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Abril 2015
Banca Examinadora
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Agradecimentos
Agradeço especialmente a Gelongma Zamba Chözom ( Ani Zamba) por todos os
anos de dedicado acompanhamento e generosidade para a organização do programa
Atentamente. A todos os professores de meditação que me apontaram o caminho com
suas aulas e em especial aos que deram instruções pessoais e conselhos importantes para
a realização desse trabalho em especial: Wangdor Rinpoche, Kilung Rinpoche, Tenzing
Palmo, Gyalwa Dokhampa, Tosoknyi Rinpoche, Lama Lena Ferral, Lama Padma
Samten e Alan Wallace. Peço perdão pelas falhas e incompletudes na crença de que,
apesar das limitações, o que foi possível fazer será de grande benefício a muitas
pessoas.
Agradeço a minha família por seu legado no cuidado dos seres, família de
muitos médicos, avôs, tios, pai e mãe médicos, esse trabalho procura integrar a
medicina à sabedoria.
À professora doutora Sandra Fortes por ter me recebido em sua casa no Rio de
Janeiro e dedicado horas de sua atenção em recomendações preciosas na realização do
estudo, grato pela disponibilidade e parceira na implantação de programas de ensino de
mindfulness no Brasil. Ao professor doutor Marcelo Demarzo por sua dedicação ao
desenvolvimento desse campo no Brasil e por ter me recebido em São Paulo onde fui
4
Apesar de minhas muitas falhas, sonho que esse trabalho seja pelo menos uma
gota no oceano de ações benéficas daqueles que agem para a felicidade de todos os
seres.
5
Sumário
Resumo ---------------------------------------------------------------------------- 4
Abstract --------------------------------------------------------------------------- 5
Introdução ----------------------------------------------------------------------- 6
1 Marco Teórico -------------------------------------------------------------------- 12
1.1 O sistema nervoso, o organismo e a evidência clínica.
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Resumo
Programas chamados de Mindfulness Based Therapy, de meditação atenção-
conscientização, têm apresentado resultados significativos em meta-análises. Devido a
isso, diversos estudos qualitativos têm investigado as transformações pessoais e
construído teorias, sendo a principal a teoria da transformação da situação perceptiva.
Mas apenas recentemente, em 2014, foi publicada a primeira investigação qualitativa
investigando transformações interpessoais consequentes de tais intervenções. Já no
Brasil, a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares no SUS incentiva
o ensino da meditação para promoção da saúde. Localmente, o programa Atentamente
de ensino de práticas no SUS compõe, com outras práticas integrativas, as abordagens
do Núcleo de Apoio em Práticas Integrativas (NAPI) SUS Recife. Nesse programa o
aprendizado de atenção-conscientização é apresentado em consonância com as
vivências dos participantes. Quanto à metodologia, o presente estudo de caso construiu
roteiro de entrevista qualitativa semi-estruturada e dialogada a partir das teorias
fundamentadas. Foram entrevistados 6 informantes chaves sobre as experiências com os
estágios de desenvolvimento em intenção, atitude e atenção. Além disso, foram
acompanhados quatro turmas do curso com observação participante. Quanto aos
resultados, as categorias mais importantes elencadas no processo de transformação
intrapessoal foram Aceitação, leveza, permitir mudança e deixar os pensamentos irem.
Já na compreensão das transformações interpessoais as de maior significância foram
Estar presente com o Outro, reagir menos, pensar melhor e autoconfiança. A teoria da
dádiva se mostrou potente na elucidação da mudança de atitude frente ao outro a partir
das práticas contemplativas, e recirculação de dádivas fundamentais.
Abstract
Programs classified as “Mindfulness Based Therapies” have shown significant results in
meta-analyzes teaching attention-awareness meditation. Because of this, several
qualitative studies have investigated the personal transformations building theories, the
main theory being the transformation of the perceptual situation theory. But only
recently, in 2014, was published the first qualitative research investigating interpersonal
transformations related to such interventions. In Brazil, the National Policy on
Integrative and Complementary Practices in the SUS encourages the teaching of
meditation for health promotion. Locally, the mindfulness-awareness based educational
program Atentamente (“mindfully”) is part of the governmental strategy, the Center for
Support in Integrative Practices (NAPI) SUS Recife. In this program attention-
awareness of learning is presented in line with the experiences of the participants. As for
the methodology, this is a case study built with qualitative interviews based upon the
grounded theories. 6 key informants were interviewed about the experiences with the
development stages in intention, attitude and attention. In addition, were followed four
courses with participant observation. As for the results, the most important categories
listed in personal transformation process were “Acceptance”, “lightness”, “enable
change” and “let the thoughts go”. In the understanding of interpersonal transformations
the main categories were “present with the Other”, “less reactive”, “better thinking” and
“self-confidence”. The Gift theory proved powerful in elucidating the change of attitude
from the other contemplative practices, and recirculation fundamental gifts.
Introdução
diversas regiões do Brasil. O Dalai Lama e sua profícua produção de livros tem sido
uma inspiração à ética laica e estudos científicos sobre felicidade. (LINS, 2013 )
Algumas iniciativas voluntárias desses professores tem disponibilizado ao publico o
aprendizado do caminho da atenção-conscientização em praças e palestras. Algumas
iniciativas tem procurado integrar a meditação na educação, como os programas de
facilitadores holísticos no NEINFA em Recife e a escola Caminho do Meio no Rio
grande do Sul.
Já no Sistema Único de Saúde (SUS) apenas intervenções pontuais e voluntárias
tem sido realizadas associadas aos professores de atenção-conscientização, o Programa
Atentamente é o pioneiro como um programa estruturado no SUS, faz do organograma
de atenção municipal como integrante do Centro Integrado de Saúde e do Núcleo de
Apoio em Práticas Integrativas, vem atuando desde 2011, para auxiliar as pessoas no
aprendizado de mindfulness (Atentividade) em Recife, atendendo participantes enviados
de Unidades de Saúde da Família. O projeto nasceu na atenção básica, organizado pela
equipe de saúde da família do córrego do Jenipapo em 2011. O autor da presente
dissertação é fundador do programa, na época, era já médico de família e pesquisador de
medicina tradicional com enfoque mente-corpo e estudante na tradição budista da
atenção-conscientização. Das reflexões entre a tradição contemplativa, a educação
popular em saúde e a ciência cognitiva nasceu o programa Atentamente a partir do
diálogo com os participantes e profissionais.
A supervisão permanente da Gelongma Zamba Chozon foi fundamental durante
todo o processo de escolha dos conceitos chaves para a investigação da experiência e
das imagens populares escolhidas para representar esses conceitos e na resposta a
dificuldades surgidas entre os participantes. A referida professora, uma das mais
experientes professoras ocidentais de meditação na tradição tibetana realizou inclusive
entrevistas com participantes do programa para verificar seu aprendizado. Depois de 10
anos de estudo, sendo que dois desses incluiu a supervisão da atuação prática e o
resultado nos praticantes, Zamba Chözom autorizou o autor dessa dissertação a ensinar
na tradição da atenção-conscientização.
Essa nova responsabilidade fortaleceu a aspiração de compartilhar essas praticas
como estratégias educacionais de desenvolvimento humano no estado laico. Como
13
indica o Dalai Lama, precisamos achar diálogo comum entre todos sobre
desenvolvimento de valores humanos, pois temos pouco tempo para mudar nosso rumo
enquanto humanidade. Assim, o autor do presente trabalho, pela intenção de unir todas
as ações de praticas integrativas e expandir pela rede de saúde esses caminhos de
humanização e desenvolvimento, e graças ao trabalho conjunto de um coletivo de
profissionais e gestores passou a ser coordenador da política municipal de Praticas
Integrativas e Complementares na Cidade do Recife (PMPICS- PCR).
