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DESENVOLVIMENTO COMUNITÁRIO: PRÁTICAS E PERCEPÇÕES

Por Bento Novela*

Moçambique é um país da África subsaariana onde estão concentrados os


países que alcançaram a sua independência (económica, política,
tecnológica, etc.) mais tardiamente e até hoje ainda se discute esta
independência. Moçambique continua a viver sob uma forte dependência
externa e tal facto contribui para a fragilidade dos processos de
desenvolvimento. As Nações Unidas têm estado a actualizar os dados sobre
o índice de desenvolvimento humano (IDH) e Moçambique continua se
apresentando com índices muito baixos nos seus indicadores (educação,
saúde e renda).

A Educação; a Esperança de Vida e PIB per Capta, que são os indicadores


usualmente utilizados pelo sistema das Nações Unidas apresentam a questão
de deficiência na quantificação por um lado, e a de qualificação por outro;
isto é, Moçambique tem vindo a registar um crescimento do ponto de vista
percentual nestes indicadores mas há que discutir no entanto a questão da
Distribuição e Redistribuição de tais cenários no quotidiano das
comunidades. Ao nos referirmos ao desenvolvimento comunitário é
fundamental analisar a questão de População e Pobreza; provavelmente esta
forma de olhar para a comunidade nos crie maior sensibilidade para
percebermos a necessidade de melhorarmos a qualidade de vida das
comunidades. Encarrar a pobreza que se vive nas comunidades deve ser
uma questão de sensibilidade, ou seja, os actores de desenvolvimento

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comunitário devem ser pessoas (singulares ou colectivas) que ao


identificarem a comunidade por actuar nela se envolvam com a questão em
causa e que seja um envolvimento que inclua o sentimento de mudança da
situação por forma a evitarmos ou mesmo abandonar, muitas das práticas
que pelos resultados obtidos por várias organizações; parecem estar a ser
levadas a cabo nas comunidades e que tais práticas parecem estar a ser tão
repetitivas pois existem comunidades que beneficiam de tantos programas
de desenvolvimento e com várias organizações mas no entanto os
indicadores de pobreza se mostram inalterados (pelo menos no que se
refere a qualidade).

Alguns autores como Singer (2004:3), consideram o Desenvolvimento


Comunitário como sendo “o desenvolvimento de todos os seus membros
conjuntamente unidos pela posse colectiva de certos meios essenciais de
produção ou distribuição”. Esta definição leva a uma reflexão sobre a
essência do desenvolvimento comunitário, e, em particular no meio rural
(onde vive cerca de 69% da população total de Moçambique). Tomando
como exemplo os problemas ligados a posse de terra (um dos recursos, e
em algum momento o recurso mais importante no desenvolvimento
comunitário) fica evidente a necessidade que os actores de desenvolvimento
comunitário devem ter em conta em muitos processos. Os Programas de
desenvolvimento comunitário em Moçambique e que de facto tem a
percepção da necessidade de se promover o desenvolvimento deviam tomar
em conta que uma das alternativas para aliviar a carência de muitas famílias
seja a também a posse segura da terra.

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FRANCISCO (2007: 67), define o Desenvolvimento Comunitário como sendo


o crescimento económico acompanhado do progresso tecnológico e
institucional, definido, controlado e dirigido pela população, a serviço dessa
população, para o bem-estar. Esta definição evidencia bastante a
necessidade de haver um crescimento económico e por si este crescimento
já pressupõe alguma disponibilidade de capital (financeiro) na comunidade;
tal disponibilidade só é possível com uma participação de mais de um actor
no processo de desenvolvimento comunitário quer através de participação
directa, bem como por via de parcerias com tais actores. Uma outra
alternativa para o crescimento económico na comunidade pode ser o
desenvolvimento de actividades de geração de rendimento através de
financiamento de projectos de base comunitária com orientação para o
mercado; projectos como a exploração de recursos florestais e carpintaria
(para trabalhos específicos como preparação da madeira e fabrico de
parqués por exemplo) e outros da mesma linha são uma das saídas que
parecem oferecer maior alternativa. Os projectos como agricultura são muito
bons para o sustento familiar do ponto de vista de consumo, algumas trocas
comerciais de base comunitária mas no entanto deparamo-nos com a
questão de forte dependência pelos factores físico-naturais em muitas
comunidades onde não há sequer acesso a água por um lado, e quando há
capacidade de produção com recurso a irrigação nos deparamos com falta de
vias de acesso para levar o produto até ao local de comercialização e isso
conjugado a deficiência dos sistemas de conservação, em muitas
comunidades os resultados não tem sido satisfatórios. É preciso potenciar o
crescimento económico com base em actividades que não exigem uma
cadeia de valores maior, isto é, aquelas onde o número de intervenientes
seja reduzido e muito em particular acompanhando as dinâmicas do Estado
no que diz respeito a estradas, água, energia, etc., dependendo da natureza
do projecto a ser implementado. O progresso tecnológico e institucional é de

