António Rolo
Noção de DIP
- Mas a sociabilidade humana não pára nas fronteiras dos Estados – assim, situações da
vida juridicamente relevantes podem inserir-se completamente dentro de uma ordem
jurídica estadual, mas cada vez menos acontece tal coisa – hoje, há uma crescente
internacionalização das relações transnacionais através de uma multiplicação e
aceleração dos movimentos físicos de pessoas e bens.
- Estes três problemas estabelecem nexos entre si, dando ao DIP uma feição
triangular.
1
LUÍS DE LIMA PINHEIRO, Direito Internacional Privado I, 2ª Edição Refundida, Almedina, Coimbra, 2009,
pp 25-45
1
- BAPTISTA MACHADO2 – a necessidade deste Direito dos Conflitos que é o DIP advém da
relatividade especial da concepção de justiça de qualquer ordem jurídica e dos
limites à aplicação da lei no espaço.
2
BAPTISTA MACHADO, Lições de Direito Internacional Privado, Almedina, Coimbra, 1997, PP??
2
objecto de regulação na ordem jurídica destes Estados. Para determinação desses
limites deve estabelecer-se um paralelo com a imunidade de jurisdição.
3
Processo Conflitual
- Conflito de leis não deve ser confundido com: conflitos de soberanias (Direito Int.
Público) conflitos de normas (intra-ordem jurídica), conflitos de sistemas de DIP
(sistemas de DIP diferentes divergem entre si sobre que lei aplicar)
- O Direito dos Conflitos pode ser entendido stricto sensu, mas também lato sensu,
mediante o reconhecimento de situações jurídicas fixado por sentença estrangeira,
fazendo com o que o DIP envolva o Direito de Conflitos e o Direito de
Reconhecimento.
- LIMA PINHEIRO – isto não quer dizer que as normas de conflitos não tenham uma
função reguladora, orientada para a conduta das pessoas – ex: casamento
multinacional
3
FERRER CORREIA, Lições de Direito Internacional Privado, Almedina, Coimbra, 2000, PP ??
4
- LIMA PINHEIRO – partes orientam conduta ao escolher direito aplicável. Assim, o
Professor, juntamente com ISABEL MAGALHÃES COLLAÇO, considera as normas de conflito
normas de conduta mas de regulação indirecta.
Normas de Conexão
- Pode ser subjectivo – designação pode ser encarado com uma norma de conexão.
- Não é importante a classificação da conexão ou não, porque DIP, para LIMA PINHEIRO,
é caracterizado por um processo de regulação indirecta, tanto podendo ser realizado
por normas de conexão ou não.
Norma Formal
5
- CAVERS – juiz está vendado no método conflitual – art. 49º CC – não manda
atender ao conteúdo – só não seria formal se sistema optasse por um better law
approach (já veremos). Esse approach pode ser visto em relação normas.
- LIMA PINHEIRO – distinção entre regulação indirecta e directa deve fazer-se em função
da necessidade ou desnecessidade de uma valoração conflitual – se for precisa,
regula-se indirectamente com normas de conflito, se não, aplica-se direito material.
4
LIMA PINHEIRO, DIP, pp? ??
6
Aplicação Directa do Direito Material Comum
- Encontrando precedente no ius gentium romano, nesta situação, o Estado cria direito
material especial aplicável exclusivamente às relações transnacionais.
- v. art. 54/2 CC
7
- Unificação – criação por uma fonte supraestadual de Direito material unificado,
direito material especial que se aplique só a situações transnacionais. Principais áreas
de unificação: venda internacional de mercadorias, transportes internacionais,
transportes aéreos, direitos sobre embarcações e aeronaves, direito marítimo,
propriedade intelectual, testamentos.
- A better law approach de CAVERS, que não repudia sistema de conexão, dizendo
que será aplicável a lei, de entre as conectadas com a situação concreta, que regule
de modo mais adequado e mais justo.
- Juiz guia-se por dois critérios – justiça devida às partes e o conteúdo devido
e objectivos da política legislativa prosseguida pelas normas de conflito.
8
- Arbitragem quasi-internacionalpública? Arbitragem de DIPúblico, mas com
particulares ao barulho.
- Admitindo que o Direito da União Europeia constitui uma ordem jurídica autónoma,
coloca-se o problema da relevância directa de situações transnacionais perante esta
ordem jurídica
- Aliás, o Direito da União Europeia tem uma vocação mais ampla do que o DIPrivado
nacional para regular situações transnacionais
- Direito dos conflitos é uma barreira artificial criada pelo homem à condução de
negócios de forma prática
- GOLDMAN - ordem jurídica da societas mercatorum; tal como LIMA PINHEIRO, usa a
escolha das partes para determinar se se aplica ou não
9
- Exprimir valores partilhados pela grande maioria dos operadores do comércio
internacional
- LIMA PINHEIRO – não existe uma lex mercatoria, mas sim várias leges mercatori,
aplicáveis a dado sector.
- Mas a cláusula pode reger-se por princípios UIDROIT, tendo sempre como pano
de fundo o Direito Nacional que partes escolhem
5
LIMA PINHEIRO, DIP..., PP ??
10
- Supraestaduais (TJI, Tribunal Penal Internacional, CIRDI, Tribunais da UE)
Fontes Internacionais
- Escola Nacionalista Italiana de AGO – DIP seria sempre direito interno, e convenções
internacionais de DIP só criam obrigação de fazer regras.
Fontes Europeias
- Direito originário e derivado emanados dos órgãos comunitários são fontes de DIP
- Também o Direito dos Conflitos de fonte comunitária pode operar a nível da ordem
jurídica dos Estados-Membros
- Direito da UE pode ainda ser fonte de Direito de conflitos interno – maior parte das
Directivas ou Regulamentos contêm disposições conflituais. Contudo, haverá
competência genérica do Direito da União para regular DIP?
