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Artigo Técnico

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Suscetibilidade do Óleo Diesel com


2 e 5 % de Biodiesel à contaminação
microbiana durante a estocagem
Sob a perspectiva de proteção ambiental, a biodegradabilidade do
biodiesel é uma vantagem, porém passa a ser um problema quando ocorre
dentro de um sistema de estocagem de combustível.
BENTO, Fátima Menezes 1.; VISCARDI, S. L.C 2.; DARODA, R3.; MENENDEZ, A.G4. CAMARGO, F.A.O4;
GAYLARDE,C.C41 UFRGS- Departamento de Microbiologia ,ICBS, Rua Sarmento Leite, 500, Porto Alegre, RS e-
mail: fatimabento@yahoo.com 2 Distribuidora de Produtos de Petróleo IPIRANGA S.A; Av. Dolores Alcaraz Caldas
, 90, POA, RS e-mail: viscardi@ipiranga.com.br 3 Ipiranga- ISATEC – Pesquisa, Desenvolvimento e Análises Quí-
micas Ltda Av. Engenheiro Francisco Martins Bastos, 202, Rio Grande, RS, romeu@ipiranga.com.br4 UFRGS
Departamento de Solos Av. Bento Gonçalves, 7712, CEP 91540-000, cgaylarde@yahoo.com
Atualmente o biodiesel está sendo considerado um como fungos filamentosos, leveduras e bactérias. A pre-
substituto natural do diesel de petróleo. Para 2006 está sença física deste sedimento biológico ocasiona o entu-
previsto a utilização parcial na concentração de 2% e a pimento de filtros e tubulações, alterando as proprieda-
obrigatoriedade de uso nesta concentração para todo o des físicas como cor e odor e propriedades químicas
diesel comercializado no país a partir de 2008. A grande como a estabilidade química e a degradação das cadeias
compatibilidade do biodiesel com o diesel convencional de hidrocarbonetos do combustível. Outra conseqüên-
o caracteriza como uma alternativa capaz de atender cia, inclui a corrosão dos tanques que provoca aciden-
uma maior fonte de veículos a diesel, sem qualquer ne- tes com derramamento de combustíveis, comprome-
cessidade de investimento tecnológico no desenvolvi- tendo o solo, subsolo e corpos de água. A corrosão in-
mento de motores. A adoção de biodiesel, mesmo que terna dos tanques ocorre pela presença de água, mas
de forma progressiva em adições de 2 a 5% no diesel de pode ser acelerada pelos produtos gerados durante o
petróleo, além de resultar no aumento da qualidade do desenvolvimento microbiano. O armazenamento de óleo
combustível, visa diminuir a poluição e, conseqüente- diesel vem sendo tema de estudos na UFRGS, desde
mente, o impacto ao ambiente e a saúde pública. Neste 1992 e nos últimos anos tem sido conduzido projetos
sentido, o Programa Brasileiro de Biodiesel tem envolvi- em parceria com a Distribuidora de Produtos de Petró-
do, especialmente, instituições de pesquisa na condução leo IPIRANGA S.A (RS).O biodiesel apresenta muitas
de testes de desempenho, consumo, potência, emissão vantagens sobre os demais combustíveis porém, apre-
de poluentes e as variações de substrato para a produ- senta algumas vulnerabilidades. O biodiesel tende a ser
ção do biodiesel. Por outro lado, se faz necessário pes- mais suscetível a biodeterioração do que o óleo diesel
quisas relacionadas a aspectos estratégicos quanto ao convencional, devido a presença de cadeias C16-C18 (áci-
comportamento da mistura óleo diesel e biodiesel frente dos graxos) que são facilmente degradadas pelos mi-
à contaminação microbiana durante a estocagem do pro- crorganismos, ausência de moléculas aromáticas, algu-
duto. A contaminação microbiana durante o mas propriedades higroscópicas e a disponibilidade de
armazenamento de combustíveis, especialmente de óleo ligações éster de alta energia. Desta forma, será apre-
diesel, pode levar a perdas que vão desde o comprome- sentado os resultados parciais sobre a qualidade final da
timento da qualidade final do combustível na bomba de nova formulação do óleo diesel com 2 e 5% de biodiesel
abastecimento, desgastes nos bicos injetores até a cor- frente à contaminação microbiana durante a estocagem.
rosão dos tanques de estocagem. A condição fundamental Material e Métodos: Os experimentos conduzidos
para iniciar o processo de deterioração do combustível neste trabalho tiveram como objeto de estudo a simula-
é a água presente nos lastros dos tanques, que entra nos ção da condição de armazenamento de óleo diesel em
sistemas principalmente pela condensação das paredes diferentes escalas. O armazenamento foi acompanhado
do tanque. Como principal conseqüência do desenvol- em frascos com capacidade total de 100 mL, tanques
vimento microbiano neste sistema ocorre a formação de 1 L e tanques de 100 L, apresentando uma fase aquo-
de uma biomassa (Figura 1) na interface óleo-água, que sa e uma fase oleosa (Fig 2).
é composta por diferentes grupos microbianos, tais O combustível utilizado foi óleo diesel de interior com
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Ilustração: autores do artigo


