Ironista: trata-se daquele que entende as suas considerações sobre aquilo que é certo, errado, moral, imoral, justo e injusto como provisórias. Noutras palavras, o ironista tem uma postura cética (ou irônica) em relação ao que é a certeza, ao que é o erro, ao que é a moralidade, ao que é a imoralidade, ao que é a justiça e ao que é a injustiça. Ele as vê, assim, como sujeitas a constantes modificações (ou seja, a constantes redescrições) e se esforça por continuamente mudá-las (ou seja, por continuamente redescrevê-las). Metafísico: trata-se daquele que entende as suas considerações sobre aquilo que é certo, errado, moral, imoral, justo e injusto como verdadeiras e definitivas. Ele as vê desta maneira porque acredita ser capaz de conhecer o que é a certeza, o que é o erro, o que é a moralidade, o que é a imoralidade, o que é a justiça, o que é a injustiça. Noutras palavras, o metafísico parte da natureza essencial da certeza, do erro, da moralidade, da imoralidade, da justiça e da injustiça para determinar, de maneira segura e universal, o que é certo, errado, moral, imoral, justo e injusto. O metafísico acredita que suas considerações não estão sujeitas a contínuas modificações. Utopia liberal: ideal segundo o qual as pessoas seriam capazes de compreender a contingência de suas convicções e de constantemente modificá-las. Este ideal só pode se realizar em uma sociedade democrática. Etnocentrismo: posicionamento teórico segundo o qual determinada cultura (e tudo aquilo que a esta se relaciona: modo de pensar, regras morais, religião e etc) é considerada superior à outra cultura (e a tudo aquilo que a esta se relaciona). A superioridade de uma cultura sobre a outra se baseia em algum tipo de parâmetro metafísico ou universal de avaliação (por exemplo, uma cultura pode se considerar superior porque acredita ter sido escolhida por Deus, porque acredita ser mais racional do que outras culturas, porque acredita que seus valores morais são os mais humanos e que, logo, valem para todas as culturas). Antietnocentrismo (ou relativismo cultural): posicionamento teórico segundo o qual as culturas têm o mesmo nível de importância. Segundo este pensamento, não há uma cultura que seja superior à outra, porque não existem parâmetros de avaliação metafísicos ou universais pelos quais se possa determinar qual é a cultura mais elevada. Uma cultura tem seus valores, sua maneira de usar a razão e isto não a torna superior ou inferior à outra cultura (por exemplo, na época do descobrimento, os portugueses eram adeptos do catolicismo e os indígenas de religiões politeístas. Segundo o relativismo cultural, isto não mostraria que os portugueses eram superiores aos indígenas ou que os indígenas eram superiores aos portugueses. Ao contrário, eram culturas diferentes com religiões diferentes, mas de igual valor e importância). (Anti)antietnocentrismo: palavra criada do Rorty. Com este termo, Rorty deseja introduzir um pensamento que esteja entre o etnocentrismo e o relativismo cultural. Ele defende que uma determinada cultura pode ser considerada como superior a outras (tal como pensa o etnocentrismo), mas que esta superioridade não está baseada em parâmetros avaliativos que seja metafísicos ou universais (tal como pensa o relativismo cultural). Acredita-se na prioridade de uma cultura e, ao mesmo tempo, em que esta cultura seja contingente, podendo passar por mudanças, progressos, melhoras e etc. Diferença entre público e privado: A esfera pública diz respeito a tudo aquilo que envolve a relação entre indivíduos em uma sociedade. Na esfera pública procura-se criar instituições e regras que possam garantir a justiça e a diminuição da dor e da humilhação do maior número de pessoas possível. A esfera privada diz respeito a tudo aquilo que envolve a vida particular de cada indivíduo. Na esfera privada, cada indivíduo tem autonomia para se construir, criar-se e desenvolver suas capacidades. Segundo Rorty, a esfera pública e a privada estão separadas. Além disso, para Rorty, a esfera pública não é superior à privada e nem a privada superior à pública.