Fontes Internas
11
- Lei, costume (importante até 66), jurisprudência, etc.
- LIMA PINHEIRO – para examinar o objecto e a função das normas de conflitos importa
distinguir entre normas bilaterais e unilaterais.
- LIMA PINHEIRO e FERRER CORREIA – maioria das normas de conflito no CC são bilaterais,
apesar de existirem exemplos de normas unilaterais:
6
LIMA PINHEIRO, DIP, pp 226-283
7
FERRER CORREIRA , Lições de DIP, pp ??
12
- AUBRY diz-nos que conflitos de leis nunca perturbam as relações externas –
em primeira linha regula-se uma situação privada, não determinando qualquer
competência legislativa.
- Séc. XIX – Estado não pode, com as suas normas, delimitar competência
legislativa de outro.
13
- Muitas vezes, o bilateralismo e o unilateralismo convivem em sistemas de DIP,
especialmente com as preocupações sociais dos Estados pós-Guerra a exigirem a
existência de algumas dessas normas.
14
tutelada também quando a sede estatutária seja no estrangeiro. Não é unilateral ad
hoc, é só uma regra especial. Por outro lado, o art. 38º da Lei da Agência já será uma
norma ad hoc, aliás, até porque está no próprio texto do direito material. (so what? O
3º do CSC também... não se percebe)
Normas Autolimitadas
- Como diz LIMA PINHEIRO, uma norma ‘autolimitada’ é aquela norma material que,
apesar de incidir sobre situações reguladas pelo DIP, tem uma esfera de aplicação no
espaço diferente da que resultaria da actuação do sistema de Direito de Conflitos,
podendo isso resultar do facto dessa norma material ser acompanhada de uma
norma de conflitos unilateral ad hoc que se reporta exclusivamente a uma norma ou
lei material determinada da ordem jurídica do foro. F ERRER CORREIA diz que elas são
‘normas espacialmente autolimitadas’, pois são normas que demarcam, só por si, o
seu campo de aplicação.
15
LIMA PINHEIRO divide-as em quatro categorias:
- Normas que têm uma esfera de aplicação no espaço mais vasta do que aquela que
decorreria do Direito de Conflitos geral – aplicáveis sempre que o Direito do foro é
chamado pelo Direito de Conflitos geral – art. 38º da LCAg. determina que aos
contratos regulados por esse diploma que se desenvolvam exclusiva ou
preponderantemente em território nacional só será aplicável legislação diversa da
portuguesa no que respeita ao regime da cessação, se a mesma se revelar mais
vantajosa para o agente.
- Normas que têm uma esfera de aplicação no espaço que só em parte coincide com
aquela que decorreria do Direito dos Conflitos geral – aplicam-se em alguns casos em
que o Direito do foro é chamado pelo Direito dos conflitos, mas não em todos, e
também se aplicam em casos em que o Direito do foro não é competente. Art. 60º/7
do DL nº 275/93 – ‘as disposições deste diploma aplicam-se a todos os contratos, por
períodos de tempo limitados em cada ano, relativos a direitos reais de habitação
periódica e a direitos de...., que tenham por objecto imóveis sitos em Portugal ou outro
EM da UE’
- Normas que têm uma esfera de aplicação no espaço mais restrita do que o Direito
dos Conflitos geral.
- Normas que têm uma esfera de aplicação no espaço inteiramente diferente das
normas gerais.
- Diz LIMA PINHEIRO que já defendeu que as normas de aplicação necessária, imediata
ou lois de police, ou overriding statutes eram uma modalidade de normas
autolimitadas – aquela em que a norma reclama uma esfera de aplicação mais vasta –
tipo I. Reviu a posição, dizendo que as normas autolimitadas das duas primeiras
categoriais podem nuns casos ser aplicadas como elementos da ordem jurídica
competente segundo o Direito de Conflitos geral e noutros casos como normas de
16
aplicação necessária. Assim, para o Professor, as normas de aplicação necessária não
são uma modalidade de normas autolimitada, uma categoria, mas um modo de
actuação de certas normas autolimitadas. Assim, a norma actua como norma de
aplicação necessária ou que é susceptível de aplicação necessária, e não é uma norma
de aplicação necessária.
- Para LIMA PINHEIRO, são três as vias que se abrem para a qualificação de uma norma
como ‘autolimitada’:
- Criação de uma solução conflitual ad hoc à luz da teoria das lacunas da lei
17
- Vigência de uma cláusula geral que permita colocar o problema da aplicabilidade da
norma material em função das circunstâncias dos caso concreto.
- ATENÇÃO: art. 9º do Reg. Roma I – regulamento não pode limitar aplicação de uma
norma de aplicação imediata – v. nº 2
Remissão Condicionada
- Diferença da devolução – se lei estrangeira designada pela nossa norma não aceita a
competência.
Normas de Reconhecimento
- LIMA PINHEIRO – aquela que estabelece que determinado resultado material o que
estado jurídico de determinada categoria se produzirão na ordem jurídica do foro
quando se verifiquem noutro Direito
18
- Que importância deverá ser dada a normas autolimitadas de ordenamentos
estrangeiros?
- É preciso, então, distinguir entre normas imperativas da lex causae – lei designada
pela norma de conflitos – e de estados terceiros.
8
LIMA PINHEIRO, DIP, pp 283 ss
19
- LIMA PINHEIRO – Direito é uma ordem orientada à realização de valores socialmente
reconhecidos, e a ideia de justiça surge, num acepção muito amplo, como ideia
unificadora desses valores.
- A justiça conflitual é mais ampla do que a justiça de conexão, pois ela pode exprimir
adequação de um Direito supraestadual como o DIPúblico ou de um Direito para-
estadual, como a lex mercatoria.