Figura 1. Localização do sedimento biológico (biomassa) formado na interface óleo-água devido a presença de água no lastro de tanques

(2 % e 5% de biodiesel) e sem biodiesel (controle) for- biossurfactantes, que são produzidos pelos microrga-
necido pela empresa Distribuidora de Produtos de Pe- nismos com o objetivo de aumentar a área de contato
tróleo Ipiranga. O biodiesel utilizado foi produzido a partir com os hidrocarbonetos do combustível. A presença
de óleo de soja. A fase aquosa utilizada nas escalas Mo- destes compostos tensoativos no tanque de estocagem
delo e Piloto foi retirada de um tanque de armazenagem aumentam a solubilidade do combustível. Os resultados
e a escala LAB, utilizou uma fase aquosa com nutrientes indicaram que para os ensaios com o meio mineral (LAB)
minerais. Visando acelerar a formação da biomassa du- ocorreu uma redução significativa da tensão superficial
rante os experimentos na interface óleo/fase aquosa, foi do meio aquoso no tempo zero, que era de 74 mN.cm-2
adicionado esporos do fungo Aspergillus fumigatus, para a faixa de 35 mN.cm-2. ao final dos 90 dias de
conhecido pelos seu comportamento deteriogênico em avaliação. Nas escalas Modelo e Piloto a tensão superfi-
tanques de estocagem no Brasil. Foi avaliado durante os cial da fase aquosa foi de 50-40 mN.cm-2, indicando a
tempos amostrais de 0,7,14,21,28,45,60,75 e 90 dias a presença de compostos tensoativos originalmente na fase
biomassa formada na interface óleo-água e acompanha- aquosa. Desta forma, pode-se observar que ao longo
do as medidas de pH e tensão superficial da fase aquosa dos 90 dias os valores situaram-se nesta faixa, sendo o
dos tanques. menor valor registrado para o tratamento B5 (37,9
Resultados: os resultados da biomassa formada na mN.cm-2).
interface óleo-água durante os tempos de amostragem Considerações finais: Os procedimentos de limpe-
nas diferentes escalas de armazenamento está apresen- za dos tanques e drenagens regulares da água formada
tado nas Figs 3 e 4 e na Tab.1. O aumento da biomassa nos lastros constitui-se em uma forma estratégica no
detectado na interface óleo-água indica que a adição de controle da infecção microbiana. Em alguns tipos de
biodiesel (2 e 5%) ao diesel de interior utilizado promo-
Figura 3.
veu um maior crescimento das espécies microbianas
Monitoramento da
(fungos e bactérias) quando comparado ao controle biomassa (mg)
(sem biodiesel), nas três escalas testadas. Quanto ao
monitoramento do pH , no meio mineral (LAB) não ocor-
reu uma redução significativa do pH ao longo dos 90
dias de avaliação. Os resultados na escala Modelo dos
tratamentos B2 e B5 apresentaram redução de pH,
de 6,0 para em torno de 5,0 sendo que o controle não
apresentou variação significativa nos valores de pH até
o final dos 90 dias. Na escala Piloto, foi observado tam- Figura 4.
bém que os tratamentos com biodiesel (B2 e B5) apre- Monitoramento da
sentaram a redução de pH em função do tempo, sendo biomassa (mg) da
interface óleo/ água
o B5 aos 90 dias e o B2 a partir dos 75 dias, demons-
dos tanques Lab (100
trando uma tendência a redução ao longo do tempo. O
mL) da interface óleo /
controle praticamente não variou até o final dos 90 dias.
água dos tanques
A medida da tensão superficial nos informa sobre a pre- MODELO (1 L)
sença de agentes tensoativos na fase aquosa, como os

