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O MISTÉRIO

DA PIEDADE
JOÃO CALVINO
Traduzido do Inglês
The Mystery of Godliness
By John Calvin

Via: ReformedSermonArchives.com

Tradução e Capa por Camila Almeida


Revisão por William Teixeira

1ª Edição: Março de 2015

Salvo indicação em contrário, as citações bíblicas usadas nesta tradução são da versão Almeida
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O Mistério Da Piedade
Por João Calvino

“E, sem dúvida alguma, grande é o mistério da piedade: Deus se


manifestou em carne, foi justificado no Espírito, visto dos anjos, pregado
aos gentios, crido no mundo, recebido acima na glória.” (1 Timóteo 3:16)

São Paulo exortou Timóteo a comportar-se em seu ofício; mostrando-lhe que honra Deus
lhe tinha concedido, em que Ele o estabeleceu para governar a Sua casa. Mostrou-lhe tam-
bém que o próprio ofício era honroso; porque a igreja sustenta a verdade de Deus neste
mundo, e que não há nada mais precioso, ou que mais deve ser buscado do que conhecer
a Deus, e adorá-lO e servi-lO, e ser irrepreensível em Sua verdade, para que possamos,
assim, alcançar a salvação. Tudo isso é mantido seguro para nós: e assim, tão grande te-
souro é entregue ao nosso cuidado, por meio da igreja; de acordo com as palavras de São
Paulo. Esta verdade é mui digna de ser mais altamente estimada do que é.

Que coisa misteriosa é essa, e quão maravilhosa é a questão: que Deus manifestou-Se em
carne, e tornou-Se homem! Será que isso até agora não ultrapassa o nosso entendimento,
de forma que quando somos informados disso, ficamos assombrados? No entanto, não
obstante, temos uma prova plena e suficiente, que Jesus Cristo sendo feito homem, e su-
jeito à morte, é também o Deus verdadeiro, que fez o mundo e vive para sempre. Disso, o
Seu poder celestial nos dá testemunho. Mais uma vez, temos outras provas: a saber, Ele
foi pregado aos gentios; que antes estavam banidos do reino de Deus, e esta fé teve o seu
curso em todo o mundo, a qual naquele tempo estava limitada entre os judeus; e da mesma
forma Cristo Jesus foi elevado às alturas, e entrou na glória, e está assentado à destra de
Deus Pai.

Se os homens desprezam estas coisas, sua ingratidão será condenada, porque os próprios
anjos por isso chegaram ao pleno conhecimento daquilo que antes eles não conheciam.
Porque aprouve a Deus esconder deles os meios de nossa redenção, a fim de que a Sua
bondade seja maravilhosíssima a todas as criaturas: assim, percebemos o sentido do que
escreve São Paulo. Ele chama a igreja de Deus de o baluarte da Sua verdade; ele também
demonstra que esta verdade é como um tesouro, devendo ser altamente estimada por nós.
E por que isso? Observemos o conteúdo do Evangelho; Deus humilhou-Se, de tal maneira,
que Ele tomou sobre Si nossa carne; para que nós nos tornássemos Seus irmãos. Quem é
o Senhor da glória, para que Ele tanto humilhasse a Si mesmo como a juntar-se a nós, e
tomar sobre Si a forma de servo, até mesmo a sofrer a maldição que era devida a nós? São

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Paulo compreendeu todas as coisas que Jesus Cristo recebeu em Sua pessoa; a saber,
que Ele esteve sujeito a todas as nossas fraquezas, mas, sem pecado.

É verdade que não há nenhum defeito nEle, antes toda pureza e perfeição. Ainda assim é:
Ele tornou-Se fraco como nós somos, para que Ele pudesse ter compaixão e ajudar a nossa
fraqueza; como está estabelecido na epístola aos Hebreus (4:15). Aquele que não tinha
pecado sofreu a punição a nós devida; e foi, por assim dizer, maldito de Deus o Pai, quando
Ele Se ofereceu em sacrifício: de modo que através de Seus meios nós fôssemos bem-
aventurados; e que Sua graça, antes oculta a nós, fosse derramada sobre nós. Quando
consideramos essas coisas, não temos ocasião para estar maravilhados? Nós conside-
ramos que Ser Deus é? Nós podemos, em nenhuma sabedoria alcançar a Sua majestade,
que contém todas as coisas em Si; a qual mesmo os anjos adoram.