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facto bastante relevante para o desenvolvimento comunitário pois as


tecnologias vão permitir uma maior produção em pouco tempo e igualmente
garantem o acesso a informação que é uma das formas de educação flexível.
Se ao invés de a comunidade ter que pilar e ou moer o milho, existir na
comunidade uma moageira já é um passo na redução da quantidade de
actividades a serem desenvolvidas por dia (pelo menos reduz o tempo e o
esforço físico) e a forma de pagamento pelos serviços pode ser o mesmo
produto que se leva a moageira (existem comunidades que o fazem há
bastante tempo) através de critérios a serem definidos em cada
comunidades e que sejam sustentáveis para ambos. A questão do progresso
institucional deve ser acompanhada pela melhoria dos serviços fornecidos à
comunidade através de mudança do comportamento nos que prestam tais
serviços reduzindo a morosidade processual, corrupção e outras burocracias
não necessárias; estimulando assim uma cultura de qualidade no trabalho.

Um outro facto muito interessante na questão de desenvolvimento


comunitário é o de a comunidade ter que ser controladora deste
desenvolvimento e sobretudo que tal desenvolvimento beneficie a ela
mesma antes de qualquer outro interventor, garantido o seu bem-estar. De
facto isto é fundamental e estimula a colaboração da comunidade nos
processos de desenvolvimento, pois, existem comunidades onde o
interventor social (aquele que liga a comunidade com o desenvolvimento)
não é percebido e a colaboração é apenas no decorrer das actividades. Este
cenário deve-se em grande medida à questões relacionadas com a
comunicação, isto é, há que saber comunicar com a comunidade no
momento do diagnóstico ou de intervenção por forma a que a comunidade
perceba que o programa/projecto que inicia não é mais um projecto mas sim
um projecto da própria comunidade e que o benefício em primeira e última
prioridade é para ela mesma.

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Actualmente as práticas dos interventores de desenvolvimento apontam


para uma aparente reorganização institucional e de procedimento; estando
na sua maioria a trocar as ferramentas de intervenção comunitária e
mudando a lógica de monitoria e avaliação dos programas/projectos, porém,
embora muito cedo para adiantar sobre o possível resultado destas
organizações/instituições é possível prever que a construção de capacidades
comunitárias para que a comunidade seja auto-sustentável e saber se
adaptar aos cenários de desenvolvimento (resiliência) está ainda distante de
se alcançar. Há muito privilégio de formação dos Comités Locais de Gestão e
de Co-gestão e como já é habitual sempre nos sectores de educação e
saúde, aliando ao facto de todos ou na sua maioria os tais comités são
constituídos pelas mesmas pessoas ou quando menos da mesma família (se
no comité da educação está o homem, então no da saúde está a mulher)
pois, hoje em dia estes comités são interpretados como fonte de
rendimento, uma vez que para além das refeições dadas nos treinamentos e
capacitações existe também um subsídio de participação e ou em alguns
casos subsídio para a refeição do jantar que geralmente cada um janta em
lugar à sua escolha. Este aspecto alia-se a não existência de uma tabela fixa
de atribuição de tais subsídios e contribuindo para algumas organizações
serem preferenciais a participação nos eventos por elas organizados. Esta
lógica é a mesma aplicada para os voluntários (com subsídio, bicicleta,
camisetas, etc.) Assim, estes comités precisam de uma maior dinamização
para garantir que sejam de facto pilares e parceiros na comunidade em prol
de desenvolvimento sustentável. Esta forma de interpretação tem várias
explicações e entre elas o facto de os membros dos comités não sentirem a
responsabilização após os encontros e depois dos encontros, aliás, os tais
encontros ou reuniões a agenda não é definida pela comunidade e quando

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parece que houve intervenção da comunidade se trata da figura do líder


comunitário e este tem, não poucas vezes, seus interesses pessoais, no que
diz respeito a construção duma sala de aulas, posto de saúde, furo de água,
etc. Os encontros com as comunidades têm sido em forma de palestras e
não de audiências ou verdadeiramente uma auscultação dos problemas
realmente vividos nas comunidades. Um aspecto não menos importante é
que as teorias de desenvolvimento comunitário e as experiências de alguns
países mostram que para além da identificação do problema principal é
fundamental a determinação dos beneficiários ou público-alvo, para garantir
que o problema identificado como principal seja aquele que de facto irá
resolver ou minimizar os problemas da maior parte da população possível.

