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ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA

LRIAB
Nº 70070836648 (Nº CNJ: 0293858-38.2016.8.21.7000)
2016/CÍVEL

APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS À PENHORA.


BEM DE FAMÍLIA.
Via de regra, é impenhorável o único imóvel
residencial do devedor, por força do disposto no
art. 1º da Lei 8.009/90.
Não é oponível a impenhorabilidade, todavia,
em processo de execução de hipoteca sobre
imóvel confiado em garantia real pelo casal ou
pela entidade familiar. Inteligência do art. 3º, V,
da Lei 8.009/90.
Presume-se que a dívida assumida por
sociedade empresária cujos únicos sócios são os
embargantes reverte em favor da sua entidade
familiar. Precedentes do STJ. Logo, ao opor a
impenhorabilidade do bem de família, cabia aos
embargantes a comprovação de que os valores
da dívida contraída pela sociedade empresária
não beneficiaram a sua família, ônus do qual
não se desincumbiram.
APELAÇÃO DESPROVIDA.

APELAÇÃO CÍVEL DÉCIMA PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL

Nº 70070836648 (Nº CNJ: 0293858- COMARCA DE GUAÍBA


38.2016.8.21.7000)

CLAUDIONOR OLIVEIRA DOS SANTOS APELANTE


E OUTRA

COMPANHIA BRASILEIRA DE APELADO


PETROLEO IPIRANGA S/A

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

Acordam os Desembargadores integrantes da Décima


Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, à unanimidade,
em negar provimento à apelação.

Custas na forma da lei.

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Participaram do julgamento, além do signatário, os


eminentes Senhores DES. BAYARD NEY DE FREITAS BARCELLOS
(PRESIDENTE) E DES.ª KATIA ELENISE OLIVEIRA DA SILVA.

Porto Alegre, 22 de fevereiro de 2017.

DES. LUIZ ROBERTO IMPERATORE DE ASSIS BRASIL,


Relator.

R E L AT Ó R I O

DES. LUIZ ROBERTO IMPERATORE DE ASSIS BRASIL (RELATOR)

Trata-se de apelação interposta pelos embargantes,


CLAUDIONOR OLIVEIRA DOS SANTOS e ODETE GODINHO DOS
SANTOS, inconformados com a sentença prolatada nos autos dos
EMBARGOS À PENHORA propostos em face da COMPANHIA
BRASILEIRA DE PETRÓLEO IPIRANGA S.A.

Os embargantes pretendem defender seu imóvel residencial


da penhora realizada na execução em apenso. Alegam, ainda, a
prescrição da ação.

Impugnação aos embargos às fls. 25/37.

A Magistrada, na sentença, julgou improcedentes os


embargos. Afastou a alegação de intempestividade dos embargos e a
prescrição. Tocante à alegação de impenhorabilidade, observou que o
imóvel residencial foi dado pelo casal em garantia de débitos quando
firmada a Escritura Pública das fls. 15/16 dos autos apensos, o que
configura exceção à regra da impenhorabilidade. Condenou os
embargantes a arcar com os ônus sucumbenciais, suspendendo a
exigibilidade do pagamento em razão da JG deferida.

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Os apelantes afirmam que o direito à moradia é absoluto e


que não se aplica ao caso a regra do art. 3º, V, da Lei 8009/90, a qual
consideram inconstitucional. Nesses termos, pedem a desconstituição da
penhora e a declaração de inconstitucionalidade do art. 3º, V, da Lei
8009/90.

A apelada ofereceu contrarrazões (fls. 75/81).

Vieram os autos conclusos para julgamento.

É o relatório.

VOTOS

DES. LUIZ ROBERTO IMPERATORE DE ASSIS BRASIL (RELATOR)

Cuida-se de apreciar recurso de apelação interposto pelos


embargantes contra a sentença que julgou improcedentes os embargos à
penhora.

Os embargantes figuram no polo passivo da execução em


apenso, movida por Distribuidora de Produtos de Petróleo Ipiranga S.A.

Já houve interposição de embargos à execução, consoante


decisão da fl. 123 do apenso e item 08 dos embargos à penhora.

