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Análise Psicológica (1996), 4 (XIV): 487-506

Génese e evolução da organização


pedagógica e da administração dos
liceus
Uma investigação no cruzamento de várias disciplinas

JOÃO BARROSO (*)

1. INTRODUÇÃO beres e a incorporação desses comportamentos,


normas e práticas que são subordinadas a finali-
Cit.1 A construção de um conhecimento científico dades que podem variar segundo as épocas
sobre o funcionamento interno da escola, consti- (finalidades religiosas, sociopolíticas ou sim-
tui um objectivo recente da investigação em vá- plesmente de socialização).» (Julia, 1995, p.
rias disciplinas, no domínio das Ciências da 354)
Educação. A investigação que realizei sobre a organiza-
Marcada inicialmente por uma perspectiva ção pedagógica e a administração dos liceus, em
predominantemente sociológica, a investigação Portugal, no período compreendido entre 1836-
sobre a escola abriu-se, como nota Derouet 1960 (ver Barroso, 1995), de que este artigo pro-
(1995), a outros campos disciplinares, como o da cura dar conta, situa-se claramente neste campo
Ciência Política e da Ciência Administrativa, e de pesquisa.
mais recentemente da História da Educação. Por um lado, trata-se de uma reconstrução his-
No que se refere a esta última disciplina é tórica das origens, finalidades e processos que
possível identificar, como sublinha António estão na base da criação de uma organização pe-
Nóvoa (1995), diversas tendências de investiga- dagógica específica para o ensino das diferentes
ção que tentam aprofundar a análise da organiza- disciplinas no liceu (o regime de classes) e do
ção escolar e do currículo, das disciplinas e do modo como se transitou de uma normativização
dia-a-dia nas escolas, na linha do que Dominique pedagógica para uma normativização administra-
Julia chama de «cultura escolar»: tiva.
«conjunto de normas que definem saberes a Por outro lado, trata-se de um exercício de re-
ensinar e condutas a inculcar e um conjunto de contextualização das normas relativas à organi-
práticas que permitem a transmissão desses sa- zação e administração escolar que foram sendo
fixadas pelo quadro legal, através da análise do
relato das práticas dos reitores nos diferentes li-
(*) Professor Auxiliar, Faculdade de Psicologia e de ceus, durante o período considerado.
Ciências da Educação da Universidade de Lisboa. A investigação desenvolveu-se, assim, segun-

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do dois planos de análise: o plano das normas abreviado, a problemática que está na origem
definidas pela legislação e o plano da sua aplica- deste trabalho. Em seguida, porei em evidência
ção prática. os contributos das diferentes abordagens disci-
No primeiro, procurei analisar a organização plinares e a sua influência na construção do
pedagógica como uma dimensão estruturante do quadro de análise e nas opções metodológicas
próprio currículo e das suas didácticas, e a admi- utilizadas. Finalmente, identificarei aquilo que
nistração como o modo de governo que viabiliza me parecem ter sido os resultados mais significa-
essa organização e que tenta assegurar a subordi- tivos deste trabalho e os contributos que eles
nação dos diferentes actores às suas finalidades. podem ter para o conhecimento da instituição es-
Mas considerando, ao mesmo tempo, que uma e colar e do seu funcionamento.
outra (organização e administração) são a ex-
pressão de princípios, ideais e políticas educati-
vas, no seguimento, aliás, do que recomendava 2. DEFINIÇÃO DE UMA PROBLEMÁTICA
Dewey, em 1901:
«É fácil cair no hábito de olhar para os meca- A permanência e naturalização de um modo
nismos de organização escolar e da sua admi- uniforme de organização pedagógica, cuja matriz
nistração como algo de relativamente exterior e essencial é «o ensino em classe», constitui um
indiferente aos objectivos e ideais educativos. dos factores mais estruturantes do «modelo esco-
Temos tendência para pensar no agrupamento lar» que está na base do desenvolvimento da es-
das crianças em classes, na estruturação dos cola pública. É a persistência desse modelo,
níveis de ensino, nos dispositivos de progressão também, que explica muitas das resistências or-
dos estudos e nos métodos que os concretizam, ganizacionais que se fizeram sentir, ao longo das
no sistema de selecção dos professores e de várias tentativas de reforma, às mudanças dos
distribuição de serviço docente, de remuneração currículos e das práticas pedagógicas na sala de
salarial e de promoção na carreira, como, num aula.
certo sentido, aspectos meramente práticos e uti- É neste contexto da permanência de uma es-
litários. Esquecemo-nos que são precisamente trutura e organização pedagógica secular e da in-
este tipo de coisas que realmente controlam o fluência que ela exerceu como paradigma de re-
conjunto do sistema, mesmo no que diz respeito ferência para a organização e administração da
às suas dimensões educacionais.» (citado por escola, no quadro da evolução do sistema estatal
Nóvoa, 1995, p. xxi). de ensino, que se situa o meu trabalho de inves-
No segundo, centrei a minha análise no pro- tigação.
cesso de aplicação dessas normas nas próprias Se quisesse reduzir a problemática que cons-
organizações, a partir do relato que os reitores titui o ponto de partida do meu trabalho, a uma
(seus principais executantes) faziam das suas formulação mais operacional diria que ela se
práticas e dos dispositivos pedagógicos e admi- traduziu em cinco questões fundamentais:
nistrativos que as enquadravam.
Este duplo plano de análise justificou a utili- - Qual a génese da organização pedagógica
zação de diferentes abordagens disciplinares, da escola pública que foi criada em Portugal
para além da própria História da Educação, em e em outros países da Europa ocidental e da
particular da Sociologia das Organizações e da América do Norte, a partir dos finais do sé-
Administração Educacional, com incidência na culo XVIII ?
formulação dos próprios quadros conceptuais e - Por que razão essa organização pedagógica,
na construção dos intrumentos metodológicos. cuja matriz essencial é o «ensino em clas-
Neste artigo, irei debruçar-me essencialmente se», se manteve praticamente inalterável
sobre esta dimensão pluridisciplinar da investi- no domínio formal-legal até à actualidade,
gação que realizei sobre a génese e evolução da pesem embora as múltiplas tentativas de a
organização pedagógica e da administração do alterar ?
liceu e sobre o reflexo que ela teve nos resulta- - Em que medida a adopção desta organiza-
dos alcançados. ção pedagógica influenciou a definição le-
Assim, começarei por apresentar, de modo gal da administração do próprio estabeleci-

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mento de ensino e a concepção do sistema ção popular no início do século XIX (e nos
escolar estatal (no caso particular do ensino factores económicos e políticos que condi-
liceal)? cionaram essa expansão). A sua permanên-
- De que modo o processo de erosão desta cia, mesmo para lá do desaparecimento das
matriz inicial da organização pedagógica, razões que estiveram na sua origem, torna-
resultante da própria complexificação do es- ram-na um elemento essencial do «currículo
tabelecimento de ensino liceal, e da diversi- escondido» e reforçaram a sua função me-
dade dos contextos em que foi aplicada, é diatizadora da influência externa (reformas,
responsável pela formação de organizações mudanças pedagógicas, etc.) que visava al-
informais («liceu invisível»), contrárias às terar a organização pedagógica da escola e a
normas estabelecidas pelo quadro legal? sua administração.
- Que influência teve na organização especí- - A imposição de uma organização com estas
fica de cada liceu e nos seus processos de características a todos os estabelecimentos
administração, o conflito de racionalidades de ensino, com a criação de um sistema es-
(administrativa e pedagógica) presente na colar estatal, a partir dos finais do século
tentativa de imposição do regime de classes XVIII, tipifica o próprio conceito de «esco-
e nos seus «disfuncionamentos». la» (que passa a ser associado a esta organi-
zação e às suas estruturas derivadas, toma-
As respostas a estas questões, foram orienta-
das como «invariantes») e explica muito do
das por nove hipóteses explicativas, cuja formu-
carácter centralizador de que se revestiu a
lação permite identificar o «fio condutor» da
sua administração formal.
própria investigação realizada:
- A transformação de uma organização peda-
- A construção de uma «pedagogia colectiva» gógica em organização administrativa que
necessária ao ensino simultâneo de um gru- caracteriza o processo de evolução da «clas-
po de alunos tomou como arquétipo organi- se» (quer no ensino primário, com a «escola
zativo a relação educativa entre um mestre e graduada», quer no ensino secundário com
o seu discípulo, própria do ensino indivi- o chamado «regime de classe») cria as con-
dual, que se traduz na expressão «ensinar a dições para que se desenvolva nas escolas
muitos como se fossem um só». uma porosidade entre os domínios «pedagó-
- A operacionalização desta «pedagogia co- gico» e «administrativo» que se traduz mui-
lectiva» obrigou à «invenção» de uma tas vezes na «pedagogização da administra-
tecnologia educativa específica que se tra- ção», ou na «burocratização da pedagogia»,
duziu na divisão dos alunos em «classes» ou ainda na existência do «administrador
(isto é, divisões graduadas por estádios ou como profissional» que caracteriza o estatu-
níveis de conhecimentos de complexidade to ambíguo dos reitores.
crescente, segundo a idade e os conheci- - A reconstituição da génese e evolução da
mentos adquirido pelos alunos). organização e administração formal-legal
- A tecnologia da «classe» (que pressupõe a dos liceus em Portugal a partir da sua cria-
homogeneidade do grupo de alunos que a ção em 1836, por Passos Manuel, permite
frequenta) condicionou decisivamente a confirmar as hipóteses atrás formuladas.
própria organização do estabelecimento de Essa confirmação, obriga a relativizar o
ensino: processos de divisão do trabalho do- determinismo dos factores externos na defi-
cente e sua coordenação; divisão do tempo nição do próprio quadro legal que regula-
escolar; classificação e selecção dos alunos; menta a administração dos liceus, pela in-
programação serial dos espaços; etc. fluência que os próprios factores endógenos
- A «classe» constituíu, desde a sua origem, inerentes à organização e manutenção do
uma forma explícita do currículo, enquanto ensino em classes exerceram na sua evolu-
estrutura disciplinadora (Foucault, 1975) e ção.
inculcadora de «habitus» (Bourdieu & Pas- - O acesso a fontes documentais (Relatórios
seron, 1970), integrada no paradigma edu- dos reitores) que relatam como em cada li-
cacional dominante na expansão da educa- ceu, num determinado período, foram exe-

