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a ty Pierre, Hadot O que é a filosofia antiga? Traducgao de Dion Davi Macedo | Edicées Loyola As escolas helenisticas A escola estéica, fundada por Zendo! no fim do sécu- lo IV a.C., ganha novo impulso por volta da metade do século III, sob a direcao de Crisipo. Muito cedo, preservan- do notavel unidade quanto aos dogmas fundameniais, ela cinde-se em tendéncias opostas, que continuarao a dividir os estoicos no decorrer dos séculos!3, Dispomos de poucas historia da escola a partir do século I tdica era informagées sobre a aC. E certo que, até o século II d.C., a doutrina ainda florescente no Império romano: basta citar Séneca, Musénio, Epiteto e Marco Aurélio. ~~ A escolha fundamental A propésito do epicurismo, falamos de uma experién- cia, a da “carne”, e de uma escolha, a do prazer e do interesse individual transfigurado em puro prazer de exis- tir, Devemos agora falar de experiéncia e de escolha a entalmente propésito do estoicismo. A escolha € fundamen ade Sécrates que, na Defesa de Sdcrates escrita por Platao!4 102. Os fragmentos dos estdicos foram reunidos por H. von Arnim. V. Leipzig, 1905-1924 (reedigao Stuttgart: uma nova edicao dos fragmentos. stOi- mo Stoicorum Veerum Fragmenta, 11 Teubner, 1964). J. Mansfield prepar: Encontrar-se-4. uma traducdo muito itil de certo ntimero de textos cos (Séneca, Epiteto ¢ Marco Aurélio, ¢ testemunhos sobre 0 esto em Diogenes Laércio, Cicero ¢ Plutarco) em Les Stoiciens, Ed. B. Bréhier et P-M. Schuhl. Paris, Gallimard, 1964 (Bibliothéque de la Pléiade) (cita- A vida feliz, waducaio de do Les Stoiciens nas notas seguintes) [Séneca, André Bartholomeu, apresentacdo de Denis Diderot, Campinas, Pontes, 1991). 103. Lynch, Aristotle's School, p. 143. I. Hadot, “Tradition stoicienne et idées politiques au temps des Grecques’, in Revue des Etudes Latines, 48: 161-178, 1971. 104. Defesa, 41 d, vejam-se também 30 b € 28 €. 187 A filosofia como modo de vida TT “Nio ha, pari em_ bom, ne . ‘Nao ha, para o-homs n_bom, nephum, mal, ney na morte”. Pois 0 homem bom Consider mal s¢ era ino t : io ha bem senio o bem moral, ou seja,(o bem ou virtude; é 9 valor 5 al nao se deve hesitar e 0 supremo pelo qual nao s em enfre declara ua_yida, qu 1 ; 1 que nao ha mal senio o mal moral e que na tar q eta da escolha socratica e € diametralmente Oposta 4 €scolha epicurista: a felicidade nao consiste no prazer ou no inte. resse individual, mas na exigéncia do bem, ditada pela razdo e que transcende o individuo. A escolha estéica Opée- -se igualmente a escolha platénica, na medida em pretende que a felicidade, isto é, sivel a todos neste mundo. morte. A escolha estéica situa-se, assim, na linha y, que o bem moral, seja aces. A experiéncia estdica consiste em uma tomada de cons- ciéncia aguda da situac4o tragica do homem condicionado pelo destino. Aparentemente nao somos livres para nada, pois nao depende absolutamente de nos ser bel los, fortes, com boa satide, ricos, experimentar o prazer ou escapar ao sofrimento. Tudo isso depende de causas exteriores a nos. Uma necessidade inexordvel, indiferente a nosso interesse individual, destréi aspiracées e €speranc¢as; estamos entre- gues sem defesa aos acidentes da vida, aos reveses da for- tuna, 4 doenca, 4 morte. Tudo €m nossa vida nos escapa. Disso resulta que os homens sao infelizes, porquanto pro- curam com paixao adquirir os bens que nao podem obter e fugir dos males que sao, contudo, inevitaveis. Porém, ha uma coisa, uma inica coisa, que depende de nos e que nada nos pode tirar: a _vontade de fazer o bem, a vontade de agir de acordo com_a_razao. Havera, entao, oposi¢ao radical entre o que depende de nés e pode ser bom ou mau, porque objeto de Nossa deciséo, e o que nao depen- 188

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