O que há em nós? Se lançarmos os nossos olhos sobre Deus, e, em seguida, adentramos


em uma comparação, ai de mim! Chegaremos perto dessa altura que sobrepuja os céus?
Não, antes podemos ter qualquer familiaridade com isso? Pois não há nada senão podridão
em nós; nada, a não ser o pecado e a morte. Então deixem vir o Deus vivo, a fonte da vida,
de glória eterna, e de poder infinito; e não apenas aproximar-se de nós, de nossas misérias,
nossa desventura, nossa fragilidade, e este abismo sem fundo de toda iniquidade, que há
nos homens; deixem que não somente a majestade de Deus se aproxime disso, mas que
Ele Se una a isso, e faça-Se um com isso, na Pessoa de nosso Senhor Jesus Cristo! O que
é Jesus Cristo? Deus e Homem! Mas como Deus e Homem? Que diferença há entre Deus
e o Homem? Sabemos que não há nada em nossa natureza, senão miséria e desventura;
nada senão um abismo sem fundo de odor fétido e infecção; e ainda assim, na Pessoa de
nosso Senhor Jesus Cristo, nós vemos a glória de Deus que é adorada pelos anjos, e tam-
bém a fraqueza do homem; e que Ele é Deus e Homem. Não é isto algo secreto e oculto,
digno de ser estabelecido em palavras, e da mesma forma suficiente para arrebatar os
nossos corações! Os próprios anjos nunca poderiam ter pensado sobre isso, como aqui é
observado por São Paulo. Considerando isso, aprouve ao Espírito Santo expressar a bon-
dade de Deus, e mostrar-nos que devemos estimar isso como tão preciosa joia, cuidemos
de nossa parte para que não sejamos ingratos, e tenhamos as nossas mentes caladas, de
tal maneira que não provaremos disso, se não pudermos completa e perfeitamente com-
preendê-lo.

É o suficiente para nós para termos algum pouco conhecimento sobre este assunto; cada
um deve contentar-se com a luz que lhe é dada, considerando a fraqueza de nosso julga-
mento; e anelando pelo dia em que o que agora vemos em parte, será total e perfeitamente
revelado a nós. Ainda assim, não obstante, nós devemos empregar nossas mentes e os
estudos neste caminho. Por que São Paulo chama isso de um mistério de fé, que Jesus

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Cristo, que é Deus eterno, manifestou-Se em carne? É como se ele dissesse, quando so-
mos unidos a Deus, e feitos um só corpo com o Senhor Jesus Cristo, devemos contemplar
o fim para o qual fomos criados; a saber, que possamos conhecer que Deus está unido e
feito um conosco na Pessoa de Seu Filho.

Assim, devemos concluir que nenhum homem pode ser um Cristão, a menos que ele co-
nheça este segredo que é descrito por São Paulo. Devemos agora examinar, e questionar
homens e mulheres se eles conhecem o que significam essas palavras, que Deus foi mani-
festado em carne, malmente um a cada dez poderia produzir tão boa resposta quanto a
que seria esperada de uma criança. E, no entanto, não precisamos nos maravilhar com is-
so; pois vemos que negligência e desprezo há na maior parte da humanidade. Nós mostra-
mos e ensinamos diariamente em nossos sermões, que Deus tomou sobre Si a nossa
natureza; mas como os homens de fato nos ouvem? Quem há aqui que se aflija sobre-
maneira para ler a Escritura? Há pouquíssimos que observam essas coisas; cada homem
está ocupado com seu próprio negócio.