14
1 Marco Teórico
É uma constatação crescente que a saúde pública necessita alargar seu horizonte
para incluir tecnologias promotoras de saúde mental (leves e leve-duras) (MERHY,
2002). Uma medicina que não investigue a dupla situação de nossos corpos se
manifestarem como estrutura física e como estruturas experienciais vividas terá muito
pouco a dizer sobre medo, angustia, compaixão, etc. Para oferecer integralidade na
atenção à saúde é necessário abordar diretamente a experiência vivida de seu maior
objeto, o sofrimento humano.
Fenomenologia é a descrição dos fenômenos como se apresentam diretamente na
experiência. Alguns de seus proponentes como Maurice Merleau-Ponty criticaram
Hursel e seus seguidores por partirem da ideia de ego individual e proporem uma
possível “subjetividade transcendental”. Merleau-Ponty preferiu a psicologia da
percepção, enfatizando a experiencia de sujeitos humanos localizados, concretos,
vivendo juntos e “ afirma que o corpo e o comportamento são portadores imediatos e
pré-linguísticos de significado na experiência (Shapiro 1985)” (OUTHWAITE; 1996)
Esta dissertação procura se alinhar, entre outros, com o projeto de investigação
apontado por Varela, Thomson &Rosch (1991). Isso por compartilhar da convicção na
necessidade das ciências da mente alargarem seus horizontes para incluir a experiência
humana vivida. Esse projeto de investigação é uma continuação moderna daquele
iniciado por Merleu-Ponty (1999) quando indicou investigar partindo da desconstrução
do objetivismo cartesiano.
A fenomenologia da percepção (MERLEU-PONTY; 1999) implica numa
investigação precisa da própria experiência vivida em seus menores componentes
discerníveis. Essa investigação avança o que já havia sido desenvolvido pela psicologia
da Gestalt. Essa linha de investigação já havia revelado diversos processos
fundamentais da consciência humana, como a relação figura-fundo e a composição das
partes pelo todo. Para relembrar esse segundo conceito menos comentado, ou seja a
composição das partes pelo todo, lembremo-nos que a imagem geral de uma mulher é
que determina que um simples traço seja interpretado como uma orelha. A escola da
Gestalt produziu resultados científico coerentes em experimentos robustos na sua busca
17
de uma psicologia da percepção, mas se manteve limitada por seu projeto influenciado
pelo objetivismo cartesiano, o que foi avançado pela fenomenologia da percepção.
(MERLEU-PONTY;1999) (OUTHWAITE; 1996)
A percepção já implica numa forma de interpretação na medida que figuras são
eleitas em contraste com um fundo concomitantemente eleito, ambos tendo implicações
na corporalidade, sensação por outro lado é bem mais básica e fugidia dificilmente
experienciada em estado puro (MERLEAU-PONTY, 1999).
Essas pesquisas deram frutos importantes na etnometodologia, na educação e na
psicologia clínica, em especial entre as abordagens fenomenológico-existenciais
(Afonso )tais como a Gestalt-terapia (PERLS) e da centrada na pessoa (ROGers UM
Jeito de Ser), essa última influenciada, em suas mais recentes elaborações, pelas ideias
de Buber, em especial no último Rogers, após seu conhecido diálogo com Buber. Buber
deu uma grande contribuição ao apontar as diferenças entre a polaridade Eu-tu e a Eu-
isso, que em cada palavra principio nos referimos a um diferente Eu que se relaciona
naquele instante com um Tu ou com um Isso.(Eu- tu , Eu-isso)
Apesar das contribuições em diversos campos estava relativamente apartada da
medicina e das abordagens experimentais como a psicologia cognitiva, a neurociência,
até os esforços de Varela e colaboradores apoiados pelo Mind and Life Institute. A partir
dos esforços conjuntos de numerosos pesquisadores, hoje há um campo profícuo em
diversas intersecções entre ciência experimental e psicologia da percepção. O elo de
ligação foi surpreendentemente a tradição contemplativa com seus métodos acessíveis
de exame dos fenômenos mentais, trabalhos derivados dela como cursos de mindfulness
e pesquisas com neuroimagens de meditadores.
Provas consideráveis ao longo da história da humanidade, indicam que a
própria experiência pode ser examinada de uma maneira disciplinada e que
com especialização, tal tipo de exame pode se consideravelmente melhorada
ao longo do tempo. Referimo-nos à experiência acumulada numa tradição
que não é familiar à maioria dos ocidentais, mas que dificilmente o Ocidente
pode continuar a ignorar ─ a tradição budista da prática meditativa e da
exploração filosófica pragmática. (VARELA, THOMPSON, ROSCH 1991p
19)
18
1991, p50, )
As meditações da tradição atenção-conscientização são pragmaticamente
aplicadas para a familiarização com processos mentais. Dentre essas, as práticas de
atenção são inicialmente direcionadas a acalmar a mente com o suporte de um foco
como na respiração ou nas sensações do corpo, entre outros, e na mente em “calmo
permanecer” (shamatha em sânscrito; shinê em tibetano). Por outro lado as práticas de
conscientização são a aplicação dessa atenção no reconhecimento dos processos mentais
e nas suas características ou ausências de características inerentes, isso para ter
compreensão especial (visão mais profunda ou uma visão mais larga; vipassana em
sânscrito; langthong em tibetano) podendo ser aplicadas de maneira fenomenológica ou
ontológica. Apesar da validação ser fenomenológica, essas observações são analisadas
na tradição no contexto de contemplações ontológicas a partir de exploração
pragmática.
Depois de desenvolver a habilidade de se empenhar na meditação da
tranquila absorção, em vez de colocar a mente unidirecionalmente no objeto,
o meditador começa a analisá-lo. O objeto de meditação nesse caso é
basicamente a verdade máxima, mas os fenômenos convencionais não são
excluídos. A concentração que gera a satisfação física e mental mediante a
análise do objeto é a compreensão especial (DALAI LAMA, 2001p 97)
da percepção a partir de uma tal abstração é uma atitude ingênua, muitas vezes referida
como realismo ingênuo (STEINER, 2000). Steiner dá uma contribuição importante para
a discussão em seu livro Filosofia da Liberdade, apresentando um método de
investigação fenomenológica que procura superar o dualismo e pavimentando o campo
com demonstrações claras das limitações dos diferentes tipos de tentativas dualistas de
abordar o conhecimento e estabelecer termos para nos referir a essas diferentes posições
epstemológicas, ou diferentes cosmologias. Tão presentes hoje como sempre estiveram
nas discussões científicas, apenas com mais refinados métodos tecnológicos de
investigação empírica. Muitos neurocientistas expressam posições de realismo ingênuo
quando falam da experiência e de idealismo crítico quando se referem aos “mecanismos
cerebrais”.