Os memorandos de parceria entre as Organizações Não Governamentais e


os Governos Provinciais ou Locais deviam ser acompanhados por um espírito
de sensibilidade com a pobreza (como já o dizia anteriormente) para
permitir que estes parceiros entendam que a principal missão é aliviar o
sofrimento das comunidades e não tirar benefícios como instituições ou
como funcionários dessas instituições. É comum que uma certa actividade de
execução conjunta entre uma ONG e o Governo não aconteça porque um
dos interventores (parceiro) tenha declarado que não tem combustível,
ajudas de custo ou outra explicação mas sempre ligada a falta de fundos
para que a actividade seja realizada. Assim, se mostra pertinente que a
planificação de actividades a serem desenvolvidas sejam quantificadas o seu
custo logo no início não em relação ao seu valor monetário mas sim em
relação quantidade e qualidade de trabalhos a serem executados. Isto
significa que, se a ONG vai colaborar em combustível para as viagens, não
faça a instituição do governo perceber que tem na organização tantos litros
de combustível porque essa nem devia ser a linguagem, embora sabemos

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que as tais viagens são orçamentadas em litros, mas que sejam litros versus
viagem a lugar X ou Y. O que acontece é que entre eles existem
compromissos ocultos fora do memorando e há casos em que este
combustível esgota antes se sequer fazer um semestre (porque foi usado
para outros fins por aquele parceiro garantindo a reposição na hora da
viagem). Este comportamento ou atitude é típica de instituições com falta de
cultura de trabalho e muito menos de cultura de qualidade; são práticas
estimuladas entre os parceiro através de entendimentos que seriam de
muito difícil compreender sem que seja através de procedimento jurídico o
que não é suposto nesta abordagem. Se houver de facto percepção do que
uma parceria significa e a importância de comparticipação sectorial é
evidente que o desenvolvimento comunitário caminhará ao encontro dos
objectivos planificados.

As parcerias são de facto uma alternativa ideal e sustentável para o


desenvolvimento comunitário desde que se perceba a parceria como sendo
“um acordo entre as partes (interventor e comunidade local) que prevê
benefícios mútuos com base no acesso e exploração dos recursos (serviços)
e acesso à terra pelas comunidades locais, e que inclui alguma forma de
participação activa e contínua por ambas partes na actividade pretendida”.
Quem assume uma parceria deve estar sempre disposto a colaborar com o
parceiro e garantir que as actividades programadas sejam implementadas e
posterior avaliação dos resultados alcançados.

Factores de Sustentabilidade de uma Parceria

É importante:

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• que os objectivos estejam focalizados nas metas e definidos em


número reduzido;

• ter uma abordagem que permite o entendimento de todos, incluindo


os membros da comunidade;

• certificar-se de que o projecto oferece outros beneficios para além do


benefício principal que definiu os acordos de parceria (o ideal seria a
combinação de dinheiro, bens, emprego, conhecimento, experiência,
inovação e um novo sistema de trabalho na comunidade), neste
aspecto os modelos integrados apresentam-se mais vantajosos em
termos de benefícios;

• garantir o envolvimento das comunidade a todos os níveis;

• garantir que haja actividades de suporte ao projecto para evitar a


exclusão das pessoas que não estão directamente envolvidas.

Factores de Insucesso de uma Parceria

A todos os níveis (Governo, ONG e Comunidade Local):

• Diferenças na cultura de trabalho (entre a comunidade, o sector


público e as ONGs): é preciso aceitar as diferenças de opiniões e
percepções para posterior identificação do ideal. A gestão do
conhecimento é um factor essencial para o sucesso.

• Longo período de espera dos resultados almejados: os


programas/projectos não esperam resultados a curto ou médio prazo,
geralmente.

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O desenvolvimento comunitário requer a intervenção de todos e sobretudo


que se tenha sensibilidade com a pobreza e admitir que é possível melhorar
as condições de vida na comunidade a curto/médio prazos e sobretudo
estancar a longo prazo a vida de miséria desde que se cultive a cultura de
trabalho. É igualmente fundamental que o treinamento a capacitação da
comunidade em matérias de planificação, gestão, monitoria e avaliação dos
programas/projectos seja feita com intuito de realmente construir
capacidades nessa comunidade e garantir que a população tenha também
uma visão sólida e holística sobre os processos de desenvolvimento.

As comunidades estão cada vez mais informadas (embora ainda em muito


menor escala) sobre os acontecimentos do mundo no que diz respeito a
desenvolvimento e é necessário que os interventores sociais optem por uma
mudança de comportamento e privilegiando as práticas que podem
aproximar/envolver a comunidade nos processos de planificação, gestão e
tomada de decisão nos projectos/programas; admitindo que só assim se
poderá viabilizar as actividades das organizações não-governamentais e dos
governos locais. A comunidade carece de ter o sentimento de pertença e só
é possível com o envolvimento de todos.

As parcerias sustentáveis são uma das melhores alternativas para o emponderamento das comunidades (Bento
Novela, 2011)

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Literatura Básica

CARMO, Hermano. Desenvolvimento Comunitário. Porto Editora: Lisboa,


2003.

FERRÉ, Albert. Dinâmica da Pobreza e Padrões de Acumulação Económica


em Moçambique. Instituto de Estudos Sociais e Económicos, Maputo, 2009.

SINGER, P. É Possível Levar o Desenvolvimento a Comunidades Pobres?


s/l,2004.

FRANCISCO, A. Desenvolvimento Comunitário em Moçambique: contribuição


para a sua compreensão critica, CIEDIMA SARL, Maputo, 2007.

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