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DOI: 10.5902/2236499414530
Resumo: Investigação sobre a construção do conhecimento geográfico a partir das relações locais e glo-
bais no contexto do ensino de Geografia. Os objetivos consistiram em analisar práticas de ensino, buscan-
do compreender como são consideradas as relações entre local e global, enfocando o estudo do local com
base nos conceitos geográficos. A coleta de dados ocorreu por meio de entrevistas semiestruturadas com
quatro professores de escolas públicas municipais e estaduais. Buscou-se compreender como os professo-
* Doutor em Educação pela
res pesquisados promovem a aprendizagem de conteúdos globais a partir das relações do espaço local de
Universidade Federal do Rio
seus alunos, enfatizando a compreensão e construção dos conceitos geográficos. Durante as entrevistas Grande do Sul (UFRGS).
constatou-se a necessidade de incluir o papel da mídia e da informação no ensino de Geografia, pois os Professor adjunto do Instituto
professores utilizam amplamente os meios de comunicação para exemplificar e problematizar a realidade de Ciências Humanas da
em sala de aula. Os conteúdos de Geografia tomados como base para a compreensão global/local foram: Universidade Federal de Pelotas
Globalização, Mudanças Climáticas e Sociedade. Os resultados revelam que para os professores a articu- (UFPEL).
lação com a realidade local é uma forma de problematizar a aula, tendo em vista que o aluno está inserido * Doutora em Geografia
numa forma de sociedade que passa por um processo de globalização contraditório e desigual. As experi- Humana pela Universidade de
ências analisadas consideram a relação entre os contextos local e global na construção do conhecimento São Paulo (USP). Professora
geográfico, porém, não exploram a influência da mídia em sua prática. associada do Instituto de
Ciências Humanas da UFPEL.
Abstract: Research on the construction of geographical knowledge from local and global in the context
of teaching Geography relations. The objectives consisted in analyzing teaching practices, seeking to un-
derstand how they are considered the relations between local and global, focusing on the study site based
on geographical concepts. Data collection occurred through semi-structured interviews with four teachers
from local and state public schools. We sought to understand how teachers surveyed promote the learning
of global content from the relations of the local space of his students, emphasizing the understanding and
construction of geographical concepts. During the interviews it was found the need to include the role of
media and information in teaching Geography because teachers extensively use the media to illustrate and Palavras-chave:
discuss the reality in the classroom. The contents of Geography taken as a basis for understanding global Educação básica; ensino de
/ local were: Globalization, Climate Change and Society. The results show that for teachers to link with the Geografia; conteúdos; local;
local reality is a way of questioning the class, given that the student is inserted in a form of society which global.
is undergoing a process of globalization contradictory and uneven. The experiments analyzed consider the
relationship between the local and global contexts in the construction of geographical knowledge, howe-
ver, did not explore the influence of the media in their practice. Key-Words:
Basic education; teaching
Geography; content; local;
global.
ISSN 2236-4994 I 67
Intodução
Sendo o espaço geográfico um espaço produzido, que tem a natureza como condição
concreta de produção social e o trabalho como modo de produção, a educação tem função
Geografia Ensino & Pesquisa, v. 19, estratégica. Ela tanto pode combater a alienação como pode reforçar as práticas desiguais hierar-
n.1, p. 67-78, jan./abr. 2015. quizadas historicamente. Nesse contexto, o ensino de Geografia, quando qualificado e efetivo, é
uma contribuição socioeducativa. Tal afirmativa está pautada na relação escola-mundo, na qual
O ensino da Geografia a partir da
compreensão do contexto local e
suas relações com a totalidade
o educando precisa conhecer e analisar o mundo contemporâneo através da perspectiva geo-
gráfica local, a fim de compreender como a sociedade se organiza no tempo e quais as relações
que estabelecem na transformação do espaço. Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais
68 I ISSN 2236-4994 (PCN’s) para que o ensino de Geografia dê conta de levar a uma compreensão ampla da realida-
de, é preciso que seja trabalhado de forma a proporcionar entendimento dos conceitos básicos
da ciência geográfica.
Não basta ter conhecimento dos conceitos se o aluno não sabe utilizá-los na vida prática,
ou seja, se não sabe para que serve em seu dia-a-dia. É fundamental que o ensino de Geografia
seja voltado para o pensamento crítico sobre os conteúdos, pois é através da compreensão das
múltiplas relações vivenciadas que o aluno construirá conceitos, entendendo que os fenômenos
geográficos estão interligados com a natureza e com o homem, no tempo e no espaço.
A noção de escala espaço-temporal, por exemplo, precisa ser clara, dando conta de expli-
citar que os fenômenos universais estão presentes no contexto da local, de forma prática e que
são vivenciados pelos educandos. Para tanto, o ensino deve estar estruturado de forma a permitir
a análise dos diferentes aspectos de um mesmo fenômeno em diferentes momentos da história,
facilitando, assim, análises mais complexas e críticas (PCN’s, 1997). Com isso o aluno desenvolve
a habilidade de comparar, identificar e refletir sobre os distintos aspectos da realidade, de modo
a entender suas interligações.
