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Capítulo I

Histórico do Casamento, do Divórcio e a


Evolução do Papel da Criança e da
Família na Sociedade Ocidental

Histórico Jurídico do Casamento

Para que possam os pensar a separação, é importante que


nos debrucemos inieíalm ente sobre o histórico jurídico do ca­
samento e do divórcio, e assim com preenderm os o processo

Uma vez que nosso sistem a jurídico tem em grande parte


origem no D ireito Rom ano, com eçarem os por exam inar a
história jurídica do casam ento em Rom a. O casam ento ro­
m ano era organizado a partir de um a classificação que»&tfi-'
dia as situações de relação bom em /m uther em tfês deftní-
çòos e status:
a) Confarreatio-consistia no casam ento da etasse palrieía
c correspondia ao casam ento religioso, em que se oferecia en­
tre outras coisas um pão de trigo, costum e que parece ter sobre­
vivido até os dias de boje de forma estilizada através do boio de
noiva.
b) Coemptio tratava do m atrim ônio da plebe, constituio?
do o casam ento civil.
c)Urns - consistia na aquisição d a m ulher pela posse, equi­
valente a uma especie de usucapião.
Todas essas formas de casam ento investiam o m arido de
in mantis: a m ulher e seu patrim ônio passavam para
tnariuilis. Havia também a figura do casam ento ^pisçp$gm|i$9>a
qual a mulher continuava a pertencer ao lar paterno.
28 Anatomia de um Divórico Interminável
Esses processos foram evoluindo até qpe se chegasse à forma
do casamento livre, em que apenas a capacidade, consentimento c
ausência de impedimentos eram requisitados -im tae
Essa situação perdura até o m om ento em que a igreja ca­
tólica com eça a reivindicar ôs direitos sobre a instituição m atri­
m onial. O casam ento cristão representa a reunião entre Jesus
Cristo e sua Igreja. É um dos sete sacram entos da lei evangéli­
ca, mas sua regulam entação só etetuou-se no Concilio de Trento
(1545-1563)ponde foram estabelecidos os seguintes princípi­
os: expedição de proclam as, publicados três vezes no dom icílio
dos eontraentes: celebração pelo pároco ou outro sacerdote,
na presença de no m ínim o duas testemunhas; expressão do con­
sentim ento dos nuhentes e coroação da cerim ônia com a bên­
ção nupcial. Segundo esses princípios, o casam ento está acim a
do Estado.
Durante a evolução do processo histórico, q® Estados fo­
ram assum indo novamente sua posição e colocando o casamento
religioso à margem. O prim eiro país a fazê-lo foi a Inglaterra,
ao tem po de Cromwell. Esse primeiro passo converte-se na pri­
meira grande afirmação do direito do Estado, que passa a regu­
lar inteiramente a instituição do casamento.
No Brasil, em função de a quase totalidade da população
ser católica, o casam ento religioso conservou sua prevalência.
A medida que os m ovimentos imigratórios foram crescendo e
com isso trazendo ao pais novas crenças e costum es, a socieda­
de se vê impelida a m odificar sua forma de casam ento. Surge,
então, em 11 de setem bro de 1861, a lei que regula o casam ento
dos não católicos, que passa a ser celebrado e aceito de acordo
com o rito religioso de cada facção da sociedade.
Esse é o prim eiro passo na direção da perda da tutela ecle­
siástica sobre o c a sa m en te /E isso ocorre após inúmeras tentati­
vas malsucedidas até a Proclam ação da República. A partir do
decreto núm ero 181, de 24 de janeiro de 1890, quando ocorre a '
Histórico do Casamento, do Divórcio e a Evolução. .
J >paraç8o do poder espiritual e temporal, tnstíÉ iü
«sarnento civil.
O artigo 175 da constituição vigente declara, então, qtte a
'familia e constituida pelo casamento e terá direito à proteção
dos Poderes Públicos”.
A questão da definição jurídica do casam ento é ainda hoje
discutível, deixando possibilidades de algum as interpretações
à prim eira vista excludentes. mas que acabam por se compor,
associando-se muitos dos princípios de cada posição. Existem
também as questões social e ética, que não podem ser ignora­
das. embora precisem ser separadas da questão do direito po­
sitivo e sua relação jurídica Importa ainda ressaltar que o vín­
culo matrimonial c regulado pela lei em term os inalteráveis ao
arbitrio das partes que o formam.