Com isso não se está afirmando a inutilidade de mapas de realidade, apenas se
afirma que esses podem ser usados como o que são: mapas parciais construídos a partir
de contextos socioculturais, sem se permitir cair no subjetivismo de um idealismo
crítico (STEINER, 2000) essa última posição cosmológica decorre de reflexão limitada
pelo objetivismo cartesiano. Ou seja ao postular um “realidade suprema” para além da
percepção, autores importantes como Schutz partem de um mundo da vida humana
cotidiana (Lebenswelt) existente a priori (OUTHWAITE; 1996) caem inadvertidamente
no subjetivismo ao ter de concordar com a visão de um o ego cartesiano solitário
enclausurado em suas projeções (STEINER, 2000). Schultz deu, apesar da diferença
epistemológica de sua época, várias contribuições fundamentais para o presente
trabalho, dentre elas merece destaque a noção de constructos de segunda ordem (criados
pelos pesquisadores) devem ser embasados nos de primeira ordem ( usados no cotidiano
pelas pessoas) (OUTHWAITE; 1996)
Tanto as concepções como a percepção são construídos, a própria atenção não é
um processo inerte, mas uma atividade com um aspecto interpretativo. A escolha da
figura sempre está em relação a um fundo (MERLEAU-PONTY, 1999), ou seja, a um
contexto interpretativo ou em outras palavras a uma intenção (RABTEN, 2000) Assim,
a percepção carrega em si uma forma de interpretação, não se referindo a uma
interpretação no sentido de elaboração intelectual, mas uma forma bem mais imediata
que se dá no acoplamento estrutural (VARELA; THOMPSON; ROSH, 1991); a
21
percepção se dá particularmente para aquele que percebe que por sua vez é formado
pelo próprio mundo, e dessa circularidade fundamental emergem concomitantes objeto,
sentido e sujeito e estruturas. (VARELA, THOMPSON, ROSH, 1991) (MERLEAU-
PONTY; 1999)
Pode gerar certa angústia intelectual a falta de fundação, perceber-se num
edifício construído sobre areia movediça. Esse caminho de investigação tanto da própria
experiência como da investigação científica exige coragem, pois pode parecer caminhar
para o vazio. A própria noção de identidade tem sido disputada pelas evidências
neurofisiológicas, que demonstram que não há um Eu em qualquer lugar, que apenas
agregados integrados operam no cérebro. Nesse órgão, não se pode achar um
processamento central, mas apenas interações em rede.
Na investigação disciplinada da percepção, da mesma maneira, não se acha um
Eu, mas sim, processos mentais; mesmo o uso da palavra mente ou consciência no
singular são problemáticos e, por isso, aqui é dado preferência ao uso de “processos
mentais” e “consciências” como na filosofia da exploração pragmática budista. Em
meio a essa angústia se apresenta a preocupação que, à medida que a ciência e a
filosofia pós-moderna vão demonstrando a inadequação da experiência cotidiana e dos
modelos habituais de percepção, as bases para a moralidade serão perdidas; do mesmo
modo as identidades sendo cada vez mais fluídas, menos as moralidades estabelecidas
terão significância para as pessoas. Não é mais cabível defender-se desses “achados”
sobre a mente e se refugiar na antiga maneira moderna de conceber a “certeza e a
evidência” como lugar seguro onde se colocar no mundo.
Esse é, no entanto, mais uma razão importante para o diálogo com a tradição da
atenção-conscientização e com a filosofia budista pragmática, pois essa tradição, devido
as suas intensas explorações fenomenológicas, tem lidado com a questão do caráter
vazio (vaziez) da identidade há milênios. Aliás, o reconhecimento da vaziez da
identidade é considerado um importante fator de saúde mental associado ao cultivo de
fatores mentais auspiciosos e, ao contrário, o apego a uma identidade unificada central à
experiência, um “eu” auto-existente, é um fator de adoecimento mental associado a
fatores mentais deletérios como apego, aversão, ignorância, inveja, medo, etc.
Quando entramos em discussões temos dificuldade para ver como os Outros
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não conseguem ver que estamos certos. De modo, semelhante os Outros têm
dificuldade para entender porque não conseguimos ver as coisas do ponto de
vista deles. Isto acontece porque certo e errado também dependem de
conceitos individuais. (DOKHAMPA, 2013,p77)
saber e no que consideram como bases confiáveis para o conhecimento, quais seus
limites e como dialogam com outras disciplinas; somado a esses dois, é necessário o
Ethos, a intenção de responder adequadamente às necessidades dos seres humanos em
integralidade promovendo saúde e prevenindo o sofrimento evitável (PELIZZOLI,
2011).
Ferreira (2007) utilizando-se de uma abordagem integral, dialogando com a
obra de Varela, Thompson e Rosch (1991) demonstrou como foram importantes essas
práticas meditativas ligadas a tradição atenção-conscientização em um curso de
formação humana para adolescentes brasileiros. Na medida que os estudantes
desenvolveram atitudes alo-centradas puderam apoiar uns nos outros formando rede
social de apoio ao redor do valor do estudo e da compaixão. Assim puderam propagar
essas atitudes alo-centradas para outros jovens. A segunda qualidade demonstrada foi
relação entre metacognição sobre seu processo de pensamento e o desenvolvimento de
uma cultura que pode ler as injustiças sociais ao mesmo tempo que percebem seu
próprio processo pensamental de reconhecimento e de formação de si mesmo. Assim
esses garotos, hoje colegas profissionais de saúde e educação, decidem se constituir
como cidadãos de impacto positivo. Ferreira (2007) é modesto na análise do impacto de
seus resultados. Analisando hoje sete anos depois percebemos os resultados do seu
estudo de caso no contato com colegas mestres em psicologia e educação egressos do
programa.
Para situar o presente trabalho nas teorias contemporâneas com as quais dialoga
se usará uma categorização de tópicos inspirados no modelo Integral proposto por Ken
Wilber (2001) (2006). Neste trabalho foi usado um modelo integrado simplificado
derivado desse modelo integral de Wilber, isso porque se propõe apenas a organização
dos diálogos teóricos fundamentais a linha de argumentação do presente texto. Não é
objetivo ainda do presente trabalho abordar todos os seus quadrantes e linhas; é apenas
situar as contribuições em num quadro de conhecimento geral.
Assim, os tópicos serão organizados em relação ao ponto de vista do sujeito
entre a abordagem do conhecimento como eu, nós, isto (singular) e isto (coletivo).
Assim, um quadro com quatro quadrantes é constituído onde as abordagens de busca do
conhecimento podem ser posicionadas, para ficar claro, suas complementaridades e
25
Diversas pesquisas (PESSOA, 2013) têm apoiado a noção de que não é possível
separar cognição de emoção, que os estados mentais sempre apresentam um tônus
emocional e uma forma de apreensão cognitiva. A tentativa de separar emoção e
pensamento racional é, infelizmente, bem presente na cultura ocidental moderna e,
ainda hoje, popular na maneira das pessoas procurarem se compreender.
Pessoa (2013) sugeriu o termo cognitivo-emocional, utilizando ambas as
28
palavras associadas por hífen para marcar que todo estado emocional é também
cognitivo e vice-versa. A amídala cerebral, por exemplo, até recentemente associada a
estados emocionais de luta e fuga e um dos principais centros do que vem sendo
chamado “cérebro emocional”, aparenta ter uma relação muito mais íntima com o
córtex e estar associada não só a estados emocionais, mas a todos os processos de
valoração. Ou seja, o que antes era considerado apenas relacionado a estados
emocionais de luta e fuga, hoje sabemos participar de todos os processos de decisão,
pois esses sempre envolvem distinção de valores e escolhas (PESSOA, 2013). O
processamento no cérebro é como uma rede complexa, áreas são formadas por redes de
neurônios, processos são formados por redes de áreas, ou seja, áreas também se
organizam compondo um nível da rede com suas próprias propriedades emergentes.
(PESSOA, 2013). A hipótese conexionista olha para as propriedades que emergem em
cada nível do sistema a partir de conexões complexas apenas possível a partir um
grande número de elementos com seus processamentos. Ou seja, é da interação entre
elementos aparentemente simples que surgem propriedades mais complexas. (VARELA;
THOMPSON; ROSCH, 1991).
Evidências de que o cérebro pode ser profundamente modificado, via
neuroplasticidade, têm sido igualmente aprimoradas por imagens funcionais mais
precisas e desenhos de pesquisa engenhosos. Hoje já é crescente a conclusão que as
transformações cerebrais podem ser melhor entendidas como modificações nos padrões
de integração de rede, compostas alternadamente por diversas áreas cerebrais (PESSOA,
2013).
O ponto de vista cognitivista de processamento de símbolos procurou explicar a
cognição humana a partir de um processo computacional binário embasado em
representações simbólicas. Uma imagem para essa visão é o processo de tomada de
decisão e análise de um adulto especialista, que decide partindo de fluxogramas de
representações.