A problematização dos conteúdos, então, é a palavra chave quando se pretende entender
a realidade de forma ampla. Realidade problematizada a partir das vivências dos alunos, na busca
e formulação de hipóteses que expliquem as relações e transformações da sociedade. Segundo
essa concepção se conclui que “o nível global e o nível local do acontecer são conjuntamente
essenciais ao entendimento do mundo e do lugar. Mas o acontecer local é referido ao acontecer
global” (SANTOS, 1997, p. 131).
O espaço vivido pelos alunos deve ser o ponto de partida do professor no desenvolvi-
mento de qualquer conteúdo, promovendo, assim, a compreensão da realidade local no contexto
global. Ou seja, é primordial que os sujeitos sejam capazes de pensar sobre sua própria realidade
dentro de um contexto amplo e complexo. Segundo Freire, a leitura de mundo do aluno deve ser
levada para a sala de aula como o ponto de partida do professor ao ensinar, conforme enfatiza:
Na mesma lógica, Callai (1998, p. 59) introduz a ideia de que a realidade do aluno deve ser
tomada como princípio na explicação dos fenômenos, já que, “é mais fácil organizar as informações,
podendo-se teorizar, abstrair do concreto, na busca de explicações, de comparações e de extrapola-
ções”. Por sua vez os PCN’s expressam que:
Tal abordagem visa favorecer também a compreensão, por parte do aluno, de que
ele próprio é parte integrante do ambiente e também agente ativo e passivo das
transformações das paisagens terrestres. Contribui para a formação de uma consci-
ência conservacionista e ambiental, na qual se pensa sobre o ambiente não somente
em seus aspectos naturais, mas também culturais, econômicos e políticos (BRASIL,
1997, p. 117).
De acordo com Milton Santos (2002) o espaço é formado por um conjunto indissociável
e também solidário de sistemas de objetos e sistemas de ações. A uma escala mundial o espaço se
globaliza guiando investimentos, circulação e distribuição de mercadorias, pessoas, capitais e rique-
zas. A noção de totalidade em Geografia está intimamente ligada às relações que se estabelecem, as
quais são sucessivas e concomitantes no espaço geográfico. É a partir dessas relações simultâneas
que os lugares originam, determinam e representam o todo, de acordo com o mesmo autor:
À medida que as relações sociais se dinamizam através das novas técnicas modificam-se
as relações de produção e as relações de trabalho, a totalidade apresenta-se enquanto “conjunto
de todas as coisas e de todos os homens, em sua realidade, isto é, em suas relações e em seu
movimento” (SANTOS, 1997, p. 94). As relações sociais de produção, consumo e reprodução
(social) são determinantes na produção do espaço e se dão a partir do trabalho, modo de produ-
ção, organização hierárquica e das relações de poder, e a reprodução social se dá enquanto classe
ou grupo social.
Ensinar Geografia implica em partir de uma análise que conduza a explicação dos fenô-
menos do contexto local para o global. Enfatizando, também, a influência que o global tem no
local e, vice-versa, em que a aprendizagem é um processo pelo qual os sujeitos entendem, conhe-
cem e organizam informações da realidade, transformando-as em conhecimento.
A globalização constitui-se a partir da internacionalização e da ampliação de um sistema,
onde todos os lugares estão interligados, segundo sua lógica. A circulação facilita a aproximação
entre os diferentes lugares através da instantaneidade da informação, permitindo às pessoas ob-
ter conhecimentos dos acontecimentos tão logo eles acontecem. Quando Santos (1997, p. 116)
diz que “cada lugar é o mundo”, é porque segundo seu entendimento de totalidade, cada lugar
da superfície terrestre revela a dinâmica do mundo e consegue explicar por si mesmo cada um
dos fenômenos da globalização, pois estes acontecem simultânea e diferentemente em todos os
lugares e, em cada um deles. O lugar é, portanto, entendido como a materialização das experiên-
cias vivenciadas que aproximam o ser humano do mundo, isto é, é consequência da concepção
entre o sujeito e o meio em que ele está inserido.
Cada lugar é a expressão do mundial e das relações que foram estabelecidas através da téc-
nica e da informação, o mundial se instala no lugar, mas é o lugar que vai determinar o impacto
dessa nova ordem dentro de sua dinâmica, de maneira a impor variáveis e critérios ao processo
de espacialização.
Considerações finais
Referências
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN’S): História e
Geografia. Vol. 5. Brasília: MEC/SEF, 1997.
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SANTOS, Milton. Por uma outra globalização – do pensamento único à consciência universal. 13 ed. Rio ISSN 2236-4994 I 77
de Janeiro: Record, 2002.
Correspondência
Sandro de Castro Pitano
E-mail: scpitano@gmail.com
78 I ISSN 2236-4994