Se há um dia da semana reservado para a instrução religiosa, quando eles passaram seis
dias em seu próprio negócio, eles estão aptos para passar o dia que é separado para o cul-
to, em jogo e passatempo; alguns vagueiam ao redor dos campos, outros vão para as taber-
nas para beber em grandes tragos; e há, sem dúvida, neste momento, muitos como os últi-
mos mencionados aqui enquanto eles estão reunidos em nome de Deus. Portanto, quando
vemos tantos evitando e fugindo dessa doutrina, podemos nos maravilhar que haja tal bru-
talidade, de modo que não conheçamos os rudimentos do Cristianismo? Estamos aptos a
considerar como uma língua estranha, quando os homens nos dizem que Deus Se mani-
festou em carne.

Todavia esta sentença não pode ser retirada do registro de Deus. Nós não temos nenhuma
fé, se não sabemos que o nosso Senhor Jesus Cristo está unido a nós, para que nos torne-
mos Seus membros. Parece que Deus nos compele a pensar sobre este mistério, vendo
que somos tão sonolentos e apáticos. Vemos como o Diabo incitou aqueles antigos rixosos
para que negassem a humanidade de Jesus Cristo e Sua Divindade, e, por vezes, mistura-
ram a ambos; para que não percebêssemos as duas naturezas distintas nEle, ou então
para nos levar a crer que Ele não é o Homem que cumpriu as promessas da Lei; e, conse-
quentemente, descendeu da linhagem de Abraão e Davi.

É realmente o caso, que tais erros e heresias como havia na igreja de Cristo, no início, es-
tão estabelecidas nestes dias? Observemos bem as palavras que são utilizadas aqui por
São Paulo: Deus se manifestou em carne. Quando ele chama Jesus Cristo de Deus, ele
admite esta natureza que Ele tinha antes que o mundo existisse. É verdade, há somente

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um Deus, mas nesta única essência devemos compreender o Pai, e uma sabedoria que
não pode ser separada dEle, e uma virtude eterna, que sempre esteve, e sempre será dEle.

Assim, Jesus Cristo era verdadeiramente Deus! Como Ele era a sabedoria de Deus antes
que o mundo fosse feito, e antes da eternidade. Diz-se que Ele se manifestou em carne.
Pela palavra carne, São Paulo nos dá a entender que Ele era verdadeiro Homem, e tomou
sobre Si a nossa natureza. Pela palavra manifesto, Ele mostra que nEle havia duas natu-
rezas. Mas não devemos pensar que há um Jesus Cristo que seja Deus, e um outro Jesus
Cristo, que seja Homem! Mas devemos somente compreendê-lO como Deus e Homem.
Distingamos, então, as duas naturezas que há nEle, para que saibamos que o Filho de
Deus é nosso Irmão. Deus suporta as antigas heresias, que em tempos passados conturba-
ram a igreja, para produzir mais uma vez um movimento, em nossos dias, para estimular-
nos à diligência. O Diabo prossegue prestes a destruir este artigo de nossa crença, sabendo
que esse é o principal suporte e esteio de nossa salvação.

Se não tivermos esse conhecimento que São Paulo fala, o que será de nós? Estamos todos
no abismo da morte. Não há nada além de morte e condenação em nós, até que saibamos
que Deus desceu para buscar-nos e salvar-nos. Até que sejamos assim ensinados, somos
fracos e miseráveis. Portanto, o Diabo andou fazendo tudo que pôde para abolir este
conhecimento, para estraga-lo e misturá-lo com mentiras, para que ele pudesse arruinar
isso completamente. Quando nós vemos tal majestade em Deus, como ousamos presumir
nos aproximar dEle, vendo que somos cheios de miséria! Devemos recorrer a esta conexão
da majestade de Deus, e do estado de natureza do homem, juntamente.

Façamos o que pudermos, nós nunca teremos qualquer esperança, ou seremos capazes
de lançar mão da generosidade e bondade de Deus, de forma a retornar a Ele, e invocá-
lO, até que conheçamos a majestade de Deus que está em Jesus Cristo; e também a fra-
queza da natureza humana, que Ele recebeu de nós. Estamos totalmente desprovidos do
reino dos céus, o portão está fechado contra nós, de modo que não podemos entrar nele.
O Diabo tem aplicado toda a sua astúcia para perverter esta doutrina; vendo que a nossa
salvação está fundamentada nela. Devemos, portanto, estar tanto mais confirmados e for-
talecidos na mesma; para que nunca sejamos abalados, mas permaneçamos firmes na fé,
que está contida no evangelho.