- Não basta essa finalidade (por respeito à autonomia do Direito dos Conflitos e
harmonia internacional de julgados) – normas de conflitos só devem ser
materialmente orientadas quando se manifeste uma tendência internacional para a
prossecução de determinada finalidade jurídico-material – protecção de crianças,
consumidores e trabalhadores.
20
- LIMA PINHEIRO – a justiça concretiza-se na ideia de supremacia do Direito, bem como
no conjunto de valores materiais e formais. Daí decorre que, nas situações
transnacionais, o Direito deve orientar os aspectos essenciais da conduta social dos
sujeitos:
21
- Harmonia jurídica internacional – normas bilaterais, atender à dimensão
internacional na escolha de elementos de conexão
- E os princípios de conexão?
- Tem relevância óbvia para o DIP, seja meramente enquanto fonte de obrigações
internacionais dos Estados-Membros ou por ser direito vigente nas respectivas
ordens jurídicas internas.
22
- LIMA PINHEIRO - concorda com a segunda posição – não se inferem normas de
conflitos ocultas das normas que consagram as liberdades fundamentais e que as
normas de Direito privado não constituem, em regra, excepções a essas liberdades.
- Seja como for, há sempre tensão entre as normas comunitárias que consagram
liberdades fundamentais e os Direitos de Conflitos dos Estados-Membros, mas
resolve-se por duas vias:
23
tendo de se arranjar um novo critério de ponderação, menos restritivo do que o
desenvolvido pelo TJUE.
- Dupla função – por um lado a norma remete para um direito, através deu ma
conexão ou remissão.
24
- Conexão singular subsidiária – série de elementos de conexão que operam em
ordem sucessiva – art. 21º, 31º e 32º
Interpretação
- Muitas vezes, conceitos podem ser diferentes de país para país. Por exemplo, divórcio
vs. Talak – a técnica do conceito-quadro procura a base e o esqueleto, por exemplo
no caso, do divórcio, que se reconduz à dissolução do vínculo conjugal.
Integração de Lacunas
- Da lei – não se encontra normas de conflitos de fonte legal que indique a lei
reguladora.
25
- Pode ser uma lacuna oculta, apesar de se afirmar frequentemente que as lacunas
de DIP serão patentes, i.e., a falta de uma norma de conflitos aplicável a uma situação
transnacional é necessariamente uma lacuna. LIMA PINHEIRO entende que não, dizendo
que pode haver lacunas ocultas.
- Mas admitir que norma de conflitos possa operar como norma de conduta
quando a lex fori for uma das leis interessadas, i.e., quando haja uma conexão entre a
situação e a lei do foro – as partes só podem ter orientado a sua actuação pelo Direito
dos Conflitos do foro se no momento da acção havia um laço significativo entre a
situação e o direito do foro.
Aplicação no Tempo
26
- BAPTISTA MACHADO – normas de conflitos não são reguladoras nem são normas
de condutas – não há razões para intervenção do princípio da irretroactividade.
- Não existindo regras dessas, serão aplicáveis as normas do art. 12º e 13º CC
Aplicação no Espaço
Do Elemento de Conexão
Princípios Gerais de Interpretação e Aplicação
27
- Consequência jurídica – local onde ocorre o dano
- Podem ser resolvidos por lei especial – art. 27º e 28º da LN para a dupla
nacionalidade (concurso de nacionalidades)
- Quando houver falta de conteúdo? Aí, há que atender se existe ou não norma
especial que regule o problema. Art. 32º/1 – aplicável ao apátrida. Na falta absoluta de
conteúdo, há que atender ao art. 23º/2, que manda recorrer à lei que for
subsidiariamente competente, e na falta de conexão subsidiária, aplicar-se a lei do
foro.
28
- À semelhança do Direito Intertemporal, a situação validamente
constituída sob o império do estatuto anterior deve persistir em caso de mudança.
- O domicílio, como vínculo jurídico entre uma pessoa e um lugar situado num
determinado espaço territorial tem um papel reduzido no nosso direito dos conflitos,
pois em matéria de estatuto pessoal, é a lei da residência habitual e não a do domicílio,
a conexão subsidiária.
- Relevância – art. 32º/1 (lei pessoal do apátrida menor), art. 12º Conv. Genebra
dos Refugiados, e art. 39º/3 (representação voluntária).
- Art. 32/1 – art. 85º CC só se aplica quando está em causa domicílio legal
em Portugal, sendo que o nº 5 do 85º reitera isso
29
- A residência habitual é o elemento de conexão subsidiário geral em matéria de
estatuto pessoal – 32º/1 para apátridas, residência habitual comum nos arts. 52º, 53º,
54º, 56º, 57º e 60º
- Art. 53º/2 CC – primeira residência conjugal tem de ser uma residência habitual
ou pode ser ocasional? Não vale como primeira residência habitual a localização
temporária ou acidental dos cônjuges num determinado país sem que aí tenham
organizado a sua vida – é mero paradeiro.
30
- O lugar da situação da coisa também é utilizado em matéria de capacidade para
constituir direitos reais sobre imóveis e para dispor deles, nos termos do art. 47º CC
- Supondo que sim, como se determina qual dos regimes se aplica ao caso?
- Art. 20º CC, 19º Reg. Roma I, 25º/1 Reg. Roma II, 19º Conv. Haia
Quando é que uma norma de conflitos remete para ordenamento jurídico complexo?
9
LIMA PINHEIRO, DIP, 461-468
31
- Como proceder nos casos em que o elemento de conexão seja a residência habitual,
domicílio, lugar da celebração, do delito, situação da coisa, etc.?
32
- Escola de Coimbra – aplica-se a lei da residência habitual, mesmo fora do Estado
da nacionalidade. IMG discorda, pois não se fornece, no art. 20º/2, in fine, um critério
para determinar o sistema aplicável quando a residência habitual se situe fora do
Estado da Nacionalidade. LP – devemos aplicar aquele, na falta de residência habitual,
com que apresenta maior ligação, como no 28º da LN.
