o mesmo: a experiência; o processo, isto é, o método é algo
diferente: num caso, análise intuitiva e noutro caso, análise discursiva
que é a indução; o ponto de chegada é o mesmo: ciência.
Ora, o que se passou com o fator metodológico foi que a pessoa
habituada a só lidar com Ciências Experimentais e a só conhecer ver
dades através de raciocínios - indução — acabou negando a
39
possibilidade de aparecer verdades científicas através de meditação e
de intuição — método analítico — como acontece na Filosofia
e na Filosofia da Educação e muito raramente nas Ciências Experi
mentais. Daí a se negar a existência de método científico na Filosofia
da Educação e a se negar a existência da própria Filosofia da Educação
é um passo, dado aliás por mais de uma pessoa.
O m étodo, pois, da Filosofia da Educação arranca-se da experi
ência e é método científico, é método indutivo, é método fenomeno-
lógico, e é método de observação, de introspecção, de análise de caso,
etc, m étodos estes que todos irão acabar no analítico-sintético, fonte
dos princípios da Filosofia da Educação.
PRÁTICA:
/ - Em que sentidos pode ser tomada experiência?
2 - Por que a confusão e posterior identificação entre a experiência da Filosofia
e a experiência das Ciências Experimentais deram na supressão do método da
Filosofia e depois na supressão da própria Filosofia?
3 - Dos cinco fatores que levaram à negação da Filosofia como ciência, em que
consistiu o fator histórico?
4 - Você poderia explicar a frase:‘‘a indução é a análise com raciocínios?”
5 - Você entendeu como a confusão entre método analítico e indução acabou
suprimindo a própria Filosofia da Educação?
BIBLIOGRAFIA
40
14 REDDEN e RYAN. Filosofia Católica de la Educación. Trad. cast. Madrid,
Morata, 1961.
15 SCIACCA, Michele Federico. El Problema de la Educación. Trad. cast. Bar
celona. Luis Miracle, 1951.
16 SIQUEIRA, Antonio Alves de. 2 ed. Filosofia da Educação. Petrópolis, Vo
zes, 1948.
17 V1EYRA, Alberto Garcia. Ensayos sobre Pedagogia, según lamente de San
to Tomás de Aquino. Buenos Aires, Desclée de Brouwer, 1949.
B. 1 - CONCEITO DE FRONTEIRAS
41
com a Filosofia Moral, a Psicologia Filosófica, a Metafísica, a Teologia
da Educação, a Lógica, a Didática, a Filosofia da Arte, a Filosofia da
Natureza, o Direito, a Biologia, a História, etc. Ora, ao se tratar das
fronteiras da Filosofia da Educação com qualquer dessas ciências, não
se pode mentalmente usar do processo da imaginação com suas fron
teiras materiais, aplicáveis à Geografia e à História. Se se vai tratar das
fronteiras da Filosofia da Educação com a Filosofia Moral por exem
plo, não se poderá imaginá-las à maneira de fronteiras geográficas; as
fronteiras de ambas interpenetram-se e de tal modo se assemelham que
realizam autênticas osmoses intelectuais; são vivências, não são só
fronteiras, são um viver de uma dentro do ser de outra; são fronteiras
que se apresentam como o oposto do sentido original e material de
fronteiras. A finalidade da educação é retirada do conceito de ato hu
mano, do de felicidade e de outros, fornecidos pela Moral, de maneira
que o fim último da educação é desenvolver todas as potencialidades
para que a pessoa tenha o máximo de perfeição e de felicidade: só nes
te caso, como delimitar as fronteiras da Filosofia da Educação coro a
Filosofia Moral, se concebidas à base da conceituação das fronteiras
terrestres?
PRÁTICA:
/ - Por que é capcioso transportar o termo "fronteiras" de seu sentido original
para o relacionamento entre as ciências?
2 - Por que a Filosofia de uma Ciência é a cúpula desta ciência?
3 - Por que a Pilosofia das Ciências é uma ciência sociável?
42
vo da dúvida metódica e da crítica científica, acabam gerando leis
que foram, pois, retiradas da realidade educacional e que posterior
mente poderio ser aplicadas à mesma realidade educacional, benefi
ciando a humanidade. Como a natureza humana é a mesma através dos
tempos e lugares, as leis pedagógicas, descobertas pelo cientista de
uma região, se realmente forem verdadeiras, poderio ser aplicadas uni
versalmente, no tempo e no espaço. Verificou-se, por exemplo, que o
método clássico de ensinar a ler por meio da lei da decoração do abc
não produz os resultados eficientes que a lei de apresentar globalmen
te o objeto consegue e passou-se à aplicação desta lei, preferivelmente
àquela. Assim progride a Pedagogia, servindo-se inclusive dos erros
dos pedagogos. A Pedagogia, porque induz leis, é ciência indutiva e ex
perimental; além disso, as leis são retiradas dos fenômenos e como a
Pedagogia as induz dos fenômenos educacionais, conclui-se: a Pedago
gia é a ciência das leis dos fenômenos da educação.
Releva, porém, notar que não é só o ato de descoberta da lei
que constitui pedagogia porque, uma vez que isto só acontece de
quando em vez, poucos então seriam os pedagogos e raramente alguém
estaria se dedicando à investigação pedagógica. Se a obtenção de lei
educacional é pedagogia, a investigação para consegui-la é tão genuina
mente pedagogia quanto a própria lei; de maneira que todos os mo
mentos da pesquisa pedagógica — analogamente às fases da indu
ção das Ciências Experimentais: observação, hipótese, experimentação
e lei — são essencialmente Pedagogia. Por isso, a definição de Peda
gogia, ao expressar só o resultado do método indutivo, que é a lei, in
clui também sua preparação, plantação e amadurecimento, realizados
pelas investigações dos pesquisadores.
0 material, isto é, o objeto material da Filosofia da Educação e
da Pedagogia é o mesmo, já que ambas trabalham a mesma terra: a
educação; ambas plantam no mesmo terreno, ainda que uma colha
causas profundas e a outra, leis. Por isso, estão intimamente relaciona
das. Contudo, o objeto formal é diferente: na Filosofia da Educação,
causas profundas; na Pedagogia, leis. Também o m étodo é diferente:
(malítico-sintético, na Filosofia da Educação; indutivo e experimental,
na Pedagogia. Aqui, cabe distinção de importância: há pouco, falava-
se da Pedagogia como ciência que, primeiro induz leis e depois as apli
ca, enquanto que agora, só se falou desta ciência como indutiva e não
como dedutiva; ao passo que a Filosofia da Educação foi descrita co
mo ciência analítico-sintética e indutivo-dedutiva. Em poucos termos,
pelo fato de a Pedagogia, ou melhor, pelo fato de os pedagogos ou ou
tros aplicarem as leis da Pedagogia, esta ciência não se toma dedutiva?
0 que caracteriza a ciência dedutiva não é o fato de ela ou ou
tros aplicarem ou não suas leis ou normas. As leis da ciência indutiva
43
podem não ser aplicadas e ela continuará ciência indutiva, não dedutiva
por causa disso; a aplicação ou não das leis não muda a essência da
ciência indutiva ou dedutiva. A ciência dedutiva vive totalmente de
princípios e se locomove nos princípios; a Matemática, por exemplo,
parte dos postulados e dos princípios seus para criar toda a ciência ma
temática, enquanto a Filosofia Moral, servindo-se dos princípios da fi
losofia especulativa, retira princípios que lhe constituem a vida e a sub
sistência. Quer dizer, o principal da ciência experimental está na pro
cura e na descoberta das leis, sendo-lhe o uso de suas leis algo de aci
dental, ao passo que para a ciência dedutiva, o principal encontra-se na
formação de seus princípios, retirados da experiência e da filosofia es
peculativa, sendo-lhe acidental o uso ou não destes princípios; aliás,
acontece muitas vezes, como na Moral, que o uso pode estar contra o
princípio, o que em nada invalida a normatividade da ciência em
questão.
PRÁTICA:
/ O que você achou da definição de Pedagogia apresentada por este livro?
• Você poderia explicar, através de um exemplo, o que são as "leis" de que se
fala ao se definir a Pedagogia?
3 ■Como você distingue entre Filosofia da Educação e Pedagogia?
4 - Qual é a diferença de método entre a Filosofia da Educação e a Pedagogia?
1 O uso ou não uso pode mudar a espécie de método utilizado por uma ciên
cia*
44
quando a finalidade de uma ciência, chamada então subordinada, en
contra-se submetida à finalidade de uma ciência superior, chamada su-
hordinante: assim a finalidade da Filosofia da Educação está subordi
nada à finalidade da Filosofia Moral; por exemplo, conceituar o ideal
humano como filósofo-rei, terá em conseqüência a finalidade da filo-
sofia da educação de educar o homem de maneira a ser filósofo-rei.
Quanto aos princípios, uma ciência subaltema-se à outra quando os
lotna desta, para deles se servir e poder mover-se dentro de seu domí
nio; por exemplo, a Filosofia da Educação pede à Filosofia Moral os
princípios constituídos pelas noções de bem e de mal, de direito e de
dever, de moralidade, de felicidade, de Estado e de sociedade, princí
pios estes sem os quais a Filosofia da Educação emperra; todavia, a
Mibalternação quanto a estes princípios não pode incluir aqueles prin
cípios que a Filosofia da Educação encontrou com o suor do próprio
rosto, dentro de seu próprio terreno, por exemplo que só existe edu-
«ação quando há auto-educação. Quanto ao objeto, uma ciência subal-
lerna-se à outra quando o objeto está subordinado ao de outra, subal-
lernação esta que pode ser somente material, quando o objeto mate
rial de uma encontra-se subordinado ao objeto material de outra; por
exemplo, o objeto material da Filosofia da Educação, que são atos hu
manos, está subordinado ao objeto material da Filosofia Moral, que é
por excelência a ciência dos atos humanos. A subordinação quanto ao
objeto pode, contudo, ser também formal, quando o objeto formal da
ciência subordinada estiver contido dentro do objeto formal da ciên
cia subordinante, como a Físico-Matemática está subordinada à Mate
mática, pois a Físico-Matemática é ciência materialmente da Física e
lormalmente da Matemática. Como o objeto formal da Filosofia da
Educação é diferente do da Filosofia Moral, pois aquela trata dos atos
humanos para os atualizar corretamente, enquanto esta para os orde
nar para o fim último, não existe no caso delas subaltemação formal
mas tão somente subaltemação material, quanto ao objeto material.
Concluindo, a Filosofia da Educação, ainda que ciência autôno
ma e independente, subaltema-se a Filosofia Moral quanto a finalida
de, quanto a princípios e quanto ao objeto material, não quanto ao
objeto formal.
PRÁTICA:
/ - Quantos e quais são os modos pelos quais pode haver subaltemação?
2 ■ Você poderia oferecer um exemplo de subaltemação da Filosofia da Educa
ção à Filosofia Moral, quanto à finalidade?
.1 - Pode haver subaltemação quanto ao objeto formal da Filosofia da Educação
em relação à Filosofia Moral? Por quê?
4 ■O que você achou da conclusão desta lição?
45
B.4 - P SIC O L O G IA E F IL O S O F IA DA E D U C A Ç Ã O
46
inteligência animal, conceito de vontade e de liberdade, existência da
alma humana e de sua espiritualidade, conceito de ato humano, distin
ção entre ato humano e reflexo condicionado, etc. Quanto à finalida
de, a Filosofia da Educação, ciência com finalidade prática e educacio
nal, é formalmente distinta da Psicologia Racional, ciência com finali
dade essencialmente especulativa. Quanto ao objeto material de ambas
as ciências, coincide, uma vez que o ato humano tanto é estudado pela
Filosofia da Educação quanto pela Psicologia Racional; o objeto for
mal, contudo, é diferente: atualização correta do ato humano na Filo
sofia da Educação, e especulação pura sobre o ato humano, na Psicolo
gia Racional. Concluindo, a Filosofia da Educação subalterna-se à Psi
cologia Racional quanto a certos princípios e quanto ao objeto mate
rial; não, porém, quanto à finalidade e nem quanto ao objeto formal.
Quanto à Psicologia Experimental, ciência de leis, a Filosofia da
Educação em nada se lhe subalterna, pois a Filosofia, para estabelecer
seus princípios, objeto e finalidade, em nada pode depender das ciên
cias positivas(9), das quais a Filosofia se serve e às quais não pode ser
vir: uma, é ciência do deve ser; a outra, ciência do é, do como deve ser.
A Filosofia da Educação, por exemplo, mostra a norma de que toda
educação é auto-educação; este princípio em nada será infirmado ou
mudado pelo fato de a pedagogia antiga ter tido leis opostas a ele, ou
porque hoje em dia muitas pessoas educam filhos de modo diferente.
A Psicologia Educacional, como o nome indica, está intimamen
te relacionada com a Filosofia da Educação: o material é parcialmente
o mesmo, sendo mais extenso o da Filosofia da Educação. A Psicolo
gia Educacional subalterna-se à Filosofia da Educação quanto a certos
princípios, por exemplo o conceito de educação, o papel do educando
e do educador; quanto ao objeto, porém, que é tratar de leis, e quanto
à finalidade, que é orientar de modo imediato e próximo o educando,
a Psicologia Educacional não se subordina à Filosofia da Educação.
HRÁTICA:
/ Qual é o objeto material e o objeto formal da Psicologia Racional?
2 ■ Você saberia qual é o objeto formal da Psicologia Experimental?
3 - O que é Psicologia Empírica?
4 ■ Você seria capaz de oferecer o exemplo de um princípio para mostrar a su-
balternação da Filosofia da Educação em relação à Psicologia Filosófica?
5 - Se o primeiro tratado de Psicologia data de vários séculos antes de Cristo, co
mo é que existem livros e professores que afirmam ter a Psicologia começado
no século XIX?
47
B.5 - TEOLOGIA DA EDUCAÇÃO E FILOSOFIA DA
EDUCAÇÃO
48
de vista de Deus, é algo, não contra mas acima das forças limitadas da
razão humana; Deus, sob o ponto de vista de Deus, só pode ser conhe
cido, se se lhe aprouver revelar-se; isso, porém, da parte do homem,
exigira a fé; entende-se fé sobrenatural.
A fé e a Teologia enraízam-se na revelação; mas, na fé, a revela
ção encontra-se de modo formal e imediato, enquanto que na Teolo
gia - que pressupõe a fé e, portanto, a revelação formal e imedia
ta, como princípios de onde parte - existe a revelação, mas de
modo virtual e mediato, como nas conclusões retiradas dos dogmas.
Em ambas, na fé e na Teologia, encontra-se em toda a parte e sempre a
revelação; todavia, o modo de estar em ambas é diferente: formal e
imediato, numa (fé) e virtual e mediato, na outra (Teologia).
Assim, a Teologia, além de se distinguir da fé, distingue-se igual
mente da Teodicéia, da Filosofia e das ciências humanas, nas quais não
se faz uso da revelação; nas ciências humanas, tudo é conhecido pela
luz natural da razão e só; na Teologia, tudo é conhecido pela luz natu
ral da razão iluminada pela fé; “ratio fides illustrata” Por fazer uso da
razão, retirando verdades virtualmente contidas nos dogmas de fé, a
Teologia é ciência; a fé, apesar de também fazer uso da inteligência e
de não ser instinto cego, não é ciência porque não faz raciocínios para
a geração de suas verdades.
Voltemos, agora, à definição inicial: “a Teologia é ciência das
coisas divinas reveladas”. Trata ela das “coisas divinas reveladas” (ob
jeto material e formal); delas cuida, porém, enquanto deduz verdades
dos princípios da fé, tomando-se assim ciência, distinta da fé e, por
outro lado, distinta igualmente da Teodicéia, porque se fundamenta
nos princípios da fé, nos dogmas de fé.
Colocado o conceito de Teologia, pode-se passar ao conceito de
Teologia da Educação. Como o nome diz,é “Teologia” “da Educação” ;
quer dizer, a educação focalizada sob o ponto de vista teológico. Do
mesmo modo que a Filosofia da Educação é a ciência das causas supre
mas da educação, a Teologia da Educação é a própria Teologia en
quanto trata das causas supremas da educação. A Teologia da Educa
ção é, pois, teologia e como tal pressupõe fé e revelação, assim como
pressupõe a razão para explicitar os princípios contidos nos dogmas de
fé.
A Teologia da Educação é teologia e, por isso, fazendo uso da
fé, sob este prisma, tudo focaliza, tanto o natural quanto o sobrenatu
ral, projetando-se no domínio da educação, principalmente por causa
do conceito e finalidade do homem, colocados além do natural, con
forme a fé de cada um. A Filosofia da Educação, por sua vez, é filoso
fia e por isso não faz uso da fé e tudo focaliza unicamente pela luz na
tural da razão. A Filosofia da Educação e a Teologia da Educação, am
49
bas são ciência como ambas são sabedoria, já que as duas constituem
estudo de causas profundas; o objeto formal, porém, é distinto: sob o
ponto de vista de Deus, revelado, numa; sob o ponto de vista de en
te, de conhecido pela luz natural da razão, noutra. Tudo o que é
abrangido pela Filosofia da Educação também o é pela Teologia da
Educação, porque o revelado,como tal,está acima das luzes naturais da
razão humana e como tal salta fora das vistas da Filosofia da Educação,
ficando exclusivamente dentro do campo da Teologia da Educação.
PRÁTICA:
/ • O que é objeto formal?
2 - A definição, aqui exposta, conseguiu transmitir a você uma noção do que é
Teologia?
3 - Quais são as diferenças entre Teodicéia e Teologia?
4 - Voce faria sua. a definição de Teologia da Educação, apresentada aqui, nes
te livro?
5 - Você poderia explicar esta frase: A revelação está na fé e na Teologia, mas “o
modo de estar em ambas é diferente: formal e imediato, numa (na fé) e vir
tual e mediato, na outra (Teologia) ”.
50
cação, muitos se tornam os pontos de ligação entre Sociologia e Filo
sofia da Educação. Não existe, porém, subordinação da Filosofia da
Educação à Sociologia e vice-versa, porque o objeto de ambas é dife
rente, os princípios são diferentes e a finalidade não é a mesma. A Fi
losofia da Educação é filosofia, é ciência indutivo-dedutiva, do deve
ser, ciência de causas supremas, enquanto a Sociologia é ciência posi
tiva, indutiva, do com o deve ser, de causas próximas, isto é, de leis.
Didática, cuja etimologia vem do grego: “diddsco = ensinar,
instruir, aprender” , é a ciência da criação e do uso correto dos méto
dos de aprendizagem. É ciência praticamente prática, quer dizer, prá
tica pelo material: métodos, e prática pelo modo de encarar este mate
rial: correto uso, isto é, prática dos mesmos métodos. O objeto mate
rial são os métodos de aprendizagem;objeto formal: criação e uso cor
reto desses métodos de aprendizagem. A Didática lida com uma parte
do material da Filosofia da Educação: a aprendizagem; portanto, em
parte, o objeto material é o mesmo. A formalidade, porém, isto é, o
objeto formal é diferente: a Didática o focaliza em sua formação e
uso. enquanto a Filosofia da Educação o encara em suas causas supre
mas. A Didática precisa de muitos princípios da Filosofia da Educação
que, por excelência, é a ciência dos valores da educação; por exemplo,
a capacidade de aprendizagem, o conceito de educação, o papel do
educando e do educador, são valores da Filosofia da Educação, funda
mentais para a existência e para a orientação da Didática. A finalidade
eminentemente prática da Didática é independente da finalidade emi
nentemente especulativa da Filosofia da Educação. Ciência pratica
mente prática, ciência do como, experimental,indutiva,assim é a Didá
tica; ao passo que a Filosofia da Educação é ciência especulativamente
prática, ciência de causas supremas, filosófica, indutivo-dedutiva.
51
cacional, nem da Sociologia da Educação e nem em nenhuma outra
disciplina do Curso de Pedagogia, que deverão fundar uma ciência,
existente já mas sem ter conseguido foros de cidadania. Sem esta ciên
cia, temas educacionais como: quais são as qualidades do professor, do
educando, quais os melhores métodos pedagógicos, o modo mais efi
caz de regime de notas e outros, indispensáveis ao educador e ao Cur
so de Pedagogia, serão relegados ao esquecimento.