Antes de tudo, temos esta observação, que nunca conheceremos que Jesus Cristo é nosso
Salvador, até que saibamos que Ele era Deus desde a eternidade. Aquilo que foi escrito ao
Seu respeito por meio de Jeremias, o profeta, necessita ser cumprido: “Mas o que se gloriar,
glorie-se nisto: em me entender e me conhecer, que eu sou o Senhor” (Jeremias 9:24). São
Paulo demonstra que isto deve ser aplicado à Pessoa de nosso Senhor Jesus Cristo, e por

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isso ele protesta que não se propôs a saber qualquer doutrina ou conhecimento, apenas
para conhecer a Jesus Cristo.

Novamente, como é possível que tenhamos a nossa vida nEle, a menos que Ele seja o
nosso Deus, e nós sejamos mantidos e preservados pela Sua virtude? Como podemos co-
locar a nossa confiança nEle? Porque está escrito: “Assim diz o Senhor: Maldito o homem
que confia no homem, e faz da carne o seu braço, e aparta o seu coração do Senhor!” (Je-
remias 17:5). Mais uma vez, como podemos ser preservados da morte, exceto pelo poder
infinito de Deus? Mesmo que a Escritura não desse nenhum testemunho da Divindade de
Jesus Cristo, é impossível que nós O reconheçamos como nosso Salvador, a não ser que
admitamos que Ele possui toda a majestade de Deus; a não ser que nós reconheçamos
que Ele é o verdadeiro Deus; porque Ele é a sabedoria do Pai através do qual o mundo foi
feito, preservado e mantido em sua existência. Portanto, estejamos completamente resol-
vidos neste momento, sempre que falamos de Jesus Cristo, para que elevemos nossos
pensamentos ao alto, e adoraremos essa majestade que Ele tinha desde a eternidade, e
esta essência infinita que Ele desfrutou antes que Ele Se vestisse em humanidade.

Cristo foi manifestado em carne, isto é, tornou-se homem; semelhante a nós em tudo, mas
sem pecado (Hebreus 4:15). Onde ele diz, mas sem pecado, ele quer dizer que o nosso
Senhor Jesus era sem culpa ou defeito. No entanto, não obstante, Ele não se recusou a
carregar os nossos pecados: Ele tomou esse fardo sobre Si, para que nós, por Sua graça,
fôssemos aliviados. Não podemos conhecer a Jesus Cristo como sendo um Mediador entre
Deus e o homem, a não ser que O contemplemos como Homem. Quando São Paulo anelou
encorajar-nos a clamar por Deus em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, ele expressa-
mente Lhe chama de homem. São Paulo diz: “Há um só Deus e um só Mediador entre Deus
e os homens, Cristo Jesus, homem” (1 Timóteo 2:5). Sob esta consideração, podemos, em
Seu nome, e por Suas mediações vir familiarmente a Deus, sabendo que somos Seus
irmãos, e Ele é o Filho de Deus. Vendo que não há nada, senão pecado na humanidade,
precisamos também encontrar justiça e vida em nossa carne. Portanto, se Cristo não Se
tornou verdadeiramente o nosso Irmão, se Ele não foi feito homem semelhante a nós, em
que condições estamos? Consideremos agora a Sua vida e paixão.

Diz-se (falando de Cristo), “Mas agora na consumação dos séculos uma vez se manifestou,
para aniquilar o pecado pelo sacrifício de si mesmo” (Hebreus 9:26). E por que isso? São
Paulo nos mostra a razão em Romanos 5:18: “Pois assim como por uma só ofensa veio o
juízo sobre todos os homens para condenação, assim também por um só ato de justiça veio
a graça sobre todos os homens para justificação de vida”. Se não conhecemos isso, que o
pecado que foi cometido em nossa natureza, foi reparado em própria idêntica natureza, em
que situação nós estamos? Sobre que fundamento nós mesmos podemos permanecer?