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Figura 2. Esquema experimental para cada escala de estudo.

em tanques de estocagem de
combustíveis ainda se consti-
tui em uma alternativa pouco
conhecida e com muitas dúvi-
das a serem esclarecidas para
Tabela 1. Biomassa (mg) da interface óleo/ água dos tanques PILOTO (100 L) o setor do petróleo. Dentre
elas, qual o biocida indicado,
quais as concentrações a se-
formato de tanque, torna-se impossível a drenagem em rem utilizadas, qual a fase a se tratar (fase oleosa,
certos pontos, além da infecção microbiana se difundir interface ou a fase aquosa?), qual o tempo de preserva-
de um tanque para outro com a passagem de um com- ção do combustível pelo biocida, como realizar o des-
bustível sem contaminação, através de mangueiras, ou carte da fase aquosa dos tanques de óleo diesel tratado
filtros, que tenham sido utilizados para um combustível com biocida. Por se tratar de um produto biocida é pre-
contaminado. Como medida de controle químico, reco- ciso que esteja cadastrado junto ao órgão ambiental com-
menda-se o uso de biocidas. Os biocidas compreendem petente pela indústria produtora ou manipuladora. A uti-
produtos com largo espectro de componentes de estru- lização de biocidas sintetizados especialmente para o uso
turas químicas diversas (compostos inorgânicos e or- em combustíveis e biocombustíveis tem sido recomen-
gânicos). Com relação ao procedimento de aplicação dada nos Estados Unidos e Europa. Considerando que
pode-se citar o tratamento contínuo (mais freqüente, em diversos países da Europa e nos Estados Unidos, o
em baixas concentrações) e o tratamento de choque biodiesel já é uma realidade, alguns aspectos sobre algu-
(pouco freqüente, em altas concentrações), aplicados a mas características indesejadas do biodiesel, como
intervalos pré-determinados. A desinfecção de qualquer a baixa estabilidade a oxidação, incompatibilidade de
sistema com biocidas deve atender à eliminação de gru- materiais e entupimento de filtros, tem sido constatadas
pos como bactérias (bactericida) e fungos (fungicida). nestes países. Outra característica é o aumento da solu-
Esta exigência, fez com que aparecesse, no mercado, o bilidade da água no diesel, provocando um aumento nos
conceito de polivalência dos biocidas, pois um compos- processos corrosivos e estímulo do crescimento
to químico pode ter ação sobre bactérias, mas não ne- microbiano nos tanques. No Brasil, poucos trabalhos na
cessariamente sobre fungos. As exigências para um literatura abordam estudos com biocidas no controle da
biocida de uso industrial incluem: seletividade com os contaminação microbiana com combustíveis. Com base
microrganismos a eliminar; capacidade de manter o seu nos resultados obtidos, é possível concluir que a pre-
efeito inibidor em presença de outras substâncias no sença de biodiesel adicionado ao diesel de interior nas
meio em condições de operação semelhantes; não ser formulações B2 e B5 promoveu um maior desenvolvi-
corrosivo ao sistema; apresentar propriedades de mento da biomassa na interface óleo-água nos ensaios
biodegradabilidade e ter baixo custo. A utilização de agen- simulados de armazenamento conduzidos em diferentes
tes químicos no controle da contaminação microbiana escalas.

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