Fichamento do capítulo “Solidariedade” do livro “Contingência, ironia e
solidariedade” Maneira tradicional de entender a solidariedade humana. Esta compreensão é defendida pelos metafísicos. Ela se baseia na percepção de que existe uma essência humana (ou uma humanidade essencial) presente em todas as pessoas. O reconhecimento desta essência comum leva à criação de instituições e regras que evitem, diminuam ou acabem com a dor e a humilhação alheia. Por exemplo, sou solidário à dor de alguém porque reconheço que ela é, como eu, um ser humano. Noutras palavras, reconheço a dor de outra pessoa porque reconheço que nós dois compartilhamos a mesma essência: somos seres racionais. Assim, o metafísico parte de um conhecimento sobre a natureza do homem para determinar o que é a solidariedade e como se deve agir de modo solidário. Crítica de Rorty à noção tradicional de solidariedade. Segundo Rorty, a solidariedade humana não se baseia na existência de uma essência comum presente em todas as pessoas. Ela se baseia na percepção de que todos estão sujeitos à dor e à humilhação. O reconhecimento de que todos podem estar sujeitos à dor e à humilhação leva à criação de instituições e regras que evitem, diminuam ou acabem com a dor e a humilhação para o maior número de pessoas possível. Conforme Rorty, a convicção de que todos são suscetíveis à dor e à humilhação faz-nos ver pessoas diferentes como “um de nós”. Por exemplo: Ana, mãe de dois filhos pequenos, ajuda Cristina porque esta perdeu o seu bebê devido a uma doença: Ana ajuda Cristina (ou seja, se solidariza com Cristina), porque reconhece que poderia passar pelo mesmo sofrimento (como Cristina, ela poderia perder um de seus filhos devido a uma doença). Ana se solidariza com Cristina porque a inclui no conjunto “nós, as mães”, isto é, porque se identifica com a dor de Cristina por também ser uma mãe. Rorty opõe-se a Kant. Para Kant, eu tenho a obrigação de agir moralmente com todas as pessoas, de diminuir ou não causar dor e humilhação a elas, porque sei que temos mesma essência: somos seres racionais. Para Rorty, eu tenho a obrigação de agir moralmente com todas as pessoas, de diminuir ou não causar dor a elas, porque me identifico com a dor e a humilhação delas: eu e estas pessoas somos um grupo, um “nós”. A solidariedade é historicamente contingente. Para Rorty, a solidariedade humana pode crescer ou progredir ao longo da história. Só há progresso na solidariedade humana quando se dá maior importância às semelhanças do que às diferenças entre as pessoas: todas as pessoas são semelhantes porque estão igualmente sujeitas à dor e à humilhação. Ou seja, há crescimento na solidariedade quando mais e mais pessoas forem incluídas no conjunto do “nós”. Como se deve ler o lema “temos obrigações para com os seres humanos simplesmente como tais”? Há duas maneiras: -Maneira correta: esforço contínuo para aumentar a solidariedade, desconsiderando as diferenças entre as pessoas e incluindo cada vez mais indivíduos no conjunto do “nós”. -Maneira errada: esforço para conhecer qual é a natureza da solidariedade. Isto se manifesta ao se defender noções como “humanidade comum”, “direito humanos naturais” e etc. Função da filosofia. A filosofia auxilia a democracia. Ela tem o objetivo de expandir e revisar o vocabulário moral (ou seja, o vocabulário pelo qual se julgam comportamentos, hábitos, ideias e etc) a fim de que ele abarque um número cada vez maior de crenças e, assim, aumente cada vez mais a extensão do “nós”. Por exemplo, deve-se modificar o pensamento e o vocabulário moral da sociedade atual a fim que se incluam crenças como “homens e mulheres devem ganhar o mesmo salário”, “brancos e negros devem ter as mesmas oportunidades”, “hetero e homossexuais devem ter os mesmos direitos”. Deste modo, o conjunto do “nós” aumentará, incluindo não só os homens, os brancos e os heterossexuais, mas também as mulheres, os negros e os homossexuais. O antiantietnocentrismo do “nós”. Como mostramos, o antiantietnoscentrismo consiste na defesa da superioridade de uma cultura e na convicção de que esta cultura é contingente e deve passar por contínuas mudanças ou redescrições. Rorty reconhece que a sociedade democrática é superior a outros tipos de sociedade. No entanto, a sociedade democrática deve passar por constantes revisões em suas regras e instituições, a fim de que proteja uma quantidade cada vez maior de pessoas da dor e da humilhação. Isto é, a democracia deve passar por contínuas mudanças para que o conjunto “nós, os democratas” se expanda e abarque cada vez mais indivíduos.