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cutadas as normas sobre a organização pe- em identificar o «genotipo» que está na origem
dagógica (em particular o regime de clas- de uma estrutura que é reconhecida como domi-
ses), permite confirmar a existência de uma nante na configuração histórica da escola como
«organização real» que se distingue da «or- instituição educativa – a «classe» (entre outros:
ganização legal». Essa «organização real» Prost, 1968; Foucault, 1975; Chartier, Compère,
resulta de múltiplos factores que fazem a & Julia, 1976; Vincent, 1980; Petitat, 1982;
especificidade de cada liceu, e é um dos es- Giollito, 1983; Perrenoud, 1984; Viñao, 1990;
paços privilegiados de afirmação das estra- Hamilton, 1991a e 1991b).
tégias dos diferentes actores, e em particular Este trabalho incidiu sobre dois processos si-
dos reitores. gnificativos na clarificação dos fundamentos or-
- Uma das principais características deste ganizativos da escola primária pública, em Por-
processo de construção de uma «organiza- tugal, no século XIX: a «querela dos modos de
ção real» nos liceus, no período em estudo, ensino» que foi desencadeada a propósito da
prende-se com a existência de dois movi- introdução do «ensino mútuo»; e a criação das
mentos contraditórios que orientam a orga- «escolas centrais» («escolas graduadas em clas-
nização e administração de cada estabeleci- ses»), nos finais do século, que, à semelhança do
mento de ensino: um movimento centrípeto que aconteceu em outros países, começam a
e unificador que visava eliminar as diferen- substituir nos grandes centros urbanos a escola
ças entre os liceus, subordinando-os, unifor- do professor único (com ou sem auxiliar).
memente, a um quadro legal extremamente Num segundo momento, procedi à reconstitui-
rígido, e a uma administração burocrática e ção da evolução das estruturas formais que asse-
centralizadora; um movimento centrífugo e guram a organização pedagógica dos estabeleci-
desagregador, que isolava os professores e mentos que em Portugal ministravam o ensino
os alunos no interior das salas, das aulas e pós-primário identificando, para lá das suas
das disciplinas, transformando-as em espa- evidentes diferenças, a permanência da matriz
ços e tempos de distinção. nuclear subjacente à criação da «classe».
Para este estudo utilizei diversas fontes: por
um lado a legislação que regulamentou as diver-
3. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DE ESTUDO sas formas de organização, e textos pedagógicos
da época que me permitissem aperceber dos ar-
O desenvolvimento desta problemática fez-se gumentos utilizados para defender as diferentes
tomando como objecto de estudo as «estruturas modalidades utilizadas; por outro lado, procurei
formais» que regulam a administração e organi- «reler» muita da informação levantada a partir
zação pedagógica do liceu entre 1836 e 1960. de fontes diversas, por diferentes autores e que
Estas estruturas foram analisadas a três níveis: a fazem referências à evolução da organização da
organização pedagógica e seus antecedentes; a escola, em vários países, para encontrar indícios
administração do liceu e sua evolução legal; as que confirmassem a minha hipótese de partida.
práticas dos reitores. - Quanto à análise da administração do liceu e
- No caso da organização pedagógica do liceu sua evolução legal, o meu estudo incidiu sobre a
e seus antecedentes, a análise incidiu no proces- sua génese e evolução, entre 1836 e 1947.
so de formalização das estruturas que regulam a Tratando-se de uma área pouco explorada e
organização pedagógica do liceu e que têm na sobre a qual existia à partida pouca informação,
classe (no seu duplo sentido de agrupamento de foi necessário proceder a um estudo mais inten-
alunos e de disciplinas) o seu elemento predomi- sivo das fontes primárias relativas a este período,
nante. abordando numa perspectiva diacrónica a defini-
Deste modo, a «classe» foi identificada como ção progressiva e não linear das normas que re-
arquétipo organizacional do ensino colectivo gulamentaram a administração do liceu, enquan-
tendo sido descrito o processo que conduziu à to estabelecimento de ensino público. O objecto
sua normativização, em Portugal, quer no ensino de estudo foi definido, assim, pelas regras for-
primário, quer no ensino secundário. mais que determinaram os órgãos, as atribuições
Num primeiro momento, o objectivo consistiu e as funções através das quais é assegurada a

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administração de cada liceu (individualmente so de constituição das formas escolares de que é
considerado). subsidiário.
- Finalmente, quanto às práticas dos reitores, Esta adopção de uma perspectiva histórica re-
a abordagem incidiu sobre o processo de apro- gressiva e comparativa em direcção a estádios
priação, reinterpretação e dissociação normativa, anteriores do desenvolvimento da escolarização
realizado nos diferentes liceus entre 1935/36 e (primária e pós-primária), justificou-se, ainda,
1959/60, a partir da análise de um corpus de 546 pelo facto de ter colocado como hipótese central
relatórios dos reitores dos liceus existentes no desta investigação a influência que a organiza-
Arquivo Geral do Ministério da Educação. ção pedagógica teve na configuração da própria
A «descoberta» deste corpus documental per- administração do liceu.
mitiu-me proceder a uma rotação do plano de Daí a necessidade de ter alongado o meu estu-
análise, deslocando-me da perspectiva da admi- do à organização pedagógica dos «colégios»
nistração central para a do administrador local (o dos jesuítas e das «aulas» dos estudos menores
reitor), da macro-estrutura para a micro-estrutu- criadas pelo Marquês de Pombal, e à consolida-
ra, do plano das normas para plano da sua con- ção de uma organização pedagógica para escola
cretização prática. primária pública, no século XIX.
Mas se o estudo das estruturas, sistemas da
«longa duração», consiste, como o afirmaram
4. OS CONTRIBUTOS DE DIFERENTES desde o início os primeiros historiadores dos
DISCIPLINAS «Annales», na «busca das permanências que
desafiam a mobilidade da história oficial» (Vo-
Pela importância que é atribuída à temporali- velle, 1982, p. 214), ele não pode limitar-se a es-
dade do fenómeno «organização e administração ta perspectiva do «tempo longo». Como propõe
Vovelle (na linha de outros historiadores como
do liceu», com a adopção de uma abordagem ge-
Le Goff & Nora, 1974) é preciso estabelecer
nealógica do processo de construção das estru-
uma relação dialéctica entre o «tempo curto» e o
turas definidas pelo quadro legal, a investigação
«tempo longo», indo da «estrutura ao aconteci-
situou-se na confluência da História da Educa-
mento, passando pela longa duração» (Vovelle,
ção, em geral, e da História da Administração do
1982, p. 227). Por isso, simultaneamente com o
Ensino, em particular, na acepção proposta por
estudo em profundidade na procura das invarian-
Guy Caplat (1984), isto é da «História entendida
tes estruturais que regulam a organização peda-
como geologia da ciência administrativa» (p. gógica do liceu e da sua administração, procurei
29). identificar (e estudar com mais detalhe) os mo-
Contudo, ao tomar como objecto de estudo a mentos de crise e de ruptura que estão na origem
dimensão local do sistema e da sua administra- da proposta de novos modelos (como por exem-
ção, ao nível da escola enquanto organização, plo, «reformas pombalina dos estudos menores»,
tornou-se necessário recorrer a um quadro con- «reforma de Passos Manuel», «reforma de Jaime
ceptual e analítico próprio das «teorias da orga- Moniz», «reforma de Sobral Cid», «reforma de
nização e administração educacionais» (tributá- Carneiro Pacheco», «reforma de Pires de Li-
rio da Ciência administrativa, da Análise organi- ma»). Estas reformas, para além do seu signifi-
zacional e do que Derouet apelida de «sociologia cado na continuidade do processo de evolução
das organizações educativas»). das estruturas de organização e administração
- Quanto à dimensão «histórica» desta pesqui- dos estabelecimentos de ensino liceal, adquirem
sa ela está presente na reconstrução da génese e um significado próprio enquanto «acontecimen-
evolução das estruturas de administração dos to» (episódio) historicamente situado, na medida
liceus, em Portugal. Trata-se de um processo que em que cristalizam determinados modelos orga-
só pode ser observado e compreendido numa nizativos e administrativos, cuja origem e sen-
perspectiva diacrónica de «longa duração» tido importa analisar para compreender as «resis-
(Braudel, 1972, pp. 7-70) que tome como refe- tências» que provocaram.
rência temporal não só a criação deste tipo de es- - No que se refere à utilização de uma abor-
tabelecimento de ensino, mas também o proces- dagem teórica da organização e administração do