- E se elemento de conexão não for a nacionalidade? O art. 20º não contempla esses
casos.
- LP – lacuna integrada por aplicação analógica do art. 20º CC, i.e., no caso de
remissão para um ordenamento complexo de base territorial, deve-se sempre atender
ao Direito Interlocal e ao DIP unificados que lá haja. Se não houver, se remissão
operada apontar para um determinado lugar no espaço ou directamente para
determinado sistema local, há que entender que a remissão operada pela norma de
conflitos como uma remissão para o sistema local, afastando-se a aplicação analógica
do 20º/2, 2ª parte em todos os critérios que não a nacionalidade, considerando os
sistemas locais como se fossem autónomos e entende-se que a norma de conflitos,
ao indicar para um sítio, remete indirectamente para o sistema que aí vigora.
33
analogicamente o art. 20º/3, e atende-se às normas de Direito Interpessoal da ordem
designada. Na falta, conexão mais estreita.
Devolução ou Reenvio10
Introdução
- Visto tudo, LIMA PINHEIRO diz não ser precisa uma posição radicalmente pró-
devolucionista ou anti-devolucionista. Uma doutrina dominante, onde se situa, por
exemplo, MAGALHÃES COLLAÇO, entende que se deve renunciar a qualquer regra geral
em matéria de devolução – o problema deveria ser resolvido no plano da
interpretação de cada norma de conflito. Os legisladores, geralmente, têm
frequentemente adoptado uma regra geral acompanhada de importantes desvios.
10
LIMA PINHEIRO, DIP, pp 470-496
34
- O sistema português parte de uma regra geral de referência material mas aceita
a devolução em certos casos, e a grande parte das codificações recentes mostra-se
desfavorável à admissão geral do reenvio, não o excluindo totalmente – leis suíça,
belga, do Quebeque e da Luisiana.
- Lei alemã e lei italiana – devolução aceite como regra geral, mas com limites.
- Regra Geral da Referência Material – art. 16º - quando diz ‘direito interno’ quer
significar Direito material – na verdade esse direito ‘interno’ pode ser também de fonte
internacional, europeia ou transnacional. O mesmo se diga da utilização da expressão
nos arts. 17º e 18.
- Deste artigo resulta que a referência material é enunciada como regra geral,
admitindo preceito em contrário, i.e., que se aceite a devolução nos casos em que a lei
o determine – 17º, 18º, 36º/2 e 65º/1.
- BAPTISTA MACHADO – 16º não é regra geral, mas regra pragmática que admite
desvios nos casos em que aceita a devolução.
- Nos casos em que L1 remete para L2, L2 remete para L3, que remete para L2
(ambos praticam devolução simples) – ambos aceitam retorno, e assim, L2 aceita o
35
retorno de L3, aplicando o seu Direito e L3 aceita o retorno de L2 – não há transmissão
porque L2 deveria aplicar L3. Funciona a regra de referência material do art. 16º, pelo
que se deve aplicar a lei francesa.
36
- nº 1 – depende de um único pressuposto: que L2 aplique o Direito material
português. Porquê? Só neste caso o retorno é condição necessária e suficiente para
assegurar a harmonia com L2. Assim, se L2 remeter para o Direito português, mas não
para o Direito material português, não aceitamos o retorno, aplicando-se o art. 16º
Limites
- O Favor Negotii como Limite à Devolução – art. 19º/1 – o favor negotii paralisa a
devolução, advindo da preocupação em facilitar e desenvolver o comércio
internacional por meio do favorecimento da validade e eficácia dos negócios
jurídicos.
37
- Primazia do favor negotii sobre harmonia internacional
- Preceito tem enorme alcance – sempre que haja devolução for força do art. 17º
ou 18º, esta devolução é paralisada se L2 for mais favorável à validade ou eficácia do
negócio ou à legitimidade de um estado. Apesar da Escola de Coimbra fazer uma
interpretação restritiva, dizendo que só se aplica às situações já constituídas, LP diz
que tudo indica que o legislador quis dar primazia ao princípio do favor negotii
relativamente à harmonia, nem o Anteprojecto faz qualquer referência.
- Reg. Roma I e II – 15º e 24º respct, excluem o reenvio, quer se trate da lei
designada pelas partes ou objectivamente determinada.
- 42º CVM
Regimes Especiais
- Art. 36º/1 tem uma conexão alternativa, que abre a possibilidade do negócio
obedecer à forma prescrita por uma de duas leis aí indicadas. O nº 2 cria uma terceira
possibilidade: observância da forma prescrita pela lei para que remete a norma de
conflitos da lei do lugar da celebração – conexão alternativa por validade de negocio
jurídico
38
Características do Sistema de Devolução Português
- Arts. 17º e 18º contêm regras especiais que admitem a devolução, configurando um
sistema de devolução sui generis, visto não corresponder nem à simples nem à
integral
A Fraude à Lei11 12
Noção
- FERRER CORREIA – a fraude à lei em DIP consiste em alguém iludir a competência da lei
de aplicação normal a fim de afastar um preceito de direito material dessa lei,
substituindo-lhe outra lei onde tal preceito, que não convém às partes ou a uma
delas, não existe.
39
- Alguma doutrina estrangeira falava da fraude à lei como um caso particular da ordem
pública internacional, se bem que hoje se tende a estabelecer uma clara distinção
entre os dois institutos: na ordem pública internacional está em causa a
compatibilidade do resultado a que conduz a aplicação da lei estrangeira com a
justiça material da ordem jurídica do foro e na fraude à lei está em causa o
afastamento da lei normalmente competente e o desrespeito pela norma imperativa
nela contida, ainda que o Direito do foro não contenha uma norma equivalente.