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Portanto, a morte de nosso Senhor Jesus Cristo não poderia beneficiar-nos minimamente,
a menos que Ele fosse feito Homem, semelhante a nós.

Novamente, se Jesus Cristo fosse apenas Deus, poderíamos ter alguma certeza ou pro-
messa em Sua ressurreição, de que devemos um dia ressuscitar novamente? É verdade
que o Filho de Deus ressuscitou; quando ouvimos dizer, que o Filho de Deus tomou sobre
Si um corpo semelhante ao nosso, veio da geração de Davi, que Ele ressuscitou (vendo
que a nossa natureza é por si só corruptível), e é elevado nas alturas à glória, na Pessoa
de nosso Senhor Jesus Cristo “somos levados a assentar nos lugares celestiais em Cristo
Jesus” (Efésios 2:6). Por isso, aqueles que procuraram reduzir a nada a natureza do Ho-
mem, na Pessoa do Filho de Deus, devem ser os mais abominados. Pois, o Diabo levantou-
se nos tempos antigos alguns indivíduos que declararam que Jesus Cristo manifestou-Se
em forma de homem, mas não tinha a verdadeira natureza de homem; esforçando-se, as-
sim, para abolir a misericórdia de Deus para conosco, e destruir completamente a nossa fé.

Outros imaginaram que Ele trouxe um corpo com Ele do céu; como se Ele não participasse
de nossa natureza. Declarou-se que Jesus Cristo tinha um corpo desde a eternidade; com-
posto por quatro elementos; de forma que a Deidade estava, naquele tempo, em uma forma
visível, e que sempre que os anjos apareceram, era o Seu corpo. Que insensatez é fazer
tal alquimia, para formar um corpo para o Filho de Deus! O que devemos fazer com aquela
passagem que diz: “Porque, na verdade, ele não tomou os anjos, mas tomou a descen-
dência de Abraão. Por isso convinha que em tudo fosse semelhante aos irmãos, para ser
misericordioso e fiel sumo sacerdote naquilo que é de Deus, para expiar os pecados do
povo” (Hebreus 2: 16-17).

Diz-se. Ele tomou sobre Si a nossa carne, e tornou-se nosso Irmão. Sim, e que Ele foi feito
semelhante a nós, para que pudesse compadecer-Se de nós, e ajudar as nossas fraquezas.
Ele foi feito a descendência de Davi, para que pudesse ser conhecido como o Redentor
que foi prometido, a quem os pais esperaram em todas as épocas. Lembremo-nos do que
está escrito: o Filho de Deus Se manifestou em carne; ou seja, Ele tornou-Se de fato Ho-
mem, e nos fez um com Ele; de modo que agora podemos chamar Deus de nosso Pai. E
por que isso? Porque somos do corpo de Seu Filho Único. Mas, como somos de Seu corpo?
Porque Ele Se agradou em juntar-Se a nós, para que fôssemos participantes de Sua
substância.

Nisto vemos que não é uma vã especulação, quando os homens dizem-nos que Jesus
Cristo revestiu-Se de nossa carne; para mais perto devemos chegar, se queremos ter um
verdadeiro conhecimento da fé. É impossível que confiemos nEle corretamente, a menos
que compreendamos Sua humanidade; devemos também conhecer a Sua majestade, an-

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tes que possamos confiar nEle para a salvação. Devemos saber, ainda, que Jesus Cristo é
Deus e Homem, e semelhantemente que Ele é apenas uma Pessoa.

