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Unidade 3 – DIVERSIDADE CULTURAL E RELIGIOSA NO BRASIL

3.1. As Matrizes Étnicas


3.2. O Universo Social e Religioso do Brasil desde o Período Colonial
3.3. Religiões Brasileiras de Configuração Sincrética e suas Representações nas
Artes e na Mídia

NEaD Núcleo de Educação a Distância


Diversidade Cultural e Religiosa no Brasil

ORIKI DE OXUM

Oxum, mãe da clareza


Graça clara
Mãe da clareza
Enfeita filho com bronze
Fabrica fortuna na água
Cria crianças no rio
Brinca com seus braceletes
Colhe e acolhe segredos
Cava e encova cobres na areia
Fêmea força que não se afronta
Fêmea de quem macho foge
Na água funda se assenta profunda
Na fundura da água que corre
Oxum do seio cheio
Ora Ieiê, me proteja
És o que tenho
Me receba.

Apresentação

Olá, alunos!
Sejam bem-vindos à Unidade III. Nela iremos analisar a diversidade da cultura
brasileira com foco em suas matrizes étnicas e na criação de religiões sincréticas.
Bons estudos!

3.1. As Matrizes Étnicas


Para Darcy Ribeiro (1995), o povo brasileiro nasceu sem uma consciência de si. Durante muito tempo
viveu sob o signo do que ele chama de “ninguendade”. E essa “ninguendade” fez do brasileiro um ser
fragmentado e cheio de contradições, justamente por ser originário de um árduo e violento processo
de transfiguração étnica a que foram submetidos índios, negros africanos e também europeus que
aqui se encontraram.

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Em tempos coloniais, no Brasil, o europeu não reconhecia o filho da


índia com o branco (caboclo ou mameluco) como branco, sendo que
esta mesma criança também não foi reconhecida como índio pelos
grupos indígenas. O mesmo aconteceu com o filho mestiço do branco
com o negro (mulato) que também não era reconhecido nem como
branco nem como negro pelos dois grupos; e com o filho do índio
com o negro (cafuzo) que era igualmente desprezado por negros e
índios em sua mistura. Os mestiços eram todos eles um “ninguém”.

Um ninguém que muitas vezes também se vestiu de opressor em


suas relações com outros mestiços e/ou gente não misturada, se-
gundo Darcy Ribeiro. Mas que de tanto lutar para sobreviver, neste “moinho de moer gente” que era o
Brasil, teve que se reinventar dia após dia. Tudo para superar a situação de “ninguendade” e tornar-se
um “alguém” voltado ao eterno e penoso “fazimento de si”.

O fazimento de um “novo gênero humano” que, a partir de


sua condição mestiça, desenvolveu um modo criativo de ver,
de ser e de estar no mundo e com ele tratou de inaugurar
uma nova identidade: a brasileira.

Sobre esse “fazimento de si” e todo o processo de transfiguração étnica, que por séculos aprisionou
o brasileiro na “ninguendade” e que o levou à sua superação, Darcy Ribeiro vai dizer que nós “somos
um povo em ser, impedido de sê-lo. Um povo mestiço na carne e no espírito, já que aqui a mestiçagem
jamais foi crime ou pecado”. Nela, ou seja, na mestiçagem, afirma o autor, “fomos feitos e ainda conti-
nuamos nos fazendo” (1995: 453).

Darcy Ribeiro diz ainda que “Nenhum povo que passasse por isso como sua rotina de vida, através de
séculos, sairia dela sem ficar marcado indelevelmente”. Como afirma o autor, “todos nós, brasileiros,
somos carne da carne daqueles pretos e índios supliciados. Todos nós brasileiros somos, por igual, a
mão possessa que os supliciou.

A doçura mais terna e a crueldade mais atroz aqui se


conjugaram para fazer de nós a gente sentida e sofrida
que somos e a gente insensível e brutal, que também somos”
(1995: 453,120).

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3.2. O Universo Social e Religioso do Brasil desde o Período Colonial


Quando Portugal, no início do século XVI, resolveu colonizar o Brasil, trouxe também a obrigatoriedade
de sua religião oficial: o catolicismo. Na Europa, eram tempos da reforma protestante, iniciada na Alema-
nha em 1517 pelo monge Martinho Lutero e de sua contrapartida: a contrarreforma, lançada em 1545 pelo
Concílio de Trento, no caso convocado pelo Papa Paulo III para se reunir na cidade de Trento, Itália.

