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LUGAR NENHUM MILITARES E GIVIS NA OCULTAGAO DOS DOCUMENTOS DA DITADURA COLEGKO ARQUIVOS DA REPRESSIO NO BRASIL LUCAS FIGUEIREDO COORDENADORA DA.CO! cho HELOISA M. STARING Tompannia Das LeTRas voltou a ser governado por um civil, as Forgas Armadas se negam a dar satisfagGes detalhadas sobre o paradeiro de papéis que contam um pedage da histéria do pais. Posie: alids, aceita de forma resignada por todos os presidentes do periodo: José Sarney (1985-90), Fernando Collor (1990-2), Itamar Franeo (igg2-4), Fernando Henrique Cardoso (1995- 2002), Luiz Inécio Lula da Silva (2003-10) e, até 0 momento, também no governo de Dilma Rousseff (iniciado em 20n). De lf para cé, mesmo com todo 0 esforgo feito por familia- res das vitimas, pelo Ministério Publico, por congressistas, por autoridades do Exeeutivo e do Judiciério, pela impren- a, por historiadores e, mais recentemente, pela Comissio Nacional da Verdade, apenas acervos na sua maioria de- simportantes foram abertos pelas Forgas Armadas. Nos ar~ uivos publicos que hoje abrigam documentos da ditadura, sobram papéis com informag3es irrelevantes — como as do tenente-coronel Senna, do ex-eabo Ronaldo e do proje- to da Atomobrés — e faltam documentos que esclaregarn, 0s crimes praticados de forma sistemstica por agentes do Estado no perfodo (sequestro, tortura, assassinato, desapa- recimento, ocultagio de cadéver ete). Por que nfo temos, acesso a esses documentos? Ou melhor: por que e por cul- pade quem? Nas paginas seguintes, em urna histéria em quatro atos, tentarei responder a essas perguntas, “ 1° ATO PRESERVAR QUANDO 08 MILITARES CHEGARAM AO PODER, etn 1964, 2 caserna vivia uma luta interna. De um la¢o, oficiais tidos como moderados, conhecidos maldosamente como grupo da Sorbonne por causa da formacao ilustrada de muitos de seus membros. Do outro, a ala dos duros, formada, como 0 proprio nome indica, por radicais.t Os moderados acredi- tavam que a ditadura seria breve e que, durante sua vigén- cia, a violéncia contra os opositores seria usada com pat ciménia. Jé 0s duros previam um longo e renoso caminho alé a destrui¢ao, no sentido estrito da palavra, da “ameaga comunista’ que rondava o Brasil. Num pririeiro momento, © grupo da Sorbonne saiu na frente e conseguiu fazer de sou lider-mor, general Humberto Castello Branco, o presi- dente da Repiiblica. Durante trés anos, a Sorbonne mandou. no Palécio do Planalto. Na sucesso de Castello Branco, po- rém, em 1967, foia vez.de a ala dos duros tomar asrédeas do pais, com o ministro da Guerra, general Arthur da Costa e Silva, ascendendo & cadeira presidencial. Ja havia algum tempo, Costa e Silva defendia a ideia de reforear a estrutura dos servigos secretos do Bxéreito, da Marinha e da Aeronéutica com o objetivo de transformé- -los em érgiios centrais da repressio. O gereral acreditava 6 que isso seria possivel a partir de duas mudangas profun- das no desenho institucional das Forgas Armadas. A pri- meira: em vez. de se ocuparem apenas da coleta e anilise de informagdes a fim de abastecer os setores militares ope- racionais, como era tradigo ras Forgas Armadas, os ser- vigos seeretos do Exército, da Marinha e da Aerondutica participariam diretamente da luta, Seriam transformados em grupos de elite trabathando ao mesmo tempo com in- formagio e forga. Uma espécie de superpolicia politica vol- tada para o estudo, o combate? a aniquilago do chamado “inimigo interno’, ou seja, qualquer pessoa ou grupo iden- tificado como opositor ao regime militar. A segunda mu- danga pretendida por Costa e Silva era ainda mais ousada. Além de ganharem musculatura, 08 servigos secretos mili- tares ganhariam poder, passando a responder unicamen- te 2o gabinete do ministro de sua respectiva forga. Para 0 rigido sistema hierérquico das Forgas Armadas, era uma proposta polémica, Um posto avancado do servigo secreto do Exército no interior do Paré, por exemplo, mesmo que tivesse apenas um tenente como oficial mais graduado, nfo seria subordinado A unidade militar da cidade onde se localizava ou ao comando da capital, em Belém, ou mesmo ao Bstado-Maior da forga terrestre em Brasilia. Prestaria contas apenas ao gabinete do ministro do Exéreito, Assim, ao serem dispensados de prestar obediéncia a seus supe- riores hierdrquicos nas unidades militares local, regional e central, os membros dos servigos secretos do Exéreito, da Marinha e da Aeronéutica passariam a gozar de consi- deravel autonomia, uma palavra até entio tabu nas Forgas Armadas? ‘Ainda em 1967, menos de cineo meses apés tomar pos- se, Costa e Silva comegou a botar seu planode pé. Em maio, general baixou um decreto em que eriava o novo servigo, seereto da forga terrestre. Seu nome: Centro de Informa- (gGes do Bxéreito (ct). Oppresidente pretendia fazer o mesmo na Marinhe ena Aerondutica, mas seu tempo no poder foi eurto. Vitima de uma isquemia cerebral, Costa e Silva fot afastado da Pre- sidéneia em agosto de 1969, vindo a morrer pouco depois. O sucessor de Costa e Silva, general Enilio Garrastazu Médici, era da ala dos duros, o que garantiu a continuidade do projeto de reformulacdo nos servigos secretos militares. Em1970, 0 novo presidente concedeu poderes adicionais 20 servigo secreto da forca aérea, que passou ¢ se chamar Cen- tro de Informagoes de Seguranga da Aerondutica (Cisa). No mesmo ano, 0 processo foi concluido com as mudangas no servigo secreto da forga naval, que continuaria com omes- ‘mo nome: Centro de Informagées da Marinha (Cenimar). ‘Apesar de atuarem em faixas préprias e de manterem certa rivalidade entre si os servigos secretos militares con- servavarn um relacionamento estreito. Trocavam informa- ges e anilises, dividiam nichos no sistema da repressio € protegiam-se mutuamente. A parceria entre cts, Cisa e Cenimar tinha um quarto vértice: © Servigo Nacional de Informagies (sw). Criado logo apés 0 golpe de 1964 pelo general Golbery do Couto e Silva, guru do grupo da Sorbonne, o swt tinha um desenho institucional tinico e bem diverso em relaeio ao dos servi os secretos militares. A rigor, oServigo, cemo era conheci- do internamente, era um érggo civil, apesar de controlado w

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