Aqui, novamente, o Diabo tenta atiçar as brasas da contenda, ao perverter ou dissimular a


doutrina que São Paulo nos ensina. Pois tem havido hereges que têm se esforçado para
sustentar que a majestade e Divindade de Jesus Cristo, a Sua essência celeste, foram ime-
diatamente transformadas em carne e humanidade. Assim alguns dizem, com muitas outras
blasfêmias malditas, que Jesus Cristo tornou-Se Homem. O que se seguirá neste ponto?
Deus deve renunciar a Sua natureza, e Sua essência espiritual deve ser transformada em
carne. Eles vão mais longe e dizem que Jesus Cristo já não é mais Homem, mas Sua carne
tornou-se Deus.

Estes são maravilhosos alquimistas, para produzir tantas novas naturezas de Jesus Cristo.
Assim, o Diabo levantou esses sonhadores em tempos passados, para perturbar a fé da
Igreja; os quais são agora renovados em nosso tempo. Por isso, observemos bem o que
São Paulo nos ensina nesta passagem; pois ele nos oferece uma boa armadura, para que
possamos nos defender contra tais erros. Se quisermos contemplar a Jesus Cristo em Seu
verdadeiro caráter, vejamos nEle essa glória celestial, que Ele tinha desde a eternidade, e
em seguida, venhamos à Sua humanidade, que foi descrita até aqui; para que possamos
distinguir as Suas duas naturezas. Isso é necessário para nutrir a nossa fé.

Se buscamos obter vida em Jesus Cristo, devemos entender que Ele tem toda a Divinda-
de nEle; porque está escrito: “Porque em ti está o manancial da vida; na tua luz veremos a
luz” (Salmos 36:9). Se quisermos estar guardados contra o Diabo, e resistir às tentações
de nossos inimigos, devemos saber que Jesus Cristo é Deus. Para ser breve, se quiser-
mos colocar toda a nossa confiança nEle, devemos saber que Ele possui todo o poder, o
qual Ele não poderia ter, a menos que Ele fosse Deus. Quem é Aquele que tem todo o
poder? É Aquele que Se tornou o frágil e fraco; Filho da virgem Maria; Aquele que esteve
sujeito à morte; Aquele que levou os nossos pecados: Ele é este que é a fonte da vida.

Nós temos dois olhos na nossa cabeça, cada um desempenhando a sua função, mas quan-
do olhamos firmemente sobre algo, a nossa visão, que é separada em si mesma, une-se,
e torna-se uma; e é totalmente ocupada em contemplar o que está diante de nós, desta for-
ma, existem duas diferentes naturezas em Jesus Cristo. Há algo no mundo mais diferente
do que o corpo e alma do homem? Sua alma é um espírito invisível que não pode ser visto
ou tocado; que não tem nenhuma dessas paixões carnais. O corpo é uma massa informe
corruptível, sujeito à podridão; uma coisa visível que pode ser tocada: o corpo tem as suas
propriedades, as quais são totalmente diferentes daquelas da alma. E, assim, questiona-
mos: o que é o homem? Uma criatura, formada de corpo e alma. Se Deus usou de tal feitura

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em nós, quando Ele nos fez de duas naturezas diversas, por que deveríamos achar estra-
nho, que Ele empreendeu um milagre muito maior em Jesus Cristo? São Paulo usa essas
palavras: “se manifestou”, para que possamos distinguir Sua Divindade de Sua humanida-
de; para que possamos recebê-lO como Deus manifestado em carne; isto é, Aquele que é
verdadeiramente Deus, e ainda assim fez-Se um conosco: portanto, somos os filhos de
Deus; sendo Ele nossa justificação, somos libertos do fardo de nossos pecados. Conside-
rando que Ele nos purificou de toda a nossa miséria, nós temos riquezas perfeitas nEle; em
suma, considerando que Ele submeteu-Se à morte, estamos agora assegurados da vida.

São Paulo acrescenta: “Foi justificado no espírito”. A palavra “justificado” é muitas vezes
utilizada na Escritura, como aprovado. Quando se diz, “Ele foi justificado”, não é que Ele
tornou-se justo, não é que Ele foi absolvido pelos homens, como se fossem Seus juízes, e
que Ele se obrigou a dar-lhes uma explicação; não, não; não existe tal coisa; mas isto é
quando a glória é dada a Ele, a qual Ele merece, e nós O confessamos ser o que realmente
Ele é. O que é dito é isso: o evangelho é justificado quando os homens o recebem, em
obediência, e por meio da fé, submetendo-se à doutrina que Deus ensina; assim neste
lugar, diz-se que Jesus Cristo foi justificado no espírito.