Apenas existiram filhos,começaram os homens a educá-los,de ma
neira que aos poucos se foram formando certos hábitos de que os paise
autoridades se valiam para educar filhos e subordinados. Estes hábitos
empíricos, adquiridos ao sabor da vida e de suas experiências, formaram
a arte da educação, é a arte pedagógica,ou ainda.a Pedagogia como arte
A medida que aumentavam a cultura e a ciência, os homens fo- j
ram refletindo sobre este material educacional, empiricamente acumu
lado através dos séculos, corrigindo-o. acrescentando-lhe o que fosse
necessário, ampliando-o. aperfeiçoando-o e. aos poucos, nos tempos
modernos, fazendo-o passar pelo filtro dos métodos científicos
Assim. pois. passou-se do empirismo para a ciência, estudando não só
o material antigo mas também o atual da educação Esses métodos pe
dagógicos, assim como outros a serem criados, são e poderão ser apli
cados para se auferir quais são as qualidades do educador, do educan
do, quais os melhores métodos educacionais para o ensino de qualquer
ciência, de qualquer arte, de qualquer coisa, etc Estas conclusões reti
radas pelos métodos pedagógicos são chamadas de leis. porque foram
induzidas das experiências educacionais e constituem conseqüências
de métodos experimentais tão científicos como os de qualquer ciên
cia experimental. Estas leis fundam a Pedagogia como ciência
Ora, estudar o que é a educação, o que é a finalidade da educa
ção. qual o papel do educando e do educador, o que é valor educacio
nal, quais são os valores educacionais, isso e coisas afins levantam pes
quisas e constituem procura de causas, papel exclusivo da Filosofia,
e diferente do realizado pela Pedagogia, tanto arte como ciência. Con
siste o papel da Pedagogia-ciência em saber qual o melhor método de
ensino de educação, quais as qualidades necessárias e convenientes a
um mestre, etc. Isso é procura de qualidades de uma coisa educacio
nal, não é procura de causas e nem de essências; utiliza-se dos proces
sos das Ciências Experimentais, ao passo que a Filosofia arranca-se e
alimenta-se da experiência, servindo-se, porém, do método analítico,
mesmo de induções; não, porém, dos métodos das Ciências Experi
mentais. São. portanto, duas ciências diferentes, uma, e a ciência que
lida com leis. com a educação de modo experimental, e a Pedagogia
outra, é a ciência que lida com as causas profundas da educação e a
Filosofia da Educação
52
Se o objeto e o método da Pedagogia, como arte e como ciência
experimental, são diferentes do objeto e do método da Filosofia e da
Filosofia da Educação, com muito maior motivo, serão diferentes,
apesar de intimamente unidos, o objeto e o método da Pedagogia, do
objeto e do método de uma ciência como a Teologia da Educação, que
se serve da razão e da fé revelada para estudar a educação. Objeto e
método diferentes fundam ciências distintas. A Pedagogia, pois, é dis
tinta da Teologia e conseqüentemente da Teologia da Educação, uma
vez que esta nada mais é do que a Teologia enquanto estuda a educa
ção.
Concluindo: é conceito contraditório a concepção da Pedagogia
como ciência e. ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto, como Filo
sofia e como Teologia. Aliás, se tomadas do ponto de vista do objeto
formal, ciência experimental. Filosofia e Teologia repelem-se diante
da tentativa de serem identificadas numa só ciência. Como ser ciência
experimental e Teologia ao mesmo tempo? Como a mesma ciência po
derá usar fé e ser também Filosofia e ciência experimental? Se é ciên
cia experimental, não é Filosofia. Se é Filosofia, não pode ser Teolo
gia. Se o método é o das Ciências Experimentais, não pode ser o da
Teologia. Então, como escrever, ou ensinar que a Pedagogia é ciência
experimental, é Filosofia? Mais; como, ao mesmo tempo e sob o mes
mo aspecto, poderá ser ciência experimental. Filosofia e Teologia?
A respeito, portanto, do conceito de Pedagogia, como ciência,
três posições se colocam: 1) à Pedagogia se redírzém todas as ciências
do Curso de Pedagogia, abrangendo a Filosofia da Educação, a Psico
logia Educacional etc, sendo assim “Pedagogia” sinônimo de “Curso
de Pedagogia” ; como se viu, não é possível que a mesma ciência seja
ciência experimental. Filosofia e Teologia, como não é possível que
a mesma ciência, com o mesmo objeto formal, use métodos das Ciên
cias Experimentais, da Filosofia e da Teologia; 2) em posição oposta
à primeira, se a Pedagogia não trata de nada especificamente seu, ela
não tem objeto próprio e nem métodos próprios, uma vez que seu ob
jeto e métodos se diluem pelas ciências do Curso de Pedagogia, tendo
a seguinte conclusão: a Pedagogia não é ciência autônoma;3) basean
do-se na irredutibilidade do objeto formal tanto das Ciências Experi
mentais quanto da História, da Filosofia e da Teologia; baseando-se na
irredutibilidade de métodos tanto das Ciências Experimentais, quanto
da História, da Filosofia e da Teologia; baseando-se no ponto de vista
educacional, próprio da Pedagogia, pode-se afirmar que a Pedagogia é
ciência com objeto formal e m étodos próprios assim como é ciência
experimental, autônoma c independente de qualquer outra ciência.
tanto da Filosofia da Educação, da Psicologia Educacional e da Biolo
gia Educacional quanto da História da Educação, da Teologia da Edu-
S3
cação ou de qualquer outra ciência. A Pedagogia é, pois, a ciência das
leis dos fenômenos da educação. Conseqüência: se a Pedagogia é ciên
cia autônoma, se é uma realidade e não algo diluído pelas demais ciên
cias pedagógicas, é necessário que ela exista nos Cursos de Pedagogia.
PRÁTICA:
/ Qual é o objeto formal da Filosofia da Educação e da Pedagogia?
2 Você optou por qual das três posições a respeito do conceito de Pedagogia?
i O que você achou da definição de Pedagogia como "a ciência das leis dos fe
nômenos da educação
4 Saber o que é a educação é papel da Pedagogia ou da Filosofia da Educação?
Por quê9
' Saber quais são as qualidades do professor é papel da Pedagogia ou da Filo
sofia da Educação? Por quê7
S4
periências e elevado à ciência pela reflexão e pela critica dos mestres e
dos livros: é a educação vivida e exercida de acordo com as ciências da
educação.
Ora, como todo homem tem sua filosofia e como todo homem
tem seu conceito de educação, é necessário e normal que todo homem
tenha sua filosofia da educação, uma vez que esta nada mais é do que
as idéias filosóficas da pessoa a respeito da educação. Quem só tiver fi
losofia e educação empíricas, sem a chancela das certezas derivadas da
ciência, sua filosofia da educação também será empírica, natural, sem
a chancela das certezas do mundo da ciência, sujeita às flutuações das
dúvidas pessoais e das opiniões sentimentais, quando não às ilusões
causadas pelos erros. Quem, pelo contrário, possuir filosofia e concei
to de educação, cientificamente estabelecidos, desfrutará de certezas e
da visão científica da Filosofia da Educação e de seus problemas, quer
dizer, possuirá filosofia da educação cientificamente estabelecida. Co
mo, em geral, só se fala de Filosofia, de ciência e de Filosofia da Edu
cação quando são cientificamente estabelecidas, analisaremos a Filoso
fia da Educação e as filosofias da educação, só quando cientificamen
te estabelecidas. Contudo, particularmente no Brasil, país ainda po
bre em Filosofia da Educação, imenso é o poder e grande a extensão
destas filosofias da educação empiricamente arrumadas e sem valor
científico. Feitas as devidas transposições, tudo o que se disser da Filo
sofia da Educação e das filosofias da educação, também se poderá afir
mar das filosofias da educação empíricas.
Já é possível perceber-se porque e como existem muitas filoso
fias da educação. E tem que existir muitas mesmo, sendo sintomático,
o país, a escola e a classe onde só se admite uma única filosofia da
educação; neste caso, ou se trata de pessoas sábias como Deus para ex
cluir toda ignorância, fonte de erros e da multiplicidade de filosofias,
ou então, sendo homens, existe totalitarismo. Mas o assunto é impor
tante demais e pede maior explanação.
O modelo do homem ideal, em qualquer filosofia, é fornecido
especialmente pela Moral; aqui é onde particularmente se forja o ideal
humano, o paradigma, o arquétipo. Se a pessoa, o professor, os pais ou
o pensador, filosoficamente possuem tal conceituação do homem ideal,
é lógico e psicológico que, em seus filhos, alunos, crianças ou subordi
nados queiram fazer desabrochar este conceito de homem perfeito e
mesmo à custa de muito sacrifício, de muitos suores, mesmo quando
não obtiveram para si muitas das qualidades e perfeições deste homem
ideal; quererão que os filhos, os alunos e os subalternos tenham o que
não conseguiram ter, de maneira que, na idéia dos adultos, cada gera
ção será mais perfeita que a antiga. Assim sendo, o ideal, o modelo da
educação é fornecido pela Filosofia, especialmente pela Filosofia Mo
55
ral; por isso, o adulto consciente ou incoscientemente semeia no cam
po da educação a semente do conceito de homem ideal, colhida nas
terras da Filosofia.
Ora, como já se explanou, a inteligência humana é limitada, im
perfeita e conseqüentemente há muitas coisas que o filósofo da edu
cação conhece e o matemático desconhece e vice-versa; há muitas coi
sas que o filosofo vê e o especialista não consegue enxergar, resultando
disso visões mais ou menos perfeitas do universo, ou da alma, ou de
Deus, ou das duas, ou das três dessas coisas ao mesmo tempo. Conclu
são: haverá e tem que haver mais de uma filosofia, conforme o julga
mento subjetivo de cada homem; dizemos: conforme o julgamento
subjetivo, porque objetivamente a verdade e' uma só e portanto a filo
sofia, certa e verdadeira, tem que ser também única; só é possivel en
tender-se este principio, sem nada do elástico relativismo e sem nada
do antipático absolutismo, se se estiver de posse do conceito de verda
de objetiva e de certeza subjetiva, ligada esta principalmente ao pro
blema do valor. Ora, se há várias filosofias, conclui-se que também
terão que existir muitas educações, e portanto muitas filosofias da
educação.
A educação é, pois, a concretização de uma filosofia; é sua
melhor pedra de toque, sua prova de fogo. Só se pode entender a
educação de um povo, de uma escola ou de uma pessoa, depois de
se lhe entender a filosofia da educação; do contrário, ter-se-á enten
dido a superfície, a casca de uma educação; como dizer que sei
0 que é educação do Brasil, se não sei que conceito de educação o
brasileiro tem, se não sei qual é a finalidade da educação brasileira,
nem que papel nela têm o aluno, o mestre, o Estado, a família e as
Igrejas?
A escola, sobretudo a universidade, é das melhores sínteses da
filosofia da educação de um povo ou de uma sociedade. É a concreti
zação da filosofia da educação, principalmente se não se esquecer dos
currículos, também conseqüências da filosofia da educação.
Muitas são, portanto, as filosofias da educação. A beleza de suas
florações é consequência da filosofia. Considerando o mapa educacio
nal do Brasil, sem perder de vista a universalidade inerente aos temas da
Filosofia da Educação, considerar-se-ão a filosofia da educação totali-
tarista, a filosofia da educação naturalista, da educação marxista e da
educação perene.
PRÁ TICA :
1 - Fazer um paralelo entre filosofia empírica e filosofia científica.
2 ■Por que das partes da Filosofia é principalmente da Filosofia Moral que é re
tirado o conceito e o ideal de homem?
3 ■Por que o valor explica bastante da existência da verdade subjetiva?
56
C.2 - FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO TOTALITARISTA
57
de o homem ser o centro do universo e ter o fim último dentro de si
mesmo. O humanismo cristão, pelo contrário, leva todas as coisas para
o homem e o homem para Deus. O humanismo hitlerista afirma exis
tirem os homens para os arianos e os arianos para a raça ariana. De
acordo com o humanismo marxista, os homens foram feitos para o ho
mem proletário e o homem proletário para a coletividade proletária,
encarnada no Estado, enquanto este for necessário. E assim para os de
mais humanismos, de maneira que se conclui: o humanismo, primeiro,
é a visão das coisas em relação ao homem e, depois, do homem em re
lação a seu fim último.
Existem humanismos humanos, como o helenístico, que deixam
o homem em si mesmo, sem o elevar nem o rebaixar; existem huma
nismos humanos e humanizantes, como cristão, que além de ficar no
nível da natureza humana, realizando-a, elevam o homem colocando
sua finalidade em algo superior à natureza humana, em Deus no caso
do cristianismo; finalmente, encontram-se humanismos desumanos e
desumanizantes, por exemplo o humanismo materialista e o totalita-
rista, que além de não serem humanos porque negam ao homem quali
dades que lhe são essenciais, são ainda desumanizantes. porque põem a
finalidade última do homem em algo inferior à pessoa humana, en
quanto pessoa, por exemplo na matéria ou no Estado.
Para se dialogar com espirito critico sobre o totalitarismo, ou
tro conceito fundamental é o de bem comum em suas relações com a
pessoa e com o Estado. Sempre é o conceito de homem o centro do
diálogo. A pessoa é a substância completa, indivídua e racional, ou
ainda, é o indivíduo racional. No homem pode-se considerar dois as
pectos: o do indivíduo e o da pessoa. O indivíduo é a substância com
pleta e singular, como a pedra, o vegetal e a parte do homem que por
não ser racional, não é mais nobre e é feita para o Estado e para o bem
comum; por exemplo, o homem, enquanto indivíduo, trabalha e vive
para o Estado a ponto de dever dar a vida pela pátria, se preciso. En
quanto pessoa, porém, o Estado é feito para o homem; neste caso não
é que o homem seja egoísta, nem é que ele possa exigir o Estado para
si em nome do egoísmo, não; na realidade, é em nome do bem comum
ainda, e só em nome do bem comum que o Estado existe para o ho
mem. O bem comum só é concebido em função da sociedade em que ele
está; só tem sentido falar-se em bem comum, se se admitir uma socie
dade da qual ele forma o patrimônio central. Tal sociedade, tal bem
comum. Existe, pois, mais de uma espécie de bem comum. Quando se
fala da sociedade do Estado, quando se fala do Estado, supõe-se o bem
comum natural; mas ao se falar que o Estado é feito para a pessoa, re
fere-se a outro bem comum, superior ao bem comum do Estado en
quanto centro dos indivíduos, e feito pelas pessoas em volta do bem
58
comum constituído pela verdade, pela justiça, pelo direito, pela mora
lidade, enfim pelos valores eternos residentes nas pessoas, para os
quais foram feitos os valores temporários do bem comum dos indiví
duos. O listado, pois, como o totalitário, que negar ao homem, en
quanto pessoa, ordenação para o bem comum de uma sociedade supe
rior ao próprio Estado, privou o homem de sua maior nobreza, tirou o
homem da sociedade mais nobre de todas, na qual comunga com o
próprio Deus, seu fundador e mantenedor. Por isso, é desumano e de-
sumanizante o Estado totalitário.
Ora, se o Estado totalitário afirma e ensina que o homem, en
quanto indivíduo e enquanto pessoa, e' feito para o Estado, é natural
que o sistema educacional todo será montado em vista da consecução
desta finalidade anti-natural e desumanizante. “Em um Estado nacio
nalista” escreve Hitler,“o exército não existe só para ensinar o homem
a marchar e a outros exercícios militares,mas deve ser a mais alta esco
la da educação nacional. Naturalmente, o jovem recruta deve aprender a
manejar as armas, mas, ao mesmo tempo, deve ser preparado para a vida
futura. Nessa escola é que o rapaz se deve transformarem homem”(14).
A filosofia da educação totalitarista, em síntese, é a filosofia da
educação em que a causa final da educação é uma pessoa física ou o
Estado, personalizados numa raça, ou num partido ou em qualquer
mito. em função do qual a pessoa humana deve existir e ser educada.
PRÁTICA: *
I Como você explica que a causa final é "a causa das causas”?
' O que é humanismo?
.f Por que o conceito de humanismo é noção importante para se compreender
o que é totalitarismo?
4 E o h em c o m u m , p o r q u e é n o ç ã o ú t i l p a ra a c o m p r e e n s ã o d o to ta lita r is m o ?
5 Existem conexões entre totalitarismo e ideologia? Se sim, você poderia enu
merar algumas delas?
i ! 4l HITLER, Adolfo. Minha Luta. 8 .ed. Trad. bras. São Paulo, Mestre Jou,
1962. p. 258-9.
59
mo se constata ao ler o Emílio de Rousseau ou ao observara linguagem
diária. De um bêbado por exemplo, alguém dirá: “É natural ao homem
beber” , enquanto de um colérico, outro afirmará: “É natural ao ho
mem encolarizar-se”. Ora, se beber é natural ao homem enquanto ani
mal, não lhe é porém natural beber desmesuradamente enquanto ser
racional; ao homem, enquanto animal, não porém enquanto racional,
lhe é natural encolerizar-se desmesuradamente.
Em primeiro lugar, natural é usado no sentido de essencial, uma
vez que a natureza é sinônimo de essência, como se vê nos livros de Fi
losofia, de Metafísica e no linguajar do bom senso. Assim, natural sig
nifica o que há de mais íntimo num ser, aquilo que forma o seu mais
profundo ser e é fonte de todas suas operações. Naturalismo, deste
modo, sendo sinônimo de essencialismo, constitui o sentido menos
usado em educação e significa o modo de agir e os métodos que estão
de acordo com a essência da coisa, com a essência do educando.
Natural, em segundo lugar, não se encontra como adjetivo, mas
tão somente como nome; chama-se natureza e abrange os minerais, os
animais, os vegetais, sobretudo as matas, as florestas e os campos. Nes
te sentido, natureza é fonte de métodos de educação, de inspiração de
poetas, músicos, de artistas, de cientistas, de Filósofos e de místicos;
nesta acepção, naturalismo representa conceito sadio e fundamental
em Pedagogia, nas ciências e no saber em geral. Por isso, Comênius.
Froebel, Rousseau em parte e a pedagogia dos orientais pedem a vivên
cia do educando com a natureza, isto é, com as plantas, com a vida ve
getal, com os minerais e com os animais.
Natural, em terceiro lugar, é empregado no sentido de derivado
das Ciências Naturais, como da Biologia, da Física, da Psicologia Expe
rimental. Aqui, natureza, objeto das Ciências Naturais, depois de
abranger os entes materiais, por excesso e desequilíbrio comuns na
História, passou a significar o objeto de toda e qualquer ciência, de
maneira que as únicas ciências serão as Ciências Naturais, assim como
o único m étodo cientifico será o das Ciências Naturais, sintetizado de
modo especial na observação, hipótese, experimentação e lei. Conse
quentemente, única fonte de verdade, único objeto digno do cientista
e do sábio, único fundamento científico da educação, constituem-se
pelas Ciências Naturais. Conclui-se, por outro lado, que o homem é re
sultado necessário do ambiente, como ensinam Taine, no campo da
arte; Durkheim, no âmbito da Sociologia e da educação; Marx e Spen-
cer, no domínio do saber e da vida, em geral. Ciências que não usarem
o método das Ciências Naturais, como a Filosofia e a Teologia, não
procuram e não atingem nem verdade e nem certeza científica, sendo
indignas portanto de ser ensinadas e de figurar no currículo educacio
nal. A Psicologia Racional, a Moral, a Filosofia e a Teologia são fabri
60
cações imaginosas de pessoas sem cultura científica, do período teo
lógico ou metafísico da humanidade, como falará Comte. Muito bem
serve às finalidades do naturalismo a teoria evolucionista, segundo a
qual o homem simplesmente constitui um dos muitos degraus da evo
lução inferior, nada desfrutando de especificamente diferente dos ani
mais. Este e' o significado central de naturalismo, que aplicado à edu
cação, chama-se naturalismo pedagógico e consiste em fazer abstração,
como de coisas vãs e anti-científicas, das ciências espirituais, da Filoso
fia, da Moral e da Religião, a fim de explicar o homem como simples
produto da natureza, desprovido de liberdade e de auto-educação,
uma vez que esta se processa no sentido de uma comunicação exterior
sobre o educando, que está para o ambiente como o passivo para o ati
vo; tanto assim que a natureza e não o educando passa a ser a causa
principal da educação, já que aquele, na célebre comparação de Dur-
kheim e de Guyau, pode ser comparado à sociedade como o hipnoti
zado ao hipnotizador, ou segundo o Contrato Social de Rousseau, co
mo a vontade pessoal em relação à Vontade Geral. Dentro do natura
lismo pedagógico, o conceito de causa principal é desviado do educan
do para a natureza, que tanto pode ser física quanto social; o mesmo,
com as devidas mudanças, acontecerá para o conceito e papel de edu
cador que, seja professor ou rabino, seja pai ou líder, passa a ser sim
ples causa instrumental ou mero espectador das ações ou dos erros do
educando. Na comparação de Tolstói, deve-se proceder para com o
educando como o observador procede para com as estrelas: contem
pla-as e lhes constata os movimentos,sem a mínima intervenção na edu
cação delas, originando-se deste modo conceitos-chaves da educação na
turalista como o dos castigos naturais e da educação negativa,encontra-
diços em Rousseau e em compêndios de autores da Pedagogia Nova.
Na filosofia da educação naturalista, pois, a causa final da edu
cação é a natureza, ora colocada na natureza física como em Spencer
e Rousseau, ora na natureza social como em Marx, Konstantinov, De-
wey e Anísio Teixeira. Conseqüentemente, finalidades, tais como
Deus, atualização das potencialidades do educando e realização inte
gral de sua personalidade, uma vez que se levantam a modo de deriva
ções de filosofias que valorizam o homem porque não o supõem mero
produto da natureza e afirmam a existência de algo além das verdades
alcançadas pelos métodos limitados das Ciências Naturais, são finalida
des negadas e combatidas pelo naturalismo, que passa por isso a ser
condenado por diferentes filosofias, como as de R. Eucken, de Marx
Scheler, de M. Blondel, de H. Bergson, ou então por cientistas, como
Driesch, Wundt, William Mc Dougall.
A causa eficiente principal, dentro do naturalismo pedagógico,
será a natureza, física ou social, conforme a filosofia a que se prenda.