Essa visão está mudando para uma abordagem chamada de co-emergência de
redes neurais auto-organizadas: “O tipo de inteligência mais profundo e fundamental é
o de uma bebê, que pode adquirir linguagem a partir de elocuções diárias dispersas e
pode construir objetos significantes a partir daquilo que parece ser um mar de luzes”
29
anos − “o avô morreu, e 20 dias depois a avó morreu também”; estes fatos são
Aquele que deseja curar, no verdadeiro sentido, deve ter viva dentro de si a arte
38
Figura 2: Os três axiomas de mindfulness, Intenção, Atenção e Atitude não são estágios
separados. Eles são aspectos de um processo cíclico e ocorrem simultaneamente
(SHAPIRO, p 375, 2006)
.
A autora explica sua afirmação com o exemplo de uma criança de 3 anos que dá
de presente à sua mãe o seu brinquedo preferido, enquando uma de oito dá à mãe uma
flor. Ou seja, dentre esses dois estados de desenvolvimento, o de três não é capaz de
separar seus próprios desejos dos da sua mãe, enquanto o de oito já consegue, “as
necessidades de minha mãe são diferentes das minhas” (SHAPIRO, p 378 2006).
Shapiro conclui, portanto, que a prática de mindfulness, ou seja, a prática de
intencionalmente prestar atenção de uma maneira específica, acelera esse processo de
desenvolvimento natural do ser humano. “Essa dor não sou eu” e “esses pensamentos
42
não são eu” são afirmações advindas da capacidade de olhar nessa metaperspectiva
(SHAPIRO, p 378, 2006).
Outros mecanismos adicionais encontrados na literatura são: Autorregulação,
Clarificação de valores, Flexibilidade cognitiva-emocional e Exposição. Todos podendo
ser relacionados à reperceiving, autorregulação por apresentar a capacidade de perceber
estados emocionais como ansiedade sem se deixar envolver, assim como a flexibilidade
cognitiva-emocional que permite diversos pontos de vista. A exposição foi considerada
eficaz numa série de transtornos e implica na possibilidade do sujeito permanecer
presente para o sintoma sem necessitar fugir imediatamente. A clarificação de valores
está associada à desidentificação dos pensamentos, na medida que estruturas de crenças
familiares e sociais foram incorporadas tacitamente sem reflexões; quando o sujeito
senta e percebe atentamente seus pensamentos, pode observar esses valores e, assim,
pode escolher novos, que sejam mais verdadeiros para o sujeito. (SHAPIRO, P380 -381,
2006).Deste modo, ao dar-se conta dos fatores mentais, o ser humano vai, tal qual
descrito por Shapiro, se desenvolvendo. Os mapas de estados mentais auxiliam tanto no
reconhecimento dos fatores mentais mais fundamentais, auxiliando reperceiving
sucessivos, como apontando os possíveis desdobramentos no desenvolvimento de
fatores mentais auspiciosos no treinamento mental.
O exame dos fatores mentais mais fundamentais é apoiado por sucessivos
reconhecimentos da vaziez; ou melhor, há uma contraparte inevitável entre reperceiving
e diferentes estágios do reconhecimento da vaziez. A cada reperceiving (ou seja, a cada
etapa de desenvolvimento no qual um fator antes fundido com o sujeito passa a poder
ser objeto), um aspecto do ponto de vista sobre a vida, da percepção de mundo vivido,
passa a ser percebido como vazio de existência permanente, fixa e independente. A
paisagem que aparentava eterna e auto-existente num certo estágio passa a ser essa
mesma paisagem agora vista como interdependente com o estado emocional do sujeito.
Como o medo do escuro, da criança de nove anos, que depois é reconhecido como
interdependente aos pensamentos e histórias. Em outras palavras, o que antes só podia
ser fundo passa a poder ser figura, e tem nascimento um novo fundo no qual sua vaziez
e interdependência são reconhecidos.
O trecho seguinte compara - ao examinar as sucessivas meditações de
43
corpo moderno construído socialmente como uma entidade, mas os diversos corpos
vividos em suas transformações estruturais e perceptivas.
Em 2012 foi publicada uma teoria fundamentada (grounded theory, MALPASS et al.,
2012) fruto de uma revisão sistemática de todos os estudos qualitativos produzidos
desde 2001 sobre a experiência dos participantes de programas de mindfulness. Apenas
estudos com análise de pacientes adultos foram incluídos. Foram selecionados 14
estudos de alta qualidade realizados em amostras intencionalmente escolhidas de
pessoas que haviam participado dos cursos há até 3 anos. Foi realizada então uma meta-
etnografia procurando incluir os códigos primários nas palavras dos participantes e os
códigos secundários elaborados pelos pesquisadores e, após criar uma tradução de
sentidos entre estudos, os ordenou de maneira a contar a narrativa da transformação dos
usuários. Essa narrativa foi organizada em três fases.
Fase 1 Exposição e Interrogações
A superação dessa fase parece vir, segundo a descrição dos participantes, após o
aparecimento de duas mudanças: a primeira, “fazer as pazes com a experiência”
(MASON; HARGREAVES, 2001, p. 201), em outras palavras abandonar a tentativa de
mudar o que se experiencia; a segunda, “abrir-se à mudança”, o que embora possa
parecer um paradoxo pode ser compreendido como ao deixar de querer um resultado
específico e permitir o processo de mudança. Com essas duas mudanças o participante
passa a ver as limitações de suas maneiras habituais de lidar com os sintomas e
perceber, por exemplo, “com minha reação estóica e um pouco raivosa à dor nas contas
eu estava negligenciando meu corpo todo” (MORONE, 2008). Um achado em vários
estudos, que não havia sido previsto pelos pesquisadores, é nessa fase ser referida a
importância do grupo onde se partilha as experiências do processo de aprendizado.
Referiu-se que nos grupos puderam ser “normalizadas” as práticas sentidas como
estranhas ou incômodas por cada integrante, separadamente, mas que ao acontecerem
trocas de experiências, essas dificuldades foram naturalmente superadas.
presente em seu corpo e no controle de seu corpo, lidando com dor e outros
desconfortos 3) Agir com resposta flexível, podendo responder às situações tendo
consciência de muito maior multiplicidade e podendo escolher.
2 Método
O Estudo de Caso, segundo Robert Yin (2010), é uma estratégia de pesquisa que
investiga um caso particular na atualidade e o contrasta com as proposições de uma
teoria vigente. Sua principal característica, para tal, é o planejamento do que se pretende
investigar. Não obstante, apenas com planejamento se pode colher os dados necessários
a contrastar com uma teoria. Quando o caso em estudo é um programa que envolve
várias pessoas, essa necessidade se torna ainda mais decisiva, pois a própria delimitação
do que será “o caso” é fundamental.
aceitação e a mudança?
e resposta as situações
Equilíbrio mental
Equilíbrio Atencional
(>) Agitação
Equilíbrio Cognitivo
Equilíbrio Afetivo
(<) Apatia,indiferença
2.2 Informantes-chaves
55
mostrou como remédio ideal; a experiência, graças ao estudo desta, foi de descoberta de
calma, flexibilidade e de firme convicção. Depois da recuperação total da saúde, sem
sequelas ou transtornos o autor se interessou ainda mais no estudo do estresse, dos
processos mentais e da meditação e decidiu buscar um professor que demonstrasse
conhecimento experiencial no diálogo e apontasse um caminho de desenvolvimento
sem necessidade de asserções metafísicas. O encontro com Gelongma Zamba Chozon e
o intenso relacionamento que se fortaleceu mutuamente ao longo dos anos.
O Atentamente nasce, assim, de uma parceria entre o autor e essa sua professora,
após 8 anos de estudos com diversos encontros intensivos de tutoria durante os anos.
