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FRANCISCO CAMPOS
Arq. bras. Psic. ap!. Rio de Janeiro 24 (1) :41-62 janjmar. 1972
perspectiva em particular teriam alguma relação com a inteligência. Esta
relação poderia ser indireta, agindo como condição básica para a pre-
sença de algumas características como a intuição e a compreensão do eu e
dos outros, ou direta, seja com a inteligência propriamente dita (Pio-
trowski), seja com a maturidade geral (Phillips e Smith).
Foi a afirmação de Piotrowski de que as respostas de perspectiva são
típicas das pessoas inteligentes, o que nos moveu a realizar êste estudo.
Antes de apresentar os resultados, faremos uma breve revisão de alguns
conceitos pertinentes ao assunto.
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finição dêste não difere da de Bohm: as respostas C apresentam dois ou mais
matizes de claro-escuro, enquanto que nas Ch o sombreado é difuso e indi-
ferenciado.
A posição de Piotrowski é um pouco diferente (respostas c ou de som-
breado claro e respostas c' ou de sombreado escuro); embora divergente em
seus critérios dos autores mencionados, não admite ainda uma dassificaqão
específica para as respostas de perspectiva, ainda que, como veremos mais
adiante, lhes empresta um significado especial.
Com a exceção relativa de Ombredane e Canivet, nenhum dos autores
mencionados aceita como autônomas as respostas de perspectiva, se bem
que para alguns dêles mereçam algumas observações quanto à análise
qualitativa (Rorschach, Bohm, Piotrowski).
Essas respostas só ganham personalidade própria a partir de 1937, com
Beck (2); são suas respostas V (de Vista), ao lado das respostas de textura.
Phillips e Smith seguem de perto o sistema de Beck, bem como Small (23)
em seu dicionário de localização e classificação de respostas. .
Deve-se, no entanto, a Klopfer (9) e (10) a classificação mais aceita
das respostas de claro-escuro:
FK, perspectiva
K, KF: difusão
Fk, kF: extensão tridimensional projetada sôbre um plano bidimensional
Fc, cF, c: textura
C': côr acromática uniforme
Respostas de perspectiva
encontra na prancha. Acontece, então, a nosso parecer, um fenômeno aná-
logo ao que se dá com as respostas de movimento: a perspectiva, como o
movimento, são projetados na lâmina pelo sujeito; é, como diz Allen,
segundo citação de Vera Campo e Diana Rabinovich (5), um ceterminante
imposto pelo sujeito, diferente dos outros determinantes "inerentes" às
pr.anchas, como são a fôrma, a côr e, no sentido de Binder, o claro·escuro.
É daí, evidentemente, que advém a êsse tipo de respostas o caráter intros-
pectivo, tal qual nas respostas de movimento, e do qual se poderá inferir
sua relação com a inteligência.
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Temos então que para Klopfer a característica discriminante das res-
postas de perspectiva é a existência de vários objetos e de um espaço vazio
entre êles. Parece exigir também que se utilizem as matizes de claro-escuro.
Em seu manual introdutório (10, 83) Klopfer parece menos exigente.
Diz, simplesmente: "Classifique-se FK quando o sombreado é utilizado
para sugerir distância entre dois ou mais objetos".
Pode-se apreciar que os critérios básicos para os dois representantes
das respostas de perspectiva são em grande parte coincidentes, sendo de
pouco relêvo suas diferenças. Mas a exata e objetiva interpretação dêsses
critérios pode apresentar alguma dificuldade.
Respostas de perstJectiva
4.1 Montanhas, vales) cavernas
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4.2 Reflexos
Respostas de perspectiva 47
tste critério, é seguido por todos os autores que admitem, de uma
forma ou de outra, as respostas de perspectiva, tanto os da escola de Klopfer
(Harrower, Cícero Christiano de Sousa, I. Adrados), como os que se ins-
piram em Ombredane e Canivet (Serviço de Pesquisas e Ensino do
ISOP) (21).
Sabido é que os mapas topográficos são considerados por Klopfer e
seus seguidores como impressões atenuadas de profundidade e classificados
como Fk ou kF.