61
Para Konstantinov, por exemplo, o meio físico, especialmente o eco
nômico, condiciona, quer dizer, causa de m odo necessário a educação,
reduzindo o educando ao papel passivo de mero receptor(l 5);ao pas
so que, para Anísio Teixeira, a natureza social, isto é, o ambiente so
cial condiciona o meio, de modo que o educando sofre necessariamen
te a influência do ambiente e é tão difícil inovar aqui como no domí
nio das Ciências Naturais (16). Auto-educação, no sentido de educação
de dentro para fora, não tem cabimento no naturalismo, uma vez que
é secundário o papel do educando. Entidades educacionais, como Igre
jas e famílias, só terão sentido e influência em educação, se concorda
rem com a natureza, que tanto poderá estar encarnada num Estado to
talitário, por exemplo o de Esparta e o de Hitler, como na sociedade,
entendida como um ser supremo, por exemplo na sociedade do Con
trato Social de Rousseau ou na sociedade de Durkheim.
O conceito naturalista de educação pode ser definido como a
naturalização do educando, conceituação, aliás representada pela defi
nição de Durkheim: socialização do educando (17). A educação haverá
de consistir em fazer passar para o educando o espírito da natureza,
imbuindo-o de seus processos e servindo-lhe de modelo.
O quarto sentido de naturalismo, especificação do terceiro signi
ficado, insiste em um de seus aspectos: negação do sobrenatural e do
revelado. Neste sentido, encontra-se o termo naturalismo em alguns li
vros de autores religiosos, como na encíclica sobre A Educação Cristã
da Juventude, em Filosofia da Educação de Cônego Antonio Alves de
Siqueira, em “Ensayos sobre Pedagogia segun la mente de Santo To
más de Aquino” de Alberto Garcia Vieyra. Deste modo, pois, natura
lismo significa ao mesmo tempo uma afirmação e uma negação explí
cita: afirmação, enquanto postula tudo o que é próprio da natureza,
isto é, da essência da coisa, e negação, enquanto só afirmando o natu
ral, nega explicitamente e condena todo o sobrenatural, todo o revela
do e religioso, enquanto superior às luzes naturais da inteligência hu
mana. Naturalismo portanto neste quarto e último sentido é o sistema
que, afirmando a existência da natureza mineral, vegetal, animal e hu
mana, nega todo o sobrenatural, isto é, tudo o que se refere à existên
cia e à essência dos seres sobrenaturais e de suas decorrências; neste
quarto sentido, naturalismo será, por conseguinte, o sistema educacio
nal que, com afirmar o natural, nega o sobrenatural, quer dizer, o di-
62
v i d o e o revelado, como vem classicamente compendiado na profissão
63
da luta entre ambos, desapareceu o menchevique, ficando o bolchevi
que; por isso às vezes o comunismo ou marxismo é também chamado
de bolchevismo ou de comunismo bolchevista.
Ensina, pois, Marx, que tudo é matéria e só matéria existe de
maneira que constitui a infra-estrutura a única realidade e base de tu
do, inclusive das ilusões idealistas como a noção de verdade, de bon
dade, a existência de idéias imateriais, de Deus, da alma e de religião
que formam a superestrutura. Em termos marxistas, a superestrutura
é simples eco e mera decorrência da infra-estrutura, de modo que se
hoje no Brasil a infra-estrutura é democrático-cristã, a superestrutura
necessariamente será democrático-cristã; se, porém, amanhã a infra-es
trutura, por qualquer motivo, por uma revolução por exemplo, se
transformar em comunista, necessariamente a superestrutura se trans
formará também em comunista. A superestrutura não é coisa, é ilusão,
é um acidente-ilusão.
Ora, se a filosofia é materialista, a filosofia da educação será ma
terialista; em terminologia mais concretamente educacional, se o con
ceito de homem é materialista, a educação, que é concretização do
conceito de homem na pessoa da geração nova, necessariamente será
também materialista.
Para Marx, o homem ideal é o proletário, que forma a classe
ideal, a única classe que tem a justiça social e a verdade consigo; as ou
tras classes são privilegiadas e espoliadoras e como tais devem ser su-
pressas, elas e sua educação; também neste aspecto, o marxismo é fer
renhamente totalitário. De maneira que a causa final da educação é
inculcar na geração nova o ideal proletário, é concretizar no educando
o conceito de homem proletário com todas suas decorrências. A edu
cação física, técnica e intelectual-prática serão realçadas; uma única
filosofia e uma única filosofia da educação serão ensinadas: a marxista-
leninista(l 8 );a educação religiosa e a educação moral serão supressas;
outras educações, como a cívica, social e política serão ensinadas na
quilo em que estiveram de acordo com Marx. Causa da educação será
o Estado, encarnação provisória (a ser supressa oportunamente) do
proletariado, ou quem o Estado delegar; só o Estado tem direito à
educação; aliás, como só existe matéria, não há liberdade, considerada
esta “uma absurda lenda”, segundo Lenine(19), de maneira que nin
guém pode falar de direito à educação ou a qualquer coisa, a não ser que
64
. Hicja de acordo com o Estado, única fonte de verdade, de direito e de
|iistiça. Todavia, devido a intenções de fazer justiça, devido ao desejo
dc acertar e de procurar a verdade, devido ao fato de o sistema peda
gógico poder ser bom, mesmo dentro de uma filosofia da educação de-
lldente, devido à educação do caráter, o sistema pedagógico russo de
hoje em dia é estudado em todas as partes do mundo, mesmo sabendo
que ele tende a cercear tanto a liberdade de pensamento e de expres-
..1o quanto a liberdade do educando e dos pais (20).
A Filosofia da educação marxista é a filosofia da educação que,
partindo do materialismo dialético, coloca o proletário como o ho
mem ideal, fazendo da educação o processo de realização deste m ode
lo.
I’R ÁTICA:
I O queMarx tomou de Luís Feuerbach?
' Em que consiste a dialética de Hegel?
I Por que o comunismo é também chamado de “materialismo histórico ’’?
I Você poderia explicar o que é a doutrina da infra e da superestrutura?
1 Fora da Rússia, inclusive portanto no Brasil, o comunismo usa mais a filoso
fia ou a ideologia marxistas? Por quê?
(20) A este respeito, sublimes ao mesmo tem po que estarrecedoras são as pági
nas narradas por George L. Kline em Educação Soviética. São Paulo, IBRA
SA, 1959. p. 11-36 e outras.
65
ção da verdade; e uma vez que a privação é nada, erro absoluto é priva
ção absoluta, quer dizer, é nada. Toda doutrina.por mais extremista e
fora do senso comum que seja, encerra algo de verdade em virtude do
qual existe e em virtude do qual é um bem que atrai a inteligência. To
das as filosofias encerram mais ou menos verdade conforme se encon
trem mais ou menos de acordo com o mundo de fora, exterior à inteli
gência humana. A filosofia que for de tal modo perfeita, de tal modo
arejada e de tal modo bela que possa encerrar tudo o que há de bom e
de verdade nas outras e, não só isso, mas sobretudo que encerre infini
tamente mais que as outras e que tenha capacidade para receber qual
quer verdade, de qualquer tempo, de qualquer lugar, de qualquer raça
e de qualquer pessoa, esta filosofia é a chamada filosofia perene, a úni
ca filosofia perfeita, que não pertence exclusivamente nem ao tomis-
mo, nem ao comunismo, nem ao Brasil, nem aos Estados Unidos, nem
a Pedro, nem a Maria, porque pertence a todos os homens, pertence à
própria verdade; ou melhor, pertence a todos os sistemas, a todos os
povos e a todas as pessoas, tanto quanto essas e aqueles pertencerem à
verdade e aos primeiros princípios da natureza humana. A filosofia pe
rene é, pois, a pátria da verdade;ela é autêntica e integralmente a ciên
cia das quatro e não só de duas ou três das causas supremas. De manei
ra que a filosofia da educação perene será de modo completo a ciên
cia das causas supremas, isto é, das causas mais profundas da educa
ção. Como toda filosofia da educação, também ela não se pode pren
der a determinada pedagogia; ainda que antigamente, quando não ha
via outras pedagogias, tenha se servido mais da pedagogia clássica; não
tem compromisso exclusivo com nenhuma, desfrutando da capacidade
para assimilar criticamente o que há de bom na pedagogia da chamada
Escola Nova como em quaisquer outras. Dentro da filosofia perene, o
homem é o animal racional, mas de espírito arejado e aberto para to
das as verdades, inclusive para as sobrenaturais, que ela não nega mas
também das quais não afirma a existência, pois isto, postulando fé,
encontra-se fora de seu campo.
Causa final da educação perene será, pois tomar este homem
ideal, composto substancialmente de corpo e de alma, dotado de vida
espiritual, de liberdade e de idéias essencialmente distintas das dos ani
mais e aberto para todas as verdades, a fim de o encarnar na criança e
no educando. Todas as educações, todas as ciências, todas as artes e
todas as pedagogias, no que tiverem de verdadeiro, poderão ser recebi
das neste homem. Dentro deste sentido é que Jacques Maritain fala da
finalidade da educação como sendo “a conquista da liberdade interior"
(21), isto é, a conquista de tudo o que liberta ou ajuda a libertar o h o -
(21 ) Rumos da Educaçao. 2.ed. T rad. bras. Rio de Janeiro, Agir, 1959. p. 28-30.
66
iiicm na posse da verdade, pois toda verdade liberta em algo a pessoa.
Deste modo, a educação dos sentidos e a educação física, como que-
i i * i i i os materialistas, são necessárias; a educação social,como querem
67
Parte III
ONTOLOGIA DA EDUCAÇÃO
A.l - INTRODUÇÃO
69
A.2 - CONCEITUAÇÕES DE EDUCAÇÃO
70
E assim para todas as filosofias, pois sem exceção, todas pos
suem sua conceituação de homem de que os pais e as escolas tira
rão a respectiva teoria da educação a fim de, por meio dela, forma
rem os filhos e alunos.
71
Mais, por conseguinte, a pessoa atualizar suas potencialidades,
mais rica há de ser, isto é, mais educada há de ser. Como, porém, atua
lizar as potencialidades de alguém é realizar atos dentro deste alguém
e não dentro de outra pessoa, ainda mais que constitui ato emanado
do íntimo deste alguém para fora, percebe-se que toda e qualquer edu
cação só pode e deve ser, antes de mais nada, ato da pessoa a ser edu
cada; sem a participação essencial e principal do educando, o ato po
derá ter todas as aparências exteriores e toda a aprovação oficial do Es
tado, ou dos pais, ou da sociedade, ou de todos juntos, que não deixa
rá por isso de ser paródia do ato educacional, caricatura de educação,
tanto mais perniciosas quanto mais parecem educação, pois o mal fei
to não foi percebido e quando amadurecer será tanto maior e mais pro
fundo quanto foi menos combatido e mais cultivado. Educar, pois,é
atualizar as potencialidades, é enriquecer-se o educando por dentro.
No início da vida, se o educando não souber atualizar suas po
tencialidades, é necessário ajudá-lo, mas entenda-se logo esta ajuda,sob
pena de se fazer dela, com a melhor das boas-intenções, a negação da
educação e da autêntica conceituaçâo de educar. Ajudar o educando
não é substituir-se-lhe, nem fazer a coisa por ele, nem fazer em lugar
dele: é dispor as coisas, o ambiente, dar exemplos, falar, de maneira
que o educando, por si mesmo, e só por si mesmo tanto quanto for
possível, faça o ato. Quer dizer, enquanto o ato for realmente do edu
cando, enquanto for ato de dentro para fora, será ato seu e por isso o
educará; se for de tal modo ajudado que o ato não mais seja seu, nem
pelo menos principalmente seu, então não é possível ter havido educa
ção, pois não houve ato seu; mais, este ato é deseducativo, pois o edu
cando começou a aprender um ato vicioso e parasitário, feito à custa
de outrem.
Uma vez que o educando fez deste modo o primeiro ato ou os
primeiros atos, aos poucos deverá ir realizando o mesmo ato por si só,
sem ajuda de ninguém, logo que possível. Cada vez mais, a educação
deve tender a ser auto-educação; toda educação sempre é auto-educa
ção, porque quem atualiza suas capacidades é o próprio educando; to
davia, em geral, para começar uma educação, é útil e às vezes necessá
rio ajuda que, apenas possível,deverá ir sendo abandonada em proveito
do educando. No primeiro ou primeiros atos é útil, e às vezes necessá
rio, a ajuda dos pais e do professor por vários motivos: 1) para evitar
deseducação logo no primeiro ato, pois diz a Psicologia que o primeiro
ato é o princípio do hábito; por exemplo, Paulinho na idade de apren
der a descer da cama, levou um tombo por ter descido de cabeça para
a frente, e se continuar sempre assim e levando tombo, correrá perigo
de adquirir complexo de descer da cama, ou de só aprender depois de
se machucar gravemente; com a ajuda inteligente da mãe, que o “fará
72
descer”, primeiro com as pernas e depois com o resto do corpo, já na
segunda vez terá aprendido a descer da cama; não parece válido o prin
cípio de sempre se deixar a criança aprender tudo por conta própria
porque, ignorante ainda de tudo e de todos, infeliz da criança filha de
pais de tal mentalidade, pois cruéis e desumanos serão as pessoas que
expõem a martírios estéreis de cada instante a inexperiência de seres
indefesos, extremismo a que nem os próprios animais chegam: a mãe
só deixa voar o filhinho quando acha conveniente, a galinha protege
os filhos em caso de perigo; 2) para agir de acordo com a natureza
que, na formação dos hábitos, começa por fazer os seres praticarem
certos e não errados os atos, geradores de hábitos; o patinho, por
exemplo, logo ao nascer, tenta nadar e sai realmente nadando; não há
casos de patinhos que, ao tentar nadar, tenham se afogado ou bebido
água ; 3) para começar normalmente a formação do bom hábito, que
será conseqüência natural dos primeiros atos: isto justamente é educa
ção; do contrário, o homem acabaria sendo um feixe de maus hábitos,
quer dizer, a natureza seria destruidora de si mesma, pois se o homem,
por exemplo, crescer normalmente, pelo fim do primeiro ano deve co
meçar a andar; ora, se ao tentar dar o primeiro passo, as crianças em
geral fraturassem as pernas, provavelmente com o tempo acabaria a es-
pe'cie humana, pois esta naturalmente estaria destruindo-se a si mesma.
Educar, pois, é atualizar as potencialidades da pessoa. No ho
mem, todavia, existe tudo o que é próprio dos vegetais, da vida vegeta-
tiva, pois como estes, o homem também nasce, respira, vive, alimenta-
se, cresce, reproduz-se, tem doenças e morre. Como os animais, tam
bém o homem possui sentidos externos, sentidos internos, afetivida
de, apetite, imagens, locomoção, etc. O homem possui tudo o que a vi
da vegetativa e sensitiva possuem. Como, porém, nestas não pode ha
ver educação, encontrando-se no máximo adestramento, também no
homem, enquanto participante da vida vegetativa e da vida animal,
não pode haver educação, sendo o adestramento o máximo encontra
do na vida humana sob estes dois aspectos. Por isso, não é nada elogio
so dizer-se de um homem que ele foi adestrado, pois é colocá-lo, como
homem, no nível dos animais. É fácil, portanto, concluir-se que educar
é atualizar-se as potencialidades da pessoa, não enquanto é vegetal,
nem enquanto é animal, coisas que ela realmente possui, mus enquan
to homem, quer dizer, enquanto dotada daquelas qualidades que só o
homem possui, mas que nem os animais, nem os vegetais e nem os mi
nerais têm, como a liberdade, a inteligência, a vontade, a sensibilidade
enquanto participa da inteligência e da vontade; por exemplo, da inte
ligência deriva a educação intelectual, que permite à pessoa aprender
Aritmética, Química, Filosofia, etc. A educação é, por conseguinte, a
atualização das potencialidades da pessoa, enquanto pessoa; natural-
73
mente entende-se das potencialidades boas da pessoa. Por isso, a edu
cação é a atualização das potencialidades boas da pessoa, enquanto
pessoa.
O que se entende, porém, por “boas”, ao se falar de potenciali
dades boas, uma vez que tanto o conceito como o termo “bom” es
tendem-se a todos e a cada um dos seres. O termo e o conceito “bom”
são relativos e elásticos a tal ponto que “bom” pode significar uma
coisa má, moralmente falando, como acontece frequentes vezes no do
mínio da arte, onde uma obra de arte, boa, artisticamente falando, po
de ser má, moralmente falando. Cumpre, por conseguinte, precisar o
significado de bondade e de maldade ao se referir à atualização das po
tencialidades boas do educando.
Bom é o que está de acordo com a natureza da coisa. Bom. as
sim, é o que é natural à coisa; ao tijolo, por exemplo, é bom estar ex
posto ao sol e mau estar sempre mergulhado em água corrente; ao an-
túrio é bom que esteja perto de lugar de sol e mau que se ache exposto
diretamente ao calor do sol;ao lambari é bom estar na margem do rio e
mau encontrar-se em meio à correnteza, onde provavelmente será pre
sa de peixes maiores; ao homem é bom alimentar-se e mau passar fo
me; à criança é bom aprender a ler e mau não saber escrever. De
maneira que, em educação, boas serão as ações e as coisas que fize
rem desabrochar as potencialidades do educando no sentido de sua na
tureza racional, enriquecendo-o, assim como pelo contrário, más serão
as coisas que impedirem ou emperrarem o desabrochamento das boas
qualidades, ou então, fizerem frutificar as potencialidades más do edu
cando, empobrecendo-o, diminuindo-o; cultivar a memória, por exem
plo, é bom porque desenvolve uma faculdade do educando, mas me
morizar coisas que deviam ser compreendidas, é mau, é deseducação,
porque atrofia a inteligência e a razão, desenvolvendo a memória em
rumo extremista. Educação é, pois a atualização das “boas” potencia
lidades da pessoa, enquanto pessoa.
Temos falado de educação e não diretamente de instrução, por
que esta é simplesmente uma espécie daquela; quer dizer, existem mui
tas espécies de educação:educação social, moral, estética, religiosa, in
telectual, física, etc. A instrução é sinônimo de educação intelectual.
Como se viu no estudo do conceito de homem, o ente superior
contém as perfeições do ente das espécies inferiores; o animal, por
exemplo, contém as perfeições do vegetal e do mineral, assim como o
homem encerra as perfeições próprias do animal, do vegetal e do mine
ral. Por isso, João, além de possuir inteligência e vontade, próprias do
ser racional, desfruta da sensibilidade e dos desejos dos animais, nasce
e vive como os vegetais, ocupa lugar no tempo e no espaço como os
minerais. Na definição, pois. da educação; “é a atualização das boas
74
potencialidades da pessoa enquanto pessoa” , é necessário atentar nes
te redupiicativo enquanto pessoa. A educação não considera direta-
■nente a pessoa enquanto vegetal, nem enquanto animal porque, nes
tes casos, o ser já está marcado pela própria natureza para um só ru
mo, impossibilitando a educação, que supõe mais de um rumo a ser es
colhido pela liberdade humana; a educação considera a pessoa enquan
to pessoa, isto é, enquanto dotada de liberdade que lhe desabrocha as
potencialidades Contudo, existe o perigo do conceito deficiente que
estreitaria a educação para o domínio da vida mental, com exclusão
do elemento animal, vegetal e mineral da pessoa. A pessoa estende-se
sobre a totalidade das ações, tanto das derivadas do elemento animal
e vegetativo, quanto das originadas do elemento mineral; onde houver
possibilidade de entrada do elemento racional, ali existirá possibilida
de de educação. A vida animal, por exemplo, pedirá a razão que regule
o uso da comida, da bebida e da sensação este'tica, de maneira que o
mesmo elemento animal do homem poderá participar a seu modo da
educação moral, da educação estética e de outras educações; às vezes,
como na educação estética, a participação animal é de tal modo ele
mento essencial que. sem ela, não pode haver educação. Também a vi
da vegetativa, a seu modo. participa da educação da pessoa, que sem
aquele desabrochamento. por exemplo sem aprender a respirar direito,
sem educação física para desenvolver os órgãos, sem higiene, não rece
be educação completa. Este arrazoado timbrou em explicar que o
acréscimo do redupiicativo: enquanto pessoa, não pode e não deve an-
gelizar ou platonizar o homem, esquecendo e colocando fora do cam
po educacional seu elemento animal, ou seu elemento vegetal, ou seu
elemento mineral, ou todos juntos
A definição, se realmente for completa, deverá, como se disse,
encerrar tudo o que de bom se encontra nas outras, excluir tudo o que
de deficiente houver nas outras e, além disso, conter o que de bom ne
nhuma conseguiu ainda indicar; quer dizer, a definição completa de
educação deverá dizer tudo o que é educação e nada dizer do que não
é educação. Se, portanto, a definição; “a educaçãoé a atualização das
boas potencialidades da pessoa enquanto pessoa” não satisfizer a esses
trés requisitos, será imperfeita e deficiente; caso contrário, será boa a
definição.