Deste modo, o curso fundamental do Atentamente são os métodos de cultivo de
intenção, atitude e atenção, colecionados e realizados por Zamba Chozon,
sistematizados numa metodologia de educação popular em saúde. Esses ensinamentos
foram sistematizados em um curso fundamental, já com a intenção da realização de
outros dois tipos de cursos de aprofundamento ainda em desenvolvimento.
O curso fundamental do Atentamente é o que já está implantado, e há
perspectiva do início de um curso do segundo estágio, de treinamento da mente, e na
sequência, o terceiro estágio, de repouso natural. A visão é que a medida que mais
pessoas pratiquem os exercícios fundamentais de intenção, atitude e atenção (ou
mindfulness) haverá interesse e necessidade de cursos de aprofundamento, que
igualmente servirão para a formação de facilitadores.
2.3.1 Intenção
A intenção apropriada tem dois aspectos. Para que sua investigação de seus
processos mentais seja bem-sucedida, devido às próprias características desses
processos: 1) É fundamental que a intenção seja ampla. Se esteja disposto a aprender
com seja lá o que emergir, caso a intenção seja direcionada a um objetivo ou a um
61
Respirar Atentamente
Esta é uma das técnicas mais populares de meditação. Ela consiste em dedicar
plena atenção no simples ato de respirar naturalmente, sem controlar a respiração;
perceber a sutil sensação do ar entrando e saindo pelas narinas ou sentir a sensação do
abdômen inflando e esvaziando com o ritmo respiratório. Durante o exercício, é normal
que pensamentos surjam no fluxo mental e que a identificação com eles roube a
atenção. Esse é um bom momento para treinar simplesmente perceber que sua atenção
63
foi desviada para outro objeto, e trazer de volta a mesma para a respiração. Deve-se
simplesmente, sem julgamento, sem culpa, sem comentários interiores, apenas trazer a
atenção de volta com delicadeza, muitas vezes por minuto, no início da prática.
Durante o curso de oito semanas na unidade de saúde era comum ser
“interrompidos” por fatores externos, um deles como um carro de som que sempre
passava no horário da aula tocando músicas e anunciando propagandas. Inicialmente, a
presença do carro de som foi encarada pelos alunos como um inimigo ao aprendizado,
porém, com o tempo de convivência e as instruções dos facilitadores, o carro começou a
ser encarado como um desafio à prática, chegando a ponto de torna-se parte integrante
da aula. Hoje, há um dizer no Atentamente parodiando um ensinamento tradicional:
“não é o que o carro de som faz com você, é o que você faz com o carro de som”; ele
passou a ser um lembrete desse princípio.
importante treinar na respiração deixando-a seguir seu fluxo natural, por haver nesse
treinamento o componente de permitir deixar ir momentaneamente o hábito da
personalidade de controle que impede de observar os fenômenos mentais.
O compromisso com a prática diária é pequeno, 5 minutos, 3 vezes ao dia, e por
três razões: Primeiro, o compromisso estabelecido é sentido como possível pelos
participantes, diminuindo as desculpas. Segundo, os participantes aumentam o tempo de
prática por sessão e o fazem por livre e espontânea vontade; acredita-se que os
participantes estabelecem uma relação mais positiva com a prática, que não é vista
como uma obrigação mas como uma oportunidade. Terceiro, várias pessoas no início
sentem torpor e sonolência e o tempo dessas pessoas é muito melhor utilizado em
sessões curtas que evitam o risco de pessoas com muita agitação desenvolverem aversão
à prática.
Nessa fase os participantes são introduzidos a um primeiro exercício de
introspecção no cotidiano: perceber se estão qualificando a presente experiência como
agradável ou desagradável, confortável ou desconfortável. Como qualifico o que sinto
no momento? É, assim, uma introspecção no Sentimento (VARELA; THOMPSON;
ROSCH, 1991, p.155)
A segunda fase do treinamento é direcionada ao desenvolvimento de
desidentificação em relação aos pensamentos e o consequente reperceiving
(transformação da situação perceptiva). O Exercício de introspecção no cotidiano passa
a ser se perguntar: Será que isso é mesmo da maneira que penso que é? Quais outros
pontos de vista são possíveis? É, assim, um exercício de desidentificação com as
narrativas; diante do outro, numa situação de aumento de intensidade, é possível
perceber como é construída uma narrativa associada à emergência de emoções
perturbadoras, e assim percebe-se o aspecto de formações disposicionais (VARELA;
THOMPSON; ROSCH, P.100 1991).
Deste modo, as qualidades de desidentificação começam a ser desenvolvidas
preparando para o aprendizado da prática de Pensar Atentamente. Nesse exercício
meditativo repousamos a atenção delicadamente no fluxo natural dos pensamentos.
Deixamos os pensamentos virem e irem sem julgá-los como agradáveis ou
desagradáveis, positivos ou negativos, interessantes ou desinteressantes, apenas
65
Não-fazer Atentamente
Com a prática de pensar atentamente é possível aos participantes desenvolver
desidentificação, o que pode levar ao descentramento; para propiciar mais
oportunidades eles são orientados, durante a sessão de prática, a “largar a técnica”,
como uma introdução a uma maneira de praticar que só pode ficar clara para quem já
experimentou descentramento, o não-fazer atentamente.
Aqui, a palavra “meditação” é meramente dada ao ato de se familiarizar a
mente com o significado do estado natural ... Não se medita fabricando
mentalmente um objeto concreto com cor ou forma. Nem se deve suprimir
deliberadamente o pensamento ou a percepção mentais, como na meditação
numa vaziez construída. Meditação significa simplesmente manter a
neturalidade de sua mente sem nenhuma fabricação. (RANGDROL, 2009,
p.15)
66
Andar Atentamente
Além das práticas realizadas sentadas em silêncio são trabalhadas práticas com
movimento e em relação. Andar Atentamente é ensinado em pelo menos dois estilos,
um com movimentos lentos inspirados no Soto Zen (SUZUKI, 1994) e outro inspirado
no estilo de Tich Naht Hann (HANN, 1985).
Os três compromissos
67
Participação e pontualidade.
Metáforas fundamentais
Mel de Uruçu Só dá para provar, provando; Só conhece
quem prova, quem não provou imagina. A
diferença entre percepção e ideia.
Óculos A aparência do mundo é influenciada
pelas lentes. Quem usa óculos não vê as
lentes. As percepções são influenciadas
pela intenção (disposição interpretativa).
Sandália de couro É muito mais fácil se calçar para evitar os
espinhos da vida que querer que os Outros
sejam diferentes.
Grupo de corrida O esforço é coletivo todos aprendemos
muito mais se todos nos examinamos
continuamente.
Comece pelo fácil O lutador não começa no ringue
enfrentando o que é mais difícil.
Começamos com os relacionamentos mais
fáceis de melhorar.
assim fazemos ele pode deixar de ser um empecilho e passar a ser um auxílio. Não é o
carro de som e sim como reagimos a ele, se podemos escolher nos observar.
Na Oitava Semana para aqueles que estão no último encontro de seu primeiro ciclo
são convidados a planejar um programa para si mesmos, diante das ferramentas as
quais se tornou familiarizado durante o curso fundamental. Aqueles que completam seu
segundo ciclo avaliam seu progresso e sobre como continuar se familiarizando após o
término do curso. Todos refletem a continuidade e que outros aspectos de sua vida
necessita trabalhar e que cursos poderiam ser facilitadores nesse aprendizado. Revisa-se
o que foi tratado sobre o curso, esclarecendo dúvidas na elaboração da prática pessoal
após o curso.
71
3 RESULTADOS 3.1Da
rejeição da experiência à aceitação
Uma cena inusitada no nordeste do Brasil: uma jovem idosa, 69 anos, sentada,
de pernas cruzadas, numa cadeira no corredor da unidade de saúde, de olhos fechados,
transparecendo paz e aparentemente imperturbável diante da circulação de pessoas,
meditando. Sorridente, iniciou a entrevista contando que praticava há pouco mais de um
ano e que, quando chegou, era uma pessoa nervosa, agitada e explosiva.
