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A Colônia italiana de Caxias no Rio Grande do Sul e a influência dos imigrantes

alemães
Ademar Felipe Fey1

RESUMO: a Colônia de Caxias (Caxias do Sul/RS) se caracterizou pelos imigrantes


italianos e por uma história de pujança e de crescimento sem precedentes na imigração
no Rio Grande do Sul. Conhecida por ser uma colônia predominantemente italiana,
recentemente procurou-se descobrir se houve participação de imigrantes alemães nos
primórdios da Colônia do “Campo dos Bugres”, “Núcleo Colonial fundos da Nova
Palmira” e outras denominações que esta colônia recebeu. Descobriu-se que alguns dos
primeiros imigrantes eram alemães, oriundos alguns da Boêmia e de outros recantos da
Alemanha. Ao longo deste trabalho vai se procurar aprofundar os detalhes que cercaram
o início da Colônia de Caxias e que influência dos imigrantes alemães colaborou para o
progresso da atual Caxias do Sul.

PALAVRAS CHAVES: imigração italiana, imigração alemã, Caxias do Sul, Boêmios,


Colônia Caxias.

ABSTRACT: the Colony of Caxias (Caxias do Sul/RS) was characterized by Italian


immigrants and a history of boom and growth unprecedented in immigration in Rio
Grande do Sul. Known for being a predominantly Italian colony, a recently attempt was
made to find out if there were participation of German immigrants in the early days of
the "Campo dos Bugres" colony, "Núcleo Colonial fundos de Nova Palmira" and other
denominations. It turned out that some of the first immigrants were Germans, some
from Bohemia and other parts of Germany. Throughout this work will seek to deepen
the details that surrounded the beginning of the Colony of Caxias and what influence of
the German immigrants collaborated for the progress of the current Caxias do Sul.

KEY WORDS: Italian immigration, German immigration, Caxias do Sul, Bohemians,


Caxias colony.

1. Introdução

Esta pesquisa “informal” nasceu de forma despretensiosa ao se recordar que


vários colegas de trabalho em Caxias do Sul, possuíam sobrenome alemão, em uma
cidade cuja imigração italiana é totalmente predominante e que remonta aos anos de
1870-1880 do século XIX. Quando ainda trabalhando num projeto que irá abordar
navios e passageiros ligados à imigração alemã no período de 1824 a 1830, deparei-me
com informações do padre Amstad1 e de Jimmy Rodrigues2 de que entre os primeiros

1
Mestre em Educação pela Universidade de Caxias do Sul (UCS). Especialista em Redes de
Computadores em Telecomunicações e Gestão e Docência no Ensino Superior. Profissional da área de
Telecomunicações e professor da área de Redes de Computadores aposentado. Além de escrever livros na
área de Infraestrutura de Redes de Computadores, atualmente também desenvolve pesquisa sobre
Imigração Alemã no Rio Grande do Sul, no período de 1824 a 1830.
2

fundadores da Colônia Caxias havia um grupo de imigrantes alemães e muitos deles da


Boêmia.
De posse destas informações, buscamos ampliar a pesquisa para maior
detalhamento da possível influência destes imigrantes alemães na colônia italiana de
Caxias.

2. Referencial Teórico:

2.1 A imigração no Brasil do século XIX e o início da Colônia de Caxias


do Sul

Durante o século XIX, especialmente no período de 1818 a 1830 a imigração no


Brasil se concentrou fortemente nos imigrantes alemães.
No estado do Rio Grande do Sul, no sul do Brasil, a Colônia de São Leopoldo
recebeu os primeiros imigrantes e a partir dela a imigração alemã expandiu-se para
outras colônias como São Sebastião do Cai, Missões, Torres, entre outras.
Os colonos alemães desta fase da imigração receberam lotes em locais mais
planos, longe da serra gaúcha, onde o terreno é mais desfavorável para a agricultura.
Ao longo do tempo as regiões as terras planas foram sendo colonizadas e
habitadas.
Novas colônias foram surgindo como São José do Hortêncio, Ivoti, Montenegro,
entre outras.
São Sebastião do Caí tornou-se um importante município do estado, distante
aproximadamente 70 km da serra gaucha.
Segundo Padre Amstad, de 1850 a 1870 foram instaladas uma série de colônias
alemãs, entre elas Mundo novo, Padre Eterno, Teutônia, Santa Cruz, Santo Ângelo e
Nova Petrópolis.
Nova Petrópolis se encontra na serra gaúcha, a aproximadamente 30 km da atual
cidade de Caxias do Sul.
Nos anos 1870 o governo decidiu acelerar a imigração e desta vez buscou trazer
imigrantes italianos para o Brasil.
Para estes novos imigrantes restavam como local de localização a serra gaúcha.
A que se tornou a Colônia Caxias, era um distrito de São Sebastião do Caí, local de
forte imigração alemã.
3

Em termos religiosos a Colônia de Caxias era subordinada de São José de


Hortêncio, outro local de forte predominância de imigrantes alemães.
Dentro deste contexto a Colônia cresceu e atingiu expansão surpreendente para
os padrões da época e relativamente cedo tornou-se uma vila e depois município
independente.