A título de ilustração, algumas definições de educação. Como o
aparecimento de tratados de Filosofia da Educação inicia-se com o Re
nascimento, dificilmente se encontra uma definição explícita entre os
antigos e medievais; por isso, nem em Aristóteles, nem em Platão, nem
no Pedagogo de Clemente de Alexandria, nem no De Magistro de To
más de Aquino, nem nas obras de Comênius ou de Rousseau existe
uma definição sintética e explícita do conceito de educação. Chegan-
75
do, pois, aos tempos modernos, Emílio Durkheim define: "A educa
ção é a ação exercida, pelas gerações adultas, sobre as gerações que
não se encontram ainda preparadas para a vida social; tem por objeto
suscitar e desenvolver, na criança, certo número de estados físicos, in
telectuais e morais, reclamados pela sociedade política, no seu conjun
to, e pelo meio especial a que a criança, particularmente, se destine”
(1). Francisco Larroyo, por sua vez, escreve: “A educação é,para dizer
a verdade, um processo por meio do qual as novas gerações se apro
priam dos bens culturais de uma comunidade; é um fato graças ao qual
crianças e jovens entram em posse de conhecimentos científicos e for
mas de linguagem, de costumes morais e experiências estéticas, de des
trezas técnicas e normas de vida” (2).
Durkheim, sociólogo radical, seguido de perto por Larroyo, por
causa do conceito exagerado de sociedade, tem a educação como um
processo de fora para dentro do educando, isto é, da sociedade para
dentro do educando; aliás, chega mesmo a comparar a relação educa
dor-educando com a relação hipnotizador-hipnotizado. Conforme
Durkheim, a educação é passiva e perde muito do conceito de auto-
educação, raiando mesmo pelos limites onde não existe educação, já
que a educação só existe quando estiver de acordo com a sociedade;
ora, os pensadores, os líderes, os investigadores e os pioneiros são jus
tamente pessoas que, na grande maioria das vezes, se caracterizam por
serem contra a sociedade e por serem criadores de coisas contraditó
rias ao que a sociedade faz. Outra nota deficiente na definição de Dur
kheim assim como na de Larroyo é de só admitir educação para crian
ças e jovens (3); ora, o homem é educável e realmente se educa desde
o momento da concepção até à morte como, entre outros, muito bem
o desenvolveu todo o sistema pedagógico e filosófico de Comênius. A
falha central da definição de Durkheim e de Larroyo, porém, é de exa
gerar o papel da educação social, a tal ponto que esta acaba devorando
total ou parcialmente a educação moral, a educação religiosa, a educa
ção pessoal, enfim todas as outras espécies de educação. Durkheim
tem o mérito de insistir na educação social, não sistematicamente ana
lisada pela educação clássica e medieval, mas desequilibrou-se, exage
rando-lhe o papel e, com o exagero, comprometeu a própria verdade
que descobriu.
John Dewey, após longamente estender-se, afirma: “Chegamos
assim a uma definição técnica da educação: é uma reconstrução ou
(1) Educação e Sociologia. 5.ed. Trad. bras. São Paulo, Melhoramentos, s.d. p.
32, itálico nosso.
(2) La Ciência de laEducación. 5.ed. México, Porrua, 1959. p. 3 0 ,itálico nosso.
(3) A mesma deficiência em MEUMANN, Ernesto. Pedagogia Experimental. 3
ed. Trad. arg. Buenos Aires, Losada, 1957. p. 12.
76
reorganização da experiência, que esclarece e aumenta o sentido desta
e também a nossa aptidão para dirigirmos o curso das experiências
subsequentes” (A). Definição esta tomada, no Brasil, por Anisio Tei
xeira.
Dewey, pragmatista, só admite educação onde houver “recons
trução da experiência’' de maneira a capacitar-nos “para dirigirmos o
curso de experiências subseqüentes” . Educação, como a originada das
ciências especulativas puras, da educação religiosa que em si nada tem
necessariamente de “reconstrução de experiências”, nem de resultados
práticos e imediatos para dirigir nada ulterior, devem ser, como real
mente são, banidas; só tem sentido a educação que trouxer resultados
práticos, o que aliás é muita vez conCeito imoral e desumano em edu
cação, pois quantas pessoas, inclusive o próprio Cristo, que tudo fize
ram para conseguir bons resultados, “para dirigir o curso, de experiên
cias subseqüentes”, e acabam crucificados numa cruz. O vício central
da definição deweyana é a obrigatoriedade e a necessidade de se ter
êxito em tudo; o êxito, assim, vem a ser o critério da verdade e portan
to da educação: teve êxito, ajudou a melhor dirigir experiências ulte
riores, é educação; como, pelo contrário, não conseguiu êxito, não é
educação, por mais boa intenção e auto-educação que haja. Além de
unilateral, a definição de educação de Dewey oferece flanco aos ata
ques de imoralidade, de desumanidade e de não poder aplicar-se ao
imenso e nobre domínio da especulação pura.
Sob a influência da Pedagogia Nova, segundo alguns nascida em
Rousseau, autores existem de tal modo ocupados e preocupados com
a educação da infância, que esquecem as educações das demais idades
e definem educação só pela educação infantil; é como a pessoa que
fosse definir a essência humana e só a definisse abrangendo a criança:
“homem é o animal racional de, no máximo, sete anos”. ‘‘Educação,
escreve Ruy de Ayres Bello, “é a influência intencional, direta e siste
mática, do homem adulto sobre a criança, com o fim essencial de pro
mover a plena realização da sua humanidade” (5). Mesma idéia em Ro-
ger Cousinet (6), Emílio Durkheim (7), Redden e Ryan em parte (8).
Benedicto Goels (9) e G. Cruchon (10).
(4) Democracia e Educação. 3.ed. Trad. bras. São Paulo, Nacional, 1959. p. 83,
itálico nosso.
(5) Filosofia Pedagógica. 3.cd. São Paulo, Editora do Brasil, 1961. p. 29, 32-3.
itálico nosso.
(6) A Educação Nova. Trad. bras. São Paulo, Nacional, 1959. p. VII-IX.
(7) Educação e Sociologia. Trad. bras. São Paulo, Melhoramentos, s.d. p. 32, 6.
(8) Filosofia Católica de la Educación. Trad. cast. Madrid, Morata, 1956. p. 53.
(9) Pedagogiae Christianae Elementa. Romae, Herder, 1956. p. 25.
(10) Psychologia Paedagogica. 2. ed. Romae, apud Saedes Pontiíiciae Universita-
tis Gregorianae. 1962. p. 11, 26.
77
Jacques Maritain, ao definir a educação como “a conquista da li
berdade interior” (11), expressa com outros termos o que diz a defini
ção: “a educação é a atualização das boas potencialidades da pessoa,
enquanto pessoa”. Igualmente Arsenio Pacios Lopez: “A educação é
a perfeição do homem quanto a suas faculdades racionais e quanto às
que se submetem ao império da razão” (12).
Alberto Pinkevich, fiel à doutrina de Marx: “Podemos conside
rar a educação propriamente dita como a ação prolongada de uma ou
mais pessoas sobre outra com a finalidade de desenvolver suas qualida
des inatas biológica e sociologicamente úteis” (13).
Como pedagogo de um regime totalitarista, Pinkevich concebe a
educação à maneira de uma ação exterior, exercida sobre uma pessoa
que passivamente vem a ser o educando; nada, ou muito pouco da
educação de dentro para fora, de auto-educação. Além disso, não há
qualidades educacionais inatas, mas sim potencialidades inatas, quali
dades essas que poderão ser úteis, não só biológica e sociologicamente,
mas também moralmente, religiosamente, especulativamente, psicolo
gicamente, etc. Pode mesmo acontecer que a educação tenha qualida
des biológica e sociologicamente úteis, mas imorais e que portanto
deverão ser deixadas; por exemplo, numa região, mais ou menos in
fluenciada pelo maquiavelismo, roubar do país vizinho pode ser bioló
gica e sociologicamente útil, e não o ser moralmente e por conseguinte
nem educacionalmente.
Nessa altura, é preciso insistir noutra definição de educação, en-
contradiça em manuais tanto de Pedagogia quanto de Filosofia da
Educação e que, com algo de razão no início, acaba caindo nos alam
biques do extremismo; é a concepção de educação, como influência,
isto é, como ação exercida de fora sobre o educando. Realmente, a
maioria das vezes a educação inclui uma ou mais influências, uma ou
mais ações de fora; contudo, a educação não é principalmente e muito
menos não é exclusivamente influência ou ação, como certas defini
ções o afirmam, como por exemplo escrevem Redden e Ryan: “Edu
cação”, afirmam, “é a influência deliberada e sistemática exercida pela
pessoa madura sobre a imatura” (1 4 ).“A educação”, escreve Durkheim,
“é a ação exercida pelas gerações adultas sobre as gerações que não se
encontram ainda preparadas para a vida social...” (15). “No sentido ge-
(11) Rumos da Educação. 2.ed. Trad. bras. Rio de Janeiro, Agir, 1959. p. 28-30.
(12) Ontologia de la Educaciôn. Madrid, Consejo Superior de Investigaciones
Científicas, 1954. p. 20.
(13) La Nueva Educaciôn en la Rusia Soviética. Mexico, Frente Cultural, s.d.
p. 5, itálico nosso.
(14) Filosofia Católica de la Educaciôn. Trad. cast. Madrid, Morata, 1961. p. 53.
(15) Educação e Sociologia, ed. cit. p. 32,6, itálico nosso.
78
ral da expressão", fala Aguayo, "educação é o conjunto de influências
que se exercem sobre o indivíduo e que contribuem a adaptá-lo ao
meio cósmico e social” (16).
PRÁTICA:
/ - Por meio da noção de “a to ” e “potência”, você poderia mostrar t omo a edu
cação é um processo de dentro para fora?
2 - O que você achou da definição de educação como “a atualização das boas
potencialidades da pessoa enquanto pessoa”?
3 - E a definição de educação como “a socialização do educando", o que você
achou dela?
4 - Se você tivesse um filho, você educaria à base do conceito de educação de
Durkheim, apresentado em seu Educação e Sociologia?
5 - A ideologia está de acordo com a definição de educação como “a socializa
ção do educando ” ou como "a atualização das boas potencialidades da pes
soa enquanto pessoa"? Por quê?
79
teligência, que só serão adquiridas com o auxílio de outrem, levantan-
do-se o problema da fé e consequentemente das relações entre fé e au
to-educação. Antes, porém, de se abordar diretamente o conceito de
fé e de suas relações com a auto-educação, faz-se necessário distinguir
entre fé e crendice, entre fé e credulidade, entre fé e fideísmo, concei
tos tradicionalmente confundidos e transmitidos.
Não se pode e não se deve crer em alguma coisa ou em alguém,
sem exigir anteriormente as credenciais. A fé tem que ser precedida de
m otivos para crer, constituidores de seu cartão-de-apresentaçâo. Se
me perguntarem, por exemplo: “Por que você tem fé em seu aluno
Paulo”, responderei com os seguintes motivos: “Primeiro, porque Pau
lo, conhecido meu há dezesseis anos, jamais me decepcionou; em se
gundo lugar, porque é pessoa honesta e cumpridora do dever; em ter
ceiro lugar, porque, no dia 10 de janeiro, numa circunstância difícil, vi
confirmar-se, mais uma vez, a lealdade de Paulo; finalmente, porque a
educação de Paulo me fornece provas para crer nele”. Esses fatos e es
sas provas constituem os chamados motivos de credibilidade, absoluta
mente necessários em todos e em cada um dos atos de fé; sem eles, a
fé muda de espécie, deteriora-se e transforma-se em crendice, creduli
dade ou fideísmo; entre a fé e estas suas paródias, a diferença é de es
pécie, isto é, de essência e não só de grau.
Há muitas espécies de fé. Que alguém pense um pouco e tente
ver se pode passar um minuto sem fazer inúmeros atos de fé nas coi
sas e nos homens; como, por exemplo, encontrar-se Paulo, agora, na
rua, sem ter fé na solidez do chão, sem ter fé na pureza do ar, sem ter
fé na capacidade do arquiteto criador dos arranha-céus. sem ter fé na
especialidade do engenheiro que construiu os edifícios, sem ter fé na
perícia dos motoristas dos carros que passam,etc. A tal ponto é isso
verdade que, ao falar da História como ciência, Henri-Irénée Marrou
afirma que, “em definitivo, ela repousa sobre um ato de fé co n h ece
mos do passado aquilo que cremos verdadeiro de entre o conjunto do
que compreendemos do conservado pelos documentos” (18).
Os motivos de credibilidade, primeiro passo para o ato de fé, an
tes de mais nada constituem, pois, enriquecimento para a inteligência
e conhecimento para a razão, distinguindo-a e separando-a categorica
mente da crendice, da credulidade, do fideísmo e da simploriedade
que não pedem provas para crer, levantando-se, pelo contrário, como
humilhação para a razão humana a diminuição para a personalidade da
pessoa. Ninguém pode e nem deve crer, se antes não conseguir ver que
pode e deve crer. O próprio termo “credibilidade” manifesta bem o
que é o conceito: “credibilidade é a qualidade daquilo que é crível” ;
80
nada que não for.anteriormente provado como crível, deve ser crido.
Credibilidade é, assim, tão distinto de credulidade, de simploriedade,
de fideísmo e de seus sinónimos quanto crível e distinto de crédulo.
Ti atando-se, pois, da fé revelada, a inteligência, primeiro, postula que
se prove a autoridade de Deus, servindo-se para isso inclusive da Teodi-
céia e, em segundo lugar, que se demonstre a realidade do fato revela
do, utilizando-se especialmente da História. Se a fé tiver esta prepara
ção por meio dos motivos de credibilidade, percebe-se não constituir
ela ato da sensibilidade, nascido do coração ou do instinto religioso,
como pretende Kant; nem tampouco será ato da vontade, como que
rem alguns protestantes; nem ato cego, como ensinam os modernistas.
Por outro lado, a fé não seria fe, se não fosse também ato da
vontade. De dois modos concorre esta faculdade para a constituição do
ato de fé : de modo indireto, enquanto leve a pessoa a agir em determi
nado sentido, pois, como cada um vê as coisas conforme é, a fé existi
rá ou não, conforme a vontade da pessoa; de modo direto, porém re
moto, enquanto a vontade leva a inteligência a esclarecer-se a respeito
do ato de fé, adquirindo, desta maneira, os motivos de credibilidade e,
de modo direto, porém próximo, enquanto livremente baseada na
bondade da coisa, manda ou não a inteligência dar seu assentimento.
A fé, em resumo, é o assentimento firme da inteligência sob o
império da vontade (19); ou, trocado em miúdo, ter fé é acreditar no
que não se vê. A fé pode ser considerada como ato ou como hábito,
sendo este simplesmente eco daquele. •
No ato de fé e, portanto, na fé, distinguem-se: 1) a participação
da inteligência, desde os motivos de credibilidade até o assentimento;
2) a participação da vontade, especialmente para mandar a inteligên
cia afirmar o “sim” ou o “não”.
Colocados os conceitos de fé e de crendice, estabelecidas a im
portância dos motivos de credibilidade e a inteligibilidade da fé mos
trando como a fé é algo de dentro da pessoa para fora, pode-se final
mente chegar ao assunto inicial; “Quando se fala de educação moral
e de educação religiosa, existe possibilidade de aplicação do princípio
de que educação é auto-educação?” .
O educando, responde-se, obrigar-se-á ou não a aceitar determi
nadas leis, determinados dogmas, determinada religião, conforme o
convencerem ou não os motivos de credibilidade, que poderão ser-lhe
explicados pelo mestre, pelos pais ou pelos livros. Sua vontade, ba-
seando-se nas vantagens da coisa, apontadas pela inteligência, mandará
então a própria inteligência aceitar ou não. A decisão é livre, e eminen
temente pessoal, vinda de dentro do mais íntimo ser da pessoa, sendo,
81
portanto, enobrecedora e educativa a fé, onde por conseguinte sempre
existe auto-educação, porque o educando, livre e espontaneamente,
fundamentando-se nos motivos de credibilidade e na bondade da coi
sa, objeto da fé, manda, ele mesmo e só ele, sua própria inteligência as
sentir ou dissentir. Deste modo, também a educação moral e a educa
ção religiosa São feitas sob o signo do princípio de que educação é au
to-educação, nada encerrando nem contra a Moral e nem contra a Re
ligião.
PRÁTICA:
/ - A fé existe continuamente em nossa vida? Por quê?
- - O que você achou da participação da inteligência e da vontade na definição
da fé?
J - Qual é a diferença entre fé e crendice?
4 - A fé violenta a Uberdade e a educação do educando? Por quê?
O
82
vegetativa e da vida animal quanto as da vida racional; do contrário, o
feto não poderia vir a ser homem, com todas as qualidades que poste
riormente se constatam existir nele. Logo, em potência, não em ato,
encontram-se no feto milhares de qualidades vindouras.
A educação é justamente o processo melhor, o processo mais efi
ciente de fazer passar as potencialidades do homem que as possui em
potência para o homem que as possuirá em ato. Por isso, a educa
ção é a atualização das potencialidades da pessoa humana, enquanto
pessoa. As potencialidades da vida vegetativa, como nos vegetais, atua
lizam-se matematicamente por si mesmas, sem auxilio de qualquer
educador; a laranjeira, por exemplo, como o feto humano, por si mes
mos terão respiração, circulação, quilificação, crescimento, frutos e
morte. Aqui não há possibilidade de educação, apesar de haver conti
nuamente atualizações de potencialidades: tudo está natural e mate
maticamente marcado para um só rumo e para ele caminham e cami
nharão eternamente do mesmo modo.
No mundo animal, tanto do bruto como do homem enquanto
animal, também existem atualizações de potencialidades; não, porém,
educação, uma vez que tudo está marcado, até certo ponto, para um
só rumo; diz-se “até certo ponto”, por causa do adestramento, fruto
da “liberdade”, da “inteligência” de certos animais. Por isso, em assun
tos da visão relativamente ao colorido, da audição relativamente ao
som, da sensibilidade, diretamente existem atualizações; indiretamen
te pode haver educação, quando houver caminho indicado pela inte
ligência e trilhado pela parte animal; por exemplo, na educação estéti
ca, que é educação do sentido inteligenciado, isto é, dos sentidos e da
inteligência formando um só todo conhecedor do belo artístico, ne
cessária e essencialmente existe a participação da parte animal e da
parte racional, própria esta só do homem enquanto racional.
O mundo do homem, além das potencialidades e das atualiza
ções do mundo vegetal, do mundo animal, possui outras, exclusiva
mente suas: as idéias, os raciocínios, as volições, as ciências, as artes,
a sabedoria, a fé, etc. Ora, estas potencialidades, exclusivas do homem,
enquanto racional, abrangem dois campos: o da inteligência e o da
vontade, ou melhor, o das virtudes intelectuais e o das virtudes morais.
Seguindo tradição pedagógica multissecular, chamaremos de “semen
tes”, os germes guardadores desses princípios, em que estão potencial
mente contidos, de um lado, todos os conhecimentos, todas as ciên
cias, toda a filosofia e sabedoria que um dia serão atualizadas e, de ou
tro lado, todos os hábitos, volições e desejos do apetite intelectual e
até certo ponto do apetite sensitivo. As sementes do campo intelec
tual são os princípios primeiros, ou princípios feitos só de noções co
mo a noção do ente, de unidade, de verdade, de bondade etc.,ou prin-
83
cípios feitos de juízos, como o princípio de identidade e o princípio
de contradição; as sementes do campo moral são os princípios da or
dem moral, constituindo a sindérese, que tambe'm se compõem, ou
simplesmente de noções, como o conceito de bem e de mal, ou de juí
zos, como: “é preciso fazer o bem e evitar o mal” , etc.
A educação, pois, em sentido estrito, será a atualização dessas
sementes, que tanto frutificam em ações como posteriormente em há
bitos. Como a educação é a atualização das potencialidades da pessoa,
só pode haver educação de dentro para fora de si; afinal, é atualiza
ção das potencialidades do educando e de mais ninguém.
PRÁTICA:
/ - Escolher um exemplo seu de potencialidade.
2 - Mostrar como o homem contém todas as potencialidades de todo o universo.
3 - Baseando-se no conceito de potência, você pode demonstrar como a educa
ção tem que ser um processo de dentro para fora?
B.l - INTRODUÇÃO
84
Santo Agostinho e Kant; ainda que realizados de modo cientifico, fo
ram estudos espontâneos, não conscientimente estruturados para a
constituição de uma ciência nova, como começou a ser feito a partir
de A. Meinong e de Carlos Ehrenfels, no século XIX.
Atualmente, entre as numerosas e diferentes pesquisas, duas
grandes correntes se disputam o mundo do conceito de valor: a primei
ra, derivada da filosofia de Kant e do método fenomenológico, afirma
que o valor não pode ser ente real; a segunda, mergulhada na filosofia
de Aristóteles, de Tomás de Aquino e de Maritain, diz que o valor se
reduz ao conceito de ente, focalizado em um de seus aspectos: o da
bondade.
85
da personalidade da pessoa que as enuncia; quer queira, quer não, le
vantam-se como autênticas construções de quem as pronuncia, sendo
consequentemente revelação da filosofia, das posições filosóficas, edu
cacionais e políticas de seus respectivos autores. Elas são portadoras
do valor, atribuído pela pessoa, ao Capricho Italiano, à colonização so
viética, à filosofia de Maritain e ao progresso do Brasil; e justamente,
por isso mesmo, estes e juízos análogos, diferentemente dos juízos
de simples realidade, são chamados juízos de valor, porque constituem
um juízo da pessoa sobre a bondade (ou a maldade) do ser.