O título exequendo é o contrato de confissão de dívida das


fls. 9/11 da execução, celebrado em 12/8/2000, em que figura a empresa
como devedora e os sócios como garantidores.

Antes de celebrar a confissão de dívida, os embargantes


haviam celebrado, em 16/4/1999, Escritura Pública de Constituição de
Garantia Hipotecária (fls. 15/17 do apenso), mediante a qual, na condição
de garantidores, assumiram a responsabilidade solidária pelo pagamento
integral de todo e qualquer débito decorrente dos negócios comerciais
realizados pela empresa, constituindo em favor da exequente segunda e
especial hipoteca sobre o imóvel de matrícula nº 109.669 do RI da Quarta
Zona de Porto Alegre.

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Nos autos da execução, dito imóvel restou penhorado,


conforme Termo da fl. 62 do apenso.

Os embargantes invocam a impenhorabilidade do bem de


família prevista na Lei 8009/90.

Na impugnação aos embargos, a exequente defendeu que os


embargantes renunciaram à impenhorabilidade no momento em que
anuíram com a constituição da garantia hipotecária sobre o imóvel.

O bem de família é protegido pela regra da


impenhorabilidade prevista no artigo 1º da Lei 8.009/90:

Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou


da entidade familiar, é impenhorável e não
responderá por qualquer tipo de dívida civil,
comercial, fiscal, previdenciária ou de outra
natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos
pais ou filhos que sejam seus proprietários e
nele residam, salvo nas hipóteses previstas
nesta lei.
Parágrafo único. A impenhorabilidade
compreende o imóvel sobre o qual se assentam
a construção, as plantações, as benfeitorias de
qualquer natureza e todos os equipamentos,
inclusive os de uso profissional, ou móveis que
guarnecem a casa, desde que quitados.

Entretanto, a impenhorabilidade do bem de família não é


absoluta, tendo a Lei 8.009/90, em seu artigo 3º, enumerado as exceções
à regra em comento:

Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em


qualquer processo de execução civil, fiscal,
previdenciária, trabalhista ou de outra natureza,
salvo se movido:
I - em razão dos créditos de trabalhadores da
própria residência e das respectivas
contribuições previdenciárias;
II - pelo titular do crédito decorrente do
financiamento destinado à construção ou à
aquisição do imóvel, no limite dos créditos e

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acréscimos constituídos em função do


respectivo contrato;
III -- pelo credor de pensão alimentícia;
IV - para cobrança de impostos, predial ou
territorial, taxas e contribuições devidas em
função do imóvel familiar;
V - para execução de hipoteca sobre o
imóvel oferecido como garantia real pelo
casal ou pela entidade familiar;
VI - por ter sido adquirido com produto de crime
ou para execução de sentença penal
condenatória a ressarcimento, indenização ou
perdimento de bens.
VII - por obrigação decorrente de fiança
concedida em contrato de locação.

Vislumbra-se, assim, que entre as exceções à


impenhorabilidade do bem de família está a hipótese em que o bem é
confiado, pelo casal ou pela entidade familiar, em garantia hipotecária ao
cumprimento de determinada obrigação.

No caso dos autos, o imóvel descrito na matricula nº 109669


do Registro Imobiliário da 4ª Zona desta Capital foi dado em garantia
hipotecária pelos seus proprietários, ora embargantes, por qualquer
débito decorrente dos negócios comerciais realizados pela sua empresa
com a exequente.

Portanto, o único bem imóvel de propriedade dos


embargantes foi oferecido em garantia hipotecária ao cumprimento das
obrigações assumidas pela empresa Claudionor Oliveira dos Santos & Cia.
Ltda.

Desta maneira, segundo já decidiu a Terceira Turma do


Superior Tribunal de Justiça, há presunção de que os valores da dívida
confessada pelos embargantes reverteram em favor da entidade familiar,
atraindo a incidência da regra que excepciona a impenhorabilidade do
bem de família, estipulada no inciso V do supracitado artigo 3º da Lei
8.009/90.
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No rumo:

CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL.