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liceu ela revelou-se essencial para a definição do cas, os participantes, em função da sua percep-
quadro conceptual, em particular na interpreta- ção dos contrangimentos como recursos da
ção que foi dada à «organização formal», enten- situação, procuram, e na maior parte das vezes
dida como conjunto de princípios, estruturas e conseguem, reduzir pouco a pouco a importân-
regras pré-definidas destinadas a assegurar a or- cia do quadro formal, e deslocar ou limitar a
dem e a coerência no funcionamento do liceu, sua validade, ou até, mesmo, inverter completa-
bem como a relação que ela estabelece com a mente as sequências teóricas.» (Friedberg, 1993,
«organização informal». p. 145)
Apesar de a organização e administração do E isto é válido quer nas relações na macro-es-
liceu não se reduzirem aos aspectos formais, eles trutura formal (o sistema de ensino e as escolas)
podem, contudo, explicar muito dos comporta- quer na micro-estrutura formal de cada estabele-
mentos passados e actuais dos diferentes actores cimento de ensino.
escolares, bem como contribuir para uma inter- Na verdade, esta perspectiva interaccionista
pretação teórica das especificidades das organi- que se revela bastante eficaz para descrever as
zações e das administrações escolares. relações entre o formal e o informal ao nível de
Como aliás a própria corrente interaccionista cada escola, bem como o facto de ela ser não só
reconhece, a estrutura formal não se limita a ser um «locus de reprodução», mas também um «lo-
um «pano de fundo» para a acção organizacio- cus de produção normativa» (ver a este propó-
nal, mas é o principal recurso para as estratégias sito Lima 1992), pode ser utilizada igualmente
individuais dos seus membros. para explicar a influência exercida pela acção
Embora as organizações possam ser conside- dos actores organizacionais sobre a produção
radas como «um construído humano e não te- normativa emanada do centro de decisão que go-
nham sentido fora da relação entre os seus verna o sistema educativo.
membros» (Crozier & Friedberg, 1977, p. 43), A definição da organização formal das escolas
isso não significa, como dizem os mesmos auto- pela administração pública processa-se segundo
res, «que o modelo oficial prescritivo não tenha um modelo de decisão que se assemelha ao que
qualquer influência. Ele determina em larga Lindblom (1965) chama de «modelo sinóptico».
medida o contexto da acção e portanto os recur- Este modelo pressupõe uma «racionalidade a
sos dos actores.» (p. 37). priori» que é legitimada pelo facto de o legisla-
Do mesmo modo (e este é um dos aspectos dor ser suposto tomar as suas decisões na defesa
mais fecundos da abordagem da análise estraté- do interesse público e dispôr de uma autoridade
gica proposta por Crozier, e das relações entre legal (no sentido weberiano do termo) para «im-
estruturas formais e informais) o sistema oficial pôr» essa racionalidade.
é igualmente influenciado e corrompido pelas Mas, como advertem Crozier e Friedberg
pressões e manipulações dos actores: (1977) no seu comentário ao modelo de Lind-
«Em vez de considerar as práticas informais blom, «os actos legislativos são compromissos
unicamente como excepções ou acomodações no cuja interpretação pode ter bastante latitude. As
quadro da lógica tradicional, é preciso inverter intenções do legislador podem prestar-se à dis-
a perspectiva para tentar compreender o próprio cussão, e principalmente em cada caso concreto,
sistema oficial a partir de uma análise mais rea- ou para cada missão, podem entrar em oposi-
lista das dificuldades com que ele se depara, e ção, directa ou indirectamente, com interesses
indo mesmo um pouco mais longe, como uma legítimos, consagrados pela lei, ocasionando
resposta a estas práticas informais e como uma conflitos, e bloqueamentos administrativos e ju-
solução aos problemas que estas colocam.» rídicos. Donde a impressão de irracionalidade
(Crozier & Friedberg, 1977, p. 38). que suscitam as actividades públicas.» (p. 268).
Como diz Friedberg (1993), no seu trabalho Nesta situação de aparente irracionalidade
sobre as dinâmicas da acção organizada «a regu- ocorre aquilo que Lindblom chama de «raciona-
lação que a estrutura formal opera nunca é to- lidade a posteriori» e que resulta de um ajusta-
tal. Ela é constantemente ultrapassada por um mento mútuo que os actores e a administração
conjunto de práticas que não respeitam as pres- fazem para vencer esses bloqueamentos e confli-
crições que ela estabelece. Através destas práti- tos, ou por obra do próprio jogo democrático, ou

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porque a correlação de forças entre as partes em tratamento de dados produzidos pela investi-
conflito a isso obriga. gação própria, quer no que se refere à legislação
É o que acontece, por exemplo, nas escolas, e à imprensa pedagógica, quer, em particular, no
com as «infidelidades normativas» assinaladas que se refere aos relatórios dos reitores.
por Licínio Lima (1992) como «fidelidade dos
actores aos seus objectivos, interesses e estraté-
gias (...) e contraponto ao normativismo buro- 5. DAS FONTES E DA SUA METODOLOGIA
crático» (p.171). Contudo, estas «infidelidades» DE ANÁLISE
não só constituem uma forma de «racionalidade
a posteriori» que relativiza as próprias normas A reconstituição do processo que está na ori-
gerais aos contextos organizacionais e indivi- gem da classe como modelo uniforme de escola-
duais, mas por vezes, elas têm um efeito de re- rização, a descrição das suas características co-
torno sobre o centro de decisão administrativa mo «tecnologia da sala de aula» e a influência
levando-o a ajustar a sua própria «racionalida- que tiveram nas formas escolares que precede-
de». ram a criação dos liceus (colégios e «aulas») ba-
Esta intepretação dá um outro sentido (não seiam-se, essencialmente, na informação e dados
substitutivo, mas complementar) à análise, nor-
recolhidos nas principais fontes secundárias
malmente unívoca, da evolução do quadro legal.
existentes em Portugal, e que não tinham sido
A incoerência que se verifica, muitas vezes, na
tratados nesta perspectiva. Tratou-se, portanto,
sucessão legislativa não é unicamente o resulta-
do ponto de vista metodológico de uma «análise
do do mau funcionamento da administração cen-
tral, ou da alteração de políticas dos diferentes secundária» de dados descritivos que tinham
partidos ou ministros, mas reflecte também o sido recolhidos com outro fim.
conflito de poder e a relação de forças entre os Quanto à investigação sobre o processo de
professores (em particular os seus membros mais organização e administração do liceu utilizei
influentes) e as suas organizações, por um lado, a dois tipos de fontes:
Administração e o poder político, por outro. - as séries legislativas que regularam, entre
Nesse sentido, uma investigação centrada na 1836 e 1960, a organização e a administra-
análise retrospectiva do «corpus normativo», se ção do liceu, cuja informação foi cruzada
apoiada em séries longas, não se limita a dar a com os artigos que sairam na imprensa pe-
visão unilateral dos diversos legisladores, dos dagógica da época, e que comentavam, a
seus valores e sistemas de decisão, mas é tam-
partir do ponto de vista dos professores, as
bém, o reflexo, ao nível macro, de racionalidades
principais medidas que iam sendo tomadas;
conflituais que opõem os administradores aos
- um corpus constituído por 546 relatórios de
pedagogos, os «burocratas» aos «profissionais»,
reitores referentes ao período compreendido
a administração central às escolas, os «teóricos»
aos «práticos», etc. entre 1935/36 e 1959/60.
Foi com esse fim que foram estudadas neste
trabalho (numa perspectiva histórica e organiza- 5.1. As fontes legislativas
cional) as estruturas formais que regulam a
administração e a organização pedagógica do No quadro da renovação da agenda de investi-
liceu. gação da História de Educação e da diversifica-
De registar ainda que a utilização destes dois ção das suas fontes, das suas práticas de trabalho
campos disciplinares me permitiu estabelecer, tal e dos seus intrumentos metodológicos, existe
como propõe Boudon (1979) uma relação dia- uma certa tendência para desvalorizar os estudos
léctica entre a «descrição» e a «explicação», va- baseados na «hermenêutica doutrinal dos textos
lorizando a função interpretativa que as teorias oficiais ou dos projectos de Reforma» (Fernan-
da organização e administração educacionais des, 1988). É comum dizer-se, como faz Domi-
podem ter na análise secundária de dados reco- nique Julia (1995) que «não há história da edu-
lhidos em outros estudos de história da educa- cação mais tradicional que a das normas» que
ção, em Portugal, e na orientação da recolha e tem por base os textos regulamentares, pois estes