O juízo de valor prende-se à subjetividade e, em última análise,
ao apetite do qual necessariamente depende. Conforme a sede, será a
valorização da água; conforme a filosofia de cada um será a valoriza
ção da potência colonialista da União Soviética. O idealismo é corren
te filosófica que leva a pessoa demais para dentro de si mesma, incli
nando-a para um auto-fechamento, para o solipsismo, para a negação
do mundo de fora e consequente afirmação só do mundo das idéias,
podendo levar o pensador até à afirmação de que sua própria pessoa
é Deus e de que, deste deus, depende o universo. Resumíndo-se a
tendência para a subjetividade com a tendência para a negação da
objetividade do mundo, obtém-se a corrente do valor, comum a pensa
dores como Marx Scheler, Jean-Paul Sartre e Martinho Heidegger, deri
vada para filósofos da educação, como A. Messer, que mais ou menos
negam a objetividade do valor educacional.
Outros autores e é o modo empírico de pensar do mun
do ocidental, dos cristãos e dos povos em geral constatando o
influxo tanto da subjetividade da pessoa quanto da objetividade da
coisa, afirmam ser o juízo de valor, assim como o próprio valor, de
pendentes de dois elementos; de um lado e em primeiro lugar, da obje
tividade da própria coisa em si; e de outro lado e em segundo lugar, da
subjetividade da pessoa. Defendido por Jacques Maritain e Régis Joli-
vet, este modo de pensar baseia-se na filosofia perene, em Aristóteles,
em Santo Agostinho e em Santo Tomás de Aquino.
Se Paulo deseja algo, chamará a este algo de bem, porque lhe
completa a pessoa, trazendo-lhe alguma coisa que não possuía, encon
trando-se esta para ele como o ato para a potência que vai ser aperfei
çoada. Se Maria quer casar-se com Paulo, este será o bem de Maria,
porque Uie traz muitas realizações de seu ser. A civilização, por ser
fonte de felicidade, é um bem. Conclusão: qualquer ente, enquanto
for objeto de apetite, chama-se bem. O bem, portanto, nada mais é do
que o ente enquanto é objeto de apetite. Pode-se ver, pois, a ligação
entre bem e valor: o bem é o próprio ente enquanto é objeto do apeti
te (21), ao passo que o valor nada mais é que o ente enquanto apeteci
do, "em determinado grau’’, pelo apetite da pessoa. O bem é transcen-
86
dental (22), quer dizer, estende-se a todas as coisas, como atestam a
existência do bem físico, do bem intelectual, do bem moral, do bem
econômico, do bem religioso, do bem artístico, etc.,que são especifi
cações do bem transcendental. O valor também é transcendental, como
o demonstram o valor artístico, o valor físico, o valor moral, o valor
intelectual, o valor religioso, o valor estético, o valor educacional, etc.,
especificações do valor em geral.
Só existe valor onde houver apetite, e a riqueza do valor, além
de depender da objetividade da coisa, está condicionada também pela
intensidade do apetite, como se pode constatar, pelos exemplos da se
de. Ora, a coisa que se apetece, torna-se bem; como o valor é a coisa
apetecida, conclui-se que o valor é um bem; o valor nada mais é do
que o bom enquanto focalizado em determinado grau de sua relação
com o apetite, isto é, com a subjetividade da pessoa. Tanto no bem
como no valor existem simultaneamente os dois elementos: o objeti
vo e o subjetivo; do contrário, nem o valor seria bom; mas, no valor,
além dos elementos comuns do bom, existe explicitaçáo tanto do ele
mento objetivo do bom, ao insistir no grau de entidade de cada ser,
como do elemento subjetivo, ao frisar mais a intensidade do apetite.
O valor, portanto, nada mais é do que o grau de bondade do ente em
relação à intensidade do apetite.
87
classes: uma empírica, natural, espontânea, brotada das experiências
da vida e da filosofia do bom senso, espalhada pelos povos; outra,
científica, filosófica, reflexa, nascida das experiências da vida e da
ciência filosófica, especialmente das críticas filosófica e educacional.
Valor, como se explanou, nada mais é do que o grau de bondade do
ente em relação à intensidade do apetite. Conclusão: o valor educacio
nal nada mais é do que o grau da bondade da educação da coisa em
relação a intensidade do apetite da pessoa; o valor da educação brasi
leira, por exemplo, dependerá da própria educação brasileira em si
mesma e da intensidade do acordo ou do desacordo dela com a vonta
de do julgador.
Autores de Filosofia da Educação e de Pedagogia, ao estudarem
o valor educacional, dão grande ênfase à classificação ou às classifica
ções, quando não fazem disso o centro do valor educacional. Ora, tais
classificações são muito pessoais e relativas. É mais educativo e perso-
nalizador fornecer os princípios do valor educacional, deixando a cada
um a classificação sistemática desses valores, necessariamente mais ou
menos variáveis de pessoa a pessoa, de momento a momento, de região
a região.
PRÁTICA:
/ - No valor entra só o elemento objetivo, ou só o elemento subjetivo, ou os
dois ao mesmo tempo?
2 - Através de um exemplo, encontrado por você mesmo, mostre a sua posição
decorrente da resposta à pergunta anterior.
.1 - Como ê que você explica que o valor é uma espécie de bem ?
4 - A uma turma de rapazes e de moças, você poderia oferecer uma explicação
do valor através da definição: “o valor nada mais é do que o grau de bondade
do ente em relação à intensidade do apetite”?
5 - Na ideologia, seja ela da esquerda ou da direita, a pessoa escolhe os valores,
inclusive os educacionais, ou eles são impostos à pessoa, de fora para dentro?
BIBLIOGRAFIA
88
et note de Henri-lre'née Marrou et traduction de Marguerite Harl. Pa
ris, Cerf, 1960.
6 COMENIUS, João Amos. Didática Magna. Tratado da arte universal de en
sinar tudo a todos. Introdução, tradução e notas de Joaquim Ferreira
Gomes. Lisboa, Fundação Calouste Gulbenkian, 1966.
7 DEWEY, John. Democracia e Educação. 3. ed. Trad. bras. São Paulo, Na
cional, 1959.
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rial Universitária de Buenos Aires, 1959.
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1960.
II LOPEZ, Arsenio Pacios. Ontologia de la Educación. Madrid, Consejo Su
perior de Investigaciones Científicas, 1954.
12 MARITAIN, Jacques. Rumos da Educação. Trad. bras. Rio de Janeiro,
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13 MARROU, Henri-Irénée. Histoire de l'Éducation dans l ’A ntiquité. 4. ed.
Paris, Seuil, 1958.
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guste Dies. Paris. Les Belles Lettres, 1959.
15 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Emile ou de l’Éducation. Nouvelle e'dition,
avec une introduction, une bibliographie, des notes et un index analy
tique par François et Pierre Richard. Paris, Garnier, 1957.
16 SIQUEIRA, Antonio Alves. Filosofia da Educação. 2. ed. Petrópolis, Vo
zes, 1948.
17 TEIXEIRA, Anísio. Educação Progressiva, uma introdução à Filosofia da
Educação. 4. ed. São Paulo, Nacional, 1954.
18 V1EYRA, Alberto Garcia. Ensayos sobre Pedagogia según lamente de San
to Tomas de Aquino. Buenos Aires, Desclce de Brouwer, 1949.
89
Parte IV
TELEOLOGIA DA EDUCAÇAO
O pássaro tem asas para voar; finalidade das asas: voar. O carro
tem rodas para o fazer correr; finalidade das rodas do carro: fazer cor
rer. 0 peixe tem barbatanas para nadar; finalidade das barbatanas do
peixe: nadar. Os olhos foram feitos para ver; finalidade dos olhos: ver.
Todo fim è uma coisa: voar, correr, nadar, etc. Ninguém e nenhu
ma coisa tem por finalidade o nada ou o mal, a não ser que os tratem
como alguma coisa. Além de ser alguma coisa, a finalidade é alguma
coisa em vista da qual se age. Toda finalidade, pelo menos na ordem
da natureza, inclui, para quem apetece um-fora-de-si constituído pela
coisa em vista da qual se age. O fim , pois, é aquilo em vista do qual a
coisa é feita (1).
Expliquemo-nos um pouco mais. Todo fim é um “aquilo” , que
se pretende ter. Ora, se se pretende adquirir, este “aquilo” será tratado
à maneira de algo que está para o apetite como o ato para a potência.
Em qualquer caso, o ato e a potência, para poderem agir um sobre o
outro, deverão pertencer à mesma ordem; quer dizer, a pedra não po
de receber um raciocínio, isto é, não pode ter um raciocínio porque
não pertence à ordem dos seres intelectuais, assim como o vegetal não
fala, isto é, não recebe o ato de falar porque sua natureza não perten
ce à ordem dos entes que falam. A pessoa ou a coisa, se apetecerem
um fim, terão que ter tido ordem para com este fim. Apetecer algo de
91
fora é, portanto, de certa maneira apetecer algo de si, já que fora sim
plesmente existe em ato o que o apetite do ser já possui em potência.
O fim é aquilo em vista do qual se age. Toda finalidade supõe
movimento, pelo menos em potência. O fim é fonte de energia, a for
ça da causa é gerada pelo motor do amor à finalidade; se Pedro, por
exemplo, tiver por finalidade ser rico, retirará dessa finalidade um
mundo imenso e ininterrupto de múltiplas e renovadas energias. Os
meios, sendo caminhos, tomam o rumo indicado pela respectiva finali
dade.
Para haver finalidade, não é necessário que se faça exteriormente
a ação ou a coisa, ainda que para isso tenda naturalmente o movimen
to da finalidade; de si, o fim leva àexeèução do ato por meio do qual
se adquirirá o bem. Com esse princípio, pode-se distinguir entre causa
final e causa eficiente (2): a causa final permanece no domínio da in
tenção, podendo passar para o campo da mobilidade executiva, ao pas
so que a causa eficiente necessariamente supõe execução e ação para
concretizar o fim almejado pelo apetite; para haver causa final é neces
sário e suficiente que exista algo em vista do qual se age, mesmo que
a ação só se faça intencionalmente e só se realize dentro da mente da
pessoa sem nenhuma ação exterior.
Por meio da noção de causa final, expliquemos um pouco de que
modo basta a existência intencional da apetição para que se encontre
causa final e para que se distinga entre causa final e causa eficiente.
Primeiro, existe a coisa e sua bondade: é a causa final, considerada em
sua raiz, existente no mundo de fora da pessoa e capaz de agir sobre o
apetite. Em seguida, através da inteligência, ou através da inteligência e
dos sentidos, esta coisa e sua bondade pelo conhecimento colocar-se-ão
intencionalmente dentro da pessoa. Finalmente, como conseqüência,
se houver ordem entre a coisa e o apetite, brotará o agrado do apetite,
que então verá na coisa algo de si, uma complementaçâo de si, isto é,
estará para a coisa como a potência para o ato; daí o apetite querer a
coisa como bem seu, isto é, como finalidade. Esta preordenação do
apetite, se derivar da própria natureza, como da natureza da pedra de
riva o “apetite” de cair, chama-se apetite natutai, se derivar, não já
diretamente da natureza da coisa, mas sim de seu conhecimento sen
sitivo, chama-se apetite sensitivo, como do conhecimento da carne
deriva para o cão o apetite para com a mesma carne; finalmente, se
derivar do conhecimento da inteligência, chamar-se-á apetite inte
lectual, que é a vontade. O que constitui formalmente a causalidade
da finalidade é este agrado do apetite para o bem; em outros termos,
é o amor que nada mais é que a adaptação do apetite para certo bem
92
(3). Ora, apenas existir “aquilo em vista do qual se faz”, quer dizer,
apenas existir amor, já houve finalidade, que é justamente a primeira
fase de “o aquilo em vista do qual se faz” . O desejo e a posse, que
acompanharão o amor, constituem o movimento para o bem e para a
finalidade, com sua aquisição posterior, fruto da causa eficiente. Dese
jo e descanso então para a finalidade e para o amor como o movimen
to e o ponto final então para o ponto inicial. Portanto, quando houver
amor, já houve finalidade. Mas o desejo e o descanso, ao aparecerem,
já existiu também a causa eficiente, que é justamente a concretização
da finalidade.
As relações da finalidade com o amor, através do conhecimento,
são fundamentais para a educação, uma' vez que mostram como só se
pode realmente educar para uma finalidade quando esta for realmente
fim para o educador e para o educando, e se esta lhe for realmente fi
nalidade, haverá amor. Onde, pois, não houver amor à finalidade edu
cacional, será prova de que não existe realmente esta finalidade, mes
mo que a pessoa ou a escola jurem haver e seguir tal finalidade.
PRÁTICA:
1 - Inventar um exemplo de ato e um exemplo de potência.
2 - Fazer um paralelo entre causa final e causa eficiente.
3 - A través de um exemplo seu e servindo-se da noção de ato e potência explicar
o que è o amor.
4 - O que é apetite natural?
5 - Você entendeu a frase: "Apetecer algo de fora é, portanto, de certa maneira
apetecer algo de si”?
93
tinuamente estar vivendo e agindo o educador, o educando, o pai, o lí
der político, o professor ou o gerente de fábrica, etc. Conclusão: o
amor deve formar o fundamento, impregnar o ambiente e vitalizar to
da e qualquer educação. Será essencialmente diferente, pois, a aula de
Matemática ministrada por um professor que tem amor à educação, à
sua escola e a seus alunos, da mesma aula ministrada por outro profes
sor, tão capaz quanto o primeiro, mas a quem só interessa dar a aula,
sem nenhum amor à pátria, nem à educação, nem à escola e muito
menos aos alunos. Para falar de modo preciso: não existe, em concreto,
instrução só, isto e', só ensino de Matemática, ou de Física,etc.;o que
sempre existe é juntamente com a instrução, outra dose, tão importan
te, se não de bem maior importância de educação ou de deseducação,
fruto do amor ou do desamor da pessoa do mestre, encarado então, não
como professor de Matemática ou de outra especialidade, mas como
educador.
Educar, portanto, necessariamente inclui amor. O que aconteceu
através de séculos é que de tal modo se preocuparam com a instrução,
especialmente com a instrução em abstrato, que se acabou às vezes es
quecendo a educação,isto é ,o amor. Na realidade, jamais existe instru
ção só. Como não existe o professor só, mas sim a pessoa do professor,
assim também não existe aulas de Filosofia só ou de outra especiali
dade qualquer, mas sim aulas da pessoa do professor de Filosofia ou
da pessoa do professor de qualquer matéria. Esta deficiência, esquece-
dora do papel importante e fundamental do elemento afetivo na edu
cação, apesar do ensino de um Comênius, de um Rousseau e especial
mente do ensino e da vivência do cristianismo, veio secar a educação,
intelectualizando-a demais, especialmente no século XX; para tal, além
do excesso de atenção dada ao tecnicismo, concorreram também tanto
o relegamento para com a educação artística quanto o complexo de
inferioridade para com todas as coisas do mundo do sentimento.
Releva notar a necessidade hoje em dia de se fixar o sentido do
conceito de amor, sob pena de se trazer confusão ao leitor ou de se ex
por ao ridículo o escritor. Amor, como se viu, supõe um ente, de tal
modo organizado, que encontra em outro ente, de tal modo organiza
do, uma correspondência que lhe agrada, de maneira que aquele se en
contrará para este como a potência para o ato, ou como o ato para a
potência, ou como o ato para o ato. O amor, portanto, nada mais é
do que essa adaptação complacente de um ente para o bem.
De muitos modos pode um ser adaptar-se a outro porque de mui
tos modos pode encontrar coadaptação noutro. Conseqüentemente, o
mesmo ente pode ser amado de muitos modos, conforme o aspecto
apetecido. Muitos são, pois, os amores. Em educação, os amores deve
rão derivar do aspecto educacional. Poderá haver, em educação, amo
94
res que nada encerrem de aspecto educacional. Mais; poderá haver, em
ambientes de educação, amores deseducacionais que, em nada, absolu
tamente mudarão a nobreza dos amores próprios da educação. Não é
porque duas ou mais idéias, duas ou mais profissões, dois ou mais
amores se encontram na mesma pessoa ou no mesmo ambiente, que se
identifiquem ou se contaminem por causa disso. O mesmo médico po
de ser grande especialista e alcoólatra, o mesmo prédio pode ser habi
tado por uma dignidade sacerdotal e por um canalha, a mesma socie
dade comercial pode ter pessoas ótimas e péssimas. Quando se falar,
pois, do amor necessário ou dos amores necessários em educação, po
dem eles ser entendidos de vários modos; por exemplo, por parte do
educador: amor às finalidades da educação, amor à pátria, amor à es
cola, amor à pessoa do educando como pessoa etc.;por parte do edu
cando relativamente ao educador: amor à pessoa do educador como
educador, amor à escola, amor à instrução, amor à educação,etc. Estes
amores não impedem outros que, dentro da matéria e do ambiente de
educação, podem nada ter de educacional, como o amor da educadora
à pessoa do educando como pessoa do sexo masculino ou o amor do
professor à educanda como pessoa do sexo feminino, etc.
A finalidade, por encerrar a perfeição que o apetite deseja, é a
fonte de educação e de toda a energia do universo. Qualquer ser, desde
o Ato puro até os minerais, só age por causa de uma ou de várias fina
lidades, que fundam seus amores. Em educação, pois, a finalidade, isto
é, o amor, já que este deriva da adaptação complacente do apetite para
a finalidade que então se torna bem, constitui todas e as únicas fontes
de energia. Daí a importância fundamental das finalidades em educa
ção, sempre ameaçadas de duplo modo: primeiro, porque a pessoa po
de desconhecê-las e não usa'-las, perdendo em consequência energias
do mundo educacional; em segundo lugar, porque, não possuindo a fi
nalidade verdadeira, pode colocar finalidades deficientes ou deletérias,
daí resultando energias que irão agir em sentido destrutivo, podendo
causar males a gerações inteiras, à prática, à sociedade e ao bem co
mum.
Em educação, à finalidade e ao amor correspondente, prende-se
o assunto do ambiente, também chamado m eio, e de maneira tão for
temente acentuada por Durkheim, Konstantinov, Dewey e pelas filo
sofias sociais radicais. Por ambiente entende-se o espaço material (4) e
especialmente o espaço espiritual encerrados entre as idéias e filosofias
e ideologias. A m biente, com propriedade de termo denominado “meio”,
é justamente o espaço intermediário entre a idéia-finalidade na ordem
(4) Conferir nosso Iniciação à Filosofia. 6. ed. São Paulo, Editora do Brasil,
1974. p. 74.
95
da intenção e a idéia-finalidade na ordem da execução; numa escola,
por exemplo, o ambiente será formado pelas finalidades (idéias) e pe
las normas (idéias) ali existentes; esta mesma escola pode hoje de ma
nha ter um ambiente e à tarde do mesmo dia ter outro ambiente, se
não oposto, por causa de novas finalidades da escola. Todo ambiente,
por ser um intermediário entre a intenção e a execução, é meio, é jus
tamente o meio. Por ser fruto da finalidade (de idéias) e por nâo se
constituir formalmente de matéria, o ambiente é uma coisa que se en
contra em toda parte e que nâo se encontra em nenhuma parte: como
meio, está em toda parte; como fim, porém, não se encontra em ne
nhuma parte. Apesar de não ser visto pelos olhos, de não ser percebido
pelo ouvido, de não ser conhecido por nenhum dos sentidos, o ambien
te exerce enorme influência sobre educando e educador, ou pressio
nando-os ou deixando-os a gosto; ou levando-os ou desviando-os de
determinado fim; ou colorindo tudo de azul, ou de vermelho, ou de
outras cores. Releva, porém, notar que o ambiente educacional, além
de depender das finalidades da educação, também deriva de outras fi
nalidades, fora do terreno formal da educação, como da finalidade do
regime político, da finalidade da Moral, etc.
Já que o ambiente, por ser meio, depende da finalidade, é fácil
descobrir que os ambientes serão tantos quantas forem as finalidades,
isto é, quantas forem as filosofias ou ideologias, especialmente o con
ceito de homem e de sociedade. Para Durkheim, o ambiente, derivado
do conceito de sociedade, é tudo em educação, tanto assim que esta se
define como “a socialização da criança” (5): “a educação consiste nu
ma socialização metódica das novas gerações” (6). Dentro de tal con
ceito de ambiente, não haverá nem liberdade pessoal, nem psicologia
individual e conseqüentemente nem educação de dentro para fora. “É
uma ilusão” , afirma Durkheim, “pensar que educamos nossos filhos
como queremos. Somos forçados a seguir as regras estabelecidas no
meio social em que vivemos. A opinião no-las impõe, e a opinião é uma
força moral cujo poder coercitivo não é menor que o das forças físi-
cas...Podemos revoltar-nos contra as forças materiais de que dependemos;
podemos tentar viver de outro modo, que não seja o implicado pela natu
reza de nosso meio físico. Mas, a morte ou a moléstia serão a sanção de
nossa revolta” (7). Durkheim é,portanto,radical quantoà influência co
ercitiva e determinista do ambiente sobre a pessoa e sobre o educando.
96
Por estar baseado em conceito de pessoa, de sociedade e finali
dade diferentes de Durkheim, também diferente será o conceito de
ambiente de pensadores e de filosofias como as de Pio XI (8) e de
Jacques Maritain. “O fim último da educação”, escreve Maritain, “es
tá na vida pessoal e no progresso espiritual do homem e não em suas
relações com o meio social... A essência da educação não consiste em
adaptar determinado indivíduo às condições e interações da vida social.