Diana também relatou ter procurado o serviço integrativo em busca de algo que
auxiliasse na redução do estresse e da tendência à raiva e agressividade relatada por seus
entes queridos, no acolhimento do Centro Integrado de Saúde foi encaminhada para
fazer Tai chi chuan, e o facilitador dessa atividade sugeriu a ela que também praticasse
meditação. No trecho abaixo, descreve como estavam seus sentimentos e pensamentos
ao procurar o Atentamente, utilizando a palavra você para se referir a si mesma, porém,
generalizando no que fala por fazer crer que se aplica a outras pessoas.
Era uma coisa como se fosse tentar se resguardar, se resguardar do que você
viveu ou do que pode viver. Em alguns casos é uma perpetuação do que você
viveu, você viveu uma fase ruim ou uma coisa ruim ou um sentimento ruim e
você repercute aquilo como um eco pro resto, para os restos dos setores da
sua vida, que não necessariamente tem uma interligação, mas você repercute,
começa a ver tudo daquele modo (Diana)
73
Ela evoca uma imagem para expressar o que lhe acontecia, “ecos que
influenciam outros setores da vida”. Esses ecos atuam como filtros que distorcem a
percepção, provocando que tudo seja interpretado como sendo continuidade ou reforço
do próprio eco. Ou seja, a pessoa começa a ver tudo daquele modo (Diana) e não
percebe essa estrutura interpretativa que distorce sua percepção. Essa estrutura
interpretativa, essa ideia, esse eco, estava subjacente à experimentação, pois não era
visto por ela. A participante se refere a esses Ecos apenas após ter se dedicado durante
um período à observação com continuidade da própria experiência e em especial dos
próprios pensamentos.
No início os ecos roubavam-lhe a atenção envolvendo em sonhos acordados que
despertavam intensos sentimentos. Ela comenta sobre o início dessa observação
disciplinada de si.
Complicado no começo, desorientação, frustração, tristeza, sentia raiva,
angústia, no começo é complicado, você fica pensando, pensando, eu gosto
de começar com a respiração para tentar abandonar qualquer coisa, e depois
vou para as outras práticas, aí é complicado, e muitas vezes é complicado
começar mas com esse foco na respiração se torna um pouco mais fácil,
porque você sente como está com a respiração, porque sua respiração com
raiva, ela é curta, (demonstra a respiração) é curtíssima, você pensa: eu sei
que estou com raiva, vou me acalmar, não tem pra que. Aquela velha história
da intenção não tem por que eu fazer isso ... depois dos cinco minutos inicias
que você está na turbulência, acalma mais, não passa, ameniza. Diana
(Diana)
Núbia chegou trazida por uma amiga que, preocupada com ela, veio antes
conversar com o facilitador relatando que se tratava de uma pessoa gravemente
deprimida há muitos anos. Assim, veio conduzida para a consulta, já que ela mesma não
via esperança, ela descreve a sua situação mental:
Era uma mistura de ódio, mágoa, medo, insatisfação, enfim tudo de negativo
que você pudesse encontrar eu tinha, tanto é que a minha vida já não valia
mais nada, eu não tinha amor a vida, de jeito nenhum não tinha nem porque
sentir vontade de viver. Tinha estimulo por um lado, mas aquele estímulo era
como um nada, era como uma gota de água num oceano. Eu não me sentia
bem, só queria morrer, porque achava que a solução seria a morte, se nada
estava prestando pra mim aqui então pra quê eu viver. Era dessa maneira.
Então eu não titubeava, a qualquer momento que chegasse vontade eu estava
lá e fazia mesmo sem medo. O sangue escorria do pulso, como já houve a
questão do pulso, acidentes foram vários, querer pegar em fases de
eletricidade, e fazia mesmo, não tinha isso não, não morri porque não chegou
o momento. (Núbia)
Sobre a sua relação com as várias terapias integrativas, ela comenta logo no
início da entrevista:
A minha vida mudou muito depois de tudo isso, muito, muito, muito. Eu faço
muito, fazia e faço algumas terapias aqui que mexe com tudo, mas a
meditação, não sei se é pelo fato de envolver minha mente, querer entender o
que aconteceu comigo ao longo da minha vida isso me chamou a atenção,
cada vez a busca é maior, incessante eu não vou me cansar nunca. Eu amo o
que eu faço. É ao longo da meditação, ao longo do tempo que eu venho
fazendo a meditação ela tem me ajudou muito. Mas é muito além, assim, eu
sabia que tinha potencial em muitas coisas, eu só não sabia até onde eu podia
chegar. E hoje eu sei que posso ir mais além do que até onde eu marquei para
que chegasse, entendeu. Ela hoje já flui fácil, os pontos negativos eu sinto
que já, vamos dizer assim, eu não os venci, mas já aprendi a observá-los, a
entendê-los e aceitá-los.( Núbia) (trecho transcrito da fala de informante
referida por pseudônimo)
passando pelo mesmo processo que eu, e não estão conseguindo encontrar e
elas vêm a mim e perguntam qual foi a minha solução e eu disse: aceitação.
Eu aprendi aceitar. E aprendendo a aceitar a gente abre esse leque, como você
fala, de caminhos que você pode se permitir, aí, mas as pessoas ficam assim:
mas eu não entendo, eu não consigo entender, isso não consegue entrar na
minha mente. Então faça igual a mim, exame de consciência que você vai
conseguir chegar lá. (Núbia) (trecho transcrito da fala de informante referida
por pseudônimo)
Nesse trecho “Muita coisa pode ser alterada, mas com leveza, ... quando se altera
demais você se perde ... se aceitando você aumenta suas potencialidades” (Diana ) fica
evidente o lugar de transformação que ela dá a aceitação. A transformação intrapessoal
exige uma atitude de leveza consigo. Ela escolhe a palavra leveza para expressar essa
atitude diante do que se observa sobre si que não se está satisfeito, ou seja, uma atitude
pesada consigo implicaria em exigência e esforço. Ela expressa que necessita de leveza
na observação de si para não perder a capacidade de se observar, não se perder na
tentativa forçada de se alterar; justifica por argumentar que a aceitação permite o
desdobramento das potencialidades, o reconhecimento dos aspectos potentes de si como
a criatividade. Quando não se tem uma atitude devida de leveza diante dos próprios
sentimentos e pensamentos conturbados se gera a tendência a rejeitar em si o que é
caótico , desordenado e espontâneo, devido a uma necessidade constante de reafirmação
da própria identidade. Essa atitude de controle limita a criatividade, na medida em que
reage com excessiva severidade aos pensamentos que emergem. Por isso não reconhece
as formas mais sutis e momentânea de pensamentos.
infinita dependendo da maçã, da boca que prova, do que foi ingerido antes, do clima,
etc. Os verdes das folhas de uma árvore são diferentes em cada folha e numa única folha
diferente ao longo do dia, à medida que a luz vai se modificando. A linguagem não
expressa a experiência, apenas a indica ou permite que se converse a respeito de
experiências semelhantes em algumas características. Aqui se está relembrando esse
princípio diretamente ligado à questão da Experiência, no sentido forte, e que tal qual no
curso, será apenas referido que nem o mel de uruçu.
como se referem a seu contexto antes, em oposição a como estão agora, em termos de
“fazer as pazes com a experiência” e das dificuldades associadas ao início da auto-
observação mental disciplinada e a “Aceitação” como o marco de superação dessa fase
inicial, que é caracterizada por: incômodos, tentativa de controle, ansiedade e
severidade no julgamento das vivências.