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não nos permitem aceder à própria realidade das justificou-se, no quadro da minha investigação,
coisas. por diferentes motivos:
Contudo, na investigação que conduzi sobre a
- A evolução da organização pedagógica e o
administração do liceu o recurso a um levanta-
processo de estatização do ensino tornaram
mento sistemático das fontes normativas não
necessária uma administração específica
tinha por pretensão reconstruir a partir delas a
para o serviço público de educação. Esta
realidade das escolas e das suas práticas, mas an-
administração construiu-se através de uma
tes constitui um objecto de estudo em si mesmo,
«sedimentação progressiva» da legislação e
ou seja, as estruturas formais definidas pelo
foi-se especializando quer do ponto de vista
quadro legal.
funcional quer departamental. A análise da
Estas estruturas correspondem ao que Lima
produção normativa que acompanhou a
(1992 ) chama de «plano das orientações para a
criação dos liceus e as diferentes fases do
acção organizacional» e têm as seguintes ca-
seu desenvolvimento contribui, assim, para
racterísticas:
o conhecimento da génese e funções da
«São [estruturas] reguladas por regras for-
própria administração escolar.
mais-legais (normas) com carácter impositivo,
- O conhecimento das normas e das estruturas
estruturadas e codificadas geralmente em lin-
que são impostas para a administração dos
guagem jurídica (ou nela inspirada), e estão
liceus permite identificar qual o modelo
inscritas em suportes oficiais. São regras sempre
(ou modelos) organizacional e administrati-
em vigor, até serem substituídas por processos
vo que inspira a decisão política e a actua-
formais semelhantes aos utilizados no momento
ção administrativa, neste domínio, bem co-
em que foram instituídas, e são obrigatoriamen-
mo a sua evolução. Ainda que este modelo
te do conhecimento dos actores (enquanto pre-
possa representar uma ficção do que é cada
sunção). Constituem um quadro construído e fi-
liceu enquanto organização, nem por isso
xado em torno de objectivos oficiais da organi-
deixa de ter uma influência decisiva no seu
zação (para a organização), são atribuidoras de
processo histórico de desenvolvimento.
significado normativo à acção organizacional,
- A análise das continuidades e rupturas na
instituem uma hierarquia formal e distribuem
definição do enquadramento legal que regu-
atribuições e competências. Em termos de pro-
lamenta a administração do liceu, bem co-
cura de racionalidade estamos perante o modelo
mo do debate público que lhes está muitas
racional-legal, isto é, um modelo que toma por
vezes associado, permite ter uma visão di-
referência a racionalidade (a priori) do sistema,
nâmica da pluralidade de opiniões que se
do ponto de vista da sua administração centra-
foram construindo ao longo deste processo
lizada. As regras formais obrigam a um desem-
e identificar os discursos dominantes.
penho em conformidade, tendo como bases pre-
- O conhecimento da produção normativa e
dominantes de legitimação a normatividade, o
da sua retórica contribui para esclarecer
cumprimento da lei e dos regulamentos, passível
quer as estratégias dos decisores da admi-
de controlo e de fiscalização.» (Lima, 1992, p.
nistração central, na definição de uma orga-
160)
nização específica para os liceus, quer as es-
Estas estrututas fornecem assim «um retrato
tratégias, muitas vezes autónomas, dos
oficial» da administração dos liceus, embora
actores locais, sejam eles reitores, directores
não permitam reconstruir a diversidade (pessoal,
de classe, professores ou alunos. Neste sen-
temporal e local) dos modelos e práticas da
tido é possível estabelecer um confronto en-
administração e gestão dos liceus, no período em
tre a «racionalidade a priori» e a «racionali-
análise (1836-1947). Este retrato foi sistematica-
dade a posteriori», identificando a influên-
mente confrontado com as posições que os pro-
cia que a segunda teve, muitas vezes no
fessores individualmente ou nas suas associações
«ajustamento» das decisões tomadas pela
profissionais tomaram na imprensa pedagógica,
administração.
bem como em obras que para tal tenham escrito.
A pertinência de uma abordagem deste tipo O recurso às fontes legislativas ganhou assim

494
um outro sentido, no quadro desta investigação e duais ou colectivos, em particular, os reitores, os
é justificado pelos seguintes argumentos: professores e as suas associações.
- O conhecimento das séries legislativas per- Além disso, a análise comparativa da sucessão
mite reconstituir «a trama histórica» (Caplat, legislativa permite pôr a descoberto (pelas omis-
1984, p. 36) do processo de construção das estru- sões, pelas repetições, pelas reformulações, pelas
turas formais da organização e administração do alterações, de certas normas) não só a diversida-
liceu, e interpretar o sentido das linhas de con- de de estratégias dos decisores, mas igualmente
tinuidade e de ruptura que se foram estabelecen- os focos de conflito, os polos de interesses con-
do, neste domínio, ao longo da própria evolução traditórios, os campos de forças, que a aplicação
do ensino liceal. dessas normas gerava.
A estratificação do «corpus» normativo cons- Como se depreende desta argumentação, ao
titui como que um património institucional que contrário de muitos estudos baseados na análise
serve de quadro de referência simbólica aos da legislação, não me move qualquer concepção
professores, aos alunos, aos pais e à opinião pú- determinista do processo de decisão política na
blica e que condiciona as suas relações na e com administração da educação.
a organização-liceu. A ruptura com este paradigma, dominante em
- O conhecimento das ideias e das normas que muitos estudos de história das políticas de edu-
regulamentaram a administração interna do li- cação (ver Prost, 1992), ou de administração es-
ceu, se perspectivado pelos próprios contributos colar (ver Caplat, 1984; Fridenson, 1989), justi-
das teorias da organização e administração edu- fica-se quer pelo facto de as políticas educativas
cacionais, permite estabelecer relações perti- serem resultado de «estratégias plurais de acto-
nentes com outras dimensões da História da res sociais que são igualmente actores plurais»
educação, como por exemplo a «história do cur- (Prost, 1992, p. 216), quer pelo facto de elas es-
rículo», a «história das políticas de educação», a tarem sujeitas à retroaccção das estratégias dos
«história das correntes e ideias pedagógicas», a actores individuais e colectivos sobre os quais
«história dos professores», «a educação compa- elas deviam exercer-se.
rada», etc. e outros níveis da «história da admi- É esta a razão porque não confinei o meu es-
nistração escolar», como seja a «história da tudo à produção legislativa, mas procurei fazer
administração central», a «história da inspec- um contraponto sistemático com as reacções
ção», etc. que essa legislação provocava nos professores e
- Pelas suas características, os diplomas legais nos liceus e cujo eco era transmitido na imprensa
constituem um «corpus» documental imprescin- e literatura pedagógicas, nas posições assumidas
dível para o estudo da retórica oficial sobre a re- pelas associações de professores, nos Congressos
forma educativa (neste caso sobre a reforma da pedagógicos e nos anuários dos liceus.
administração dos liceus) não só pelas medidas O recurso a estas fontes permitiu-me não só
que preconizam, mas também pelo discurso legi- identificar a natureza dos conflitos, de pontos de
timador que acompanha a legislação de maior vista, de interesses e de estratégias, existentes
importância, onde são apresentados os funda- entre os decisores e entre estes e os actores lo-
mentos da racionalidade administrativa em que cais, mas também encontrar um espaço perti-
se baseiam. nente para mobilizar os contributos das ciências
- Se se situar a produção legislativa no con- da organização e da administração educacionais
texto dos sistemas de decisão da administração na explicação dos factos histórico-educativos.
pública (nos diferentes períodos em estudo) e À semelhança do que Prost (1992, p. 218)
aplicando a classificação de Lindblom (1965), considera a propósito das relações entre a histó-
atrás apresentada, sobre o «modelo sinóptico» e ria e a sociologia no estudo das políticas de edu-
o «modelo de ajustamento», é possível ver no cação («uma sociologia das organizações colo-
normativo legal, não só a expressão da raciona- cada numa perspectiva diacrónica»), a história
lidade «a priori» da administração (ou do legis- da administração escolar torna-se assim uma
lador seu intérprete), mas também o reflexo das aplicação da administração educacional e da
racionalidades «a posteriori» dos actores indivi- análise organizacional à descrição e interpreta-

495
ção dos fenómenos educativos perspectivados ra plano da sua concretização prática, ao mesmo
diacronicamente. tempo que me permitia indagar do processo de
A transferência de teorias, conceitos, modelos apropriação, reinterpretação e dissociação nor-
e métodos da administração educacional à his- mativa, realizado nos diferentes liceus.
tória da educação permitiu-me não só estruturar De registar, contudo, que as características do-
a recolha e tratamento dos dados das fontes pri- cumentais dos relatórios limitaram a sua utiliza-
márias, mas também propôr uma interpretação ção como fonte, para analisar de um modo siste-
teórica sobre a evolução da administração dos li- mático o «jogo organizacional da cooperação e
ceus em Portugal, no período em estudo. do conflito» dos membros de uma organização
Essa interpretação utiliza os contributos re- que, segundo Friedberg (1993), integra o próprio
centes das teorias das organizações e da adminis- processo de formalização e endogeneização das
tração para esclarecer os modelos subjacentes às suas estruturas.
diferentes medidas legislativas e identificar o Na verdade, a elaboração dos relatórios obe-
sentido que o fluxo normativo foi dando à pró- dece a normas rígidas, e eles destinavam-se a
pria configuração legal do liceu, enquanto orga- servir de instrumento de controlo do funciona-
nização e administração, cuja forma final defi- mento do liceu por parte da Direcção geral do
nida em 1947 se manteve até 1974. ensino liceal e da Inspecção do ensino liceal (a
partir de 1947), além de que, sendo elaborados
5.2. Os relatórios dos reitores pelo reitor, traduzem normalmente o seu ponto
de vista e a representação que ele tem da organi-
O segundo tipo de fontes que utilizei foram zação.
os relatórios que os reitores elaboravam anual- Todavia, o carácter extensivo com que é des-
mente para darem conta do balanço das activi- crito o funcionamento do liceu, num determina-
dades desenvolvidas no liceu. A feitura destes do ano, a importância que era atribuída pela
relatórios constitui uma obrigação sistematica- Administração aos aspectos organizacionais, no-
mente prevista nos Estatutos e Regulamentos meadamente no que se refere à execução do regi-
desde a criação deste tipo de estabelecimento de me de classes, e por vezes o próprio estilo de
ensino, mas o seu conteúdo só foi definido com gestão dos reitores, permitiram utilizar os relató-
precisão a partir da Reforma de Jaime Moniz rios dos reitores para estabelecer um contraponto
(Regulamento de 14 de Agosto de 1895). ao «desenho organizacional» traçado pelo qua-
O corpus documental que serviu de base à dro legal.
minha investigação é constituído por um con- Esse contraponto fez-se a dois níveis:
junto de 546 relatórios dos reitores do liceu,
- os «desvios» que os reitores introduziam no
«descobertos» no Arquivo Geral do Ministério
modelo organizacional e administrativo, por
da Educação e abrangendo o período entre 1935/
sua iniciativa, por força das circunstâncias,
/36 e 1959/60.
ou como resultado do jogo de forças que se
Estes relatórios correspondem a 54% do total
estabelecia no interior do próprio liceu entre
possível, nesse período. Entre 1935 e 1946, pe-
a sua acção e a de grupos de professores;
ríodo em que os relatórios eram enviados para a
- a quebra da coesão interna da própria or-
Direcção Geral do Ensino Liceal, foram encon-
ganização que era um dos pressupostos
trados 173 relatórios (36% do total possível).
fundamentais de toda a filosofia de adminis-
Entre 1947 e 1960, período em que os relatórios
tração subjacente à aplicação do «regime de
eram enviados para a Inspecção do Ensino Li-
classes».
ceal, a percentagem é de 69%, correspondendo a
373 relatórios. No primeiro caso, os relatórios dão conta de
Como já foi referido, a «descoberta» deste múltiplos exemplos de «infidelidades» que fa-
corpus documental permitiu-me proceder a uma zem do liceu um «locus de produção normativa»
rotação do plano de análise, deslocando-me da (Lima, 1992) e permitem relativizar a influência
perspectiva da administração central para a do centralizadora de uma administração burocrática,
administrador local (o reitor), da macro-estrutura autoritária e fortemente ideologizada, como a
para a micro-estrutura, do plano das normas pa- que vigorou no período em estudo.