5. Breve discussão
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primeiro, têm um significado peculiar, diferente das outras respostas de
claro-escuro; segundo, são, em nossa opinião, fruto de uma aportação sub-
jetiva do sujeito ao conteúdo objetivo da lâmina. Assim consideradas, me-
recem em princípio um tratamento análogo ao dispensado às respostas
de movimento.
Admitida a conveniência de se lhes dar uma categoria especial, a se-
gunda questão é a de definir o que seja uma resposta de perspectiva. As
divergências a êste respeito entre os diversos intérpretes do teste de
Rorschach são mais aparentes do que reais.
Alguns autores consideram perspectiva sinônimo de tridimensionali-
dade. Examinada ingênuamente esta definição, a grande maioria dos
perceptos deveria ser considerada como respostas de perspectiva. Uma fi-
gura humana ou animal tem três dimensões, salvo se se indicar tratar-se
de fotografia ou caricatura.
Outro critério seria o de profundidade; neste caso seriam respostas
de perspectiva perceptos tais como poços, vales, grutas.
Para outros, o conceito definidor seria o de distância, seja a respeito
do observador, seja entre os objetos que compõem um percepto complexo
ou entre as diversas camadas de um percepto único (quando se confundiria
com a noção de profundidade).
Talvez o critério mais prático para qualificar a resposta como de pers-
pectiva seja o da existência de vários planos, situando-se, ou não, o próprio
espectador em um dêsses planos, desde que se aceitem como planos apenas
os que ocorrem nas dimensões sagitais ou verticais, mas não no horizontal
ou frontal (direita-esquerda). Também se considerariam como perspectivas
aquêles perceptos que envolvem, como característica essencial e diferen-
ciadora, uma extensão em diversos planos (sagital ou vertical), do que
túneis e poços seriam exemplos típicos.
A última questão refere-se à concessão da notação de perspectiva. Pro-
vàvelmente, deveríamos seguir um critério análogo ao empregado para as
respostas de movimento. Rochas exigem, para considerar uma resposta
como de movimento, que êste seja sentido pelo sujeito, não apenas visto.
Na prática, porém, como demonstram os "dicionários" em uso (23) (21), a
verbalização do movimento é suficiente, recorrendo-se ao inquérito nos
casos duvidosos. Nas respostas de perspectiva (e nas de textura) acontece
a mesma coisa; há ocasiões em que o sujeito "sente" a perspectiva, acom-
panhando suas palavras de gestos que acentuam a distância; em outras, a
noção de distância está claramente patente em palavras como ao longe, lá
no alto, ao fundo; em outras, estaria implícita no conteúdo, como seria o
caso de "cavernas", "abismos", etc; em alguns casos, enfim, terá que ser
explicitada, seja espontâneamente, seja no inquérito. Há casos, porém, em
que esta explicitação não confere às respostas o direito a serem classif-i~ad~s
como de perspectiva. Por exemplo, a resposta à lâmina X "no primeiro
plano, lagartas; em cima um tronco de árvore"; são duas respostas, não li-
gadas entre si, onde "primeiro plano" e "em cima" se empregam como
artifícios de localização, como acontece ocasionalmente com as côres.
Respostas de perspectiva 49
6. Significado das respostas de perspectiva
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I
I1
!
As FK (e as Fc) só podem aparecer, acrescenta Klopfer (9, 189), "se o
sujeito possuir capacidade intelectual suficiente para diferenciar, elaborar
e combinar os elementos. das pranchas da forma exigida pelas resposta~
I
r
de paisagem" (ou de superfície).
Para Harrower (7, 183), que segue fielmente Klopfer, indicam capaci-
!
i'
Respostas de perspectiva 51
tanto com a extensão espacial (grande, pequeno) como com a posição
próxima ou afastada do objeto interpretado". Cito alguns de seus exem-
plos: "Homem atrás de uma árvore", dada por uma criança de cinco anos;
"uma árvore, muito longe ... , gente ao lado da fumaça que vem de longe",
criança de seis anos; "leões sentados na frente de uma caverna", por criança
de sete anos. Para Beizman tais respostas perceptivo-espaciais indicam como
essas crianças se colocam em relação com o ambiente. Neste aspecto, con-
corda com P~illips e Smith.
As opiniões passadas em revista parecem, na sua maioria, baseadas
na experiência pessoal dos autores que as formulam.