Não devemos nos contentar, olhando para a presença corporal de Jesus Cristo, que era
visível, mas temos de olhar mais alto. São João diz que Deus Se fez carne; ou a Palavra
de Deus, que é o mesmo. A Palavra de Deus, que era Deus antes da criação do mundo,
Se fez carne; isto é, Se uniu à nossa natureza; de modo que o Filho da virgem Maria é
Deus; sim, o Deus eterno! Seu infinito poder foi ali manifestado; que é um seguro teste-
munho de que Ele é verdadeiro Deus! São Paulo diz: Jesus Cristo, nosso Senhor nasceu
da descendência de Davi; Ele também acrescenta: Ele foi declarado ser o Filho de Deus
(Romanos 1).

Não é o suficiente para nós que O contemplemos com nossos olhos naturais; pois, neste
caso, nós não subiremos mais alto do que o homem, mas quando vemos, que por meio de
milagres e prodígios, Ele mostra a Si mesmo como sendo o Filho de Deus, isto é um selo
e prova que, humilhando a Si mesmo, Ele não excluiu a Sua majestade celestial! Portanto,
podemos ir a Ele como nosso Irmão, e ao mesmo tempo adorá-lO como o Deus eterno; por
meio de quem fomos feitos, e por quem somos preservados.

Se não fosse por isso, não poderíamos ter nenhuma igreja; se não fosse isso, não podería-
mos ter nenhuma religião; se não fosse isso, não teríamos nenhuma salvação. Seria melhor
para nós que fôssemos animais irracionais, sem razão e compreensão, do que estivés-
semos destituídos desse conhecimento: a saber, que Jesus veio e uniu a Sua Divindade à
nossa natureza, que era tão desventurada e miserável. São Paulo declara que isso é um

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mistério; para que não possamos ir a ele com orgulho e arrogância, como muitos fazem, os
quais desejam ser julgados sábios; isto tem produzido o aparecimento de muitas heresias.
E, de fato, o orgulho sempre foi a mãe das heresias.

Quando ouvimos esta palavra: “mistério”, lembremo-nos de duas coisas: em primeiro lugar,
que nós aprendamos a nos manter sob os nossos sentidos, e não nos gloriemos de possuir-
mos conhecimento e capacidade suficientes para compreender tão vasto assunto. Em se-
gundo lugar, aprendamos a ir além de nós mesmos, e a reverenciar esta majestade que
excede todo o nosso entendimento. Não devemos ser lentos nem sonolentos; mas con-
siderar essa doutrina, e nos esforçarmos para que nos tornemos instruídos nela. Quando
adquirirmos algum pouco conhecimento sobre ela, devemos nos esforçar para beneficiar-
nos com isso, todos os dias de nossa vida.

Quando nós obtivermos esse conhecimento, de forma que o Filho de Deus esteja unido a
nós, deveríamos lançar nossos olhos naquilo que é tão altamente estabelecido nEle; isto é,
a virtude e o poder do Espírito Santo. Então, Jesus Cristo não apenas evidenciou-Se como
homem, mas mostrou-Se de fato que Ele era o Deus Todo-Poderoso, visto que toda a ple-
nitude da Divindade habitou nEle. Se uma vez conhecermos isso, bem podemos perceber
que não é sem razão que São Paulo diz que todos os tesouros da sabedoria estão escon-
didos em nosso Senhor Jesus Cristo.