EXECUÇÃO DE TÍTULO EXTRAJUDICIAL.
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO,
CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. AUSÊNCIA
DE DEMONSTRAÇÃO. PREQUESTIONAMENTO.
AUSÊNCIA. SÚMULA 211/STJ. VIOLAÇÃO DE
DISPOSITIVOS CONSTITUCIONAIS.
DESCABIMENTO. FUNDAMENTO DO ACÓRDÃO
NÃO IMPUGNADO. SÚMULA 283/STF. BEM DE
FAMÍLIA OFERECIDO EM GARANTIA
HIPOTECÁRIA. PESSOA JURÍDICA DEVEDORA.
ÚNICOS SÓCIOS. MARIDO E MULHER. EMPRESA
FAMILIAR. DISPOSIÇÃO QUE REVERTEU EM
BENEFÍCIO DA UNIDADE FAMILIAR.
IMPENHORABILIDADE. EXCEÇÃO. ÔNUS DA
PROVA. PROPRIETÁRIOS.
1- Execução ajuizada em 27/3/2002. Recurso
especial concluso ao Gabinete em 21/11/2013.
2- Controvérsia que se cinge em definir se é
passível de excussão o bem de família oferecido
em hipoteca pelos únicos sócios da pessoa
jurídica devedora.
3- Ausentes os vícios do art. 535 do CPC,
rejeitam-se os embargos de declaração.
4- A ausência de decisão acerca dos
dispositivos legais indicados como violados, não
obstante a interposição de embargos de
declaração, impede o conhecimento do recurso
especial.
5- A interposição de recurso especial não é
cabível quando ocorre violação de dispositivo
constitucional ou de qualquer ato normativo
que não se enquadre no conceito de lei federal,
conforme disposto no art. 105, III, "a" da CF/88.
6- A existência de fundamento do acórdão
recorrido não impugnado - quando suficiente
para a manutenção de suas conclusões -
impede a apreciação do recurso especial.
7- O benefício gerado aos integrantes da família
é presumido quando se trata de dívida
contraída por empresa cujos únicos sócios são
marido e mulher.

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8- A impenhorabilidade do imóvel único


residencial, nas hipóteses em que oferecido
como garantia hipotecária de dívida contraída
por empresa familiar, somente é oponível
quando seus proprietários demonstrarem que a
família não se beneficiou do ato de disposição.
9- Recurso especial conhecido em parte e,
nessa parte, provido.
(REsp 1.421.140/PR, relatora: Ministra NANCY
ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em
03/06/2014, DJe 20/06/2014)

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM


RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL E CIVIL.
BEM DE FAMÍLIA. CÉDULA DE CRÉDITO
COMERCIAL. BEM DADO EM GARANTIA.
DEVEDOR PRINCIPAL. PESSOA JURÍDICA.
SÓCIOS. MARIDO E MULHER. BENEFÍCIO DA
ENTIDADE FAMILIAR. PRESUNÇÃO.
IMPENHORABILIDADE. AFASTAMENTO.
PRECEDENTE. AGRAVO REGIMENTAL
DESPROVIDO.
(AgRg no AREsp 132792/SC, relator: Ministro
PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA
TURMA, julgado em 11/02/2014, DJe
17/02/2014)

RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. BEM DE


FAMÍLIA OFERECIDO EM GARANTIA REAL
HIPOTECÁRIA. PESSOA JURÍDICA, DEVEDORA
PRINCIPAL, CUJOS ÚNICOS SÓCIOS SÃO MARIDO
E MULHER. EMPRESA FAMILIAR. DISPOSIÇÃO DO
BEM DE FAMÍLIA QUE SE REVERTEU EM
BENEFÍCIO DE TODA UNIDADE FAMILIAR.
HIPÓTESE DE EXCEÇÃO À REGRA DA
IMPENHORABILIDADE PREVISTA EM LEI. ARTIGO
ANALISADO: 3º, INC. V, LEI 8.009/1990.
1. Embargos do devedor opostos em
24/06/2008, do qual foi extraído o presente
recurso especial, concluso ao Gabinete em
19/08/2013.
2. Discute-se a penhorabilidade de bem de
família quando oferecido em garantia real