496
Sem pôr em causa o carácter heterodirigido da aos relatórios, uma atitude de escuta, numa ati-
administração dos liceus e a sua modelação pela tude «quase-etnográfica» face ao material escri-
política educativa do Estado Novo, foi possível to. Esta atitude tinha por finalidade permitir-me,
utilizar os relatórios dos reitores para identificar enquanto observador-investigador, armado de
«outras» racionalidades (mais subjectivas e um quadro conceptual que tem em conta os con-
definidas «a posteriori»), que imprimiam, por tributos das modernas teorias da administração e
vezes, um carácter distintivo à organização do li- da organização educacionais, ter uma visão de
ceu ou às modalidades utilizadas na sua adminis- conjunto do funcionamento do liceu, em particu-
tração. lar no que se refere à aplicação do «regime de
Atendendo ao papel chave que os reitores classe».
desempenhavam neste processo, a análise dos Nesta fase, simultaneamente com a recolha de
relatórios permitiu igualmente proceder a uma um número limitado de dados de estrutura e de
«análise funcional» mais fina do que a realizada funcionamento, tomei inúmeras notas e transcre-
a partir do quadro legal, dando conta da diversi- vi ou fotocopiei os excertos mais significativos
dade de estilos e de modalidades de acção que de relatórios, no sentido de recolher informação
era possível encontrar. sobre a organização do tempo, dos espaços, dos
No segundo caso, a análise dos relatórios agrupamentos, da coordenação dos professores,
permitiu mostrar como, contrariamente, ao que e da conexão do ensino.
uma análise da escola como burocracia levaria a Com base nestas «notas de campo» foi possí-
supôr, os liceus no período em análise, apresen- vel reconstituir o funcionamento do liceu naque-
tam já características que os aproximam, em cer- les domínios e identificar algumas das razões
tos aspectos, dos modelos de «sistemas debil- que explicam a sua eventual divergência com o
mente acoplados» definidos por Weick (1976) que está legislado.
ou de «anarquias organizadas» apresentados Para identificação dos processos utilizados na
por Cohen e March (1974). constituição de turmas, na coordenação de
Os relatórios dos reitores, no seu duplo registo professores e conexão do ensino (elementos cen-
de instrumento de «normalização» (enquanto trais da implementação do regime de classes)
elemento de controlo externo) e de «distinção» procedi a uma análise de conteúdo das rubricas
(enquanto memória da instituição que exprime a dos relatórios onde eram referidos esses proces-
sua identidade), permitem analisar o processo de sos com a construção de categorias identificado-
perda progressiva da sua coesão interna que, ras das diferentes modalidades utilizadas e cál-
apesar de desejada pela administração, dificil- culo da frequência com que aparecem referidas
mente era concretizada. Eles tornam-se assim, nos relatórios.
por vezes, testemunhos do confronto entre a vi- - Numa segunda fase, seleccionei um conjunto
são que a administração tinha do liceu como or- mais restrito de relatórios referentes a anos que
ganização «fortemente acoplada», não só inter- fossem significativos da evolução do próprio
namente, mas entre cada liceu e os próprios ser- quadro legal sobre a administração dos liceus, no
viços da Administração central, e a inevitável interior do período de tempo a que correspon-
fragilidade das articulações que ligavam não só dem os relatórios (1935-1960). Foram seleccio-
muitos dos seus elementos internos (professores nados os anos de: 1937-38 (após a entrada em
e classes, por exemplo), mas o próprio liceu, ao vigor do Estatuto de Carneiro Pacheco de 1936);
sistema no seu conjunto. 1947-48 (a seguir ao Estatuto de Pires de Lima,
A metodologia utilizada para recolher e tratar 1947); 1957-58 (para manter a mesma periodici-
os dados seguiu de perto este quadro de análise. dade, abrangendo um momento em que a maior
- Numa primeira fase, o conjunto dos 546 re- parte dos liceus começa a entrar em rotura, pelo
latórios foram tratados de um modo essencial- excesso de alunos e insuficiência de instalações).
mente qualitativo, com o fim de reconstituir Os relatórios destes anos foram analisados em
uma visão holística da organização do liceu, à função de uma grelha mais detalhada que descre-
semelhança do que é praticado nos estudos orga- vesse de um ponto de vista quantitativo o funcio-
nizacionais dos actuais estabelecimentos de en- namento do liceu nos domínios que interessavam
sino. Trata-se, no fundo, de adoptar em relação ao meu estudo (edifício; titulares de cargos; dis-

497
tribuição do pessoal docente por diferentes cate- contributo que ela teve quer para uma melhor
gorias profissionais; pessoal não docente; alunos compreeensão do modo como se fixou e evoluiu,
por ciclos e turmas; aulas previstas e dadas; no período considerado, uma organização peda-
absentismo de professores e alunos; orçamento e gógica e uma administração específica para os li-
contas; resultados escolares; número e tipo de ceus, mas também as implicações que este co-
reuniões; principais assuntos tratados; activida- nhecimento traz à compreensão actual da escola
des circum-escolares; visitas de estudo; festas e e do seu funcionamento.
celebrações; filiação na mocidade portuguesa; São vários os aspectos que me parecem rele-
associações; cantina). vantes, neste domíno, como por exemplo:
Ao mesmo tempo procurei aprofundar a aná- - A verificação de que a administração das
lise qualitativa realizada na primeira fase através escolas, mesmo do ponto de vista do quadro
de recolha de elementos sobre: organização pe- legal, não é uma realidade homogénea, constante
dagógica (turmas, horários, afectação de espa- e unívoca. Ela foi-se constituindo através de um
ços, etc.); coordenação dos professores e cone- processo de sedimentação das normas e das es-
xão do ensino (supervisão pedagógica, visitas a truturas, não só como resultado das dezenas de
aulas, reuniões, etc.); relação com a família; decretos, portarias e circulares que foram refe-
desempenho do cargo pelo reitor (projecto, estilo renciados, mas também das rupturas e continui-
de gestão, representação da organização, etc.). dades que determinam a ordem dessa acumula-
Apesar de muitos relatórios possuirem gran- ção e a manutenção, alteração ou anulação dos
des lacunas de informação foi possível construir diferentes diplomas.
um conjunto significativo de indicadores que É esta realidade multifacetada que permite
sistematizam a informação sobre o perfil profis- identificar diferentes configurações extremas da
sional dos reitores, sobre a estrutura das receitas, organização do liceu que vão desde a organização
das despesas e dos custos, sobre a qualificação predominantemente burocrática, à organização
do pessoal docente, o enquadramento dos alunos predominantemente não burocrática, conforme a
por pessoal docente e não docente, a dimensão sua estrutura é mais «mecânica» ou «orgânica»,
das turmas e as faltas disciplinares. ou se faz sentir mais a influência dos professores
Estas fases seguem de perto o processo de ou dos administradores, respectivamente.
«condensação dos dados» descrito por Huber- - A existência de um campo de influências
man e Miles (1991) e deram lugar a um conjunto multipolar (política, administrativa, pedagógica e
de escolhas analíticas cujas configurações cor- profissional) que determina as diferentes produ-
respondem às três dimensões com que foram ções normativas ao longo do período em estudo.
reconstituídos os dados obtidos: Estas múltiplas influências sobre a definição do
quadro legal que rege a organização e adminis-
- nível institucional: contextualização da ins- tração dos liceus, permitem relativizar o determi-
tituição liceu no quadro das políticas educa- nismo político ou administrativo de algumas
tivas do Estado Novo, no período em estudo das interpretações que têm sido feitas sobre esta
(1935-1960); evolução, pondo em evidência a pluralidade de
- nível organizacional: modalidades de con- influências que se fazem sentir (de maneira iso-
cretização da organização pedagógica defi- lada ou conjunta) na configuração das estruturas
nida pelo quadro legal (em particular no que formais-legais. Nomeadamente, as que decorrem
se refere à aplicação do regime de classes); da teoria educativa e da evolução da pedagogia,
- nível pessoal (reitor): análise funcional do bem como as que são ditadas pela pressão dos
cargo e características do seu desempenho. professores e que reforçam o seu profissionalis-
mo.
- A tensão que é visível, no processo de evo-
6. ALGUNS RESULTADOS OBTIDOS lução da organização e administração do liceu,
entre um aparelho administrativo, burocrático e
A síntese e reflexão que pretendi fazer neste centralizado, por um lado, e uma organização
artigo, sobre a minha investigação, ficariam in- profissional e descentralizada, por outro. Esta
completas se não tentasse pôr em evidência o tensão latente ou explícita que opõe os adminis-