- Tal como conformado pelo Direito de Conflitos português, a fraude à lei constitui um
instrumento de justiça da conexão e um limite ético colocado à autonomia privada na
modelação do conteúdo concreto dos elementos de conexão.
- Para haver uma manipulação com êxito tem de haver uma manobra contra
a lei normalmente aplicável, coisa que não ocorre quando se dá às partes a
possibilidade de escolher a lei normalmente competente (contratos obrigacionais
internacionais); terá de haver uma norma imperativa objecto da fraude (se bem que
há uma divergência doutrinária – F ERRER CORREIA, KEGEL e BAPTISTA MACHADO dizem que
o objecto da fraude é a norma de conflitos, o que pode acabar por ser verdade se
virmos a norma de conflitos como objecto de fraude no sentido em que há uma
actuação que conduz à sua frustração); e a manipulação terá de ter êxito, i.e., tem de
desencadear o chamamento de uma lei diferente (ex: português faz testamento em
Inglaterra para privar os filhos da legítima, sendo que a validade vai depender da
nacionalidade e não do local).
40
- FERRER CORREIA (com a concordância de LIMA PINHEIRO) – não haverá fraude
à lei quando ela consistir na mudança de nacionalidade e o naturalizado se integrar
seriamente na sua nova comunidade nacional. Há, de facto, inicialmente, fraude à lei,
fraude essa que é sanada pela integração efectiva na nova comunidade nacional.
- Posição da doutrina portuguesa mais recente – o Estado do foro não pode declarar
inválida a aquisição de uma nacionalidade estrangeira. O que o Direito de Conflitos do
foro pode fazer é recusar a essa naturalização qualquer efeito na aplicação da norma
de conflitos – o caminho seguido no art. 21.º CC parece ser esse, decorrendo
claramente que a sanção da fraude à lei se confina àquilo que respeite à aplicação das
normas de conflitos.
41
- Pode-se também sancionar a fraude à lei estrangeira.
- FERRER CORREIA e BAPTISTA MACHADO não diferenciam entre a sanção da fraude à lei
do foro e a sanção da fraude à lei estrangeira
A Qualificação13 14 15
Enquadramento Geral
- Será que o nosso conceito de divórcio vale como o divórcio privado do direito
rabínico judaico ou o talak do direito muçulmano? I.e., neste exemplo, a decisão
judicial será característica essencial do divórcio?
13
LIMA PINHEIRO, DIP, pp. 505 ss
14
FERRER CORREIA, Lições..., pp. 199 ss
15
BAPTISA MACHADO, Lições..., pp. 105 ss
42
- Palavras/conceitos como ‘relações de família’, ‘sucessões por morte’ e ‘direitos
reais’ delimitam o objecto da remissão – o objecto será a situação da vida
transnacional.
- Qualificação em DIP tem de ter em conta dois níveis: direito material e direito de
conflitos e a pluralidade de ordens jurídicas – art. 15.º CC – não se deve tomar o
preceito como ponto de partida.
- Não é constituída por factos mas sim por um enunciado de que as notas
características da previsão se encontram preenchidas nessa dada situação da vida.
43
- 3º Momento – a subsunção, que se traduz na recondução da matéria
delimitada na previsão normativa.
- No CC, o legislador optou por utilizar na previsão das normas de conflitos conceitos
técnico-jurídicos que se reportam a categorias de situações jurídicas definidas pelo
seu conteúdo típico.
- Solução clássica – recurso aos conceitos homólogos da lex fori, i.e., na tarefa
interpretativa deveria proceder-se nos termos de uma referência automática aos
conceitos homólogos do sistema material da lex fori. Ex: determinar conceito de
obrigação através do art. 397.º CC
44
- RABEL introduziu a ideia de que a interpretação deve ser autónoma,
independente do sentido e alcance que o mesmo conceito tenha no direito material
do foro
- AGO – caracteriza-se lege fori, solução que tem vários inconvenientes e é contrária
à ideia de paridade de tratamento entre a lei do foro e a lei estrangeira, podendo-nos
levar a aplicar, por força de uma norma de conflitos, normas materiais estrangeiras que
não correspondem à categoria normativa utilizada na previsão da norma de conflitos,
contrariando a justiça da conexão e a ideia de adequação que lhe está subjacente. Ex:
iríamos aplicar normas jurídico-reais de um sistema estrangeiro por força de uma
norma de conflito relativa às obrigações voluntárias, mesmo tendo carácter real
segundo a lei estrangeira.
45
previsão da norma de conflitos – por isso é que o alcance material da remissão é
limitado.
- LIMA PINHEIRO – daí que pareça preferível a caracterização lege causae. Mas não
haverá um ciclo vicioso, já que não sabemos qual a lei competente antes de
completarmos o processo de qualificação? Não, porque fazemos um raciocínio
hipotético, atendendo à relevância jurídica dos factos perante cada uma das ordens
jurídicas potencialmente aplicáveis. Procede-se com um método de tentativas, em que
se vai perguntando às ordens jurídicas em presença qual a relevância jurídica que
dariam aos factos se lhes fossem aplicáveis.
- A caracterização só tem de ser lege causae? Pode ser lege fori se ela
também por lege causae.
46
- Por um lado a recondução da matéria ao conceito utilizado na previsão da norma
de conflitos, que desencadeia a aplicação desta norma.
47
correctamente entendida se não a situarmos no seu contexto próprio. Neste caso dos
títulos de crédito e da sua prescrição, há que olhar para o instituto norte-americano da
limitation of action, cuja natureza processual não destrói o facto de entre ele e a
prescrição romano-germância existir um denominador comum: ambos inspiram-se em
razões práticas e se acham ao serviço dos mesmos fins sociais e valores, sendo
irrelevante extinguirem a acção ou o direito.