A contrarreforma encontrou nos padres jesuítas uma força aliada para combater o protestantismo e
arregimentar novos católicos em terras distantes. Diante da perda de adeptos na Europa para o protes-
tantismo, ela via nas colônias do Novo Mundo, como era o caso do Brasil, a possibilidade de “salvar as
almas” dos povos nativos e de trazer, para si, uma grande quantidade de seguidores.

Desse modo, o catolicismo foi imposto como a única


religião possível durante a maior parte do período colonial
brasileiro – com exceção para o período do governo
de Maurício de Nassau. Tanto os que aqui já eram
nascidos (índios) quanto os que aqui chegavam (negros
africanos, judeus) tinham que segui-lo por conversão.

O Tribunal da Inquisição era um dos principais instrumentos de fiscalização da fé católica. Como afirma
Vagner Gonçalves da Silva (2005), o tribunal nunca se estabeleceu de fato no Brasil, mas fez visitações por
estados como o Grão-Pará, Bahia, Pernambuco e Maranhão, entre os séculos XVII e XVIII, caçando os bens
de muitos dos desviantes da religião, podendo também deportá-los para serem julgados em Portugal.

O fato de o catolicismo ser uma religião imposta no Brasil, segundo o autor (SILVA, 2005), fez com que
aqui imperasse uma religião de fachada. Na verdade, a convicção católica entre os fiéis brasileiros foi
se constituindo na história como sendo de pouca importância. Fundamental era parecer católico: ir à
missa aos domingos e rezar publicamente com roupa apropriada, aprender a respeitar os dias santos do
calendário cristão, batizar seus negócios com nomes dos mártires católicos etc. Contudo, isto não evitava
que muitos aspectos dos sistemas religiosos africanos, indígenas e também do paganismo português,
como é o caso dos mitos e dos ritos que aqui se perpetuaram, continuassem fortemente sincretizados no
imaginário colonial com o catolicismo português.

Baianas, óleo sobre madeira de 1957 - Carybé

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Carnaval, Embaixada Mexicana (Salvador, BA), 1950

Composição nº 5 -1953, Rubem Valentim

3.3. Religiões Brasileiras de Configuração Sincrética e suas Representações nas Artes e na Mídia
O Candomblé e a Umbanda são provavelmente as principais religiões afro-brasileiras. Ambas têm
suas raízes no passado colonial – apesar de a Umbanda ter se configurado como religião somente nas
primeiras décadas de século XX, em meio a um cenário urbano. Ambas também apresentam sincre-
tismo. No entanto, há uma diferença fundamental entre as duas. Segundo Vagner Gonçalves da Silva
(2005), no Candomblé tenta-se recriar a África no Brasil, enquanto que a Umbanda se identifica mais
com um imaginário nacional, de um diálogo mais explícito com as tradições indígenas, além de toda
a influência que ela recebeu do espiritismo kardecista e do catolicismo português. Em uma de suas
vertentes, a da “umbanda esotérica”, existe ainda a presença de referências ao Egito e à Índia.

Mas há ainda diferenças entre Candomblé e Umbanda no que concerne ao panteão, às finalidades do
culto às divindades, à concepção e finalidade do transe, ao processo de iniciação religiosa, aos modos de
comunicação com as divindades e espíritos, à hierarquia religiosa, à música e dança rituais. Para conhecer
um pouco dessas diferenças, observe o quadro elaborado por Vagner Gonçalves da Silva (2005:126-127).

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Diferenças rituais Entre Candomblé e a Umbanda


Panteão
Candomblé: Predomínio de um número menor de categorias de entidades
circunscritas aos deuses de origem africana (orixás, voduns, inquices), erês
(espírito infantil) e eventualmente caboclos (espírito ameríndios).

Umbanda: Predomínio de um número maior de categorias de entidades


agrupadas por linhas ou falanges (orixás, caboclos, pretos velhos, erês, exus,
pombagiras, ciganos, marinheiros, zé pilintra, baianos etc).

Finalidades do culto às divindades

Umbanda: Desenvolvimento espiritual dos médiuns e das divindades (da escala


mais baixa, representada pelos exus, à mais alta representada pelos orixás) que,
quando incorporam nos adeptos, geralmente o fazem para trabalharem
receitando passes e atendendo ao público.

Iniciação

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Processos Divinatórios: modos de comunicação com os deuses


Candomblé: Predomínio do jogo de búzios realizado somente pelo pai-de-santo
(sem necessidade do transe), que recomenda os ebós ou despachos para a
resolução dos problemas do consulente.