Definição e Natureza Jurídica

Definição: “casamento é o contrato de direito de família que


tem por fim provera união indissolúvel do homem e da mulher de
conformidade com a lei. a fim de regularem suas relações sexuais,
cuidarem da prole comum e se prestarem mútua assistência”?
Esta definição, assim como praticamente todas as outras
possíveis em Direito, origina-se da definição de M odestino:
ANuptiae sunt conjunct ¡o martsconsortium
ómnis vitae: di vim et human i juris (Dig. liv-
¿X tit. 2. frag. 1).
O term o ‘indissolubií idade" não é essencial â idéia de ca­
samento e deixou de ser parte integrante de sua?
torça da lei do divórcio.
O vocábulo “casam ento" é empregado m uitas vezes em
duplo sentido: como ato criador da família legítim a e conto «tr­
iado proveniente deste ato praticado na conform idade da lei, í*o»
30 Anatomia de um Divórico Interminável
rém. nào se deve con tundir o vínculo ou status pessoal com seu ato
constitutivo, embora ambos sejam disciplinados por preceitos le­
gais ditados pelo Estado.
N atureza: O problem a da natureza do casamento abrange
duas importantes vertentes:
1. A questão de ser instituto de direito público ou privado.
2. E ou não um contrato?
A primeira questão vem do fato da ingerência cada vez ma ior
do Estado na esfera das relações familiares, criando-se a im pres­
são de que vários institutos de direito da família emigraram para o
direito público
A sustentação era prol desse ponto de vista baseia-se em dois
argumentos discutíveis, segundo Gomes (Dcie
O primeiro diz que o instituto está dominado por interesses públi­
cos, já que a família encontra-se sob a proteção do Estado. O
segundo, mais importante sob o ponto de vista técnico, traz a afir­
mação de que o vínculo matrimonial se forma com o concurso da
autoridade do Estado.
Gom es julga estes argum entos im procedentes: “O fato de
ser presidido por interesses transcendentes da conveniência in­
dividual determinantes da imperatividade dos seus preceitos não
é suficiente para situá-lo no campo do direito público, nem acei­
tável a suposição dc que esses interesses hajam levado o Esta­
do a regular o estado m atrim onial em term os de assim ilação de
suas obrigações aos deveres de direito público" (p. 48).
Quanto à questão da participação do Estado na formação do
ato, diz Gomes: “A participação da autoridade pública nào é o ele­
mento essencial e sim o consentimento dos nubentes. O pronunci­
am ento do ju iz tem cunho declaratorio lim itando sua função a
com pletar o ato de vontade dos nubentes, nào lhe retirando a
natureza de ato de di rei to pri vado" ( p . 49).
Em relação à questão do casamento ser ou nao um contrato,
nota-se que a concepção do casam ento com o contrato origina-se
Histórico do Casamento, do Divórcio e a Evolução. 31