Mas em formar o homem, isto é, um cidadão eficaz. Não é apenas falta
de bom senso opor a educação à pessoa e ao bem geral. Mas o último
supõe a primeira como requisito essencial, e, em compensação, a pri
meira é impossível sem o último” (9).
Carlos Marx e filósofos da educação marxista, como A. Pinke-
vich, N.A. Konstantinov e M.T. Smimov, também fazem do ambiente
— determinado sempre, em última instância, pela infra-estrutura eco
nômica — o meio a que jamais se pode resistir; necessariamente a pes
soa e o educando sempre seguem as leis matematicamente retiradas da
matéria, pois não existe “a absurda lenda do livre-arbítrio” (10). Deste
modo, como a luz toma conta da sala, o ambiente haverá de formar
o homem: “O desenvolvimento do homem” , escreve Konstantinov,
“está condicionado pelo meio ambiente, ou dito com maior precisão:
pela atividade social e trabalhadora da humanidade” (11).
John Dewey é o protótipo do filósofo da educação radical quan
to à influência do ambiente como determinante necessária da liberda
de e da personalidade do educando e da pessoa. Limitamo-nos a um de
seus discípulos do Brasil, Anísio Teixeira: “O problema da liberdade
é, dominantemente, um problema de liberdade de inquérito e de fixa
ção das condições em que possa existir essa liberdade, como liberdade
de permitir contribuições individuais do pensamento, de modo que a
conduta de cada qual não seja imposta, mas fruto da sua própria deci
são. Esta decisão se fará, porém, na maioria dos casos, no sentido da
instituição social ou do costume dominante porque, desde que os pro
cessos de inquérito sejam regulares, será tão difícil inovar nesse cam
po, como no campo das ciências chamadas exatas” (12).
97
PRÁTICA:
1 - Como o amor explica a distinção entre instrução e educação?
2 ■ Por intermédio de um exemplo seu, mostrar como o meio é “m eio” entre a
finalidade na ordem de intenção e a finalidade na ordem de execução.
3 - Explicar como o amor é a fonte de energia e das ações de todos os seres do
universo, justificando a frase: “Só o amor constrói”.
4 - Você concorda com esta frase de J. Maritain: “A essência da educação não
consiste em adaptar determinado indivíduo às condições e interações da vida
social. Mas em formar o homem”?
5 - Que acha você da definição da educação apresentada por Emile Durkheim
como “a socialização do educando”?
98
Na ordem da execução, pelo contrário, primeiro existe a Peda
gogia, porque inicialmente se constata o prático, que é a educação e o
ato educacional em sua fase dinâmica; em seguida, como fruto dos
atos, nascerão os hábitos, gerando a fase estática da educação; depois,
a educação em geral, abrangedora de todos os hábitos educacionais, de
onde se passa ao terreno filosófico, postulador do terreno teológico ao
se afirmar que a educação em geral foi feita para o homem e o homem
para Deus, ou para si mesmo, ou para o Estado, ou para a Raça, ou pa
ra a Sociedade, ou para nenhuma finalidade, de maneira que, na or
dem da execução, assim se dispõe as finalidades: educação como ato
— *• educação como hábito------educação em geral— *■ homem
— *■ Deus, ou si mesmo, ou o Estado, etc.
Útil e oportuno é observar o papel da Filosofia da Educação e
da Pedagogia nessas finalidades da educação, pois constituem mais um
dos meios de se distinguir estas duas ciências, além de aclarar as rela
ções entre ambas e de melhor estabelecer sua devida hierarquia. A Pe
dagogia é ciência dos meios da educação, isto é, dos métodos levanta
dos pelas leis pedagógicas, que constituem pontes e auxílios de que se
vale a educação para atingir as finalidades indicadas pela Filosofia da
Educação e pela Teologia da Educação. A mesma Filosofia da Educa
ção pode servir-se de meios diferentes, isto é, de pedagogias diferentes
e mesmo opostas; pode usar uma pedagogia hoje a outra amanhã, sem
se mudar por causa disso; como pode, por outro lado, a mesma peda
gogia ser usada por filosofias da educação diferentes e mesmo opostas.
A Pedagogia lida com meios, a Filosofia da Educação com finalidades,
e nada impede que uma finalidade se sirva de meios diferentes entre si;
como, por outro lado, o mesmo meio pode ser utilizado por finalida
des diferentes, por filosofias da educação diferentes.
São finalidades deficientes e unilaterais da educação: 1) o volun-
tarismo, por só desenvolver um aspecto da personalidade do educan
do: o da vontade, pois o homem é um todo de que a vontade constitui
apenas uma parte, e quem desejar educar o homem, que é o todo, não
pode trabalhar no aprimoramento de um só aspecto; chamado às vezes
de educação do caráter, o voluntarismo é planta comum nos campos
dos regimes totalitários, nos ambientes de força ou de pressão, que
exigem obediência cega, sem ter que explicar o porquê das ordens e
das leis; 2 ) o intelectualismo, porque só desenvolve a educação da inte
ligência, de maneira que se tem uma pessoa de corpo normal com bra
ços de cinco metros cada um; 3) o sentimentalismo, que desenvolve
exageradamente os sentimentos e aparte afetiva;4 ) o tecnicismo que,
insistindo na importância real da educação técnica, exagera-lhe de tal
modo a importância que toda educação que não for imediatamente
prática, será combatida como parasitária e vã, de maneira que, em no-
99
me da formação de te'cnicos ou da formação de profissionais, em cer
tos meios pragmatizados, vê-se freqüentemente pessoas proscrevendo
a educação filosófica ou minimizando a importância da formação hu
mana na universidade; 5) a finalidade política, que insistindo na ativi
dade política, faz da ação política a principal atividade educacional,
de maneira que o estudante existe primeiro para ser político e depois
para ser estudante; 6) o sociologismo, de tal modo insistindo no aspec
to social, que dele faz a finalidade essencial e única ou a finalidade
principal da educação; 1 ) a perfeição dos meios, que absorve a atenção
e a atividade a ponto de fazer esquecer a finalidade, como certos mé
todos pedagógicos, que de tão aperfeiçoados, tudo resolveriam, pen
sam seus seguidores, dispensando cornb inútil a preocupação de finali
dade; 8) o desprezo dos fins, em pessoas que tem por inútil e ociosa a
especulação a respeito do assunto da finalidade educacional.
Modernamente vem-se tomando consciência do grave perigo de
corrente da imitação indiscriminada do ideal pedagógico. O conceito
de imitação, tanto na arte como em educação, exige demoradas refle
xões, sob pena de erros de profundidade. Como toda educação é auto-
educação, imitação no campo educacional, só pode ter sentido objeti
vo quando feita, antes de mais nada e de mais ninguém, pelo educan
do, conforme sua personalidade, com espontaneidade e pressuposto o
princípio de que sua natureza está de acordo e pede a finalidade da
educação que vai concretizar em si mesmo. Imitação, em educação, é
sempre algo que deve ir de dentro para fora; deve ser algo vivo, irrepe-
tível e sempre novo; neste sentido, toda educação é criação, e a educa
ção que não for criadora contínua da personalidade do educando, será
ato seco e estereotipado.
A imitação é o meio pelo qual o modelo da filosofia da educa
ção passa à encarnação no educando que, deste modo, vem a partici
par da perfeição do paradigma. Toda educação, como diz a etimologia,
é realmente uma elevação do homem, de maneira que sua natureza,
apesar de permanecer essencialmente a mesma, é continuamente eleva
da pela participação e aproximação do modelo, finalidade última da
educação.
PRÁTICA
/ - Por que a comparação entre finalidade e meio distingue melhor entre Filoso
fia da Educação e Pedagogia?
2 - O que você acha da frase: “O estudante, acima e antes do estudo, tem o de
ver de fazer política partidária”?
3 - A imitação deve ser sempre criativa? Por quê?
4 - Na ideologia, a pessoa pode escolher a ou as finalidades ou então ela ou elas
lhe são impostas?
100
IV.B - MÉTODO PEDAGÓGICO
101
do alguns conhecimentos e muitas experiências com anzóis, pois, do
contrário, não acertará, a não ser por sorte. Por isso, todo método, pa
ra'ser adquirido, exige dois elementos: primeiro, conhecimento, isto
é, teorias a respeito do assunto; em segundo lugar, experiências, isto é,
prática a respeito do mesmo assunto. A verdade do método é, portan
to, adquirida e bebida por meio de duas fontes: uma teórica e, outra,
prática. Como existem duas filosofias: a filosofia do bom senso e a fi
losofia dos livros; como existem duas lógicas: a lógica natural e a lógica
artificial, também existirão duas espécies de métodos:método empíri
co, em que as teorias nascem da vida e não de processos científicos,
nem de pesquisadores, nem de professores ou de livros;e m étodo cien
tífico, em que as teorias brotam de processos sistematizados, de pes
quisadores, de professores ou de livros, que por sua vez foram arrancá-
los da experiência. Na educação, portanto, existem métodos empíri
cos, empregados pela gente humilde do campo, pelos operários e pelo
primitivo que nada estudaram de Pedagogia, assim como existem mé
todos pedagógicos científicos, expostos nos livros de Pedagogia e por
pesquisadores e mestres da educação. Muita vez, quando se fala em
método, só se entende abranger os métodos científicos, porque só
eles conduzem com mais segurança à verdade, isto é, só eles realizam
com maior segurança a passagem da intenção para a execução. Os mé
todos empíricos, mais do que os científicos, podem levar a erros, exi
gir repetições erradas ou gerações sacrificadas. Mais; como são destituí
dos de crítica e de espírito crítico que os supervisionem, podem fazer
com que se permaneça indefinida e sossegadamente em coisas deficien
tes, deseducando e prejudicando. Alguém, por exemplo, convicto de es
tar fazendo coisa boa, pode, em nome da civilização e do progresso,
querer empregar para civilizar os índios, métodos que consistirão em
dar-lhes casa feita, fazer-lhes ver a simploriedade e inferioridade de sua
vida e de sua cultura, assim como as maravilhas da civilização do sécu
lo XX, as belezas da técnica e das cidades: isso, por tirar de modo in
feliz a filosofia do índio, matá-lo-á por dentro, porque lhe tira, sem
substituir, sua filosofia e religião. Desta maneira, método, em sentido
estrito, é só o baseado na ciência; é o método científico, porque, no
domínio pedagógico, só ele conduz, com maior segurança e certeza, da
intenção à execução.
Por outro lado, conclui-se que método é meio, é sempre consti
tuído de meios; o método é o meio de concretização da finalidade, é o
meio por excelência para a passagem da finalidade da ordem de inten
ção para a ordem da execução. Como a Pedagogia é a ciência dos mé
todos pedagógicos, ela é a ciência dos meios que permitem a passagem
da finalidade da ordem de intenção para a ordem de execução. Como,
por outro lado, a finalidade da educação é o assunto-mestre da Filoso-
102
fta da Educação, vê-se que os métodos pedagógicas constituem a terra
de ligação da Pedagogia com a Filosofia da Educação. Pode-se afirmar,
com propriedade de termos e de conceito: a Pedagogia é a ciência dos
meios que permitem a realização da finalidade apontada pela Filoso
fia da Educação; a Pedagogia é ciência de meios e de métodos, en
quanto a Filosofia da Educação é ciência de causa final e de finalida
des.
PRÁTICA:
/ - Como a etimologia explica o que o método é?
2 - Quais são os dois elementos que todo método deve ter?
3 - Por que é importante a teoria na aquisição de qualquer método?
4 - Fazer uma paralelo entre método empírico e método cientifico.
103
pios, percebe-se não poder os métodos sintético e dedutivo serem usa
dos por pessoas que ainda não conheçam os princípios, como são as
crianças e os alunos; devem ser usados ensino e método indutivos, co
mo são exemplos o método dos sentidos de Coménius e o método do
contato com a natureza de Rousseau. O uso do método sintético, pró
prio da pessoa adulta e já desenvolvida, constitui a mais grave deficiên
cia da quase totalidade da pedagogia dos gregos, dos romanos e de al
guns professores modernos porque, encontrando-se ela centralizada so
bre o adulto e sua psicologia, esqueceu ou ignorou a psicologia infantil,
tratando a criança como homem crescido, isto é, como adulto em mi
niatura.
O método de ensino, portanto, deverá ser o indutivo, ainda que,
depois do educando possuir os princípios, possa também aos poucos
ser usado o método dedutivo, que estará fundamentado nos princípios
do método indutivo. Método indutivo puro, sem nada de dedutivo,
não pode existir, porque os raciocínios de que o método indutivo se
serve são feitos enquanto baseados em princípios sintéticos; por outro
lado, método dedutivo puro também é impossível, porque os princí
pios do método dedutivo foram retirados da experiência pela abstra
ção, que é como uma indução, ou melhor, uma análise.
PRÁTICA:
/ - O que é compreensão?
2 - Fazer uma comparação entre método analítico e sintético.
3 - Por que no ensino se deve usar mais o método analítico?
4 - Por que a Pedagogia antiga falhou no uso do método pedagógico ’
5 - Por que se diz que "a indução é uma espécie de análise"?
104
que é sentimento, o que é o amargoso, o que é doce e, através de
exemplos, concretizará como toda saudade brota de um amor ausen
te. Finalmente, dará a definição: “a saudade é o sentimento amargosa
mente gostoso de um amor ausente”. É o m étodo de ensino.
No exemplo do método de invenção e do método de ensino, o
resultado é o mesmo: princípios, definições, leis, etc.;os meios, porém,
quer dizer, os métodos são diferentes. No método de invenção a defi
nição é dada toda de uma só vez, por intermédio da intuição; o ato da
descoberta, em si, é uma intuição, que exclui pois os raciocínios. No
método de ensino, pelo contrário, nada de intuição; só se serve de ra
ciocínios, e é raciocinando que se vai entendendo um por um todos os
elementos, até chegar ao resultado final, constituído pela definição.
Am bos os m étodos: o de invenção e o de ensino são analíticos, porque
vão do com plexo para o simples; um, porém, corre por intermédio do
caminho intuitivo; o outro se serve do caminho raciocinador e explica
tivo.
A criancinha, no início da vida extra-uterina, não distingue seu
ser do resto do mundo; depois, vai conseguindo distinguir sua pessoa
do resto dos seres; em seguida, conhece sua mãe, o pai, etc. Quando
perceber um cão, a criancinha o chamará de au-au. E se. por acaso, al
guém disser: au-au, a criança olhará e perceberá o cão, sem contudo sa
ber ainda o que é cor do cão, peso do cão, patas do cão, etc..qualida
des estas encontradas no animal. Como irá a criancinha saber qual é a
cor do cão. se ela ainda nem sabe o que é cor? O m étodo da primeira
infância e da educação em geral deverá, pois, ser o analítico, que é o
m étodo dos sentidos, como fala Comênius, ou de globalização, para
usar o termo de Decroly.
É preciso, porém, distinguir entre método analítico e método
dedutivo. O analítico é fruto de imprecisão e de escuridão; nele predo
mina a falta de distinção; não existe conhecimento desenvolvido; os
primeiros princípios ainda não foram desabrochados em conclusões,
geradoras de outras conclusões e de complexidade, que dividirão as
coisas, criando a possibilidade do método dedutivo, próprio do ho
mem amadurecido, do cientista e do pensador. 0 método dedutivo,
pelo contrário, é fruto de precisão e de claridade divididora; é conse-
qüéncia de conhecimento mais aprofundado; os princípios primeiros
já foram explicitados.
105
do pedagógico é de ensino, mas nem todo método de ensino é pedagó-
gico;quer dizer,o bom método de ensino chama-se método pedagógico.
Ainda que sejam numerosos, inúmeros podem ser os métodos
pedagógicos. Existe, por exemplo, o baseado em experiências pessoais
e de outros, não em lições de livros mas em intuições; é o método, por
isso mesmo chamado empírico-intuitivo, usado pelas pessoas do cam
po, pelos que não receberam instrução pedagógica, pelo instinto ma
terno, por Rousseau, por Tolstói em sua escola de Iasnaia-Poliana.
Não é porque o método é empírico que esteja errado, como também
não é porque é empírico que seja verdadeiro. O método de experiên
cias, muitas vezes o m étodo empírico (14), constitui a única fonte da
Pedagogia Clássica; quer dizer, as múltiplas experiências das escolas
forneceram várias conclusões, que foram sendo acumuladas através
dos anos, fundando assim leis da Pedagogia Clássica, como a emulação,
os prêmios, a cátedra do professor, a cadeira do aluno, a autoridade do
mestre, a exposição, a disciplina, etc. O m étodo socrático, originado
de conversas de Sócrates com os discípulos, é caracterizado por um
ensino equilibradamente dialogado entre mestre e alunos. Existe,
igualmente, o método intuitivo, em que propositada e cientificamente
se faz predominar a intuição, sendo especialmente aplicável na infân
cia, como se constata na pedagogia de Comênius, de Pestalozzi, de
Froebel e de Decroly. O m étodo de projetos, na Alemanha chamado
de método da escola de trabalho (“Arbeitschule”), é uma espécie de
método de intuição para a segunda infância e para adolescentes, em
que se toma um acontecimento ou uma coisa do dia, para em volta de
la o educando dizer ou fazer o que sabe. O m étodo Montessori, criado
por Maria Montessori, toma a criança como centro,e utilizando-se da in
tuição, através de cubos, de esferas e de figuras geométricas, desenvolve
a criança de dentro para fora; Helena Lubienska de Lenval tornou me
nos dispendioso o material do método de Montessori, fazendo-o aces
sível à classe mais pobre e infundindo-lhe espírito mais cristão.
Uma vez que muitos são os métodos, pode-se e deve-se indagar
pelo método pedagógico ideal. O ensino de todo método,especialmen
te do pedagógico, inclui, de um lado, a parte teórica onde se expõe a
finalidade em ordem de intenção e o melhor meio de atingi-la, que é o
método e, de outro lado, a parte prática onde se exercita em fazer pas
sar a finalidade da ordem da intenção para a da execução, isto é, onde
se exercita o método, anteriormente idealizado.
106
Quanto à parte teórica do método pedagógico ideal, se possível
o professor deverá saber todos os métodos, a fim de poder extrair de
les o que melhor se adaptar à sua personalidade e à sua disciplina.
Quanto à parte prática, quer dizer, quanto à aquisição dos hábitos pe
dagógicos de lecionar, as variações são infinitas de um professor para
outro e, por isso, não é possível, em tudo, dois professores com o mes
mo método pedagógico. Dissemos “em tudo”, porque a pessoa do pro
fessor, ao lecionar, encerra numerosos aspectos pedagógicos, ao passo
que qualquer método pedagógico, seja ele qual for, somente focaliza
rá um ou alguns desses aspectos. Na realidade, pois, jamais existe só
método de projetos, só método Montessori, etc. Na prática, não existe
método puro, não existe método puro ideal. O método Montessori,
por exemplo, ao ser aplicado, necessitará de escola, da vivência entre
os alunos e dos alunos com o professor, da existência do adulto, etc.,
que não são criações montessorianas, mas frutos de experiências peda
gógicas realizadas através dos laboratórios e dos mestres dos séculos.
Ao aplicar, portanto, um método, tido teoricamente por ideal,
0 professor, por causa das partes recolhidas e aplicadas dos outros mé
todos, estará marcando sua própria personalidade, e seu método, teori
camente ideal, vai ser fundido com métodos, tomados às vezes incons-
cientemente no decorrer de sua vida, de sua educação e desabrochados
como complementos, criando assim, para cada professor, o seu méto
do misto, revelador de sua personalidade e de todo seu ser. Pode-se
afirmar a seguinte ligação: tal pessoa, tal personalidade, tal educador,
tais métodos, tal método mais ou menos saliente, que formarão seu
método pedagógico ideal.
Há, porém, qualidades que o método pedagógico ideal, seja ele
de quem for, deve possuir: 1) ser flexível, de maneira que se adapte às
necessidades e à multiplicidade dos educandos, formando-os conforme
a personalidade própria e irredutível de cada um; 2) ser experimental.
no sentido de ter sido retirado das experiências do educando e no sen
tido de poder ser aplicado ao mesmo; 3) partir do exemplo para o
principio, do material para o imaterial, do conhecido para o desconhe
cido; 4) quando se tratar de aprender, estabelecer que o educando é o
principal; 5) partir do princípio de que educar é algo de dentro da al
ma do educando para fora e não vice-versa; 6) em geral, na educação,
é indispensável o auxilio do adulto.
PRATICA:
1 - Em que consiste o método Montessori?
2 ■ Você emprega o método socrático? Por quê?
3 A pessoa pode ter um método pedagógico ideal puro? Por quê?
4 Que método você usa na vida ou na aula?
107
Parte V
AGENTE DA EDUCAÇAO
V.A - EDUCANDO
109
modernos, Comênius divide a educação assim como a escola em sete
fases: 1) concepção e gestação; 2) nascimento e puerícia; 3) infân
c ia ;^ adolescência; 5) juventude; 6)idade viril; 7)velhice emorte (1).
(1) COMÊNIUS, João Amos. Consultation Générale sur la Réforme des Affai
res Humaines. Paris, UNESCO, 1957. p. 160-1.