Tentamos encontrar outras de fundamentação mais objetiva, que se
apoiassem em pesquisas estatísticas. Não fomos muito afortunados em nossa
busca.
Harrower (7, 77) encontrou muito mais FK entre universitários do
que em não-universitários (normais, delinqüentes e psicóticos).
Cita também (7, 254) um trabalho de Montalto onde se comparam
alguns signos no Rorschach que diferenciam entre os alunos universitários
aprovados e reprovados. Entre os signos que diferenciam entre os dois
grupos está o número de respostas FK e Fc, a favor dos aprovados. Não
indica, porém, o nível de significância desta diferença, que parece pouco
acentuada.
Podemos ainda encontrar alguma evidência, embora tênue e indireta,
da relação das respostas de perspectiva com a inteligência nos dados apre-
sentados por Holtzman a respeito de seu teste HIT. Advirta-se que
Holtzman unifica em uma só categoria tôdas as respostas de sombreado, in-
clusive as de perspectiva, sendo, portanto, impossível identificar a parti-
cipação específica das respostas de perspectiva nesses resultados. No quadro
de normas percentis que apresenta para as respostas de sombreado (8, 199),
a mediana obtida pelos estudantes universitários supera acentuadamente a
apresentada pelos outros grupos. As percentagens mais baixas correspondem
a crianças de cinco anos e a deficientes mentais.
Em outro lugar de seu manual (p. 177), afirma Holtzman que "em
geral, o nível das correlações entre o conjunto de variáveis das manchas
de tinta era muito baixo. No entanto, foi obtido um grande número de
correlações estatisticamente significativas entre .20 e .31 entre rejeições
(correlação negativa), localização, adequação de forma, sombreado (o grifo
é nosso), movimento, integração, ansiedade, hostilidade e barreira de um
lado, e 10 testes de inteligência de outro. Todos êsses números são coerentes
com a hipótese de que existe uma correlação baixa, embora significativa,
entre inteligência geral e algumas variáveis do teste das manchas de tinta",
neste caso o HIT.
7. A pesquisa
Os protocolos utilizados para a pesquisa são todos de advogados que parti.-
ciparam de um concurso para defensores públicos. Entre as provas apli.
cadas estava o Rorschach, que foi aplicado ora individual, ora coletiva·
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mente. tsses protocolos pertencem ao acervo da ex-Divisão de 5eleção do
ISOP. Quando os testes foram aplicados não se cogitava de realizar uma
pesquisa no sentido da aqui apresentada.
A pesquisa básica objeto dêste artigo limita-se, por. motivos diversos,
aos casos em que se aplicou o teste coletivamente.
a) amostra
b) instrumentos
Rorschach coletivo
Respostas de perspectiva 53
haver contra-indicações serIas, como demonstra Harrower (a êle nos re-
metemos, 7). Não podemos aqui estender-nos nesta justificação, que está
fora de lugar, mas podemos afirmar que o problema do inquérito foi re-
solvido razoàvelmente, e que a pretensa divulgação em massa do teste tam-
bém não se evitaria como sua aplicação individual. Duas outras diferenças
poderiam parecer mais relevantes: não há um contato individual, de inegá-
vel utilidade clínica, mas êsse contato era depois realizado mediante a
entrevista; poder-se-ia prever uma queda em muitos indivíduos do número
de respostas, mas outros estudos realizados a respeito sugerem que a ob-
tenção de maior número de respostas não conduz a interpretações bàsica-
mente diferentes; além do mais, em nosso grupo, não se confirmou haver
em média grande diferença quanto ao número de respostas na aplicação
individual ou na coletiva, como se pode ver na tabela intercalada abaixo.
Uma vantagem adicional em nosso caso, já mencionada, foi a unifor-
midade da aplicação, mais difícil de se conseguir nas aplicações individuais
quando feitas por diversos técnicos.
Nesta tabela apresentamos alguns dados, tanto de nossos grupos de
aplicação, individual e coletiva, como procedentes de Harrower. Lastimà-
velmente, nas listas da aplicação individual não foram apuradas as respostas
de perspectiva. O leitor poderá por si tirar suas conclusões.