- RABEL acaba por dizer que o DIP é um direito aberto, detendo a ideia de que entre
todos os sistemas jurídicos há uma ponte de passagem, há algo de comum que os
torna comensuráveis ou comparáveis, ponte essa representada pela identidade de
tarefas ou funções normativo-sociais do Direito
- Como a norma de conflitos ad hoc não carece de delimitar ela própria a categoria de
situação jurídica ou a questão a que se reporta, visto que só actua em função de uma
norma ou de um sistema de várias normas, a norma ad hoc tem por objecto as
situações dou aspectos de situações susceptíveis de serem disciplinadas pela norma
ou conjunto de normas materiais a que está indissociavelmente ligada – não há um
problema específica de qualificação, portanto.
48
- A dépeçage corresponde ao fraccionamento conflitual das situações da vida
- O problema não se porá quando haja normas especiais de conflitos, como se verifica
com as questões relativas à capacidade ou à forma do contrato de compra e venda; ou
quando o legislador indique que determinadas questões estão submetidas a uma
norma de conflitos – art. 10º Regulamento Roma I – enumeração não taxativa das
questões que são reguladas pela lei aplicável ao contrato.
- Em muitos casos não acontecerá nenhum dos casos acima descritos: por vezes o
problema tem de ser resolvido pelo intérprete com respeito a questões como a
transferência de propriedade e passagem do risco na compra e venda.
- LIMA PINHEIRO fala num núcleo de conteúdo mínimo determinado e zonas cinzentas
ou periféricas do conceito utilizado para delimitar.
49
conflitos reguladores das obrigações contratuais aplicam-se, em princípio, à formação,
validade, interpretação, integração e obrigações geradas pelo contrato; a reguladora do
direito real controlará a produção dos efeitos reais ordenados pelo contrato, i.e.,
transferência da propriedade. A passagem do risco, ainda que ligada à transferência da
propriedade, deve ser regulada pela lei contratual, porque o que está em causa são
obrigações das partes.
- Art. 15.º CC diz: “a competência atribuída a uma lei abrange somente as normas que,
pelo seu conteúdo e pela função que têm nessa lei, integram o regime do instituto
visado pela regra de conflitos.”
- A letra do art. 15.º parece sugerir que o objecto da qualificação são normas e não
situações da vida. Mas ao legislador, diz LP, não compete tomar posição em questões
de dogmática jurídica.
50
questão formulada, a aplicabilidade daquele sistema, ideia enunciada expressamente
pelo art. 15.º CC.
- LIMA PINHEIRO – a formulação dada no art. 15.º deve antes ser entendida à luz da
correlação entre qualificação e estatuição da norma de conflitos. Com efeito, da
repartição de matérias operada pelas categorias normativas utilizadas nas normas de
conflitos pode resultar que diversos aspectos da mesma situação sejam reconduzíveis
a normas de conflitos diferentes. Estas categorias normativas delimitam o objecto da
remissão com recurso a notas jurídicas e, por conseguinte, a recondução de vários
aspectos da situação a várias categorias normativas é feita em função da conformação
jurídica da situação por diferentes complexos normativos contidos no Direito ou
Direitos aplicáveis. Daí resulta que a remissão operada por cada uma das normas de
conflito para determinado Direito só pode, em princípio, abranger o complexo
normativo que conforma o aspecto da situação que é reconduzível à categoria
normativa utilizada na sua previsão. No mesmo sentido, dispõe o nexo de adequação
entre a previsão e a estatuição da norma de conflitos – é uma janela através da qual o
aplicador olha duas vezes, um primeiro olhar no qual ela recorta as situações da vida
que podem ser reconduzidas à previsão da norma e um segundo onde a janela delimita
as proposições jurídico materiais que podem ser chamadas pela norma,
desempenhando a dupla função de delimitar o objecto da norma e o alcance material
da remissão.
- O DIP não pode ignorar certas dificuldades que do processo conflitual advêm para a
solução do caso, nem se desinteressa, em geral, da adequação da solução às
circunstâncias do caso concreto.
A Adaptação
51
- O termo começa por ser utilizado com respeito a determinados casos em que a
aplicação de dois direitos materiais competentes a uma mesma situação transnacional
origina dificuldades, que são solucionadas por meio de um ajustamento das normas
em presença. Ex: presunções de sobrevivência inconciliáveis, problema resolvido no
art. 26.º/2 CC, como no caso em que, num acidente de viação morrem um francês e
um inglês seu filho: não é possível determinar quem morreu primeiro, e ambos tinham
feito testamentos em que deixavam o outro como herdeiro universal, e dois amigos
como herdeiros substitutos – o direito francês estabelece presunção de sobrevivência
da filha e o inglês do pai – há aqui uma incompatibilidade que resulta do
chamamento de leis diferentes pela norma do art. 26.º/2. Felizmente, o art. 68.º/2
estabelece uma presunção de comoriência. Daí resulta que cada herdeiro substituto
herda a herança respectiva, e não as duas.
- Portanto, a adaptação-solução tem lugar nos casos que não são adaptação-
problema.
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- A adaptação-solução é uma técnica que pode ser usada na resolução de
problemas diversos, não servindo para resolver problemas de contradição normativa
ou valorativa ou de incoerência entre normas que não estão solucionados por uma
modelação do critério de decisão. Por isso, LIMA PINHEIRO entende que a adaptação não
deve ser encarada como um problema especial de interpretação e aplicação do Direito
de Conflitos nem, de outro modo, como uma figura da teoria geral do DIP.
- De referir que não percebi nada do que acabei de escrever. Obrigado Lima Pinheiro!!