Quando uma vez lançarmos mão das promessas deste Mediador, e conheceremos a altura
e profundidade, o comprimento e a largura, sim, e tudo que é necessário para nossa salva-
ção, para que possamos firmar a nossa fé nEle, como sobre o único verdadeiro Deus; e
também contemplá-lO como nosso Irmão; que não somente aproximou-Se de nós, mas
uniu-Se e juntou-Se a nós de tal maneira, que Ele Se tornou de mesma substância. Se vier-
mos a isso, saibamos que chegamos à perfeição da sabedoria, que é falada por São Paulo
em outro lugar; de modo que podemos nos alegrar plenamente na bondade de Deus; pois,
aprouve a Ele nos iluminar com o brilho de Seu Evangelho e nos atrair para o Seu reino
celestial.

Sola Scriptura!
Sola Gratia!
Sola Fide!
Solus Christus!
Soli Deo Gloria!

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Jeremiah Burroughs Owen
 Infinita Sabedoria de Deus Demonstrada na Salvação  Supremacia e o Poder de Deus, A — A. W. Pink
dos Pecadores, A — A. W. Pink  Teologia Pactual e Dispensacionalismo — William R.
 Jesus! – C. H. Spurgeon Downing
 Justificação, Propiciação e Declaração — C. H. Spurgeon  Tratado Sobre a Oração, Um — John Bunyan
 Livre Graça, A — C. H. Spurgeon  Tratado Sobre o Amor de Deus, Um — Bernardo de
 Marcas de Uma Verdadeira Conversão — G. Whitefield Claraval
 Mito do Livre-Arbítrio, O — Walter J. Chantry  Um Cordão de Pérolas Soltas, Uma Jornada Teológica
 Natureza da Igreja Evangélica, A — John Gill no Batismo de Crentes — Fred Malone

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— Sola Scriptura • Sola Fide • Sola Gratia • Solus Christus • Soli Deo Gloria —
2 Coríntios 4
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Por isso, tendo este ministério, segundo a misericórdia que nos foi feita, não desfalecemos;
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Antes, rejeitamos as coisas que por vergonha se ocultam, não andando com astúcia nem
falsificando a palavra de Deus; e assim nos recomendamos à consciência de todo o homem,
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na presença de Deus, pela manifestação da verdade. Mas, se ainda o nosso evangelho está
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encoberto, para os que se perdem está encoberto. Nos quais o deus deste século cegou os
entendimentos dos incrédulos, para que lhes não resplandeça a luz do evangelho da glória
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de Cristo, que é a imagem de Deus. Porque não nos pregamos a nós mesmos, mas a Cristo
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Jesus, o Senhor; e nós mesmos somos vossos servos por amor de Jesus. Porque Deus,
que disse que das trevas resplandecesse a luz, é quem resplandeceu em nossos corações,
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para iluminação do conhecimento da glória de Deus, na face de Jesus Cristo. Temos, porém,
este tesouro em vasos de barro, para que a excelência do poder seja de Deus, e não de nós.
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Em tudo somos atribulados, mas não angustiados; perplexos, mas não desanimados.
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Perseguidos, mas não desamparados; abatidos, mas não destruídos; Trazendo sempre
por toda a parte a mortificação do Senhor Jesus no nosso corpo, para que a vida de Jesus
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se manifeste também nos nossos corpos; E assim nós, que vivemos, estamos sempre
entregues à morte por amor de Jesus, para que a vida de Jesus se manifeste também na
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nossa carne mortal. De maneira que em nós opera a morte, mas em vós a vida. E temos
portanto o mesmo espírito de fé, como está escrito: Cri, por isso falei; nós cremos também,
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por isso também falamos. Sabendo que o que ressuscitou o Senhor Jesus nos ressuscitará
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também por Jesus, e nos apresentará convosco. Porque tudo isto é por amor de vós, para
que a graça, multiplicada por meio de muitos, faça abundar a ação de graças para glória de
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Deus. Por isso não desfalecemos; mas, ainda que o nosso homem exterior se corrompa, o
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interior, contudo, se renova de dia em dia. Porque a nossa leve e momentânea tribulação
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produz para nós um peso eterno de glória mui excelente; Não atentando nós nas coisas
que se veem, mas nas que se não veem; porque as que se veem são temporais, e as que se
não veem são eternas. Issuu.com/oEstandarteDeCristo

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