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hipotecária de dívida de pessoa jurídica da qual


são únicos sócios marido e mulher.
3. O STJ há muito reconhece tratar-se a Lei
8.009/1990 de norma cogente e de ordem
pública, enaltecendo seu caráter protecionista e
publicista, assegurando-se especial proteção ao
bem de família à luz do direito fundamental à
moradia, amplamente prestigiado e consagrado
pelo texto constitucional (art. 6º, art. 7º, IV, 23,
IX, CF/88).
4. Calcada nessas premissas, a jurisprudência
está consolidada no sentido de que a
impenhorabilidade do bem de família, na
hipótese em que este é oferecido em garantia
real hipotecária, somente não será oponível
quando tal ato de disponibilidade reverte-se em
proveito da entidade familiar. Precedentes.
5. Vale dizer, o vetor principal a nortear em
especial a interpretação do inc. V do art. 3º da
Lei 8.009/1990 vincula-se à aferição acerca da
existência (ou não) de benefício à entidade
familiar em razão da oneração do bem, de tal
modo que se a hipoteca não reverte em
vantagem à toda família, favorecendo, v.g.,
apenas um de seus integrantes, em garantia de
dívida de terceiro (a exemplo de uma pessoa
jurídica da qual aquele é sócio), prevalece a
regra da impenhorabilidade como forma de
proteção à família - que conta com especial
proteção do Estado; art. 226, CF/88 - e de
efetividade ao direito fundamental à moradia
(art. 6º, CF/88).
6. É indiscutível a possibilidade de se onerar o
bem de família, oferecendo-o em garantia real
hipotecária. A par da especial proteção
conferida por lei ao instituto, a opção de fazê-lo
está inserida no âmbito de liberdade e
disponibilidade que detém o proprietário. Como
tal, é baliza a ser considerada na interpretação
da hipótese de exceção.
7. Em se tratando de exceção à regra da
impenhorabilidade - a qual, segundo o contorno
conferido pela construção pretoriana, se
submete à necessidade de haver benefício à
entidade familiar -, e tendo em conta que o

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natural é a reversão da renda da empresa


familiar em favor da família, a presunção deve
militar exatamente nesse sentido e não o
contrário. A exceção à impenhorabilidade e que
favorece o credor está amparada por norma
expressa, de tal modo que impor a este o ônus
de provar a ausência de benefício à família
contraria a própria organicidade hermenêutica,
inferindo-se flagrante também a excessiva
dificuldade de produção probatória.
8. Sendo razoável presumir que a oneração do
bem em favor de empresa familiar beneficiou
diretamente a entidade familiar, impõe-se
reconhecer, em prestígio e atenção à boa-fé
(vedação de venire contra factum proprium), a
autonomia privada e ao regramento legal
positivado no tocante à proteção ao bem de
família, que eventual prova da inocorrência do
benefício direto é ônus de quem prestou a
garantia real hipotecária.
9. Recurso especial conhecido em parte e,
nesta parte, provido.
(REsp 1.413.717/PR, relatora: Ministra NANCY
ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em
21/11/2013, DJe 29/11/2013)

Do voto proferido pela ministra Nancy Andrighi no


julgamento do Recurso Especial nº 1.413.717/PR extraio:

10. Calcada nessas premissas, a jurisprudência


hodierna está consolidada no sentido de que "a
impenhorabilidade do bem de família só não
será oponível nos casos em que o empréstimo
contratado foi revertido em proveito da
entidade familiar"(AgRg no AREsp 48.975/MG,
Rel. Min. Marco Buzzi, 4ª Turma, DJe
25/10/2013).
(...)
19. É indiscutível a possibilidade de se onerar o
bem de família, oferecendo-o em garantia real
hipotecária. A par da especial proteção
conferida por lei ao instituto, a opção de fazê-lo
está inserida no âmbito de liberdade e
disponibilidade que detém o proprietário. Como
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tal, é baliza a ser considerada na interpretação