53
A Questão Prévia17
- Ex: sucessão legal de um suíço que falece com último domicílio na Suíça e
deixando bens em Portugal. A questão principal é a determinação dos sucessíveis e das
suas quotas hereditárias. O art. 62º remete para a lei suíça e o art. 457º do CCSuiç
estabelece como primeira classe de sucessíveis legais os descendentes do autor da
sucessão: pode discutir-se se uma pessoa é ou não filho do de cuius, sendo uma
questão prévia relativa à filiação, tendo de se usar do art. 56º, norma de conflitos
relativa à filiação. Repare-se que o problema só se levanta quando for questão
autonomamente conectada pelo sistema conflitual do foro.
17
v. tmb. FERRER CORREIA, Lições..., pp 320 ss.
54
- Quarto, a divergência entre o DIP da lex fori e da lex causae, i.e., lei aplicável à
questão principal, leva à apreciação da questão prévia segundo leis diferentes que
dão soluções diferentes à questão prévia.
- Imaginemos que a filiação é reconhecida pelo direito suíço e não pelo alemão.
- Entre nós, a tese da conexão autónoma foi defendida por L IMA PINHEIRO e MOURA
VICENTE.
- Entretanto, tem ganho apoio crescente uma terceira orientação, segundo a qual o
problema da questão prévia não deve ser resolvido mediante um critério geral, mas
em função da questão jurídica ou normas de conflito em causa.
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- O argumento mais importante é o da harmonia internacional das soluções – a
aplicação do DIP do foro à questão prévia encerra o risco de uma divergência entre a
ordem jurídica do foro e a ordem jurídica reguladora da questão principal na
resolução da questão prévia, levando a uma desarmonia na solução dada ao caso por
estas ordens jurídicas.
- Argumentos contra:
56
- Hipótese na qual, por força dos princípios do direito processual do foro, a decisão
da questão controvertida envolverá a própria questão prejudicial – que no caso julgado
se constituirá mesmo relativamente a esta questão. Em tais circunstâncias terá de
convir-se em que a questão prévia como que perde esse carácter – o vínculo de
subordinação que a ligava ao outro problema deixa de relevar, tudo se passando
como se tratasse de autêntica questão de fundo. E assim, sendo certo que os
litigantes irão ver a questão prévia resolvidas em termos definitivos, não será justo que
a vejam apreciada em si ou por si mesma, e não em função daquela relação jurídica
que de início constituía todo o objecto da lide?
Substituição e Transposição
- LIMA PINHEIRO – elas têm algo em comum com a adaptação-problema: são problemas
que surgem quando uma situação da vida suscita questões que devem ser apreciadas
segundo Direitos materiais diferentes.
- O art. 371.º CC atribui força probatória aos documentos autênticos e o art. 365.º
CC determina que os documentos autênticos passados em país estrangeiro, conformes
com a sua lei, fazem prova em Portugal. Suponhando que um desses documentos havia
sido lavrado por um Notary Public dos EUA sem formação jurídica e fé pública. O
documento é autêntico em Portugal? É um problema de substituição. A interpretação
desses preceitos mostra que não pode ser considerado equivalente a documento
autêntico um passado no estrangeiro por alguém desprovido de fé publica e sem
formação jurídica. Assim, não terá força probatória plena.
57
em causa, com o conteúdo e o sentido que as partes lhe imprimiram, e não um dado
tipo normativo de contrato.
- Na transposição postula-se que o conteúdo jurídico que uma situação tem face à de
determinado Direito deve quanto possível ser respeitado à face de outra ordem
jurídica, designadamente quando esta for chamada a reger a produção de certos
efeitos. Parte-se da ordem jurídica que dá conteúdo jurídico à situação o não da ordem
58
jurídica que rege a produção de efeitos, estabelecendo-se entre as duas ordens
jurídicas uma relação de preordenação.
59
- Ex: caso Chemouni. Esse gajo, tunisino e polígamo, estabeleceu-se em
França e naturalizou-se francês. A segunda mulher veio pedir prestação de aliemtnos, e
o tribunal francês entendeu que, tendo o casamento sido validamente celebrado à face
da lei pessoal ao tempo da celebração, a pretensão de alimentos podia ser deferida
com base no Direito francês, que regulava as relações entre os cônjuges. Mas, não se
suscitará dificuldades aplicar o Direito da Família francês, baseado no casamento
monogâmico, a um casamento poligâmico?
- O problema que nos ocupa neste capítulo diz estritamente respeito àqueles casos em
que a norma de conflitos que regula a situação no contexto da ordem jurídica
portuguesa remete para uma ordem jurídica estrangeira.
18
LIMA PINHEIRO, DIP, pp. 569-584
60
- Mais discutível é se se deve respeitar a jurisprudência estrangeira constante ou
dominante, quando na ordem não vigore um sistema de precedente. L IMA PINHEIRO diz
que sim, e LALIVE diz que não.
- Terá de ser também respeitada a hierarquia das fontes da ordem jurídica estrangeira,
o que poderá ser relevante quanto à relação entre o costume a lei.
- Se, e nos termos em que, os tribunais do Estado estrangeiro possam exercer este
controlo, como se verifica com sistemas de controlo difuso da constitucionalidade, e já
não perante sistemas de controlo concentrado da constitucionalidade (França ou
Suíça).
- Podem ser normas postas em vigor por autoridades de ocupação, desde que
conformes com o DIPúblico, por forma a acautelar os interesses das pessoas que
tenham de se conformar com o Direito do ocupante. Contudo, se a ocupação ainda
não se encontrar consumada, haverá que examinar caso a caso até que ponto os
interesses das partes justificam a aplicação do Direito emanado das autoridades de
ocupação.
- Nem tem de ser necessariamente Direito privado, poderão ser aplicadas normas
de Direito Público e que ocupam zonas cinzentas entre o público e o privado que
regulem ou tenham incidência sobre situações reguladas pelo DIP. Ex: concorrência,
por exemplo.