Umbanda: Predomínio do diálogo direto entre os consulentes e as divindades


que dão "passes" ou receitam trabalhos.

Hierarquia religiosa
Candomblé: Estabelecida a partir do tempo de iniciação e da indicação dos
adeptos para ocuparem cargos religiosos. Fundamental na organização
sócioreligiosa dos grupo.

Umbanda: Estabelecida a partir da capacidade de liderança religiosa dos médiuns


e de seus guias. Importância da ordem burocrática.

Música ritual
Candomblé: Predomínio de cantigas contendo expressões de origem africana.
Acompanhamento executado por três atabaques percutidos somente pelos
alabês (iniciados do sexo masculino que não entram em transe).

Dança ritual

Como vimos no texto de Lilia Moritz Schwarcz, trabalhado no tópico anterior desta disciplina, tanto o
Candomblé quanto a Umbanda começam a ser mais tolerados entre os brasileiros de maioria cristã a
partir dos anos 30. Mas é somente nos anos 60, segundo Reginaldo Prandi (1994), que eles passam a ter
uma presença realmente forte na mídia e, consequentemente, a se difundir cada vez mais pelo país e pelo
exterior. Afinal, como afirma o autor (1994: 74), os anos 60 “são os anos de contracultura, da recuperação
do exótico, do original”. Época em que, no Brasil, boa parte da intelectualidade e dos setores artísticos
vão se voltar para as tradições indígenas e para a cultura negra, especialmente a negra-baiana.

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Leitura

Para conhecer mais sobre o assunto, leia do texto “As religiões negras do Brasil: para
uma sociologia dos cultos afro-brasileiros”, de Reginaldo Prandi. (http://www.revistas.
usp.br/revusp/article/view/28365).

É interessante que você também vá à Biblioteca da Unifor e leia o livro “Candomblé


e umbanda: caminhos da devoção brasileira”, de Vagner Gonçalves da Silva.

O Brasil e seu povo agradecem!

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Bibliografia

RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo: Companhia das
Letras, 1995.

SILVA, Vagner Gonçalves. Candomblé e umbanda: caminhos da devoção brasileira. São Paulo: Selo
Negro, 2005.

MOURÃO, Tadeu. Encruzilhadas da cultura: imagens de Exu e Pombajira. Rio de Janeiro: Aeroplano,
2012.

RISÉRIO, Antônio. Oriki Orixá. São Paulo: Perspectiva, 1996.

VERGER, Pierre Fatumbi. Lendas africanas dos orixás. Salvador: Corrupio, 1997.

PRANDI, Reginaldo. As religiões negras do Brasil. In: REVISTA USP – dossiê povo negro 300 anos.
São Paulo: USP, 1994.

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Créditos

Núcleo de Educação a Distância


O assunto estudado por você nessa disciplina foi planejado pelo professor conteudista, que é o
responsável pela produção de conteúdo didático, e foi desenvolvido e implementado por uma equipe
composta por profissionais de diversas áreas, com o objetivo de apoiar e facilitar o processo ensino-
aprendizagem.

Coordenação do Núcleo de Educação a Distância


Lana Paula Crivelaro Monteiro de Almeida

Coordenação do Polo de Apoio Presencial em Educação a Distância


Kelly Cristina Fernandes Pinto Amaral

Supervisão Administrativa
Denise de Castro Gomes

Produção de Conteúdo Didático


Carmen Luisa Chaves Cavalcante

Designer Instrucional Arte


Andrea Chagas Alves de Almeida Diego Silveira Maia Cordeiro da Silva
Viviane Cláudia Paiva Ramos
Projeto Instrucional
Ana Paula de Oliveira Ximenes Programação / Implementação
Jorge Augusto Fortes Moura
Roteiro de Áudio e Vídeo
José Glauber Peixoto Rocha Editoração
Régis da Silva Pereira
Produção de Áudio e Vídeo
Alex Nunes Barroso Revisão Gramatical
José Moreira de Sousa Vanderlene Paiva Lopes

Identidade Visual
Régis da Silva Pereira
Viviane Cláudia Paiva Ramos

O trabalho Arte e Cultura Brasileira- Unidade 3 – DIVERSIDADE CULTURAL E RELIGIOSA NO BRASIL de Carmen Luisa Chaves
Cavalcante, Núcleo de Educação a Distância da UNIFOR está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoCo-
mercial-SemDerivações 4.0 Internacional.

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