da hipótese de exceção.
20. A jurisprudência tem, inegavelmente,
prestigiado a essência da proteção especial
conferida ao bem de família, todavia, esse
cuidado peculiar não deve se afastar da
observância e prestígio a valores comezinhos
do Direito, destacando-se, dentre eles, a boa-fé
objetiva.
21. Ora, afigura-se um tanto quanto axiomático
que a garantia de dívida de empresa da qual
são únicos sócios marido e mulher reverte-se
em favor destes e, consequentemente, em
benefício da entidade familiar. Até mesmo
porque, frise-se, o "terceiro" a que alude o
acórdão recorrido é a "empresa familiar" (fl.
263, e-STJ) cujo quadro societário é composto
exclusivamente pelo casal recorrido.
22. Em se tratando de exceção à regra da
impenhorabilidade – a qual, segundo o contorno
conferido pela construção pretoriana, se
submete à necessidade de haver benefício à
entidade familiar –, e tendo em conta que o
natural é a reversão da renda da empresa
familiar em favor da família, a presunção deve
militar exatamente nesse sentido e não o
contrário.
23. É salutar atentar, conforme faz Dinamarco,
que a presunção "é um processo racional do
intelecto, pelo qual do conhecimento de um
fato infere-se com razoável probabilidade a
existência de outro ou o estado de uma pessoa
ou coisa. [...] O homem presume, apoiado na
observação daquilo que ordinariamente
acontece" (Instituições de Direito Processual
Civil. Vol. III. 4ª ed. São Paulo: Editora Malheiros,
2004. p. 113).
24. Imaginar que a família não se beneficie do
êxito da atividade comercial de sua empresa
contraria a lógica do natural e do conhecido.
Assim, se isso é o que ordinariamente acontece,
não pode ser ignorado pelo Juiz. Esse, aliás, é o
comando do art. 335 do CPC, que autoriza a
presunção judicial: "em falta de normas
jurídicas particulares, o juiz aplicará as regras

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de experiência comum subministradas pela


observação do que ordinariamente acontece
[...]". Mais uma vez, calha a lição de Cândido
Rangel Dinamarco:

Atentos e sensíveis às realidades


do mundo, eles [os Juízes] têm o
dever de captar pelos sentidos e
desenvolver no intelecto o
significado dos fatos que o
circundam na vida ordinária, para
traduzir em decisões sensatas
aquilo que o homem comum sabe
e os conhecimentos que certas
técnicas elementares lhes
transmitem. (Ob. cit. p. 122).

25. Nesses termos, sendo razoável presumir


que a oneração do bem em favor de empresa
familiar beneficiou diretamente a entidade
familiar, impõe-se reconhecer que eventual
prova da inocorrência do benefício direto à
família é ônus de quem prestou a garantia real
hipotecária.
26. Não se pode olvidar, ainda, que a exceção à
impenhorabilidade e que favorece o credor está
amparada por norma expressa, de tal modo que
impor a este o ônus de provar a ausência de
benefício à família contraria a própria
organicidade hermenêutica, inferindo-se
flagrante também a excessiva dificuldade de
produção probatória.
27. Assim, em prestígio e atenção à boa-fé
(vedação de venire contra factum proprium), à
autonomia privada e ao regramento legal
positivado no tocante à proteção ao bem de
família, considero salutar, à vista da
jurisprudência do STJ, mas também em atenção
ao disposto na Lei 8.009/1990, estabelecer que
o proveito à família é presumido quando, em
razão da atividade exercida por empresa
familiar, o imóvel onde reside o casal (únicos
sócios daquela) é onerado com garantia real
hipotecária para o bem do negócio empresarial.