no direito canônico: é a Igreja que concebe o casamento com o um


contrato. -
A bscoIa de Direito Natural abraça essa idéia, definindo o
casamento como um contrato civil, passando-se, depois do C ó­
digo de N apoleão, a d iscip lin á-lo co m o negócio ju ríd ic o
contratual.
Gerou-se a partir daf a posição contratttaíista e «ípôsifâti
«nfic<>ntratiial ista.
A tentativa da doutrina para determ inar a natureza do ca­
samento. enquadrando-a num a categoria genuinam ente jurídi­
ca, dá-se por três concepções: um negócio complexo; um acor­
do; um ato-eondição.
A idéia que classifica o casam ento com o negócio
. ^ q jmoiexo leva em conta o lato de que, além do consentimento
-dos nubentes, se faz. necessário a declaração da autoridadedo
jisfcstado para que este tenha validade. Torna-se um ato complexo
por conter dois m ovim entos diferentes. No primeiro - a decla­
ração de que querem ser marido e m ulher veri fica-se o acordo
dc vontades, como em qualquer contrato. Já a necessidade da
autoridade para a validação do vínculo é o segundo momento.
1- uma postura discutível, segundo Gomes: “Proclamam
os doutores que a vontade do listado expressa pelo juiz não tem
o mesmo peso que a dos nubentes. O consentim ento destes é o
dem ento constitutivo básico do m atrim ônio, e dele é que, por
força da lei, derivam os efeitos próprios do ato m atrim onial”
(Gomes, p. 51).
A visão do casam ento como um acordo distingue-a da de
contrato, uma vez que nesta o interesse das partes contrapõe*
sc, ou, no mínimo, divergem , enquanto que no acordo são con­
vergentes. O contrato sintetiza uma série de vontades, enquan­
to o acordo as sobrepõe.
O ato-condição configura uma declaração de vontades que
põe o declarante num a situação jurídica impessoal, pois, ao con-
32 Anatomia de um Divórico Interminável
sentir-se, adere-se necessariamente ao estatuto legal do matrim ô­
nio, que vigora para todas as pessoas casadas e tem de ser aceito
sem possibilidade de alteração.
Sào também posições discutíveis. A doutrina mais recente
tende para uma visão híbrida, encarando o casamento como con­
trato. na formação, e instituição, no conteúdo.
C a ra cte re s: O negócio jurídico de constituição da família
legitima caracteriza-se por ser:
1. ato pessoal, isto é, os nubentes têm liberdade de escolha:
2. ato civil, pois é subm etido ao ordenam ento legal do
Estado;
3. ato solene, pois contém form alidades destinadas à pu­
blicidade e à garantia de m anifestação da vontade dos nubentes
- essência do casamento.
Pode-se perceber que a matéria c extremamente polêm ica,
gerando discussões intermináveis dentro da esfera do direito
privado, principalmente em nível de sua natureza jurídica, não
havendo ainda uma posição definitiva em termos doutrinários
que unifique todas as tendências. Adiciona-se a questão ria na­
tureza jurídica as questões eticas e sociais e teremos um "vasto
caldeirão de idéias antagônicas num caldo efervescente", aque­
cido pelo calor da diversidade de posições técnicas, filosóficas
e sociais hem longe de uma "síntese de vontades", como o
contrato de casam ento, ou de uma agregação de vontades, com o
na figura do "acordo jurídico’’.
Ainda sob o prisma das concepções jurídicas do que sig­
nifica uma união de casais, surge, em 1996, * Lei 9.278, que
regulam enta o Estatuto da União Estável, sob o Projeto de Lei
» u 2.688/96, que regulamenta o parágrafo 3o do artigo 226, da
Constituição Federal, dispondo do Estatuto da União Estável,
além de dar outras providências.
Km seu artigo 10 é reconhecida como união estável a convivência
por período superior a 5 anos, sob o mesmo teto. como se casados
Matoneo do Casamento, do Divórcio e a Evolução. 33

ftssem,um homem e uma mulher, não impedidos de realizar matrimô­


nio. ou separados de direito ou de fato dos respectivos cônjuges. Pa~
mgralb único: O prazo previsto no deste artigo poderá ser redti
/ido a 2 anos quando houver filho comum.