110
sica afirmativa: “a criança, mesmo a criancinha ao nascer, é perverso
polimorfo”. A educação, pois, como os homens a entendem em geral,
ale'm de ir contra a natureza, que é essencialmente má, em sua essência,
em seus instintos e inclinações, faria surgir, como consequência uma
geração de frustrados, de neuróticos e de psicóticos. Assim, conforme
a tendência freudiana e calvinista, a educação consistiria em seguir a
natureza, que é má e perversa; o educando não só é a causa principal,
mas também causa única da educação, sendo empecilho e atrapalhação
tudo quanto for contra ela. 0 papel do educador limitar-se-á ao de es
pectador, de ocasião ou de condição, aliás dispensáveis.
A tendência de pedagogias modernas, representadas pela Escola
de Hamburgo e do Mestre-Camarada, faz do aluno o centro totalitário
da educação e da escola (2), assim como, ao contrário, tendências de
certa Pedagogia Clássica fez, como às vezes ainda faz, do mestre o cen
tro dogmático da educação e da escola.
Antes de se conceituar o papel do educando na educação, são
necessárias algumas noções, como as de causa, de causa eficiente prin
cipal, de condição e de ocasião, sem as quais as compromete o bom re
sultado da colheita do referido papel.
Existo. Se existo, tive causa, pois um dia comecei a existir, uma
vez que não posso ser causa de mim mesmo. Causa é, portanto,a coisa
que concorre à produção de outra coisa; é o principio que concorre à
produção de alguma coisa. As causas são quatro. Causa eficiente e' a
que concorre à produção de alguma coisa distinta de si mesma; três
coisas devem, pois, constituir a eficiência: 1) diversidade de substân
cia entre efeito e causa; 2) dependência do efeito em relação à causa;
3) prioridade de natureza, da causa em relação ao efeito, quer dizer,
se o pai é causa do filho, é porque o pai existiu antes do filho.
A causa realmente faz o efeito, que lhe deve existência, sem a
qual não lhe será possível existir. Há prolongamento de natureza entre
causa e efeito; do contrário, a causa será condição, ocasião; por exem
plo, o sapato, causado pelo sapateiro, é prolongamento porque a for
ma “sapato”, o capricho e o esmero no acabamento são prolongamen
tos reais do sapateiro no sapato; tanto assim que: tal sapateiro, tal sa
pato. A causa, além de prolongamento, é prolongamento que produz
algo no efeito.
A condição, por exemplo o alimento para o pensador, o ar para
o estudante, a altitude para a descoberta, a região para a cultura e o
111
ambiente para a pessoa são meios, às vezes absolutamente indispensá
veis, mas são meios por intermédio dos quais a causa produz o efeito.
O alimento e' absolutamente necessário ao pensador que, sem isso,
morre e não mais pensa. O alimento, porém dispõe bem o corpo e a
pessoa, que por meio de sua inteligência, pensa; o alimento fornece o
substrato necessário à pessoa para que a inteligência possa pensar: mas
quem pensa é a inteligência da pessoa, como quem come é a boca da
pessoa. Por causa do alimento, misturar pensamento e alimento é mis
turar alhos e bugalhos, mais ou menos como aquele que, pelo fato de
ter nascido em dia de chuva, acha que é filho da água, e seus pais, as
nuvens do céu. O ar, por sua vez, é absolutamente indispensável ao es
tudante que, sem ele, morre; contudo, o estudante pode estar horas a
fio inspirando ar, sem nada aprender; quer dizer, o ar é necessário aos
pulmões e à vida da pessoa, e indiretamente, enquanto mantém a vi
da da pessoa, é necessário ao estudante;quem, porém, causa a ciência
é a inteligência, não o ar. Com as devidas mudanças, o que se disse das
relações do alimento com o pensador, do ar com a inteligência do es
tudante, pode-se e deve-se afirmar da altitude em relação à descoberta
do cientista, da região em relação à cultura de um povo, do ambiente
em relação à pessoa, assim como do alimento, do econômico, da fome
c da sede em relação à educação de pessoa. A condição, pois, mesmo a
condição “sine qua non”, influencia e condiciona, mas não causa, co
mo pensam Taine, Durkheim e Dewey; até certo ponto, ela chega-se
ao efeito e à causa, mas fica por fora, permanece no exterior, não en
tra na construção direta da natureza do efeito, nunca pode constituir
prolongamento de mesma natureza em relação ao efeito. As condições
são como as folhas do livro que encerram ciência, sem contudo, por
isso, colocar ciência na mente do educando.
A ocasião se distingue da condição pelo elemento tempo. Condi
ção é sempre alguma coisa, e muita vez é substância; o alimento, o ar,
o chão, a caneta, a região e as folhas por exemplo, são condições e são
substâncias. Ao passo que a ocasião jamais é substância; ela é tempo;
é o tempo criador de condições oportunas para a causa causar. O tem
po não é substância; em parte é ente de razão, que jamais existe sem
a concorrência da inteligência humana e, daí, surge a relatividade da
ocasião, dependente das necessidades de determinada pessoa ou de de
terminadas pessoas. A ocasião é a condição vivificada pelo tempo. Se a
condição está distante da causalidade da causa, com maior razão o es
tará a ocasião, uma vez que esta pode se f considerada como uma espé
cie de temporalidade da condição; a ocasião é a qualidade que põe
temporalidade e oportunidade na condição.
A criancinha quer descer da cama e a mãe, bondosa, a desce.
Isto acontece oitenta vezes e oitenta vezes tendo descido, esta criança
nunca realmente desceu da cama; ela sempre foi descida. Outra mãe,
pelo contrário, quando o filhinho começa, pela primeira vez, a querer
descer da cama, ela ajeita o menino que quer descer de ponta cabeça,
mostrando-lhe e ao mesmo tempo fazendo com que desça, primeiro,
os pés;em seguida, o corpo, e finalmente a cabeça. A mãe tem oportu
nidade de fazer assim mais duas vezes. A criança, depois disso, levou
mais um tombo, mas logo aprendeu a descer sozinha da cama. Nos
dois casos, atualmente existe descida da cama; no primeiro, porém, o
movimento se faz e continua fazendo-se de fora para dentro; não é vi
vo, é morto se se considerar a personalidade da criança, pois é de ou
trem, mesmo que seja da mâe;é mecânico, despersonalizado e desper-
sonalizador, pois é da pessoa da criança’sem ser de sua personalidade;
não está na ordem da natureza da criança, de maneira que realize suas
potencialidades, impedidas aliás de se atualizarem, mas encontra-se na
ordem da natureza e das potencialidades já atualizadas de outrem; é
ato e hábito estranhos à criança, dos quais ela não poderá servir-se, a
níão ser às custas da mãe; não é bom para a criança, pois privando-a de
atualizar uma sua potencialidade - descer da cama - pôs dentro dela o
ato e o hábito de outra pessoa, dando assim ao educando, já de início,
um hábito desenriquecedor, tanto mais perigoso e enganador quanto é
feito com a maior das boas intenções e com a certeza absoluta da mãe
estar fazendo um ato correto. No caso, porém, da criança que desceu,
de início, com auxílio da mãe e depois continuou descendo por si mes
ma, o movimento, mesmo o do primeiro ato, foi sempre de dentro para
fora; é vivo.se se considerar a personalidade da criançã.pois nasce na fon
te de seu mais profundo eu.de onde corre para fora;é personalizador;é
natural, pois encontra-se na ordem da natureza da criança,atualizando-lhe
algo das potencialidades; é ato e hábito enriquecedor da criança,pois a-
tualizando-lhe a natureza, já de início como deve ser,iniciou-a bem na vi
da, educou-a,dando-lhe segurança e confiança,enobrecendo-a perante as
crianças de sua idade,que no futuro verão.na mesma linha de procedimen
to, ser esta criança, esperta e feliz, e não mais uma daquelas que só sabem
quando“o papai me fez”,ou que só agem quando“a mamãe me mandou” .
Destes dois exemplos opostos, é fácil induzir-se dezenas, cente
nas, milhares de outros, tanto entre os atos e hábitos errados quanto
entre os verdadeiros: é o método experimental da Filosofia da Educa
ção. Igualmente tornou-se fácil perceber, atráves dessa indução, o
principio de que o educando é o principal, é a causa principal na edu
cação (3). assim como o outro princípio de que o educador, isto é, os
113
pais, o professor e qualquer pessoa não pode ser causa principal da edu
cação.
O educando, pois, não é condição, e muito menos ocasião; é
causa, causa principal, a única causa principal da educação. Se não hou
ver tal, no domínio da inteligência não haverá ciência, mas sim fé ou
opinião e, no domínio moral, voluntarismo, autoritarismo ou algo se
melhante, onde existe obediência sem consciência, obediência e “edu
cação” sem inteligência.
Platão, com sua doutrina da recordação, tinha, portanto, razão
em por o educando no centro da educação;contudo, exagerava, porque
o educando possui as coisas em potência e não em a to , de maneira
que existe explicitação, não porém recordação. Avicena, com sua Inte
ligência Agente, que de fora punha dentro da mente do educando o
conhecimento, postulava a parte exterior do ato educacional, de que o
educando precisa para atualizar suas potencialidades. Rousseau, dizen
do tudo ser atual e essencialmente bom na criança, assim como Freud,
ao afirmar, em posição oposta, tudo ser mal, atual e essencialmente
mau no educando, não distinguiram entre a posse de uma coisa em po
tência e em ato; potencialmente, a criança pode ser tudo, tanto na or
dem do bem quanto na ordem do mal, ainda que atualmente, logo no
início de seu ser, seja pouca coisa em ato.
O aluno, portanto, é o principal no ato educacional e na educa
ção, quando se trata de ele aprender e de atualizar suas potencialida
des; não, porém, quando se trata de outro lhe ensinar, pois, então o
professor ou o pai é o principal, e não o aluno que não mais seria alu
no mas sim mestre; quer dizer, o aluno, se ensinar ou mandar, por isso
mesmo, já não é mais aluno, não é mais principal na educação. No ato
e no hábito de mandar, de ensinar, de dirigir a escola ou os outros, ou
uma reforma ou qualquer coisa, o educando, enquanto educando, não
é principal e muito menos não é o principal.
“O aluno, pois, devidamente entendido, é o centro da escola” .
Mas, com as necessárias transposições, este princípio é tão verdadeiro
quanto estes: “A direção é o centro da escola” , ou, “o professor é o
centro da escola”, ou, “a escola foi feita para o professor” . Como sem
pre, é necessário distinguir para se evitar confusões, às vezes desastro
sas, em educação: “o aluno é o centro da escola”, para aprender; “o
professor é o centro da escola”, para ensinar; “a direção é o centro da
escola” , para a dirigir. Arrancar-se do princípio: “o aluno é o centro
da escola, para aprender”, e daí concluir que “o aluno é o centro da
escola, para ensinar, para dirigir ou para reformar a escola” , é tão ex
tremista e deficiente quanto partir do princípio: “o mestre é o centro
da escola, para ensinar”, e daí concluir que “o mestre é o centro da es
cola para aprender”, ou “o mestre é o centro da escola, para a dirigir” .
114
PRÁTICA:
/ - A través do exemplo da criancinha que desce da cama, mostrar como o edu
cando é a causa principal da educação.
2 - O que há de objetivo e de exagerado na posição de Platão no que se refere ao
conceito de educação ?
3 - Por meio do exemplo do alimento, ou de outro escolhido por você, explicar
a distinção entre causa e condição.
4 - Não é uma frase equivoca dizer que “o aluno é o centro da escola”? Por quê?
5 - Você poderia fazer um paralelo entre a posição de Rousseau e a de Freud
quanto ao papel do educando na educação? Então, faça-o, por favor.
V. B EDUCADOR
B. I - PAPEL DO EDUCADOR
115
Dos dois modos, acima citados, da criancinha que aprende a
descer da cama, toma-se o modo realmente pedagógico: a mãe ajudou
a criança a se descer da cama; quem se desceu da cama foi realmente
a criança, que não foi descida da cama mas sim ajudada pela mãe.
Quer dizer, o auxílio da mãe foi absolutamente necessário; sem ele,
talvez a criança não tivesse aprendido a descer, ou só tivesse depois
de muitos tombos, ou só depois de se machucar gravemente, ou então
tivesse mesmo tomado o complexo de descer da cama. Verdade é que
existe um método bárbaro, que consiste em pensar ser melhor deixar
o educando aprender tudo por conta própria, com seus próprios er
ros e sem ajuda de ninguém; sobretudo tratando-se de pessoa do sexo
masculino, isso, pensam, deixa o menino ou o adolescente mais ho
mem.
Há um quê de verdade nisso e é o combate ao agarrar-se em tudo
à saia da mãe. Mas esta parcela de verdade que, com razão, atrai os par
tidários dessa teoria, não tira os exageros nela encerrados: quantos so
frimentos estéreis, quantas mortes, quantos maus hábitos, quantos de-
linqüentes infantis e juvenis, essa teoria já comprou? Não há necessida
de de se procurar propositadamente erros, agruras e espinhos, facil
mente evitáveis, para se virilizar alguém. A vida, com o decorrer do
tempo, necessariamente traz. erros, agruras e espinhos mais do que su
ficientes para quem quer que seja. Aliás, deveras é uma excelente esco
la a do sofrimento.
A mãe, portanto, realmente causou também a descida da cama,
ainda que sua causalidade tenha sido auxiliar. Ela só ajudou, ruas aju
dou influindo por dentro da descida do filho, e por isso é causa; do
contrário, seria só condição, ou só ocasião, que unicamente influen
ciariam só por fora da descida, ficariam na casca, sem poderem ir até
dentro da descida. A claridade, do sol ou da lâmpada, por exemplo,
ainda que absolutamente indispensável para a descida, é somente con
dição, pois se limita a preparar o ambiente para filho e mãe agirem,
sem nada causar na descida; se causasse, cada vez que a claridade apa
recesse, deveria haver descidas de coisas, o que naturalmente não acon
tecerá.
O papel do educador, pois, nem sempre é de ser só condição, ou
só ocasião; seu papel realmente é de ser causa auxiliar da educação (4 ).
Todavia, complexo é o papel do educador, explicando, assim,
parcialmente a multiplicidade e a oposição dos conceitos das pessoas
a seu respeito. Nem sempre o educador é causa, mesmo auxiliar; muita
vez ele deve ser condição e mesmo ocasião. A professora do jardim da
(4) AQUINO, Santo Tomás de. De Veritate (De Magistro). In:------ Quaestio-
nesDisputatae. Turim-Roma, Marietti, 1953. quaestio 11, articulus I.
infância prepara o material para educar os sentidos das criancinhas; ela
cria ocasiões, prepara o ambiente;seu papel é de preparar o ambiente,
que agirá sobre os sentidos do educando: nesse aspecto ela é, pois, con
dição. Nas escolas primárias, nos jardins da infância e nos primeiros
anos do lar o papel do educador é muito mais de condição que de cau
sa. Mais uma vez, cada ato educativo deve ser examinado em particular,
pois só deste modo se poderá dizer qual é a dosagem do papel do edu
cador: se só causa auxiliar, se só condição, se as duas coisas ao mesmo
tempo; se só ocasião, se as tres coisas ao mesmo tempo. Na universida
de, por exemplo, conforme a matéria, a aula expositiva e a causalidade
auxiliar do professor são absolutamente indispensáveis;mas ao mesmo
tempo, conforme a matéria, por exemplo se se tratar de seminários ou
de experiências de laboratório ou de campo, o papel do professor, ain
da que absolutamente indispensável, reduz-se a ser condição, ou ocasião,
ou as duas coisas ao mesmo tempo. Variará, portanto, o papel do edu
cador conforme se trate de educação pré-natal, de educação infantil,
de educação do jardim da infância, de educação primária, secundária,
superior, de educação do adulto, de educação da velhice, etc.
Posições deficientes, com algo de verdade, mas também com al
go de extremismo: 1) o paternalismo e o maternalismo, que supõem o
educador como o principal ou como principal na educação, à maneira
de pais que, sempre e em toda a parte, tudo fazem em lugar do filho,
reduzindo-o à despersonalização; 2) o condicionalismo, que reduz o
o educador a ser, sempre e em toda parte, só condição do ato educati
vo; 3) a escola libertária, que faz do mestre mero espectador senão
atrapalhador, que deve ser afastado do processo educativo; 4) a sim-
ploriedade cientifica, que não percebe ser complexo o papel do edu
cador, reduzindo-o matematicamente e sempre, ou só à causa auxiliar,
ou só ao papel de condição, ou só ao papel de ocasião, ou só ao papel
de atrapalhador, posições estas todas encontradas em educação, mas
que constituem sofisma de indução viciosas, se levadas à totalidade da
educação; não é porque um negociante é desonesto que se pode, sem
sofisma de indução viciosa, afirmar a desonestidade em todos os nego
ciantes.
Expostos os conceitos de educando e de educador, pode-se pas
sar à conceituação de escola, derivada do conceito de educação.
Originado do grego: “scholê = repouso, descanso, lugar de traba
lho”, veio a dar, em latim “schola = lugar de estudo” que, em língua
portuguesa, originou “escola” . Às vezes, em português, escola quer di
zer unicamente o lugar de ensino próprio só do curso primário; outras
vezes, porém, escola é termo tomado de modo universalizado, signifi
cando qualquer lugar de educação, desde o ventre materno até a uni
versidade ou até a escola da vida.
117
João, recém-nascido, certo dia serviu-se do copo pela primeira
vez. Normalmente, por causa de um só ato, não se dará à sua casa, ou
a outro lugar, o nome de escola. Se, contudo, os atos educativos se re
petirem e se multiplicarem, chamar-se-á tal lugar de escola, que é, pois,
o lugar onde se educa.
Como pode haver educação sem educador, pode-se querer con
cluir pela existência de escola sem mestre. Todavia, lógica, histórica e
juridicamente, escola postula professor. O motivo mais fundamental é
que escola inclui hábitos educacionais e estes, por seu turno, não se
formam geralmente sem educador. Escola, portanto, tanto inclui es
sencialmente o educando quanto o educador e prende-se à localização
no espaço. Pode-se definir: a escola é o lugar em que educando e edu
cador se reúnem para a educação. Deste modo, a fábrica, o lar, a igre
ja, o cinema, a vida, a rua e as escolas são, pelo menos devem ser, esco
las.
O lugar, onde só se investiga, não poderá, pois, chamar-se escola,
mas sim instituto de pesquisa, laboratório ou coisa análoga, assim co
mo no extremo oposto, o lugar onde o educando só estuda e se educa
sozinho, será chamado sala de estudo ou algo semelhante. A escola
tem, por isso, que incluir tanto o elemento docente quanto o discente,
tanto o educando quanto o educador.
As lições da Universidade de Bolonha, da Escola Libertária e em
especial da Escola de Hamburgo assim como exemplos da vida e os
princípios do bom senso vêm mostrar a necessidade também do edu
cador no conceito de escola, porque a seu modo ele igualmente causa
a educação.
PRÁTICA
/ - Através do exemplo da criancinha descendo da cama, você podería explicar a
causalidade auxiliar do educador?
2 - O papel do educador pode ser também de condição ou sempre é só de causa
auxiliar? Por quê?
3 - Que crítica faz você à noção de escola, exposta aqui neste livro?
4 - Através de um exemplo, você podería mostrar como na ideologia o educador
fica reduzido ao papel de causa instrumental na educação?
5 - Está certo dizer que nas salas de aula onde o professor só admite sua filosofia
ou seu modo de pensar, a filosofia fo i substituída pela ideologia?
BIBLIOGRAFIA
118
4 BUCHONj C. Sanchez. P ed a g o g ia . Trad. bras. Rio de Janeiro, A.E.C., 1958.
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1959.
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manismo ou técnica? São Paulo, Herder, 1969.
V. c - ENTIDADES EDUCACIONAIS
C. 1 - INTRODUÇÃO
119
orientação ou desorientação derivada da sociedade e comunicada aos
seus. O clube esportivo, por exemplo, é também escola de muitas espé
cies de educação; todavia, apesar de sempre fornecer educação, a fina
lidade principal é proporcionar esportes e não educação a seus mem
bros. Sociedades, porém, existem que, por causa de sua respectiva fi
nalidade, são obrigadas, sob pena de desaparecimento, a cuidar de mo
do especial da educação. O Estado, se não levar em conta a educação
de seus cidadãos, aniquila-se, uma vez que não mais haverá continua-
dores de suas finalidades e das tradições de seu povo. Pelo mesmo mo
tivo, a Igreja haverá de educar seus fiéis, assim como a família, seus
membros. Importantes, pois, e delicadas tomam-se as relações da edu
cação e consequentemente da escola para com a família, com o Estado
e com as Igrejas.
