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Introdução
1. O que é a estética?
Mas há um problema com esta forma de apresentar a estética: o termo «estét ica» não
tem sido sempre utilizado nesse sentido. E isso não ocorre apenas em relação ao uso
comum da palavra «estética»; ocorre também no interior da própria tradição filosófica.
Eis alguns exemplos de frases que habitualmente proferimos e que qualquer pessoa
estaria disposta a reconhecer que exprimem juízos estéticos:
Estas frases parecem trazer de volta a impressão inicial de que os problemas da estética
são heterogéneos.
Assim, frases como F1 e F2 exprimem juízos acerca do que se considera ser bonit o ou
belo, mas nenhuma das outras o faz. Talvez F1 esteja também a referir alguma obra de
arte (se essa casa for, por exemplo, a casa da cascata, de Frank Lloyd Wright ) o que
não acontece com F2.
Por sua vez, frases como F4, F5, F6 e F7 exprimem a opinião de alguém acerca de algo
realizado por outras pessoas, mas enquanto as três últimas referem obras de art e, t al
não sucede com F4.
Quanto a F3 e F4 sabemos que não está em causa o conceito de belo nem se refere
qualquer obra de arte, mas apenas o que sentimos em relação a algo que simplesment e
nos agrada. Isso é também o que acontece em relação a F5, só que desta vez a
propósito de uma obra de arte.
Caso pensemos apenas em F3, F4 e F5, o que temos como problema já não é
rigorosamente o do significado de «ser belo» mas o de saber por que razão e sob que
condições acabamos por formar esse tipo de juízos, ou seja, juízos de gosto (nesta
perspectiva também F1 e F2 podem simplesmente ser tomados como juízos de gosto).
Estamos, assim, em condições de concluir que a estética pode ser ― o que de rest o é
mostrado pela sua história ― uma de três coisas: teoria do belo, teoria do gosto ou
filosofia da arte.
Deveria também ficar claro que a teoria do belo não exclui completamente do seu
domínio muitas das obras de arte e a filosofia da arte não se desinteressa
completamente de algumas obras belas, tal como a teoria do gosto se pode aplicar quer
a objectos belos, quer a objectos de arte.
Mas não devemos confundir teoria do belo, teoria do gosto e filosofia da arte. Até
porque há obras de arte que não são belas, como o célebre Urinol, de Marcel Duchamp;
há obras de arte de que não gostamos, como acontece comigo em relação à música dos
Madredeus, aos quadros de Júlio Pomar, aos livros de José Saramago e aos filmes de
Manoel de Oliveira; há coisas belas que não são arte, como um pôr-do- sol nat ural e a
planície alentejana; e há coisas de que gostamos que não são arte nem são belas, como
Isto significa que os objectos que fazem parte da extensão dos c onceitos de belo, de
gosto e de arte não são os mesmos, pelo que não estamos a discutir os mesmos
problemas quando discutimos cada um desses conceitos.
Se bem que a estética tenha sido entendida inicialmente como teoria do belo e só
depois como teoria do gosto, é como filosofia da arte que ela é actualmente entendida.
Vale a pena, ainda que brevemente, apresentar algumas razões para isso:
1. Em primeiro lugar, tanto a teoria do belo como a teoria do gosto dirigiram o seu
interesse de forma particular para as obras de arte. Para além do problema de
saber o que é o belo, um dos problemas colocados pela teoria do belo foi o da
distinção entre o belo natural e o belo artístico. No mesmo sent ido t ambém os
defensores da teoria do gosto procuraram compreender porque é que a arte está
na origem de grande parte dos nossos juízos de gosto.
2. Em segundo lugar, a teoria do belo e a teoria do gosto não conseguem dar conta
de muitos dos problemas que se colocam com o conceito de arte. É o c aso das
obras de arte que dificilmente podemos considerar belas e daquelas de que não
gostamos mas não podemos deixar de considerar obras de arte.
3. Em terceiro lugar, o desenvolvimento da arte consegue levantar problemas
acerca dos conceitos de belo e de gosto que estes não conseguem levantar
acerca da arte. Isso torna-se evidente quando, por exemplo, os gostos e a
própria noção de belo se podem modificar à medida que contactamos com
diferentes obras de arte (a ideia de que a arte educa os gostos e influencia a
nossa própria noção de belo).
É, pois, como filosofia da arte que a partir de aqui irei falar de estética. A filosofia da
arte é, por sua vez, formada por um conjunto de problemas acerca da arte, para a
resolução dos quais concorrem diferentes teorias. Algumas dessas teorias e os
argumentos que as sustentam serão aqui discutidos, nomeadamente aquelas teorias
que têm um conteúdo aparentemente mais intuitivo, isto é, aquelas que colhem a
adesão espontânea de grande parte das pessoas que se defrontam pela primeira vez de
forma directa com o problema. São também as teorias mais antigas e que, embora com
um menor poder explicativo, gozam de uma popularidade assinalável.