TESTE DE RORSCHACH
ALGUNS DADOS DAS APLICAÇõES INDIVIDUAL E COLETIVA
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tante saturado de conhecimentos culturais, mas muito gerais e pouco pro-
fundos. Apenas o subteste de informações pretende avaliar diretamente a
bagagem cultural.
O teste, em sua forma adaptada para o ISOP pela saudosa Maria
Santacruz, compõe-se dos seguintes subtestes:
Informação
Melhor resposta
Significação de palavras
Seleção lógica
Aritmética
Significado de frases
Analogias
Frases misturadas
Classificação
Séries de números
c) metodologia e resultados
Inicialmente, pretendia-se apenas verificar a existência, ou não, de corre-
lação entre inteligência e respostas de perspectiva, definidas segundo o
consenso dos rorschachistas que, direta ou indiretamente, as admitem.
RespostllJ de perspectiva 55
Em conseqüência, o primeiro passo foi calcular o coeficiente de cor-
relação entre as duas variáveis, seguindo-se, primeiramente, a fórmula de
Pearson; depois, visto que a distribuição do número de respostas de pers-
pectiva era muito irregular, pareceu adequado dicotomizar a amostra e
computar a correlação bisserial. Foram constituídos dois grupos: o grupo
dos que deram R de perspectiva, formado por 60 sujeitos; o grupo sem R
de perspectiva com os restantes 26 sujeitos_
Os resultados obtidos figuram no quadro a seguir:
r .22
rb .28
Subtestes rp niv.sign.
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As correlações continuam sendo baixas, mais baixas, com exceção das
séries numéricas, do que com a bateria completa, aparecendo inclusive duas
correlações negativas. No entanto, se examinarmos atentamente os resul-
tados, poderemos verificar que as correlações negativas o são com os testes
mais impregnados de conhecimentos culturais, sendo positivas com os flue
requerem uma certa capacidade de abstração. De qualquer forma, os re-
sultados não são plenamente convincentes.
Para responder a segunda pergunta foram relacionadas tôdas as res-
postas de perspectiva e estabelecidos diversos grupos, de acôrdo com a sua
natureza.
Foram considerados os seguintes aspectos:
Respostas de perspectiva 57
PT: respostas com transparência (quando o determinante era puramente
superfície foram classificadas como c):
Variáveis rb t n.s.
Tempo no Terman coletivo .40 2.081 .001
Idade dos sujeitos .10 .225 .001
rb t n.s.
Respostas de perspectiva 59
8. Conclusão
Se bem que os diversos enfoques sob que foi examinada a associação entre
respostas de perspectiva e inteligência não revelaram de maneira nítida e
inequívoca uma relação expressiva entre ambas variáveis, a constância das
correlações encontradas, significativas ainda que baixas, permitem dar
razão aos psicólogos que sustentam a existência dessa correlação. Esta
associação seria moderada, de acôrdo com nossos resultados; talvez se
veria reforçada numa amostra mais heterogênea. Todavia, os resultados
não autorizam conceituar como extremamente inteligentes os sujeitos que
dão respostas de perspectiva ou como menos inteligentes aquêles que não
as produzem.
A correlação encontrada entre FK e o tempo empregado para resolver
o teste de inteligência sugere várias possíveis interpretações. Entre elas, a
mais plausível e objetiva seria a de que as respostas de vista estariam faci-
litadas pela reflexão, como uma conseqüência da tendência à interiorização,
que é um dos significados atribuídos às respostas de perspectiva. Esta ten-
dência favoreceria a produção intelectual, mas não no sentido de agilidade
mental.
9. Resumo
Summary
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The test was applied in group, following the Harrower technique.
As intelligence test was chosen the Group Terman, applied without
limitation of time.
The correlations were low, although significant and systematic; this
seems to confirm, at a modera te degree, the hypothesis. Other findings
suggest that vista responses are facilitated through reflexion, a consequence
of the internalization often assigned to this category of responses. This
conclusion was assumed in view of the dose reIationship between the
presence of vista responses and the lengh in answering the intelligence testo
Referências bibliográficas
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Stratton, New York, 1954.
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25. ZULLIGER, Hans. Le test Z individuei. Paris, Presses Universitaires de France, 1959.
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Diretor: José Germain