2.2 Primeiros Colonizadores de Colônia de Caxias

Na atual área da cidade de Caxias do Sul existia um pouso de índios caigangues


que foi denominado por Antonio Machado de Souza de “Campos dos Bugres”, segundo
informações de Jimmy Rodrigues.
Em 1864 houve uma tentativa de abrir um caminho entre São João de
Montenegro (localidade próxima a São Sebastião do caí) e São Francisco de Paula de
Cima da Serra
Após passar pelos locais denominados Arroio dos Franceses, Brochier, Morro
dos Cavalos e Barão, a expedição chegou a uma colina onde encontraram dois montes
de terra, semelhantes a grandes fornos Neste local foram encontrados uma grande
quantidade de mantimentos indígenas. A este local foi dada a denominação de “Campos
dos Bugres” e hoje envolve praticamente o centro da cidade de Caxias do Sul.2
Porém, antes deste episódio, em 1850, uma expedição saindo da localidade de
Feliz, outra colônia alemã, também próxima de São Sebastião de Caí foi enviada para
abrir uma picada entre aquela localidade e a Encosta da Serra, sem sucesso.2
Porém em 1864, um outro grupo procedente de Feliz, liderada por João
Weissheimer conseguiu abrir caminho até o “Alto da Serra”. Aparentemente nessa
ocasião os “Bugres”, índios que habitavam a região já haviam fugido devido à
aproximação dos brancos na região. 2
Segue Rodrigues2, por este caminho, picada aberta pelos colonos de Feliz, “os
colonizadores italianos chegaram à Colônia Caxias”.
No entanto os italianos não foram os primeiros imigrantes a tentarem se
estabelecer na serra.
Padre Amstad em seu livro “Cem anos de germanidade no Rio Grande do
Sul (1824-1924)” ao comentar as novas colônias na serra gaúcha nos diz que (p. 98)
4

As primeiras tentativas para povoar as colônias da região da serra com


colonos falharam. Na primeira tentativa no ano de 1872 foram levados
a Caxias alemães russos do Volga. Esses, porém, só aceitaram ficar
sob condição de morarem em aldeias como na Rússia. Não sendo
possível atendê-los foram enviados a custo do governo para a
Argentina. Um assentamento de 50 famílias de boêmios dispersou-se
devido às más condições dos solos da região.

Estas informações do Padre Amstad nos indicam a presença de outros imigrantes


que não os italianos antes do ano de 1875, considerado o ano do início oficial da
colonização italiana na Colônia de Caxias.
Rodrigues ao tratar do capítulo 6, “A evolução do nome de Caxias” indica que a
Colônia Caxias compunha-se de 17 léguas quadradas (equivalente mais ou menos a
6.600 metros).
A primeira légua foi destinada a acolher os primeiros imigrantes, em 1875, e o
local onde foi construído o barracão de madeira para esta finalidade. Esta primeira légua
recebeu a denominação de Milanez (de Milão) e de São José. Ela estava localizada no
atual município de Nova Milano, berço da colonização italiana no Rio Grande do Sul.
A décima sétima légua (17ª. Légua) era formada por travessões assim
denominados: Sete Colônias; Perau; Pedro Guedes; Portugal; Quatro Colônias e Picada
dos Boêmios.
Oficialmente a 7ª. Légua recebeu os primeiros imigrantes na Colônia de Caxias,
que ali chegaram em 01/06/1876.
Porém são vários historiadores que afirmam que antes desta data já havia
imigrantes na região.
Rodrigues, ao comentar o trabalho de demarcação da Colônia Caxias, afirma que
(p. 58)
Para a marcação dos lotes da nova Colônia, a Diretoria das Terras
traçou uma linha reta ao norte da Picada dos Boêmios, Forqueta,
Núcleo Louro e parte de Nova Palmira, demarcando, entre as
extremidades daquela linha, no sentido leste-oeste, as primeiras quatro
léguas que serviram de partida para a ocupação do “Campo dos
Bugres”, seus arredores, ...