Tipos de definições
Há quem defenda que definir um conceito é dizer em que consiste e caso não saibamos
defini-lo dessa maneira também não estamos em condições de o utilizar
adequadamente. Defender isto é o mesmo que dizer que há apenas uma forma de
definir conceitos, o que não é o caso. Ao contrário do que é vulgar pensar-se, não existe
apenas um tipo de definições. Sabemos utilizar perfeitamente o conceito «azul» sem
que, no entanto, o possamos definir dessa maneira. Não o saber definir dessa maneira
não é o mesmo que o não poder definir. Para compreendermos isso é preciso dist inguir
dois tipos de definições: definições explícitas e definições implícitas.
Definições e caracterizações
Mas acontece, ainda assim, que muitas das nossas definições implícitas nos deixam
insatisfeitos. Precisamos de saber algo mais acerca dos conceitos def inidos. Algo que
seja relevante para a compreensão do conceito e que nos informe acerca das
propriedades mais important es dos objectos que fazem parte da sua extensão. Para isso
é que servem as caracterizações, isto é, a apresentação das principais c arac teríst icas
daquilo que os conceitos referem. No caso da filosofia, o professor pode apontar
exemplos de problemas, teorias e argumentos filosóficos. Estará assim a dar uma
definição implícita de filosofia. Mas pode e deve ir mais longe, fazendo acompanhar a
sua definição de uma caracterização. Nesse sentido, poderá referir o que dist ingue os
problemas filosóficos dos problemas científicos e religiosos; as teorias filosóficas das
teorias científicas, religiosas e artísticas, etc. É claro que tal caracterização nunca irá ser
exaustiva nem pacífica, mas, concordemos ou não com ela, sempre clarifica aquilo que
se tem em mente quando se usa tal conceito.
Irão ser aqui brevemente discutidas três teorias da arte essencialistas. Trata -se de
teorias que defendem uma ideia de arte intuitivamente partilhada por muitas pessoas,
apesar das dificuldades que, como iremos ver, revelam quando são criticamente
avaliadas.
Esta é uma das mais antigas teorias da arte. Foi, aliás, durante muito tempo aceite
pelos próprios artistas como inquestionável. A definição que constitui a sua t ese central
é a seguinte:
Uma obra é arte se, e só se, é produzida pelo homem e imita algo.
A característica própria desta teoria não reside no facto de defender que uma obra de
arte tem de ser produzida pelo homem, o que é comum a outras teorias, mas na ideia
de que para ser arte essa obra tem de imitar algo. Daí que seja conhecida c omo t eoria
da arte como imitação.
Vários foram os filósofos que se referiram à arte como imitação. Alguns desprezavam-
na por isso mesmo, como acontecia com o conhecido filósofo grego Platão que, ao
considerar que as obras de arte imitavam os objectos naturais, via essas obras como
imagens imperfeitas dos seus originais. Ainda por cima quando, no seu ponto de vist a,
os próprios objectos naturais eram por sua vez cópias de outros seres mais perfeitos. Já
o seu contemporâneo Aristóteles, mantendo embora a ideia de arte como imitação,
tinha uma opinião mais favorável à arte, uma vez que os objectos que a arte imit a não
são, segundo ele, cópias de nada.
O que agora nos interessa, mais do que saber quem defendeu esta teoria, é avaliar o
seu poder explicativo. Vejamos então os principais pontos que perecem favoráveis a
ela:
Um aspecto geral desta teoria mostra-nos que é uma teoria centrada nos objectos
imitados. Ela exprime-se frequentemente através de frases como «este filme é
excelente, pois é um retrato fiel da sociedade americana nos anos 60», ou c omo «est e
quadro é tão bom que mal conseguimos distinguir aquilo que o artista pintou do modelo
utilizado».
Mas será uma boa teoria? Para isso temos de testar cada um dos aspectos atrás
apresentados que são favoráveis à teoria, começando pelo primeiro.
Insatisfeitos com a teoria da arte como imitação (ou representação), muitos filósof os e
artistas românticos do século XIX propuseram uma definição de arte que procurava
libertar-se das limitações da teoria anterior, ao mesmo tempo que deslocava para o
artista, ou criador, a chave da compreensão da arte. Trata-se da t eoria da art e c omo
expressão. Teoria que, ainda hoje, uma enorme quantidade de pessoas aceita sem
questionar. Segundo a teoria da expressão
Uma obra é arte se, e só se, exprime sentimentos e emoções do artista.
Uma teoria c omo esta manifesta-se frequentemente em juízos como «Este é um livro
exemplar em que o autor nos transmite o seu desespero perante uma vida sem
sentido» ou como «O autor do filme filma magistralmente os seus próprios traumas e
obsessões».