Divórcio

Ü termo “divórcio" possui no direito duas conotações dife­


rentes Pode designar apenas um aseparação d e eotpmWvorthmi
quoadthorum et mensam),não implicando na dissoluçã
culo e, por isso, impedindo a realização de um novo casamento.
ü á ainda a acepção de divérçio vincular, absoluto, dissolven-
«¿©•08 vinarios matrimoniais e possibilitando novauniãô Tlpf.
A Constituição Brasileira de 1988 não repete o dispositivo
vinculo indissolúvel, na constituição da família pelo casamento. E
o caminho foi muito longo até chegarmos à C onstituição de
1988. como também o foi em outras partes do mundo.
M esm o antes do Cristianism o não se encarava a possibili­
dade da solubilídade do casamento, a não ser excepcionalm en­
te. Entre os astecas, o casam ento só podia ser rompido por sen­
tença. O Código M anu admitia a dissolubilidade caso a mulher
fosse estéril por mais de 8 anos ou gerasse crianças que não
vingassem por 10 anos e também se desse à luz meninas por
mais de 11 vezes consecutivas.
Na Grécia, só inicialm ente era possível o d iv ó íé te é tlrfu n ­
ção da esterilidade e. mais tarde, também pelo repúdio dos pró­
prios cônjuges.
Entre os judeus, o casam ento podia se r repudiado em ca­
sos com o o adultério, defloram ento, o nào-cum pw m iplo do
dever conjugai, entre outros.
Na Babilônia, o repúdio era facultado ao homem e somente
em algumas situações à mulher.
34 Anatomía de um Divórico Interminável
Em Roma, por ser o casamento consensual, o desapareci­
mento da intenção e desejo de levar a relação adiante já era
argum entação aceita para sua dissolução, muitas vezes sem re­
querer o pronunciamento do juiz.
Além do repúdio, uma das form as da dissolução do casa­
mento, havia no direito clássico a figura legal do divert inm
gratia, ou seja, por consenso dos cônjuges, sem que fosse ne­
cessária a presença do Estado.
A primeira intervenção do Estado no divórcio se encontra
na Constituição de Diocleeiano, em que a guarda dos filhos se
arbi traria por um juiz, no caso da indignidade de um dos cônjuges.
A partir de Augusto, Teodósio, Valentiniano e Anastácio,
o perfil legal do divórcio evolui, até que na época de Justiniano
já se encontram quatro definições legais de divórcio:
1. D i v e r t i a m ex justa cum a,-quando um dos cô
pudia o outro em função de atos com etidos dentro das leis que
permitem o repúdio.
2. Divertmm bona cgrafi, onform e a vontade ju
de um ou ambos, em não querer continuar casados.
3. Divertiam sim justa causa, ou seja, o repúdio d
dos cônjuges sem que este se encaixe nas causas legítimas que
o justifiquem .
4. Divertiam commaui consensu, isto é, divórcio q
realiza por consenso, porém, sem que os motivos se enquadrem
em nenhuma justa causae.
Já no Direito Canônico muitas divergências existiam, mas.
em geral, era autorizado o divórcio em conform idade com o
texto de São M atheus, até que no Concilio de Trento (1545-
1563) passa o casam ento à definição dogm ática de natureza
sacram ental, isto é, o m atrim ônio torna-se definitivam ente
indissolúvel.
Na versão do Codex Juris C
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somente o adultério permite o afastam ento perpétuo, embora sem
Histórico do Casamento, do Divórcio e a Evolução... 38.
ro de contrair novas núpcias. Nas demais situações, 0 afasta-
9 deve ser temporário, com praz» certo ou indefinido, enquanto c
somente persistirem as causas que 0 motivou.
Os reformistas no Século XV. Lutero e seus seguidores,