A exemplo do que ocorre em todos os assuntos educacionais,
também as relações da escola com as entidades educacionais e as rela
ções dessas entre si variarão conforme a filosofia de cada nação, espe
cialmente conforme o regime e a religião de cada povo. Em Esparta,
a família não possuía nenhum direito à educação; de acordo com o
testemunho da República dos Lacedemônios, de Xenofonte. e com a
narração das Vidas Paralelas, de Plutarco, ao pai espartano o Estado é
quem delegava direito à educação dos filhos desde o nascimento aos
sete anos, ficando desta época em diante diretamente sob o poder e
educação exclusivas do Estado, única pessoa que desfrutava do direito
natural à educação: o pai não possuía direito à educação do filho. Se
gundo Hitler, a educação, ministrada pelo Estado, é a única digna do
homem, levantando-se ela como o meio de se adquirir o direito ao casa
mento que, desta maneira, não é direito natural, mas sim direito posi
tivo, derivado do Estado, que o dá ou o nega conforme achar necessá
rio. “O Estado”, escreve Hitler, “tem como uma de suas finalidades, a
educação, tanto intelectual como física, dos jovens, depois da idade
escolar. E essa educação deve ser realizada de acordo com a orientação
oficial, visando, nas suas linhas gerais, o serviço militar... Quando tiver
terminado seu serviço militar (o jovem) deve estar em condições de
poder exibir dois documentos: seu diploma de cidadão, que lhe dá o
direito a tomar parte na vida pública, e um atestado de saúde que lhe
dá direito a casar-se” (5).
Se se considerar as relações da Igreja com a educação, também
serão decorrências da filosofia, especialmente do regime vigente, por
que a existência, os direitos e a liberdade da Igreja e das Igrejas de
pendem do conceito de homem e do Estado vivido pelo povo: “Em
(5) HITLER, Adolfo. Minha Luta. 8.ed. Trad. bras. SSo Paulo, Mestre Jou.
1962. p. 258.
120
qualquer lugar”, escreve Pinkevich, “a Igreja sustém o regime vigente,
que se baseia na exploração dos elementos mais pobres da população;
em parte alguma sai a Igreja em defesa dos pobres e oprimidos, como
o faria se a moral cristã não fosse hipocrisia pura. A educação religiosa
se reduz em última análise a... inculcar nas novas gerações as idéias que
resultam proveitosas para a classe dominante. Os credos ortodoxos
(inclusive o dos gregos cismáticos), católico e evangélico se ajustam
particularmente bem para este fim, pois pregam a humildade e cega
submissão às autoridades seculares e religiosas, e cultivam nas crianças
um servilismo de escravos” (6).
O pensamento de Pinkevich a respeito das relações das Igrejas
com a educação deriva de seu conceito de homem, como animal
econômico, e de sua conceituação de Igreja, como transmissora
“do ópio do povo”, para usar a expressão de Carlos Marx. E assim ha
verá de ser para as demais relações da educação com a Igreja, com o
Estado e com a família, assim como dessas entidades entre si.
Ao estudar as entidades educacionais, quer dizer, entidades que.
por direito natural, derivado de suas finalidades, têm direito à educa
ção, depara-se, em primeiro lugar, com a família, porque o filho por
natureza constitui prolongamento do próprio pai; em seguida, como
resultado das relações das pessoas, nasce o Estado que, para existir e
para subsistir, tem por natureza direito e dever de cuidar da conserva
ção dos seus, quer dizer, tem direito natural a ajudar aos pais na edu
cação dos filhos e tem direito natural a ministrar a educação militar
para as três armas: Exército, Marinha e Aeronáutica; finalmente, se o
homem tem outra vida, que se enraíza no mundo, a entidade encarre
gada de o educar para esta vida sobrenatural é a Igreja: daí o direito
natural das Igrejas à educação religiosa e às suas implicações.
C. 2 - FAMÍLIA E EDUCAÇÃO
121
conseqüência a suposição de ser angelical, sem nada de sexual, o amor
humano; a família, pois, e suas vivências, dentro dessa hipótese, serão
concebidas à maneira de uma sociedade de anjos, com supressão do
sexual, da educação sentimental e de suas decorrências.
Como o conceito de família depende do conceito de amor, se
rão tantas as concepções de família quantas forem as do amor huma
no. Segundo João Jakob Bachofen (7), o homem é da mesma espécie
que os animais, havendo entre eles tão só diferença de grau;evoluindo,
o animal veio a ser homem, ente do grau superior, mas de amor como
o dos animais, de maneira que a família humana, como a família ani
mal, vive em promiscuidade, sem nada de casamento e muito menos
de monogamia ou de indissolubilidade, frutos tardios de sociedades
posteriores.
Ora, contrariamente a Bachofen, a História, a Sociologia e a Pré-
História, por mais que recuem, jamais encontraram esse hipotético es
tado de promiscuidade; mesmo no mundo dos animais, permanecem
eles juntos, sempre que necessário, até fazer-se a “educação” dos fi
lhos, havendo casos, como entre os pombos, em que o casal permane
ce unido a vida toda. Ora, o filho dos homens, ao nascer, sendo o mais
desprotegido dos animais como o atesta a História Natural é, por con
seguinte, o que mais necessita dos pais.
L.M. Morgan, Carlos Marx e Frederico Engels (8), baseando-se na
explicação evolucionista da origem do homem e nas idéias da promis
cuidade inicial de Bachofen, explicam o aparecimento da família pelo
matriarcado; quer dizer, existindo promiscuidade completa e sendo a
mulher quem gera os filhos, teve ela que se encarregar deles e criá-los,
uma vez que eram desconhecidos os pais. Daí nasceu o matriarcado; o
parentesco só era contado através da mãe, que veio a ser a origem, o
centro e a cabeça da família. A partir do matriarcado, surgiram nor
malmente os grupos menores, originários da família individual que,
por sua vez, adquire maior importância no regime patriarcal, em que o
pai é conhecido, originando-se, em seguida,a poligamia e ultimamente
a família independente e monogâmica.
Autores e historiadores, como Fustel de Coulanges (9) e Heró-
doto( 10),mostram a gratuidade da hipótese do matriarcado, baseada,
(7) Du Régime de la Mère au Patriarcat, pages choisies par Adrien Turel. Paris,
Alcan, 1938.
(8) A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado. Trad. bras. Rio
de Janeiro, Vitória, s.d.
(9) La Cité Antique. Paris, Hachette, s.d. Trad. bras. São Paulo, Editora das
Américas, 1961.
(10) The History. Trad. ing. In:------- . Great Books o f the Western World. Lon
don, Encyclopaedia Britannica, 1952. v.6, Book I, 173, p. 39.
122
aliás, sobre certo evolucionismo que nivela a totalidade da natureza
humana ao animal. O matriarcado, constatado, por exemplo, entre as
tribos australianas dosDierie dos Urabuna, explica-se pelo aparecimen
to de instrumentos novos, como a enxada e o machado, que afastaram
o pai do lar, estabelecendo, para ele, vida nômade, enquanto esposa e
filhos, fixos pela vida sedentária, acabaram fazendo da mulher o cen
tro e a cabeça da família.
Segundo D urkheim (ll), o totem é que preside e regula todo o
início da vida em sociedade, de maneira que em volta de cada totem
nasce um grupo, chamado clã, de onde se originou a família atual. No
início, pois, não existia nada de monogamia, nem muito menos de in
dissolubilidade.
Ora, a clã toténico é fenômeno relativamente recente, ligado à
civilização primária da grande caça, em que já existia a família indivi
dual.
Na realidade, o amor nada mais é do que a mútua coadaptaçâo
do apetite de um ser para outro, de maneira que tendem a formar um
todo. Assim sendo, nascem a natural complementação e tendência de
uma pessoa para outra de sexo oposto, de maneira que essa mútua
complementação e tendência existentes em diversos planos, como no
biológico, no psicológico e no ontológico, vêm a ser um dos grandes
veículos de que se serve a espécie para a realização da individualidade
e da personalidade de seus membros. É algo natural, uma vez que é
pedido pela própria natureza humana, como sempre se percebe atra
vés de todos os lugares e de todas as épocas.
O amor, portanto, pede e realiza a união do homem e mulher
que, por serem pessoas humanas, gozarão das prerrogativas do amor
animal e das do amor humano enquanto humano, próprias só do ho
mem, como o amor à verdade, à justiça, à beleza, etc. O fruto do amor
serão os filhos nascidos de um instinto e da liberdade humana, liberda
de esta que, ao desejo indeterminado do instinto sexual, determina
em cada caso, a pessoa que vai concretizar o amor; por isso, a pessoa
amada é o melhor espelho e cópia da pessoa amante. O instinto sexual
e a mútua tendência de um sexo para outro formam como o quadro,
pronto para receber a pintura, constituída pela imagem da pessoa ama
da, escolhida e desenhada pela liberdade humana de cada pessoa que
ama. O filho, fruto do amor, postulará em nome do mesmo amor e das
inúmeras necessidades do recém-nascido, a união dos pais para a edu
cação da prole, fundando assim a família que é, pois, de direito natu
ral.
(11) Curso de Durkheim sobre La Famille, publicado em 1928 assim como BES
SON, Maurice. Le Totémisme. Paris, Les Éditions Rieder, 1929.
123
Ora, enquanto os pais forem capazes, a eles compete o direito à
educação de seus filhos, uma vez que estes são prolongamento natural
daqueles. Acontece, porém, que por causa das múltiplas e prementes
necessidades da vida, por causa da especialização e da variedade de ma
térias do currículo, por causa de capacidade de cada professor em sua
matéria, não é possível aos pais ministrarem, ainda mais de modo ne
cessário e conveniente, todas as educações a seus filhos. Delegam, en
tão, poder à educação dos filhos a quem sua consciência retamente for
mada lhes aconselhar. Mestres ou professores chamam-se essas pessoas,
delegadas dos pais, e escolas os lugares que devem substituir o lar. Des
te modo, como o mestre é a continuarão dos pais, a escola deve ser o
prolongamento do lar. Se o mestre e o professor existem para ajudar,
para complementar, não para substituir os pais, a escola igualmente
deverá existir não para substituir, mas sim para continuar a família.
Concluindo: a escola tem direito à educação, mas direito deriva
do diretamente da família, fon te primeira de todo direito a educação-,
enquanto estiver de acordo com a família e suas implicações, a escola
e o professor estarão cumprindo sua missão, passando a ser violência
tudo que contrariar os direitos da família e dos pais
PRÁTICA:
/ - Como é que o amor funda a família?
2 ■Os pais, por direito natural, têm direito à educação de seus filhos? Por quê?
3 - Os pais delegam o poder de educação ao Estado ou o Estado é que o delega
aos pais? Como?
124
como representante da sociedade toda de um povo e, neste sentido, se
fala de Estado brasileiro, significando todo o povo do Brasil; em se
gundo lugar, com o sentido de cabeça de uma sociedade, isto é repre
sentando os dirigentes de uma nação, e assim, se afirma: “O Esta
do decretou...” ou: “O Estado não se fez representar na solenidade” .
Quando se fala das relações entre Estado e educação, entende-se neste
segundo sentido, de cabeça de uma sociedade.
O Estado é conseqüência natural do conceito de homem e de so
ciedade, de fato, o Estado, por ser sociedade, dependerá da conceituação
desta e, por outro lado, por implicar deveres e direitos humanos e se funda
mentar nestes, dependerá tambe'm do conceito de homem.Por exemplo,
segundo Rousseau, o homem normal e perfeitoé o “homem natural”,cria
do fora da sociedade e das sociedades; de maneira que a sociedade perfeita
se originará de um contrato social, fruto da utopia do “homem natural”. A
República de Platão é conseqüência da “idéia”de homem, exemplar do
homem perfeito, assim como, para Marx, o paraíso marxista será a cida
de sem classes, feita de uma única espécie de homem, o proletário.
O Estado, por conseguinte, se quiser conservar-se e perpetuar-se,
deverá fazer dos novos e das crianças, homens de acordo com o mode
lo que se traçou por meio da educação.
Resumindo: como a pessoa e os pais são anteriores ao Estado,
originado este aliás das relações entre as pessoas e as famílias, conclui-
se que o Estado existe para a pessoa, para os pais, para a família e, não
o oposto, isto é, não a pessoa, os pais e a família para o Estado. Os pais
são, por conseguinte, as únicas pessoas que tem direta e imediatamen
te direito à educação de seus filhos. O Estado, ao possuir tal direito,
será por delegação dos pais, que não podendo desincumbir-se de todas
as educações, delas encarregam o Estado, que deve ajudar, não substi
tuir-se aos pais; auxiliá-los, não atrapalhá-los e nem prejudicá-los.
O Estado é imediatamente feito de famílias que existem, portan
to, anteriormente ao Estado, sendo este feito para aquelas e não a fa
mília para o Estado. Os direitos naturais da família deverão sempre ser
respeitados pelo Estado que já respeita aliás os direitos humanos da
pessoa individualmente tomada.
Pode o Estado e deve mesmo ter sua educação específica, como
é a educação militar do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. Mas,
do mesmo modo que o soldado, o marinheiro e o aviador, antes de se
rem militar, são homens e filhos de uma família, assim também os di
reitos dessa educação, especificamente do Estado, só terão sentido, se
antes forem respeitados os direitos do homem e da família.
PRÁTICA:
/ - Quando a pessoa diz: “O Estado decidiu que a greve é legal”, em qual dos
dois sentidos é tomado Estado?
125
2 - Explicar a f r a s e : "O Estado é feito imediatamente de famílias e remotamente
de pessoas”.
3 - No Estado totalitário, os pais delegam ao Estado o poder de educar seus fi
lhos, ou pelo contrário, o Estado é que delega aos pais o poder de educar
seus próprios filhos?
4 - No Brasil, que atitude tem o Estado em educação?
C. 4 - IGREJA E EDUCAÇÃO
126
errado, ou porque colocou erro no campo das ciências humanas, ou
porque ensinou erro no domínio da revelação, ou então, porque errou
em ambos os casos, ao mesmo tempo. Portanto, se acontecer, como
freqüentemente acontece, de surgir dificuldades, no aspecto educacio
nal, nas relações entre a Igreja e a escola, entre a Igreja e a família, en
tre a Igreja e o Estado, deve-se distinguir entre a questão de princi
pio e a questão de fato.
Quanto a questão de princípio, como se vê, não existe e não
pode existir nem oposição e nem contradição. Em princípio, portan
to sempre houve, há e haverá concórdia e paz entre ciência humana e
ciência divina, entre educação humana e educação religiosa, e isso é
tão necessário como necessário é que permaneça a essência das coisas.
Na prática, porém, acontece nem sempre ter havido acordo en
tre princípios humanos e revelados, entre Estado e educação religiosa
como em certos países, onde atualmente são proibidos o ensino e a
educação religiosas. Neste caso de oposição, o erro tem que estar de um
ou de ambos os lados. Do lado da Igreja, se for realmente questão de
fato, por exemplo quanto à aplicação do melhor método pedagógico
para a catequese, poderá haver erro, não propriamente da Igreja, que
só existe para servir à Verdade, mas sim por parte da pessoa ou de pes
soas que encarnam a Igreja, sem estar, contudo, a par dos mais eficien
tes métodos pedagógicos; neste caso, a posição desta ou destas pes
soas - que procedem não como representantes da Igreja, mas como es
tudiosos da Filosofia da Educação e da Pedagogia - deverá ser reestu
dada e refeita. Do lado do Estado ou de qualquer outra sociedade, po
de ele errar tanto contra a verdade religiosa quanto contra a ciência,
podendo rever sua atitude nos dois aspectos.
As Igrejas, por se basearem na Filosofia do bom senso e no direi
to natural, são naturalmente boas e concordes entre si. Como todas as
Igrejas estão baseadas: 1) no direito natural, e 2) como supõem
uma revelação, tudo o que se disse e sedisserda Igreja, com as devidas
mudanças, também se poderá e se deverá afirmar de todas e de cada
uma das Igrejas.
PRÁTICA:
1 - Você é capai de provar que a Igreja tem direito de ministrar educação e ins
trução religiosas? Como?
2 - Por que é que, pelo menos em princípio, sempre deve haver concordância e
paz entre ciência humana e ciência divina assim como entre Estado e Igreja?
3 - Quando se estuda o tema de “Igreja e Educação", a gente se refere a toda e
qualquer Igreja ou só a uma ou a algumas delas? Por que?
127
k
ÍNDICE DE ASSUNTOS
129
Consciência moral, verdadeira, - e Igreja: 126-127
o que é: 2 7 - é auto-educação? 72, 79-82
- errônea: 2 7 - é atualizar potencialidades:
- certa ou duvidosa: 2 7 73, 82-84
- outras espécies: 28 - e instrução: 74, 94
- e moralidade: 27-28 - e valor: 84-88
- finalidade da: 91-93
Criteriologia, ver “Critica” - e amor: 93-97
- ordem de intenção e de exe
Crítica, o que é: 19-20-21 cução: 98-100
- introdução à Metafísica: 21 - finalidades deficientes: 99-
- e Metafísica 19,2 1 100
- Educacional: 34 - e imitação: 100
- segundo Durkheim: 76-77-78
D - segundo Larroyo: 76
- segundo John D ewey: 76-77
Didática, o que é: 51 - segundo Jacques Maritain: 78
- e Filosofia da Educação: 51 - segundo Anísio Teixeira: 77
- segundo AlbertoPinkevth : 78
Direito à educação, os pais: 123-
124 Educador, papel do: 115-118
- a família: 123-124 - condição na educação: 116-
- o Estado: 125-126 117
- a Igreja: 126 - e ocasião na educação: 116
130
Estado, o que é: 124 - e Pedagogia: 42-44, 99
- significados: 124-125 - e Filosofia Moral: 44-45
- origem do: 125 - ePsicologia:46-47
- e a pessoa: 58, 125 - e Psicologia Educacional: 46-
- direito à educação: 123-124 47
- e a família: 124-125 - e Teologia da Educação: 48-
50
Experiência, significados: 37-38 - e Sociologia: 50-51
- e Didática: 51
F - e muitas filosofias da Educa
ção: 55-56
Família, o que é: 121-123 - totalitarista: 57-59
- e amor: 123 - totalitarista e o bem comum:
- e direito à educação dos f i 57
lhos: 124 - totalitarista e o humanismo :
57-58
Fé, o que é: 80-82 - totalitarista e a pessoa: 58-
- motivos de credibilidade: 80- 59
81 - naturalista: 59-63
- e crendice: 81 - marxista: 63-65
- e Teologia da Educação: 49 - perene:65-67
- e finalidade da educação: 99-
Filho, direito à educação do: 100
123
- e amor: 123
Filosofia Moral,o que é: 19,24-26
e Filosofia da Educação: 44-
Filosofia, o que é: 14-16
45
- e Filosofia da Educação: 13-
14, 35-37
- partes da: 19 Filosofia da Natureza,o que é:19
- e ideologia: 17-18
- popular e ideologia: 17 Fim, ver “causa fin al”
- científica e ideologia: 17-18
Finalidade, o que é: 91-93
Filosofia da Arte, o que é: 19 - da educação: 91-100
- da educação e Pedagogia: 99
Filosofia da Educação,o que é: - da educação e Filosofia da
13, 32-33 Educação: 99
- e Filosofia 13-14, 33, 35-36 - da educação e Teologia da
- partes da: 33-35 Educação: 99
- e Filosofia Moral: 36 deficientes da educação: 99-
- e Psicologia Filosófica: 36 100
- m étodo da: 37-40 e meio: 95-96
131
Fronteiras, o que é:41 Imitação, o que é: 100
— significados: 41 - e educação: 100
Humanismo, o que é: 58 L
- espécies: 58
- humano: 58 Lógica, o que é: 19
- desumano: 58
M
I Materialismo, o que é 20
- histórico, o que é: 63
Idealismo, o que é: 20 - dialético, o que é: 63
132
Método, o que é: 26-28, 101 Pedagogia, o que é: 43
- espécies de: 103-104 - e Filosofia da Educação: 42-
- analítico e sintético: 103 44, 99
- pedagógico: 104-104 - como arte: 52
- pedagógico ideal: 105-107 - sem Pedagogia: 51-54
- empírico, o que é: 102, 106 - e finalidades da educação: 99
- cientifico: 102 - e m étodos: 102-103
- e Pedagogia: 102-103
- de invenção e ensino: 104- Pessoa, o que é: 58
105 - e totalitarismo: 58
- socrático: 106 - e individualismo: 58
- Montessori: 106 - 'enquantt pessoa: 73-75
- de Projetos: 106
- intuitivo: 106 Política e educação: 100
- e finalidade da educação: 100
Moralidade, o que é: 26
- objetiva: 26-28 Potência, o que é: 25, 71
- subjetiva: 26-28 - e a definição de educação:
- material: 26-27 72-75, 82-84
- formal: 27-28 - ver “potencialidade”
N Potencialidade, o que é: 71
- e educação: 72-76
Natural, significados: 60-63 - boa: 74
- do educando: 82-84
Naturalismo, o que é: 60-63
- pedagógico: 62-63 Princípio, o que é: 111
- e causa: 111
Natureza, o que é: 60
- e condição: 111-112
- significados: 60
- e ocasião: 112-113
O
Psicologia Filosófica, o que é:
1 9 ,4 6
Ontologia, o que é: 19
- Racional: 19, 46
- da Educação: 34-35
- Experimental:46-47
Ordem de intenção e ordem de - Educacional: 46
execução: 98-100, 95-98
- e finalidade: 95-100 R
- e sociedade: 29
Realismo Crítico, o que é: 20
P - Relação, o que é: 29
- e referência: 29
Paternalismo, em educação: 117 - e sociedade: 29
Relação, o que é: 29 Teologia da Educação, o que é:
- e referência: 29 35
- e sociedade: 29
Teodicéia, o que é: 19
S Teologia, etimologia: 48
- o que i : 48-50
Sentimentalismo e finalidade da - e Teodicéia: 48
educação: 99 - da Educação, o que é: 49-50
Sindérese, o que é :2 7 V
134
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