498
tradores aos professores, e a organização admi- controlo que estão na base da adminstração da
nistrativa à organização pedagógica, traduz-se a escola:
nível legislativo, por avanços e recúos na impo-
- a cultura da homogeneidade expressa na
sição do regime de classes.
criação e manutenção de uma organização
- A verificação, através da análise dos relató-
pedagógica baseada na «classe»;
rios (entre 1936 e 1960), da diversidade de situa-
- os fundamentos pedagógicos da administra-
ções existente (em contradição com a imagem
ção escolar, traduzidos no modo como se
homogénea que a retórica oficial dá do sistema),
faz a passagem de uma organização pedagó-
bem como da construção progressiva de uma gica para uma organização administrativa,
organização pedagógica divergente da que estava quer na escola primária quer no liceu, e no
consagrada no quadro-legal. Quer no domínio da modo como é definido o perfil funcional do
organização dos horários, da constituição das reitor e dos outros órgãos de gestão.
turmas e da distribuição dos espaços, é notória a
distância que separa a «estrutura formal» da
«estrutura informal». É possível identificar, 6.1. A cultura da homogeneidade
igualmente, um «liceu invisível», muito menos O princípio da homogeneidade (das normas,
homogéneo do que o previsto na legislação e on- dos espaços, dos tempos, dos alunos, dos profes-
de as incoerências entre o modelo legislado e as sores, dos saberes e dos processos de inculcação)
suas condições de execução constituem espaços constitui uma das marcas mais distintivas da
de improvisação de soluções e de tomada de de- «cultura escolar».
cisões, ditadas por critérios de racionalidade di- A adopção deste princípio é visível desde a
ferente. génese da organização pedagógica da escola
- Identificação, a partir dos mesmos relatórios, primária pública e estendeu-se às escolas de ou-
de zonas de conflitualidade do papel do profes- tros graus de ensino, através de um processo
sor na organização da escola e que se reflete na complexo e de longa de duração que é possível
oposição entre os papéis de «operacionais» e sintetizar (a partir da informação recolhida na
«funcionais», de «funcionários» e «especialis- minha investigação) do seguinte modo:
tas». Estas conflitualidades manifestam-se essen- Quer a organização da escola primária, quer a
cialmente na dificuldade que os reitores manifes- organização do liceu, constituiram-se a partir de
tam em realizarem a conexão do ensino e a coor- uma estrutura nuclear que tinha como referência
denação dos professores. a «classe», enquanto grupo de alunos que rece-
- A sobreposição de papéis que o reitor de- biam simultaneamente o mesmo ensino.
sempenha entre o «administrador» (em que pre- A classe surgiu da necessidade de adaptar ao
dominam as funções de delegado da administra- ensino colectivo, as modalidades de ensino que
ção central, enquanto responsável pela execução eram tradicionalmente adoptadas no ensino do-
das normas que regem o funcionamento dos li- méstico, baseadas na relação face a face entre
ceus) e o de «profissional» (com predomínio do um mestre e o seu discípulo.
seu perfil de professor, de líder pedagógico e A evolução que tracei da organização pedagó-
educativo). gica do ensino primário público é elucidativa das
Estas e outras conclusões do meu trabalho jus- características estruturais que a escola tem hoje
tificariam um desenvolvimento que não cabe na enquanto organização.
economia do presente artigo. Por isso, e na im- Primeiro as crianças eram ensinadas pelo
possibilidade de referir e resumir todos os aspe- «modo individual». O espaço e o tempo da «es-
ctos que me parecem mais pertinentes, queria cola» era simultaneamente um espaço e um
unicamente chamar a atenção para duas das di- tempo de lazer, de trabalho e de ensino. O pro-
mensões do meu estudo que mais contribuem pa- fessor só controlava directamente este último,
ra desconstruir o carácter «aparentemente natu- chamando um a um os alunos ao pé de si, para a
ral» da organização pedagógica que, ainda hoje, lição. A organização da «escola» era fluida, sem
estrutura as práticas escolares, bem como para a sistemas de coordenação entre os seus elemen-
problematização dos processos de governo e de tos, sem especialização de funções, sem compar-

499
timentações rígidas quer de alunos, quer de ma- em Portugal se chamou de «escola central» e que
térias, quer de espaço, quer de tempo. A própria aparece em Lisboa nos finais do século XIX).
escolarização era vista como um processo con- A classe, que era inicialmente uma simples
tínuo, e os alunos abandonavam a escola quando divisão de alunos, transforma-se progressiva-
«estavam prontos» (na própria terminologia uti- mente num «padrão» organizativo para departa-
lizada na época). mentalizar o serviço dos professores e o próprio
Este modo de ensino foi posto em causa com espaço escolar. Simultaneamente, adquire o va-
a adopção do «ensino simultâneo» (de que um lor de «medida» na progressão dos alunos (pas-
dos primeiros difusores, no ensino das primeiras sar de «classe») e na divisão temporal do percur-
letras, foi J.-B. La Salle, no século XVIII), mas so escolar (o termo «classe» vai tornando-se si-
acabou por sobreviver até ao século XX, princi- nónimo de «ano» de escolaridade).
palmente nas escolas de professor único, asso- Como se vê nesta breve síntese, a organização
ciado a práticas mais estruturadas introduzidas pedagógica da escola primária evolui, principal-
por outros modos. mente a partir do século XVIII, de uma organi-
A adopção do «modo simultâneo» (século zação sincrética, debilmente acoplada, com es-
XVIII) e do «modo mútuo» (século XIX) corres- truturas rudimentares de tipo «unicelular», para
ponde à introdução de critérios de racionalidade uma organização complexa, departamentalizada
no trabalho pedagógico que são ditados por duas em classes estanques, com uma estrutura pluri-
ordens de razão. Por um lado, o próprio cresci- celular que exige que os seus elementos estejam
mento de efectivos que eram escolarizados em fortemente acoplados (entre si e com os objecti-
conjunto, como resultante da difusão do ensino vos finais), com o fim de garantir a concentração
das primeiras letras. Por outro, a necessidade de do plano de estudos, a continuidade na progres-
fazer da organização da escola um instrumento são dos alunos, e a unidade da acção educativa.
de inculcação de valores e normas sociais que Esta evolução que obedece a princípios claros
enquadrem o próprio processo de escolarização de racionalização (do modo de ensino, cujo para-
das classes populares, e a sua preparação para o digma continua a ser a relação face a face de um
trabalho fabril (com os primórdios da revolução mestre com o seu discípulo) e de eficiência
industrial). (procurando ensinar ao maior número com o
Num e noutro caso, a solução adoptada passa menor dispêndio de meios), faz com que, desde
pela divisão do trabalho dos alunos, pela espe- cedo, a escola primária, enquanto organização,
cialização de funções docentes (com recurso a adquira um conjunto de características «burocrá-
monitores ou a auxiliares do professor), pela se- ticas» (temporalmente «pré-burocráticas» se
riação do espaço (ainda que no interior de uma atendermos ao «ideal tipo» de organização de-
mesma sala), do tempo (horários detalhados), finido, mais tarde, por Weber). É o caso, por
dos saberes (compartimentação das matérias), e exemplo, da existência de uma hierarquia de au-
dos alunos com a divisão em «classes» e sec- toridade (entre o professor e os alunos, entre os
ções, no ensino simultâneo, ou de «monitorias», diversos escalões de alunos-monitores e os alu-
no ensino mútuo. nos menos adiantados, entre os professores das
O processo de racionalização surge deste mo- últimas e das primeiras classes, entre o director e
do associado à imposição a todas as escolas pri- os professores), assente numa divisão funcional
márias de um mesmo modo de organização pe- do trabalho (director, professores de cada classe,
dagógica que se consubstancia no princípio de alunos), prescrita através de regulamentos escri-
«ensinar a muitos como se fossem um só». tos que possam ser postos em prática, qualquer
O aumento do número de alunos, principal- que seja a escola e qualquer que seja o professor.
mente nas escolas urbanas, permitiu fazer evo- No que se refere ao ensino liceal, esta «cultura
luir a organização pedagógica no sentido de al- da homogeneidade» não está só presente na or-
cançar uma «maior homogeneidade» das divi- ganização do tempo, dos espaços e dos alunos
sões, fazendo corresponder a cada «classe», um (como na escola primária), mas também na ho-
conjunto de alunos da mesma idade e nível de mogeneização dos professores e das disciplinas,
estudos, um espaço, um professor e um plano de a partir da instauração do «regime de classes»
estudos distintos. Era a «escola graduada» (que com a reforma de Jaime Moniz, em 1895.