ultrapassaram o Evangelho, adm itindo o divórcio por outras
causas além do adultério, tais como abandono voluntário, maus-
tratos. recusa ao debit umconjúgale.
A Igreja grega, diferentemente da Igreja Greco-Ortodoxa,
admite a dissolubilidade do casam ento no caso de adultério.
Os m ulçum anos possuem o leloik ato de repúdio,
facultativo ao hom em , que dissolve definitivam ente o casam en­
to. Há também 0 oteloikmijei, uma espécie de separaçã
corpos possibilitando uma nova vida conjugal, porém sem novo
matrimônio.
Voltando-ao c a m p a d o Direito, a tabela de Daupeley divi­
de os sistemas legislativos atuais em relação ao divórcio e à
separação de corpos em 5 grupos:
1. Divorcio unicam ente com a separação de corpos.
2. Só 0divórcio é reconhecido.
3. A separação como m edida provisória, que pode condu­
zir tanto ao divórcio como à reconciliação.
4. A possibilidade de o casal escolher entre o divórcio ou
a separação de corpos.
5. O divórcio perm itido apenas aos nào-catóticos.
No Brasil, até 1977. o divórcio seguia os postulados do
Direito Canônico, sendo definido como quoad
et mensam. isto é. separação de corpos sem indissolubilidade»
^ vínculo m atrim onial e somente nos casos de adultério, sevicia
ou injúria grave, abandono voluntário do dom icílio conjugal
por 2 anos consecutivos e m útuo consentimentos dos cônjuges,
se fossem casados há mais de 2 anos.
Em 1901, na discussão do Código Civil, na Câmara dos De­
putados. vence a posição conservadora e a regra do parágrafo úni­
36 Anatomia de um Divórico Interminável
co do artigo 315, segundo o qual “O casamento válido só se dissolve
pela morte de um dos cônjuges. A sentença do desquite apenas autori­
za a separação dos cônj uges e põe termo ao regime de bens, como se
o casamento fosse dissolvido (art. 322), restando, porém, incólume o
vínculo matrimonial" (Cahali, p. 46).
O te r m o ¿ d e s q u e / ^ n a Legislação Civil para
identiticai a siiwple& separaçào de corpos, em substituição ao
divém wquoadíhotwn et E
ea. ste, por sua vez, h
m
criado em contraposição ao divortiumna ac
prestava o direito rom ano.
Em 26 de dezem bro de 1977, regulamentou-se a em enda
Constitucional núm ero 9, de 28 de junho de 1977, criando-se o
instituto do divórcio pela Lei 6.515, depois de muitas idas e
vindas.
A ConstJturção de 1988, em seu artigo 226, sexto parágrafo,
diz: “O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio, após
prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos
em lei, ou comprovada a separação de lato, por mais de 2 anos."
A Lei 7.8 4 1. de 17 de outubro de 1989, adapta a Lei 6.515.
de 1977. com relação ao tem po exigido para o divórcio-con-
versão e para o divórcio direto, eliminando pela renegaçâo do
artigo 38 da Lei do divórcio a restrição quanto à possibilidade
de divórcios sucessivos.
Divórcio e separação judicial devem resultar de uma sen­
tença por causas determ inadas na Lei, em que o denominado
processo é necessário para a dissolução do casam ento, poden­
do esta som ente ser obtida por órgão judiciai.
A separação ju d ic ial é a dispensa p e ta ju stiç a dos d e v e ­
res d e c o a b itaç à o e rid e iid a d ere c íp ro ea , artigo d d a Lei 6.51 5/
77, sem contudo provocar o rom pim ento do vínculo c o n ju ­
gal ou p erm itir um novo casam ento. É possível tam bém , ap e­
nas por requerim ento, artigo 45 da Lei 6.515/77. nos autos da
ação de separação, anular a separação.
Histórico do Casamento, do Divórcio e a Evoiuçâo.