Prossegue Rodrigues citando que (p. 58)

Pelo que se verifica em registro procedido no Livro nr.1 da


administração da Colônia de Caxias, Forqueta era integrado pelos
travessões “Sete Colônias”, “Perau” ou “Porão”, “Pedro Guedes”,
“Portugal” e “Picada dos Boêmios”, estava já habitada por
imigrantes, possivelmente, austríacos.
5

.
No livro de Rodrigues fica claro que alguns historiadores consideravam a
“Picada dos Boêmios” pertencentes à Colônia Caxias (Monsenhor Dr. João Maria
Balén) e outros a consideravam fora do âmbito da Colônia (João Spadari Adami), sendo
território vizinho à mesma e pertencente a São Sebastião do Caí.
Rodrigues dedica um capítulo chamado “O início: motivo da controvérsia”,
capítulo 7, onde trata da questão dos primeiros imigrante na região chamada de Colônia
Caxias.
Rodrigues cita o trabalho de conclusão do Curso de Comunicação Social da
Unisinos, de 1979, dos alunos Juçara Angelina Tonet e Linda Kogure, cujo título era
“Caxias do Sul: História e Imprensa”. Neste trabalho as alunas citam a tese de
Loraine Giron, que diz (p. 69)
Fica claramente documentado que os primeiros habitantes da Cidade
não eram de origem italiana, e nem chegaram em 1875 ... Conforme
os Mapas em 1872, a região já possuía 22 habitantes, provenientes
todos eles da Boêmia e tendo se localizado anteriormente em Nova
Petrópolis. Assim em 1874, um ano antes da chegada dos primeiros
imigrantes italianos, já estavam radicados 54 colonos de origem
alemã, na 1ª légua (grifo nosso).

Rodrigues informa que as alunas complementam a citação de Loraine Giron (p.


69) da seguinte forma
... o ano de 1875, marca realmente o início da imigração italiana no
RS. Porém, em termos de colonização, esta data não é exata. Se for
considerado, o início do povoamento, o centenário foi completado em
1972, quando da chegada dos boêmios em Forqueta ... (grifo nosso)

Forqueta na atualidade é um bairro de Caxias do Sul, localizado a


aproximadamente a 10 quilômetros do centro de Caxias do Sul.
Rodrigues cita que João Spadari Adami, na página 20 do seu livro “História
de Caxias do Sul”, não só confirma que a Picada dos Boêmios em 1875 era habitada
por colonos boêmios como cita o nome dos mesmos: Franz Kandler (24 de março de
1872, o pioneiro). Depois vieram no mesmo ano: Maria Hillebrand, Emanoele Dittrich,
Julius Drehsler, Franz Fel, Heinrich Lorenz e Ignaz Chlomp. Depois em 1873 chegaram
August Hubner, Anton Saudschck e Wenzek Saischek. Finalmente em 1874 Heinrich
Dittrich, August Hubner e Joan Wiss.
Rodrigues também cita que o Monsenhor Dr João Maria Balén em seu livro
“Os fundadores de Caxias”, reporta todos os nomes dos pioneiros que se fixaram nas
6

17 léguas da Colônia de Caxias. Após a 16ª légua ele coloca Forqueta formada dos
seguintes travessões: ”7 Colônias”, “dos Boêmios”, "Pedro Guedes”, “Portugal”, “4
Colônias”, e “Picada Peráo”.
Por outro lado, Rodrigues menciona que no Arquivo Público do Estado do Rio
Grande do Sul, em Porto Alegre, na relação “dos primeiros colonizadores de Caxias
do Sul”, “constam os 28 nomes dos primeiros ocupantes do Travessão dos Boêmios,
dentre eles 12 dos 13 citados por Adami”.
Rodrigues vai mais adiante citando que Monsenhor Balén aponta mais 23 nomes
de Alemães no Travessão Pedro Guedes. Também o Monsenhor cita que havia de 2
ou 3 imigrantes alemães entre os primeiros italianos que se estabeleceram no
“Travessão Portugal”.
Deixando de lado pequenas variações de nomes dos travessões e local de
ocupação dos imigrantes alemães, fica claro que o então denominado “Núcleo Colonial
aos Fundos de nova Palmira” recebeu seus primeiros colonizadores no de 1872.
Estes primeiros imigrantes eram originários da Boêmia, prossegue Rodrigues (p.
74), “com breve passagem pela Colônia de Nova Petrópolis, então pertencente a São
Sebastião do Caí".