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No julgamento do Recurso Especial nº 988.915/SP, pela


quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, em que pese tenha ficado
vencida, a Ministra Marial Isabel Gallotti inaugurou a discussão a respeito
do alcance da regra que excepciona a impenhorabilidade do bem de
família prevista no inciso V, do artigo 3º, da Lei 8.009/90:

Impressionou-me, todavia, a alegação feita na


sustentação oral de que os precedentes deste
Tribunal não se amoldariam perfeitamente à
hipótese dos autos, porque, embora a hipoteca
tenha sido prestada em benefício de um
terceiro, no caso uma sociedade limitada, esta
sociedade limitada só possui dois sócios, e os
dois sócios são precisamente o casal que
ofereceu a garantia hipotecária em proveito de
empresa, sendo esta 100% (cem por cento)
integrante do patrimônio desses dois sócios.
Portanto, penso que não há como afastar a
realidade de que a quitação da dívida da
empresa beneficiará direta e integralmente o
patrimônio das duas pessoas que prestaram a
hipoteca. Se houvesse outros sócios, a
conclusão seria diferente, porque a empresa (e
consequentemente outros sócios além dos
dadores da garantia) seria a beneficiária direta
da quitação, não revertendo o valor do bem
integralmente em proveito do casal, mas
apenas na proporção de suas quotas na
empresa.
Assim, nesse caso, dada esta peculiaridade de
que as cotas dessa sociedade são 100% (cem
por cento) pertencentes ao casal que ofereceu
a garantia hipotecária, penso que, ao contrário
dos precedentes desta Corte, deve-se aplicar o
art. 3º, V, da Lei n. 8.009/90, até em
homenagem ao princípio da boa-fé objetiva,
uma vez que, se não pretendiam eles que esse
imóvel pudesse a vir a responder pela dívida,
não deveriam eles tê-lo dado em garantia
hipotecária.
Observo que a jurisprudência, no nobre escopo
de proteger o direito à moradia familiar, não
deve descurar do princípio da boa-fé objetiva,
basilar no Código Civil. Quanto menos valor for
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dado à vontade manifestada pelo devedor, no


ato de constituição da garantia hipotecária,
sendo ela invalidada no momento em que
chamada a cumprir sua finalidade de garantir o
pagamento da dívida, mais dificuldade terão os
microempresários para conseguir crédito para
desenvolver sua atividade econômica. A
jurisprudência aparentemente protetiva acaba
por prejudicar aqueles mesmos a quem, em
princípio, pretendeu a Lei 8.009/90 resguardar,
assegurando-lhes o direito de contar com bem
apto a servir de garantia.

Destarte, havendo a presunção de que os valores da dívida


confessada reverteram em favor da entidade familiar, cumpria aos
embargantes demonstrar o contrário, por força do disposto no artigo 333,
I, do Código de Processo Civil de 1973, aplicável à espécie, ônus do qual
não se desincumbiram, no entanto, vez que não há nos autos qualquer
elemento a evidenciar minimamente que os valores correspondentes à
dívida confessada pela empresa não beneficiaram a família dos seus
sócios.

Via de consequência, não há como prevalecer a regra da


impenhorabilidade do bem de família no caso concreto, tampouco o
invocado argumento do direito fundamental dos idosos à moradia,
possibilitando-se a penhora sobre o imóvel descrito na matrícula nº
109669 do Registro Imobiliário da 4ª Zona desta Capital, fulcro no artigo
3º, inciso V, da Lei 8.009/90.

Não se cogita, por outro lado, da inconstitucionalidade do


dispositivo supracitado, em face de sua aplicação sistemática pelo
egrégio STJ, consoante os julgados ementados supra.

Posto isso, o voto é pelo desprovimento da apelação.

Na origem, desentranhem-se a petição e documentos


das fls. 58/73, que não dizem respeito ao presente feito.

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DES.ª KATIA ELENISE OLIVEIRA DA SILVA - De acordo com o(a)


Relator(a).

DES. BAYARD NEY DE FREITAS BARCELLOS (PRESIDENTE) - De


acordo com o(a) Relator(a).

DES. BAYARD NEY DE FREITAS BARCELLOS - Presidente - Apelação


Cível nº 70070836648, Comarca de Guaíba: "À UNANIMIDADE, NEGARAM
PROVIMENTO À APELAÇÃO."

Julgador(a) de 1º Grau: ANA LUCIA HAERTEL MIGLIORANZA

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