artigo 24 da Lei

Caso os cônjuges divorciados queiram restabelecer o ma*


lómónio. só poderão fazê-lo casando-sc novamente: artigo 33,
(«put da Lei 6 .5 15/77.
¡IP® Engrossando ainda mais as fileiras dos atingidos pelas cru-
p d a d e s da separação, tem os os parceiros provenientes de uni-
f e s não legalizadas, anteriorm ente excluídos, e que são agora
incorporados à legislação pelo Estatuto da União EstávefcBro-
É M f e L e t n° 2.686/96.

Breve Histórico do Papel da Criança e da Família


na Sociedade Ocidental

Antes dc abordarmos concretam ente a estrutura e o funci­


onamento do serviço do Setor de Psicologia e do Serv iço Soci­
al do Poder Judiciário, é importante uma revisão do processo
histórico que pode estar atuando como base dos posicionamentos
fundamentais desse sistema psicossociojurídico em nossa soci­
edade atual
Reportar-nos-em os, portanto, ás classes aristocráticas c
camponesas dos séculos XVI e XVII e à classe burguesa de
meados do Século XIX na Europa.
Um d ístic o e x tre m a m e n te s a rc á s tic o , a trib u íd o ao
ensaísta M ontaigne, reflete, talvez sucintam ente, ite, com o era
vista a criança na sociedade aristocrática européia ¡éia dos Sécu-
tos XVI e X V i I: “ A doram os a s
íiiitifipróprio d iv ertim en to , com o m aeacos
Jípanos.'’
No lar aristocrático os cuidados com os filhos eram considera •
d*ts tarefas menores, “abaixo da dignidade de uma dama aristocrática'*
38 Anatomia de um Divórico Interminável
( Poster, p. 198). As crianças eram entregues aos empregados, c os
pais raramente tomavam conhecimento de suas vidas, especialmente
durante os primeiros anos de formação.
Os bebês nobres eram am am entados por am as d e leite,
sendo essa atividade extrem am ente depreciada, pois, na épo­
ca, acreditava-se que o leite era um a espécie de fluxo san­
guíneo, e os bebês, portanto, com parados a pequenos m or­
cegos hem atófagos. A m orte às m ãos da ama não só nào era
incom um , com o h avia as cham adas “ am as a ssa ssin a s”, a
quem eram en treg u es os filhos inoportunos ou indesejados.
os quais, sob o s “ cuidados" delas, logo encontravam o tér­
m ico de suas pequenas vidas.
Toda conduta em relação a criança e à sua educação esta­
va diretam ente ligada à hierarquia aristocrática e, nesse proces­
so, não havia nenhuma preocupação semelhante às atuais. Es­
sas preocupações nasceram posteriormente, na classe burgue­
sa, que passou a gerar os mesmos valores que predom inam até
hoje na sociedade, quanto ao que se refere à figura da criança.
A sociedade camponesa do antigo regime europeu tinha,
por sua v e/, unia estrutura familiar diferente da classe dom i­
nante, porém possuía mais coisas em comum com a aristocra­
cia do que com a burguesia moderna que estaria por surgir. Seus
membros casavam -se tarde, perto dos 30 anos, e tinham pou­
cos filhos vivos. As m ães cam ponesas eram auxiliadas pelos
parentes idosos e pelas m oças solteiras na tareia de cuidar dos
filh o s - coisa m uito semelhante à nossa classe trabalhadora atual
e a uma grande faixa de nossa classe média contemporânea.
No âm bito da fam ília cam ponesa, as crianças não eram
consideradas o centro da vida, nem obtinham devoção e aten­
ção total com o a que se espera hoje da sociedade m oderna.
Elas eram abandonadas durante o dia (enorm es sem elhanças
corn a sociedade trabalhadora e sua atual estrutura económ ico-
social) e tinham de se arranjar do m elhor je ito possível, já que
rico do Casamento, do Divórcio e a Evolução. 39