Essa pessoa segue descrevendo que esse ponto de vista, com o tempo, se torna
tranquilizador, pois percebe que sua fisiologia reage até mesmo a coisas que não
aconteceram: “quando começa a ver por esse ângulo, você tem uma serenidade maior”
(Sara). Essa serenidade maior vem de ser capaz de se desidentificar das ideias e de estar
confortável com o desconhecido. Essas duas qualidades têm sido abordadas na literatura
internacional como associadas à proteção em relação à depressão, ansiedade e outras
situações associadas aos principais benefícios dos programas de mindfulness
(MALPASS, 2010)
Eu estou sempre me questionando, cada dia mais, tudo que eu vejo, tudo que
acontece no meu dia a dia vem sempre a pergunta: será mesmo que é dessa
maneira? Será que é da maneira que eu tô pensando que é mesmo? Eu boto a
interrogação enorme. Porque eu quero entender, eu quero verificar ... Não
mudo, mas tento ver ela da maneira mais prática possível e mais linda
possível. ( Núbia )
determinar: “o bom do Atentamente é que não há dogmas, cada um toma suas próprias
decisões”(Diana). É uma maneira de aumentar a consciência e aumentar a autonomia do
sujeito que passa a se perceber responsável por como se sente. É importante ressaltar
que durante o programa são honradas quaisquer estratégias existenciais que as pessoas
tenham desenvolvido ao longo de suas vidas, e é advertido que a intenção do
Atentamente não é que se suspenda subitamente as estratégias desenvolvidas para lidar
com situações estressoras; A intenção do Atentamente é que apenas os participantes
gradativamente permeiem suas estratégias atuais com mais consciência.
“A pergunta é boa pra tudo, pra tudo. Porque querendo ou não isso é uma
constante mudança. Cada um vê de um jeito, pode não ser real, mas aos meus olhos
parece.” (Diana) Tomar consciência da “constante mudança” também é transformador,
na medida em que a contemplação das mudanças nas percepções e concepções provoca
afrouxamento e flexibilização da noção de si mesmo.
Apesar das investigações científicas mostrarem que as realidades físicas, sociais
e cognitivas não são como se pensa que é, emocionalmente, ainda, se tomam ideias
como sendo realidades. Isso funciona como lentes na percepção; se a lente é de desejo, a
reação é querer mais; se a lente é de aversão, se tenta fugir ou expulsar o objeto que
aparenta causar o incômodo, não percebendo que são as lentes, as interpretações, que
provocam a reação emocional e não o objeto em si. (RABTEN, 2008) Tendemos, com
nossas lentes, a fixar as situações e coisas como se fossem momentaneamente
permanentes, atribuir-lhes então significados que não têm sozinhas, e percebê-las
independentes de nossa percepção, essas são as três características da percepção
distorcida. Não se percebe assim que se esta construindo, e tudo simplesmente aparenta
ser independente e existir de seu próprio lado. (CHOZON, 2013)
A neuroassociação entre uma representação mental e sensações e sentimentos, a
manifestação de respostas fisiológicas simpáticas, reações de luta e fuga, estão
diretamente associadas ao aprisionamento do sujeito em padrões reativos, preconceitos
e ideologias impostas exteriormente, pois esses padrões são acoplamentos estruturais,
ou seja, as representações não ocorrem isoladas das redes de causalidade e de
significados. Se um pensamento causa uma reação desagradável, ele será evitado
mesmo que seja uma importante autoconsciência ou reconhecimento; a estruturação das
90
Assim, o início do curso é pensado num certo sentido como preparatório para a
prática que é chamada no curso de Pensar Atentamente; um nome mais tradicional seria
“tomar a mente como caminho”, nessa prática o sujeito se coloca tranquilamente na
disposição de observar os pensamentos sem se deixar distrair pelas associações
agradáveis ou desagradáveis, pela tendência a formar ideias e histórias a partir dessas e,
sempre que se percebe em um sonho acordado, seguindo uma linha de pensamento,
relembra que são pensamentos.
É interessante de certa forma você olhar e perceber as diferentes influências
que você tem. Você é influenciado pela televisão, por uma coisa que você viu.
É uma coisa como se fosse algo embrionário e você consegue visualizar
aquele embrião que, querendo ou não, tem influência no que você vai fazer. E
quando você olha aquilo com leveza, interessante, você consegue perceber o
que lhe mais influencia, o que mais lhe chama a atenção, o que mais você
gosta de olhar. (...) Hoje os pensamentos são mais soltos. Sol sem estar dentro
de um contexto não é nada. No começo era de criar uma história, você tinha
essa tendência de criar uma história, se sentia uma sensação no pé esquerdo
pensava, ah, é porque eu estou com a perna dobrada...tá entendendo? (...) Por
ser solto não tem como ter reação (Diana) (trecho transcrito da fala de
informante referida por pseudônimo)
Na fala acima Diana descreve como pôde perceber as influências de seu pensar
da televisão e das vivências cotidianas e chama de “embrião” o pensamento antes da
formação da ideia e da história; compara com o início da prática quando apresentava
uma forte tendência a “criar uma história” a partir de qualquer “embrião”. Exemplifica
uma sensação no pé que já provocaria um comentário sobre a posição etc. Depois se
refere ao estágio onde pode observar os pensamentos “soltos”, ou seja, sem
imediatamente criar uma história. Exemplifica que o “Sol sem estar num contexto não é
nada”, ou seja, a emergência do pensamento Sol solto emergindo após um outro
pensamento qualquer e sendo sucedido por um outro pensamento qualquer, sem ser
envolvido num contexto, sem criar uma história, não provoca reação. Ela enfatiza que
“por ser solto não tem como ter reação” - essa é a base do processo de
descondicionamento relacionado à prática da auto-observação mental. Passa-se a ser
capaz de suspender a seletividade em relação ao que emerge na mente; Isso é
gradativamente possível pois a seletividade é decorrente da identificação de sentimentos
desagradáveis associados aos pensamentos. Ou seja, aqueles pensamentos que estão
92
associados à “agonia” não se tornam conscientes, eles são selecionados; assim, o sujeito
não os percebe e, portanto, não percebe os gatilhos que disparam essa agonia.
Lara descreve que no início do curso sofria de muita agonia e ao perceber que
ela estava ignorando certos pensamentos por “refletir de forma seletiva”, a aprender a
suspender essa seletividade pode tomar consciência de vários pensamentos disparadores
de suas agonias. Descreve durante a entrevista que se sente bem melhor e não está mais
agoniada atribuindo essa transformação a ampliação da percepção de seus pensamentos.
Como o Atentamente se propõe a apresentar aos participantes vivencialmente a
desidentificação dos pensamentos, a ênfase é dada na prática que mais diretamente
facilita tal reconhecimento. É importante, a essa altura, desenvolver mais sobre o que
seria a identificação com os pensamentos, para que se possa formar uma imagem parcial
adequada do que é a desidentificação.
O sujeito, no entanto, por não perceber que há uma estruturação que determina
sua ação, sente que essa ação é livre; viu a placa de uma lanchonete, percebeu-se com
fome e decidiu comer. Durante uma conversa se sentiu agredido e decidiu agredir em
93
resposta, sem se dar conta que as ideias de quem dialogava não eram agressivas de per
si, mas a sensação de agressão estava na reação da própria pessoa a essas ideias; assim,
as ideologias se perpetuam, ensinando reatividade diante de certos conceitos e às
pessoas que os professam. Tão estreita é a dominação de uma ideologia quanto mais
conceitos não possam ser pensados sem reações desagradáveis; ao extremo, qualquer
conceito palavra exógena à ideologia com a qual se está identificado é sentido como
ameaça, desperta reação simpática e consequente redução da imunidade e a oxidação do
organismo, bem como o sentimento de medo.
Dessa maneira se pode formar mais uma imagem do que se propõe com
exercícios de desidentificação dos pensamentos, que se possa pensá-los sem reações
corporais pré-determinadas. O sujeito pode então escolher em que acreditar e como se
comportar percebendo relações de contraste entre pensamentos utilizando da lógica, da
retórica ou da estética.