61
- Além da reserva de ordem pública internacional, a aplicação do Direito estrangeiro
pode não ser possível em dois casos: quando esse Direito exija a intervenção de uma
autoridade pública e não exista no Estado do foro, nenhuma autoridade com
competência para praticar os actos necessários. No Código de Seabra, assim, não se
podia constituir em Portugal uma relação de adopção segundo um Direito estrangeiro
ou quando a sua aplicação requeira procedimentos especiais que sejam de todo
incompatíveis com o Direito processual do foro.
- Normalmente, os factos têm de ser alegados e provados pelas partes, enquanto que o
Direito deverá ser investigado e determinado por iniciativa do tribunal – art. 664º CPC.
62
- Em Portugal, o art. 348.º/1 e 2 resolve a questão – há um dever de colaboração da
parte que invoca o Direito estrangeiro na determinação do seu conteúdo, não
havendo ónus da prova. O incumprimento não terá por consequência o indeferimento
da pretensão nem, necessariamente, a aplicação do Direito material português,
embora possa contribuir para uma situação de impossibilidade de determinar o
conteúdo da lei estrangeira.
19
LIMA PINHEIRO, DIP, pp 584-597
20
FERRER CORREIA, Lições..., pp 405 ss
63
Como Cláusula Geral Que Veicula Princípios e Normas Fundamentais da Ordem
Jurídica do Foro
- LIMA PINHEIRO – não é possível determinar a priori qual o conteúdo desta cláusula
geral – é difícil enumerar taxativamente os princípios e normas fundamentais da ordem
jurídica portuguesa
- Há que relembrar que a ordem jurídica portuguesa faz uma recepção automática
do DIPúblico, à qual o art. 22.º também se refere (isso e Direito da União Europeia).
- Reserva de ordem pública internacional pode ser afastada ou mitigada – art. 16º Reg.
Roma I e art. 26.º do Reg. Roma II
- Não deve ser confundida com a ordem pública do direito interno, que inclui regras e
princípios. A ordem pública internacional só inclui princípios gerais, configurando um
núcleo muito mais restrito do que aqueles que subjazem à ordem pública do direito
material
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- A outra variante, perfilhada por alguma doutrina como M ANCINI ou PILLET, mais
apriorística, define as normas pertencentes à OPI como leis territoriais, de garantia
social.
- Não se diz que uma lei estrangeira viola a ordem pública internacional portuguesa,
diz-se que a solução do caso concreto não é aceite pela ordem jurídica portuguesa.
Características
- Relatividade – a sua actuação deve depender da intensidade dos laços que a situação
tem pelo Estado do foro.
65
- FERRER CORREIA dá alguns exemplos: denegação de personalidade jurídica a alguns
homens (escravatura ou servidão), recusa de certos direitos fundamentais de ordem
racial ou política, casamento poligâmico, divórcio sob a forma de repúdio da mulher (a
não ser que ela consinta)
66
alma do sistema, mas interessa para além disso, tirar a limpo a incompatibilidade com
esse espírito de uma aplicação concreta da mesma norma, o que supõe da parte do juiz
da causa uma liberdade de avaliação inconciliável com qualquer fórmula rígida, pois a
ordem pública não é uma medida objectiva para aferir a compatibilidade concreta da
norma estrangeira com os princípios gerais do direito nacional, mas a decisão de não
aplicar leis estrangeiras é algo que joga essencialmente com as avaliações subjectivas
do juiz – a vaguidade, a imprecisão da noção de ordem pública é, portanto, um mal
sem remédio.
Consequências
- Se surgir lacuna, faz-se uma analogia no direito estrangeiro: Ex: numa ordem
jurídica estrangeira em que a sucessão de filhos ilegítimos não é permitida, aplica-se as
regras sucessórias relativas aos filhos legítimos – a este ajustamento é chamado
adaptação.
- Em último recurso, nos termos do art. 22.º/2 CC, aplica-se a lex fori.
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necessária colaboração dos tribunais estaduais na aplicação e desenvolvimento do
Direito Internacional.
- LIMA PINHEIRO – crê que não se deve duvidar da legitimidade do controlo perante o
DIPúblico, entendimento seguido, aliás, pelo Instituto de Direito Internacional na sua
Resolução sobre a Actividade do Juiz Interno nas Relações Internacionais do Estado –
Milão, 1993 – recomendado que as jurisdições nacionais, quando tenham de aplicar a
lei estrangeira, se devem reconhecer competentes para decidir da compatibilidade
desta lei com o Direito Internacional, devendo recusar dar efeito a actos públicos
estrangeiros que violem o Direito Internacional.
- LIMA PINHEIRO crê tratar-se de um limite autónomo, pois a aplicação das normas
internacionais não depende necessariamente dos pressupostos de intervenção da
ordem pública internacional.
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- Logo, um órgão nacional só deve aplicar o Direito estrangeiro que for conforme com
o Direito da União Europeia.
Constituição
- Até que ponto estas normas e princípios só actuam através da ordem pública
internacional ou como limite autónomo?
- A favor da autonomia, temos WENGLER, HERZOG e MARQUES DOS SANTOS – para essa
tese, a relevância da Constituição não pode depender da norma ordinária que
estabelece a reserva de ordem pública internacional, nem deve ficar na
disponibilidade do intérprete a determinação das normas constitucionais que são ou
não de ordem pública internacional.
- Ex: um jordano residente na Jordânia pretende que o filho português, que reside com
a mãe, portuguesa que adquiriu pelo casamento a nacionalidade jordana, em
Portugal, seja confiado à sua guarda, com base na lei jordana que consagra a primazia
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do pai no exercício do poder paternal. O princípio da igualdade entre os cônjuges leva,
por meio da ordem pública internacional, ao afastamento da lei jordana e aplicação da
lei portuguesa sobre o exercício do poder paternal.
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