i mulheres precisavam participar m uito ativamente da luta peta


vivência.
ffÜ amamentação era feita pela mãe ou, quando havia coa*
, pela ama de leite, de forma mecânica, sem envolvimento
sionat; era mais um trabalho incôm odo e fora de hora.
Assim como na classe aristocrática, a hierarquia era o ponto
w «entrai da educação e da criação. As relações entre pais e filhos
distantes e sem intimidades. As sanções eram impostas
■fBtn castigos físicos e maus-tratos, m uitas vezes severos, po­
rém tidos conto naturais pela sociedade campesina.
A classe social trabalhadora, que surgiu junto com a revo­
lução industrial e provem do cam pesinato deslocado, chega à
tpéiedade urbana ocupando a cam ada mais baixa. Possui os
mesmos procedimentos de sua classe de origem, em relação à
criança, os quais tendem a persistir até hoje. Porém, foi (e ainda
è )muito influenciada pelos valores e pela moral da classe bur­
guesa após a primeira metade do Século XIX. Até esse período
(e em nosso pais ainda é o comum), os filhos do proletariado
mam criados peta rua e não pela família, num a sociedade indi-
foteníe que, quando não os tratava com brutalidade, nada lhes
oferecia
A família m oderna, que traz em seu bojo a transform ação
radical da posição da criança diante da sociedade ocidental, nas­
ceu no seio da burguesia da Europa, por volta de 1750. Entre a
organização social e fam iliar burguesa e a organização aristo­
crática e cam ponesa existia um grande contraste. A partir dessa
época, a burguesia com eça a perder o controle da propriedade,
transform ando-se em m ão-de-obra qualificada assalariada e as­
semelhando-se de certa forma à classe trabalhadora, classe esta
que finda por fundir m uitos dos seus valores sociais e m o­
rais aos da classe burguesa.
Após 1750, o padrão demográfico da familia burguesa evo­
luiu progressivamente para novo status, o da baixa fertilidade e baí
■m
40 '* Anatomia de um Divòrico interminável ]
xa mortalidade. O planejamento familiar em grande escala origina­
se nesse grupo.
A s relações da família burguesa em term os familiares vão j
se tom ando cada vez mais intimas, privadas e com maior inten­
sidade emocional. Os filhos, reavaliados pela burguesia, passa­
ram a ser considerados seres importantes.
Nascia uma nova e natural forma de amor maternal nas mu- 1
lheres, que começaram a assumir a responsabilidade quase total da
criação e educação dos filhos, criando-se. assim, um profundo vin­
culo entre a relação mãe/filho e. embora de maneira mais branda,
entre pai/filho. Dentro das fronteiras agora claramente definidas ;