500
As principais características deste tipo de or- tio Studiorum, antes da elaboração do texto defi-
ganização curricular (que se opunha ao «liceu nitivo de 1599.
das disciplinas» que vigorara anteriormente) Como assinala Julia (1995), entre uma e outra
consistem na «concentração das disciplinas», na versão «o plano foi completamente alterado»:
«coordenação dos professores» e na «conexão «Na primeira, o plano desenvolve-se segundo
do ensino». Com o «regime de classes» preten- as tarefas a cumprir, isto é segundo o currículo
de-se combater o «atomismo disciplinar» e de- das diferentes classes: trata-se de um programa
senvolver, a partir da articulação das diferentes de lições e de exercícios graduados que parte do
disciplinas que compõem o plano de estudos (em curso de teologia para terminar na “infima
cada ano e nos anos do mesmo ciclo), a «educa- grammatica”, isto é na classe mais baixa de
ção integral», a «formatura do espírito» a «or- gramática. Na segunda, a de 1591, mas também
dem e a unidade do ensino». no texto de 1599, o plano desenvolve-se segundo
A integração horizontal das disciplinas (para as funções de cada jesuíta no interior do dispo-
combater a sua heterogeneidade) constitui assim sitivo que regula os estudos, desde o papel do
um instrumento privilegiado para desenvolver o provincial ao do humilde porteiro, passando
valor formativo da aprendizagem e a dimensão pelo prefeito dos estudos: tudo isto com recurso
moral do acto educativo. a uma hierarquia de funções e de poderes espe-
A «classe» liceal completa deste modo o sen- cializados que se imbricam uns nos outros, se-
tido homogeneizador que esteve na base da sua gundo uma arquitectura complexa, mas extrema-
instauração no ensino primário («classe de alu- mente precisa.» (p. 363)
nos») para se tornar igualmente numa «classe de Para este autor esta alteração ficou a dever-se
ao facto de «o colégio não ser unicamente um
professores e de saberes».
lugar de aprendizagem de saberes, mas ao mes-
mo tempo, um lugar de inculcação de compor-
6.2. Dos modos de ensinar, aos modos de tamentos e de habitus que exige uma ciência do
administrar governo transcendente e dirigente segundo a sua
própria finalidade, tanto de formação cristã co-
A passagem de uma organização pedagógica
mo de aprendizagens disciplinares» (Julia, 1995,
para uma organização administrativa parece ser
p. 364)
um dos traços mais específicos do processo
No caso da instalação da escola graduada em
constitutivo da administração escolar. A investi- Portugal assiste-se a um fenómeno semelhante.
gação que realizei permitiu pôr em evidência es- Na verdade, a estrutura montada para a escola
te processo de transferência no caso do ensino graduada, com uma mais acentuada divisão dos
primário (com a adopção de um modelo de ges- espaços, dos agrupamentos dos alunos e dos
tão específico para a «escola graduada») e no ca- professores, representa, do ponto de vista organi-
so do ensino liceal (com as transformações intro- zativo, uma aproximação de modelos em vigor
duzidas na administração do liceu a partir da en- noutros graus de ensino (liceus, universidades),
trada em vigor do «regime de classes» com a re- embora isso se faça no quadro de uma evolução
forma de Jaime Moniz, em 1895). interna, muito particular.
O significado desta evolução é importante Por isso, como afirma Viñao referindo-se à
para realçar, como iremos ver, o primado dos criação das escolas graduadas em Espanha: «Ao
princípios e critérios pedagógicos e educativos reunirem-se vários professores num grupo esco-
na definição de modalidades da organização da lar pareceu necessário, de imediato, que algum
escola, mas também para mostrar de que modo a deles devia dirigir, coordenar ou representar os
complexidade organizacional da escola exigiu a restantes face ao exterior. Do mesmo modo, pa-
adopção de processos administrativos específi- receu conveniente que esses professores se reu-
cos. nissem de forma periódica e estável. Surgiram
Esta mesma situação já se tinha verificado, assim os novos órgãos: o director e o “claustro”
aliás, com a organização dos colégios jesuítas e é (conselho de professores).» (1990, p. 62)
visível nas diferenças existentes entre a primeira Em Portugal, a necessidade de designar um
versão (1586) e a segunda versão (1591) da Ra- director para as escolas centrais surge logo nos

501
primeiros diplomas que prevêem a possibilidade processos de ensino), antes da constituição da
de abrir este tipo de escolas (Carta de Lei de 2 escola graduada. Este «poder profissional» ao ní-
Maio de 1878). Todavia, só a partir dos princí- vel da escola no seu conjunto, sobrepõe-se ao
pios do século XX é que a organização das esco- «poder individual» na sala de aula.
las centrais é encarada, do ponto de vista legal, - Influência que o modo de organização peda-
como uma organização que exige uma adminis- gógica exerce no modo de organização adminis-
tração específica que deva regular e potenciar a trativa: a divisão em classes e a divisão do traba-
circunstância de estarem vários professores con- lho dos professores obrigou a aumentar os meca-
centrados no mesmo edifício. nismos de coordenação, controlo e supervisão
Exemplo desta tomada de consciência sobre a subjacentes à criação do «conselho de escola».
necessidade de criar uma administração que se - A afirmação de um conjunto de competên-
ajustasse às características da organização peda- cias organizativas que os professores deverão
gógica das escola centrais é o «Regulamento da possuir (planificação de programas e actividades
criação e funcionamento dos conselhos de pro- escolares, gestão de instalações específicas) para
fessores nas escolas primárias centrais», de 24 o exercício da sua participação na administração
de Feverereiro de 1910, publicado no Diario de e organização da escola;
Governo de 28 de Fevereiro que cria, pela pri- - Tentativa de delimitar, na administração da
meira vez em Portugal, nas escolas primárias, o escola, os campos pedagógico e administrativo,
conselho escolar – «orgão formado pela reunião o que passa por uma partilha de poderes entre o
de todos os professores e presidido pelo regente» director e o conselho dos professores.
(designação dada ao director).
As atribuições do «conselho escolar» são bas- Quanto à influência que a organização peda-
tante extensas (apesar de se confinarem aos as- gógica teve no modelo de administração dos li-
pectos pedagógicos) e, logicamente, afectam to- ceus ela é visível principalmente na criação do
da a «vida» da escola: desde «tomar conheci- regime de classes, quando da reforma de Jaime
mento de todas as necessidades educativas da Moniz, em 1895.
escola e providenciar a seu respeito» (art.º 1), Na verdade, a tentativa de impôr o «regime de
passando por «deliberar sobre a aplicação e classes» está na origem do desenvolvimento de
adopção dos programas» (art.º 2), «estudar os uma organização administrativa específica para o
métodos e processos de ensino» (art.º 3), orga- liceu que se caracteriza, do ponto de vista for-
nizar e administrar diferentes serviços e instala- mal-legal, por: regulamentação minuciosa das ta-
ções (biblioteca, museu escolar, caixa económi- refas e dos deveres dos professores, e responsá-
ca, cantina, etc.); organizar a distribuição dos veis pelos diferentes cargos; criação de uma es-
exercícios em cada classe, elaborar regulamentos trutura hierárquica para exercício do poder de
internos, escolher entre os livros adoptados os decisão e controlo assente no reitor e nos seus
que são adoptados pela escola, desempenhar «auxiliares», com relevo para os «directores de
funções consultivas junto do director, etc. classe»; diminuição da autonomia dos profes-
A transcrição é longa, mas justifica-se pelo sores subordinados às decisões dos conselhos e à
facto de sintetizar de uma maneira feliz, alguns fiscalização das autoridades do liceu.
dos aspectos essenciais da definição de uma Estas características são particularmente vi-
administração específica para o exercício do go- síveis nos 225 artigos do «Regulamento Geral do
verno da escola primária, na sua forma organiza- Ensino Secundário» de 14 de Agosto de 1895,
tiva mais evoluída – escola graduada de várias abrangendo todas as actividades da escola, desde
classes. Entre esses aspectos (que irão estar as que eram normalmente objecto de regulamen-
sempre presentes ao longo de todo o século tos anteriores (plano de estudos, matrículas, exa-
XX) é importante destacar: mes, exercício da actividade docente, disciplina,
- A emergência de um poder profissional dos administração do liceu, etc.), até outras activida-
professores (nas questões técnico-pedagógicas), des que eram simplesmente ignoradas, pouco re-
exercido colegialmente, que pretende recuperar o gulamentadas, ou deixadas ao livre arbítrio dos
espaço de autonomia que era deixado aos pro- professores.
fessores individualmente, na sua aula (métodos e A responsabilidade pelo cumprimento destas