3. Considerações finais

As dificuldades enfrentadas pelos colonos que se estabeleceram no Rio Grande


do Sul são relatadas por vários historiadores.
O que fica claro na obra de Rodrigues é a ajuda que os primeiros colonos
italianos receberam dos imigrantes alemães estabelecidos na região.
Tanto na sede das colônias, São Sebastião do Caí, onde os produtos dos colonos
eram enviados para a capital, Porto Alegre, através do porto ali existente, e onde os
filhos dos imigrantes italianos aprendiam artes e ofícios, tanto na ajuda que os Boêmios
ofereciam aos imigrantes italianos doentes que tinham que passar pela Picada dos
Boêmios para atingir a Colônia Caxias.
Rodrigues em seu capítulo 8, “Influência de São Sebastião do Caí”, ao comentar
a influência do município de São Sebastião do Caí em relação à Colônia Caxias, afirma
que (p. 77) “Consequentemente, não é possível, ao abordar-se episódios das primeiras
décadas da história de Caxias do Sul, divorciá-los daquela comunidade”.
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Com a implantação da linha férrea entre Caxias do Sul e Porto Alegre, via
Montenegro, em 1910, Caxias do Sul se tornou independente do municio de São
Sebastião do Caí.
Hoje Caxias do Sul é ligada a Porto Alegre por via Rodoviária, tanto pela RS-
122 (passando por São Sebastião do Caí), como pela BR-116 (passando por Novo
Hamburgo e São Leopoldo).
Quem transita pela RS-122 (portanto, passando ao largo do Município de São
Sebastião do Cai) não imagina que tenha havido tanta interação entre os imigrantes
alemães do Caí com os imigrantes italianos de Caxias.
É possível supor que, com o passar do tempo, a ajuda que os imigrantes alemães
dispensaram aos imigrantes italianos caiu no esquecimento.
Este pequeno trabalho pretende resgatar um pouco desta passagem da história da
colonização do Rio Grande do Sul, onde se verifica que, independentemente de raças e
credos, o ser humano é um ser social e ajuda ao próximo em situações de dificuldade.

Referências

1. AMSTAD, Theodor (Padre). Cem anos de germanidade no Rio Grande do Sul


(1824-1924). Título original “Hundert Jahre Deutschtum im Rio Grande do Sul”.
São Leopoldo: Unisinos, 2005. (p.65-66).
2. RODRIGUES, Jimmy. Anotações de história de Caxias do Sul. Caxias do Sul:
EDUCS. 1988.
3. PETRY, Leopoldo. O município de Novo Hamburgo: monografia. 2a edição.
Casa editora Rotermund & co. São Leopoldo/RS.
4. OBERACK JR. Primeira corrente migratória.

Outras Obras do Autor

As seguintes obras gratuitas podem ser obtidas via download:

 Artigo “A procura pelo navio Cäcilia”


 Artigo “A Colônia italiana de Caxias no Rio Grande do Sul e a influência
dos imigrantes alemães”
 Artigo “Major Georg Anton von Schäffer e a Imigração Alemã no Brasil”
 Lista de passageiros do navio James Laing – 1829
 Lista de passageiros do navio Olbers - 1828
 Lista de passageiros do navio Argus - 1824
 Lista de passageiros do navio Der Kranich (2ª viagem) - 1826
8

 Relação de navios com imigrantes alemães para o Brasil (RGS) 1824-1830

E-books disponíveis para compra (primeiras páginas gratuitas):

 Imigração Alemã no Rio Grande do Sul: Navios e Passageiros Anos 1824 e


1825/ Ademar Felipe Fey. Caxias do Sul: Ademar Felipe Fey, 2018.
 Imigração Alemã no Rio Grande do Sul: Navios e Passageiros Anos 1826 e
1827/ Ademar Felipe Fey. Caxias do Sul: Ademar Felipe Fey, 2018.
 Imigração Alemã no Rio Grande do Sul: Navios e Passageiros Anos 1828 a
1830/ Ademar Felipe Fey. Caxias do Sul: Ademar Felipe Fey, 2018.
 Imigração Alemã no Brasil: Navios e Passageiros Anos 1824 a 1830/ Ademar
Felipe Fey. Caxias do Sul: Ademar Felipe Fey, 2018.

Livro impresso:

 Imigração Alemã no Brasil: Navios e Passageiros Anos 1824 a 1830/ Ademar


Felipe Fey. Caxias do Sul: Ademar Felipe Fey, 2018.

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