Mas também ela se irá revelar uma teoria insatisfatória. As razões são semelhant es às
que apresentei contra a teoria da arte como imitação, pelo que tent arei aqui ser mais
breve.
Uma obra é arte se, e só se, provoca nas pessoas emoções estéticas.
Note-se que não se diz que as obras de arte exprimem emoções, senão est ar-se-ia a
defender o mesmo que a teoria da expressão, mas que provocam emoções nas pessoas,
o que é bem diferente. Se a teoria da imitação estava centrada nos objectos
representados e a teoria da expressão no artista criador, a teoria formalista parte do
sujeito sensível que aprecia obras de arte. Digo que parte do sujeito e não que está
centrada nele, caso contrário não seria coerente considerar que esta teoria é formalista.
Tendo em conta a definição dada, reparamos que a característica de provocar emoç ões
estéticas constitui, simultaneamente, a condição necessária e suf ic ient e para que um
objecto seja uma obra de arte. Mas se essa emoção peculiar chamada «emoção
estética» é provocada pelas obras de arte, e só por elas, ent ão t em de haver alguma
propriedade também ela peculiar a todas as obras de arte, que seja capaz de provoc ar
tal emoção nas pessoas. Mas essa característica existe mesmo? Clive Bell responde que
sim e diz que é a forma significante.
Frases como «Este quadro é uma verdadeira obra prima devido à excepcional harmonia
das cores e ao equilíbrio da composição», ou como «Aquele livro é excelente porque
está muito bem escrito e apresenta uma história bem construída apoiada em
personagens convincentes e bem carac terizadas», exprimem habitualmente uma
perspectiva formalista da arte.
Para já, esta teoria parece ter uma grande vantagem: pode incluir todo o tipo de obras
de arte, inclusivamente obras que exemplifiquem formas de arte ainda por inventar.
Desde que provoque emoções estéticas qualquer objecto é uma obra de art e, f ic ando
assim ultrapassado o carácter restritivo das teorias anteriores.
1. Em primeiro lugar, podemos mostrar que algumas pessoas não sentem qualquer
tipo de emoção perante certas obras que são consideradas arte. Quer dizer que
essas obras podem ser arte para uns e não o ser para outros? Nesse caso o
critério para diferenciar as obras de arte das outras de que serviria? T eríamos,
então, obras de arte que não são obras de arte, o que não faz sentido. T ambém
não é grande ideia responder que quem não sente emoções estéticas em relação
a determinadas obras não é uma pessoa sensível, como sugere Bell, o que
parece uma inaceitável fuga às dificuldades.
2. Uma outra dificuldade é conseguir explicar de maneira convincente em que
consiste a tal propriedade comum a todas as obras de arte, a tal «forma
significante Socrática na Sala de Aula", leccionada por Desidério Murcho. »,
responsável pelas emoções estéticas que experimentamos. Clive Bell refere,
pensando apenas no caso da pintura, que a forma significante reside numa certa
combinação de linhas e cores. Mas que combinação é essa e que cores são essas
exactamente? E em que consiste a forma significante na música, na lit erat ura,
no teatro, etc.? A ideia que fica é que a forma significante não serve para
identificar nada. Não se trata verdadeiramente de uma propriedade, pois a
forma significante na pintura consiste numa certa combinação de cores e linhas,
mas na música, na literatura, no cinema, etc., já não podem ser as cores e
linhas a exemplificar a forma significante. Não temos, assim, uma propriedade
mas várias propriedades. É certo que diferentes propriedades podem provocar o
mesmo tipo peculiar de emoções nas pessoas, mas chamar a diferentes
propriedades "forma significante" é de tal forma vago que não se imagina o que
poderia constituir uma contra-exemplo a esta definição. Também a respost a de
que a forma significante é a propriedade que provoca em nós emoções est éticas,
depois de dizer que as emoções estéticas são provocadas pela forma significante
é não só inútil mas decepcionante, já que se trata de uma falác ia: a f alác ia da
circularidade.
E agora?
Pelo que se viu, nenhuma das teorias aqui discutidas parece sat isfatória. Tendo
reparado nas insuficiências das teorias essencialistas, alguns filósofos da arte, como
Morris Weitz, abandonaram simplesmente a ideia de que a arte pode ser definida;
outros, como George Dickie, apresentaram definições não essencialistas d a arte,
apelando, nesse sentido, para aspectos extrínsecos à própria obra de arte; outros ainda,
como Nelson Goodman, concluíram que a pergunta «O que é arte?» deveria ser
substituída pela pergunta mais adequada «Quando há arte?». Serão estas teorias
melhores do que as anteriores? Aí está uma boa razão para não darmos por t erminada
esta tarefa.
Aires Almeida