502
normas e pelo normal funcionamento do estabe- se efectuarem os estudos pelo modo mais van-
lecimento de ensino é confiada ao reitor e aos tajoso em todas as disciplinas.» (art.º 53).
seus órgãos delegados, os «directores de classe». Este cargo de gestão intermédia funciona co-
O reitor é considerado como sendo «o chefe mo um elo decisivo na cadeia hieráquica interna
do liceu» e o processo adoptado para a sua no- ao estabelecimento de ensino e constitui um
meação retoma o estabelecido pelo decreto de 14 instrumento fundamental para a administração
de Junho de 1880, ao abrir a possibilidade de ser do «regime de classes» no liceu, reforçando
escolhido um elemento estranho ao professora- assim, por delegação, as competências do reitor
do, mas vai mais longe ao precisar que se for nesta matéria.
professor, não pode pertencer ao quadro do liceu.
Em relação à evolução verificada anterior-
mente, a preocupação do legislador é a de refor- 7. CONCLUSÃO
çar o grau de dependência do reitor em relação à
administração central, e furtá-lo à influência Quando em 1993 escrevi o «epílogo» com que
dos outros professores. Este processo de no- encerrava a redacção da minha tese de doutora-
meação é acompanhado de atribuição de maiores mento (cuja investigação produzida serviu de
responsabilidades funcionais, de uma maior base ao presente artigo), perguntava-me, em jei-
autoridade sobre o pessoal docente, e de um au- to de balanço, qual a utilidade social que este tra-
mento significativo da gratificação pelo exercí- balho podia ter para os que trabalham nas esco-
cio do cargo (passa de 200$000 para 500$000 las e para os que decidem sobre a sua organiza-
réis, nos liceus centrais; e de 150$000 para ção e administração.
400$000 réis nos liceus nacionais). A minha expectativa era que, apesar de tudo,
O reforço da autoridade e prestígio do reitor esta investigação pudesse contribuir para a des-
são justificados pela própria necessidade de construção de algumas «evidências» que, embo-
assegurar a unidade de ensino exigida pelo regi- ra falsas, continuam a alimentar o conhecimento
me de classes: que temos do passado da escola e a condicionar
«Ao reitor, como director do instituto de en- a nossa visão do seu futuro, e a este propósito
sino cuja administração literária, económica e escrevia:
disciplinar lhe está encarregada, incumbe velar «Suponho, assim, que aquilo que pode dar
incessantemente por que em cada classe, e entre actualidade e utilidade à minha investigação
todas, impere a unidade de espírito e de acção, sobre a organização pedagógica e a adminis-
que é uma das condições essenciais para a tração dos liceus é o seu eventual contributo pa-
completa realização dos fins da instrução secun- ra fazer com que, neste domínio, “o familiar pa-
dária.» (art.º 129) reça estranho”, ajudando em especial os pro-
Além destas funções genéricas o Regulamento fessores a ganharem consistência na busca de
enumera mais 21 «competências» e atribuições modalidades alternativas que muitos deles já
avulsas do reitor, com diferentes níveis de res- desenvolvem, no quadro da sua margem de auto-
ponsabilidade, em geral executiva, de fiscaliza- nomia.
ção, ou de carácter administrativo. Finalmente, em tempo de “reforma” em que,
Outra das influências que a criação do regime como acontece em outros processos de mudança,
de classes vai ter na administração do liceu a excessiva focalização nos objectivos e no fu-
prende-se com as atribuições dos directores de turo, desencadeia um esforço de “racionalização
classe, cargo criado pela primeira vez neste di- a priori” que leva a ignorar o carácter contin-
ploma. gente da acção organizada e a existência de
«Ao director de classe incumbe guardar e fa- outras racionalidades, espero que este “relem-
zer guardar a conexão interna ou a unidade brar” do passado possa conter referências bas-
científica e disciplinar na classe confiada ao seu tante úteis» (Barroso, 1995).
cuidado. Deve pois entender-se com os seus co- Hoje, passados quase três anos sobre a con-
legas de classe a fim de manterem juntos acção clusão da tese, ignoro se estas expectativas têm
combinada no exercício do ensino, e desta arte sido confirmadas ou não, pela reacção dos even-

503
tuais leitores do meu trabalho (só editado em nua» que punha em causa a função selectiva
1995). e distributiva das classificações anuais dos
Contudo, as múltiplas intervenções que tenho alunos;
feito junto dos professores e das escolas (que - da criação da «área-escola» como unidade
retomam algumas das ideias centrais da tese) e a curricular transdisciplinar que punha em
investigação que entretanto tenho realizado causa a seriação do saber e a compartimen-
sobre questões actuais da organização e gestão tação do trabalho docente.
das escolas têm reforçado duas ideias nucleares
que ressaltam daquela investigação: Na verdade estas e outras inovações não pas-
saram de «enxertos», pretensamente totalizantes,
- A impossibilidade de introduzir mudanças que não pegaram devido a fenómenos de rejeição
substanciais no funcionamento das escolas, não controlados.
sem pôr em causa o «núcleo duro» da sua Num livro recente, David Tyack e Larry Cu-
organização pedagógica que continua a ser a ban (1995) analisam a ocorrência de fenómenos
«classe», enquanto modalidade de pedago- semelhantes nos Estados Unidos através do con-
gia colectiva cujo objectivo é «ensinar a ceito de «gramática da escola» (que corresponde
muitos como se fossem um só». à organização pedagógica que tenho vindo a
- As influências determinantes que o «modo utilizar):
de trabalho pedagógico», específico das si- «As bases da gramática da escola, como a
tuações educativas, exerce na maneira como própria configuração da classe, têm permane-
são organizadas e geridas as escolas e nas cido estáveis ao longo das últimas décadas.
estratégias e acções dos seus diversos acto- Poucas têm sido as mudanças na maneira como
res.
as escolas dividem o tempo e o espaço, classifi-
Basta lembrar, a este propósito, que a «classe» cam os alunos e os distribuem pelas classes,
(um agrupamento pré-definido de alunos que, agrupam os conhecimentos em disciplinas e
face-a-face com um professor aprende, em si- concedem graus e “créditos” como evidências
multâneo, um conjunto delimitado de conheci- da aprendizagem. (...)
mentos) continua a ser o módulo de base de to- A continuidade na gramática da instrução
dos os arranjos organizacionais, espaciais, tem- frustrou gerações de reformadores que sonha-
porais, pedagógicos, disciplinares, etc. que estru- ram alterar estas formas estandardizadas» (p.
turam a escola, definem as práticas dos profes- 85)
sores e regulam as actividades dos alunos. Para estes autores a falência das reformas
Por isso, todas as medidas que em Portugal (e que têm sido tentadas, em vários domínios da
o mesmo se poderá dizer de outros países) ten- educação, resultou, essencialmente, de elas te-
taram introduzir mudanças estruturais na orga- rem ficado de fora deste «núcleo central» que é a
nização pedagógica das escolas, falharam os sala de aula. Isto ficou a dever-se, muitas vezes,
seus objectivos, por nunca ter sido posto em cau- à adopção de uma perspectiva a-histórica, por
sa, globalmente, o princípio do ensino em classe. parte dos políticos e dos reformadores que os le-
Foi o caso (e só para dar exemplos recentes): va a ignorar o carácter construído das institui-
- da introdução das escolas de «área aberta» ções escolares e a origem das suas especifici-
(tipo P3) que, ao acabar com as divisórias ficidades. É esta aliás uma das razões da própria
entre as salas de aula, punha em causa a or- externalidade e voluntarismo, com que os refor-
denação serial e segmentada do espaço es- madores abordam a educação e as escolas.
colar; Como dizem Tyack e Cuban (1995):
- da introdução do regime de fases no ensino «Trazer o desenvolvimento ao cerne da edu-
primário que punha em causa a rotação cação – a instrução na sala de aula, cuja forma
anual das classes e a divisão homogénea dos é definida por esta “gramática” – constitui a
alunos; mais difícil espécie de reforma, e ela resultará,
- da criação de um sistema de avaliação ba- no futuro, mais de mudanças internas criadas
seado no princípio da «progressão contí- pelo conhecimento e perícia dos professores do

504
que de medidas tomadas por decisores políticos Huberman, A. M., & Miles, M. B. (1991). Analyse des
externos.» (p. 135) données qualitatives. Recueil de nouvelles métho-
E é para esse conhecimento e perícia que estu- des. Bruxelles: De Boeck-Wesmael.
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Hamilton, D. (1991b). Orígenes de los términis «Clase»
y «Currículum». Revista de Educacion, 295, 187- O presente artigo toma como base a investigação
-206. que realizei sobre a organização pedagógica e a admi-

505
nistração dos liceus, em Portugal, no período com- ABSTRACT
preendido entre 1836 e 1960.
Esta investigação desenvolveu-se segundo dois The current exposition is based on my research
planos de análise: o plano das normas definidas pela about Portuguese pedagogical organisation and high
legislação e o plano da sua aplicação prática. school management, from 1836 to 1960.
O primeiro, permitiu fazer uma reconstrução his- This research has been developed according to two
tórica das origens, finalidades e processos que estão na analysis plans: the plan of the rules as defined by the
base da criação de uma organização pedagógica espe- legislation and the plan of their practical application.
cífica para o ensino das diferentes disciplinas (o regi- The first one has enabled me to reconstruct histori-
me de classes) e o modo como se transitou de uma cally the origins, purposes and proceedings which
normativização pedagógica para uma normativização led to the creation of a specific pedagogical organisa-
administrativa. tion for the teaching of the differents subject matters
O segundo, permitiu recontextualizar a aplicação (the class regime), and how a pedagogical organisation
das normas que foram sendo definidas sobre a organi- has became a management organisation.
zação e administração escolar através da análise do re- The second one has enabled me to recontextualize
lato das práticas dos diferentes reitores no período the application of the rules defining school organisa-
tion and management, trough the analysis of the diffe-
considerado.
rent headmasters practices during the same period of
Para além de apresentar, de modo abreviado, a pro-
time.
blemática de origem e alguns dos resultados mais Besides presenting a summary of the problems of
significativos dessa investigação, o artigo contém origin and some of the more meaningful results of that
uma reflexão metodológica sobre as diferentes abor- investigation, the exposition contains a methodological
dagens disciplinares que foram utilizadas. Nesse sen- reflection about its different disciplinary approaches.
tido é posto em evidência o contributo que a História Thus, the role which the History of Education, the So-
da Educação, a Sociologia das Organizações e a Admi- ciology of Organisations and School Management ha-
nistração Educacional tiveram na formulação dos pró- ve had in the formulation of the conceptual frame-
prios quadros conceptuais e na construção dos instru- works themselves and the creation of methodological
mentos metodológicos de recolha e análise de dados. tools of data gathering and analysis is emphasised.
Palavras-chave: Administração educacional, histó- Key words: School management, history of educa-
ria da educação, organização escolar, regime de classe, tion, school organisation, class regime, school head,
reitor, liceu. high school.

506

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