a ser um a poder em rela- j


ção às crianças cresceu consideravelmente.
Esse processo histórico evoluiu em sentido centrifugo até que, j
em meados do Século XX, já se encontrava disseminado, ao me-
nos em tese. por todos os extratos sociais da civilização ocidental. 1
'r f O Estado só volta a interferir na autoridade dos pais quando estes
falham no cumprimento do papel de provedores do bem-estar dos
filhos, expondo-os a situações de abandono, abuso ou rnaus-tra-
tos. Neste caso, o Estado, em nome da criança, pode intervir ou até
suprimir o pátrio poder, arrebatando para si a concretização do
maior valor da parentalidade, ou seja, incumbe-se de cuidar con­
dignamente da criança (ainda que apenas em tese), por meio de
instituições que cumpririam o papel em que os pais, por inúmeras
razões, fracassaram. Este fenômeno inerente à civilização ociden­
tal atinge também o Brasil, que responde, embora de forma muito
primária, ao novo movimento social.
C riaram -se secretarias, fundações e até m inistérios da
C riança e do B em -Estar Social. Foram desenvolvidos, por
diversos setores sociais, leis e estatutos cuja preocupação
básica é proteger e assistir a criança física e m entalm ente, isto é,
garantir-lhe uma fam ília, segurança, educação, m oradia, a pos-
Httáófloo do Casamento, do Divórcio e a Evolução 41
Ife
iíN h d ad e de adoção etc.
Inúmeras tentativas nesse sentido se fizeram notar pela úikít*
governamental num primeiro momento - LBA, Secretária
Menor, FEBEM, S.O.S. - Criança, e tantas outras úâõ muito
fermsucedidas e que traduziam o movimento social de preocu-
jpiçáo com o problema da infância. Esse processo culminou com a
promulgação (Lei 8.065. de 13 de julho de 1990) do Estatuto da
Criança e do Adolescente, que define claramente os direitos da
criança e as obrigações do Estado e da sociedade para que se pre­
servem e se cumpram esses direitos, ao menos teoricamente. Não
cabe aqui analisar esse imenso problema de dificílima solução,
uma vez que esse não é o nosso objetivo no presente trabalho.
Além do Estado, podem os observar que a sociedade vem se
conscientizando cada vez mais e está começando a reagir de m a­
t e r a isolada e ainda pouco organizada, porém atuante, em relação
a esta grande tragédia nacional, por iniciativas pessoais e/ou de
representantes do empresariado e comércio.
Quanto ao Poder Judiciário, o reflexo mais direto de todo
çsse movimento encontra-se na Vara da infância e da Júveritu-
isí;; de e na Vara de Família e das Sucessões.
A principal função dessas duas varas é a de proteger e
f preservar os direitos e o bem -estar da criança, do adolescente e
família.
Para a Vara da Infância encam inham -se situações em que
a criança corre algum tipo de risco ou encontra-se em situação
irregular, como desam paro e abandono.
Os casos que, dentro dessas condições, ameaçam, por al­
guma razão, a segurança tísica ou emocional do m enor chegam
á Vara da Infância por denúncia anônima ou não, havendo a
partir daí o acionamento do Estado, que, pela figura do juiz,
intima as pessoas envolvidas a prestar esclarecim entos.
Para auxiliar o ju iz na condução dos processos que envolvem
graves problemas emocionais e sociais existem os serviços de M *
42 Anatomía de um Divórico Interminável
colegia e Serviço Social, que. com estudos e laudos, fornecem sub­
sídios aos M. M. Juizes na avaliação dos casos.
A Vara da Fam ilia e das Sucessões, que trata dos con­
flitos fam iliares, prioriza o bem -estar da criança. Esta p o s­
tura poderia ser atribuída direta ou indiretam ente ao m ovi­
m ento social que direciona a posição da criança com o o prin­
cipal elem ento social da sociedade m oderna, sendo sua con­
dição um a prioridade, em relação à qualquer outro elem ento
participante do conflito, m esm o quando estes estejam inti­
m am ente relacionados. O casal parental, por exem plo, tem a
total atenção em detrim ento do casal m arital, pois, corno
adultos, não têm a m esm a valorização social era term os da
prioridade da criança com o elem ento a ser cuidado. Tendo
em vista que o tem a separação envolve as mais diversas áre­
as de dom ínio, é im portante que possam os com preender o
histórico do casam ento, do divórcio e do papel da criança,
com o partes integrantes - em nível ju ríd ic o e social - da
com plexa tram a psicodinâm ica que os conflitos da ruptura
do vinculo m atrim onial e fam iliar envolvem .
Pudemos observar no histórico do casam ento quão com ­
plexo é o tema, não só psicológica, mas também juridicam ente,
pois até a definição jurídica do casam ento é com plexa e contro­
vertida e a existência de várias escolas enseja diversas interpre­
tações sobre o fato objetivo - casam ento.
Se já encontram os muita dificuldade em definir o concei­
to objetivo, jurídico do casam ento, podem os perceber quão ári­
do é o mister de tentar com preender o vinculo conjugal, a sepa­
ração e suas consequências, em seus reflexos psicodinàmicos e
sociais.
No Brasil, a tradição de quatro séculos da indissolubidade
do casam ento, rompida tão dolorosam ente somente após inú­
meras tentativas, e há pouco tempo, talvez explique por que estamos
ainda tão pouco atualizados em com paração a países onde o di-
i do Casamento, do Divorcio e a Evolução. 43

>é praticado há mais tempo. Estamos, portanto, dando ainda


nciros passos e aprendendo como adaptar socialmente o pro-
e as seqüelas por este originadas. A introdução de um
metro psicológico na instituição forense já é um começo. O
v de pericia para avaliação social e psicológica de alguns con-
, implica a aceitação da importância do subjetivo.
Porém, é muito pouco. Precisamos nos instrumentalizar me-
jfior para podermos fa/er frente às necessidades inerentes aos ca-
Sòs que a separação se torna incomumente dolorosa.
Da mesma forma que o nosso Legislativo valeu-se da ex­
periência e do conhecimento adquirido pela tradição de países
que nos antecederam na possibilitação do divórcio no âmbito
jurídico, seria interessante que nos debruçássem os sobre as
fiovas formas de cuidados desenvolvidos por outros países para
com essa mesma população atingida pela separação dolorosa.
f importante que passemos a valorizar o casal marital, ou
<> ev-casai marital, pois sem eles sequer havería casal parental.
Os conflitos provenientes do casal parental c que tanto in­
terferem nos interesses do m enor originam -se nos conflitos
maritais e estes, se forem reconhecidos e valorizados como se
valoriza a criança, trarão benefícios para toda a família.

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