Na medida que pode escolher não reagir compelido por aversões e apegos
condicionadas por outrem, mas pode iniciar a caminhada em direção ao lugar interior de
onde se pode verdadeiramente escolher. O ser humano é frequentemente iludido pelo
mito da liberdade (TRUNGPA, 1995) não percebe seu próprio aprisionamento aos
condicionamentos de sua percepção e decisão, pois não reconhece sua natureza.
94
Senti a mudança, hoje meus pensamentos estão mais livres, soltos, eu não
passo mais horas esquecidas pensando nisso ou naquilo, ou como aconteceu
ou como eu penso que vai acontecer, o coração está mais sossegado, a cabeça
mais sossegada e de repente e parei e pensei: puxa vida! Eu não estou mais
pensando nessas coisas, esses pensamentos não estão mais me incomodando,
será que estou perdendo a sensibilidade, será que estou envelhecendo e não
vou ligar mais pras coisas, pros pensamentos? Não... É a capacidade de
pensar, de libertar a mente que você não pode deixar a sua mente presa,
cativa, amarrada, tem que dar espaço, abertura, caminhos e aí o resultado não
tem outro, é aquele alívio, aquela serenidade, tranquilidade, uma
tranquilidade que só a pessoa, a própria pessoa que experimenta que sabe o
que sente. (Gardênia) (trecho transcrito da fala de informante referida por
pseudônimo)
desterritorialização, na qual o sujeito parece tentar procurar relações causais com seus
pensamentos e a interpretação de si mesmo, as reações desagradáveis se intensificam
antes da “serenidade” que vem com “dar espaço, abertura e caminho” e “libertar a
mente” (Gardênia).
Pensamento Palavra
Ideia Frase
Historia Parágrafo
Sua proposta de que as pessoas se treinem para sair do modo fazer para o modo
ser, e experienciem as coisas diretamente, pode ser um esforço de comunicação com um
público mais amplo, por ser senso comum e estar em acordo com a vivência não
investigada de um realismo ingênuo; mas ela não está em acordo com a experiência de
praticantes um pouco mais experientes, não está em acordo com a compreensão das
descrições das experiências dos participantes no presente trabalho, não está em acordo
com a filosofia ligada à meditação e não o está em acordo com a neurofenomenologia.
Por realismo ingênuo, aqui, o presente trabalho se refere a um ponto de vista que
percebe o mundo como dado à percepção do ser humano sem a participação dele. Os
objetos dos sentidos apenas se dão; “somos capazes de diretamente experienciar coisas
como os sons dos pássaros e o perfume das flores” (Willian e Penman, 2011 p 11). Essa
visão denota que aquele que a professa não compreendeu a participação da concepção,
imagem experiencial e nominal, na apreensão de quaisquer objetos, linguagem e os
conceitos aprendidos não são necessários para percebê-los. A percepção é emoldurada
pela concepção e apenas em estado de exceção se pode apenas perceber, mas nunca a
um objeto, muito menos a algo que claramente depende de imagem nominal e desperta
um acoplamento estrutural todo particular associado a musicalidade e emoção como o
canto de um pássaro.
Dana descobriu que algo estranho acontece quando ela se vira para o pensar:
“Quando eu estava focando nos sons, então os pensamentos vinham espessos
e rápidos interferindo com os sons, mas quando eu comecei a focar neles, os
pensamentos pareceram sumir.” Isso frequentemente acontece. Na luz do dia
os pensamentos parecem tímidos. Por que será isso? Podemos pensar assim
pensamentos consistem em momentâneas faíscas de atividade em uma rede
no cérebro, seguidos de uma mais lenta cauda de atividade através de uma
muita mais ampla rede de atividade. A faísca pode ser um “pulso” muito
curto (provavelmente correspondendo a uma breve imagem), mas o que nos
pensamos como “pensamento” é composto de ambos: o pulso momentâneo e
da cauda que o segue (...) o ato de trazer a atenção plena para o processo de
pensamento dissolve a cadeia de associações deixando apenas os pulsos e não
demora muito até que os pensamentos percam seu momentum e caiam na
areia, claro que logo há um espaço na atenção e os pensamentos retornam .
(Williams, M.; Penman, D. 2011 p 148)
Nessa passagem fica claro que, seguindo a nomenclatura apresentada por Zamba
Chozon (comunicação oral) o que no Atentamente é chamado de ideia, no MBCT é
chamado de pensamento, e o que no Atentamente é chamado de pensamento não tem
propriamente um nome no MBCT; mas nessa passagem acima, a única a respeito no
livro, eles são referidos como faíscas ou pulsos. Apresentam essa metáfora num
contexto de uma explicação fora do campo da experiência, tratando como um isto do
organismo, escolhendo uma imagem de uma rede neuronal disparando para explicar o
que seria um pensamento, e relacionam com a experiência dizendo simplesmente que
essa faísca ou pulso provavelmente correspondendo a uma breve imagem.
inclinado a negar a experiência como fonte de qualquer saber. Mark Williams é sem
dúvida um nome de grande contribuição para o campo, os programas derivados de seus
trabalhos trazem grande benefício. É notável que até mesmo nele essa dicotomia se
manifeste de maneira não refletida, quando uma das principais potencialidades da
disciplina da meditação é auxiliar nesse alinhamento entre experiência e posicionamento
filosófico-científico.
Essa descrição que Dana faz no livro de Williams e Penman é muito comum na
quarta e quinta semanas do Atentamente: a pessoa tem a experiência de que os
pensamentos sumiram diante do ato de observá-los, eles estão na noção de corpo, de
outro e na rotulação de sons, etc. Se realmente os pensamentos perdem seu momentum,
então o sujeito vivencia um estado de indistinção como um espaço no qual não há
sujeito ou objeto de consciência. Se realmente pudéssemos sentir nosso pé sem a
mediação de imagens mentais, como poderia haver o fenômeno do membro fantasma?
Ou as distorções de imagem corporal na anorexia? No Atentamente então se usa a
palavra pensamentos para a ampla variedade de concepções mentais, imagens,
discernimentos, que muitas vezes estão misturados na própria percepção do sujeito.
Me deitei e nesse deitar foi quando eu consegui, sem dormir por que eu
queria entender o que tava acontecendo e encontrei esse ponto de luz que
abriu, acordei! (acordei não né), voltei sorrindo e meu marido perguntou pra
mim: o que aconteceu, viu pássaro verde foi? Aí eu disse: acho que eu vi
mais do que isso, eu vi um bando deles, você entendeu. Porque eu pude ver
uma luz pra mim onde não existia, foi dessa maneira, e hoje eu já faço
sentada, em pé, no chuveiro, na parada de ônibus, em qualquer lugar, simples
assim. (Núbia) (trecho transcrito da fala de informante referida por
pseudônimo)
101
Assim, o que ela está querendo apontar quando se refere a esse ponto de luz?
Que devido à pergunta do marido ela compara com o pássaro verde (pássaro mítico da
felicidade que é buscado mas que é difícil de ser encontrado). Mas ela acrescenta que
não viu apenas um, mas um bando, e pode ver luz onde antes achava que não existia, e
agora pode ver essa luz sempre que se observa, “sentada, em pé, no chuveiro, na
parada de ônibus, em qualquer lugar, simples assim”. Se está falando de algo tal qual o
mel de uruçu , ou seja, é necessário que se experimente para conhecer, pode –se no
entanto descrever essa luz como lampejos de espaçosidade.
Aquele céu tão grandioso, tão distante, estava bem perto de mim, no meu
coração. Depois da meditação, quer dizer, esse céu que você vê tão distante,
que você quer entrar, que você quer alcançar é um céu que pode tá em sua
volta, um céu que pode tá em seu coração, nas pessoas que você ama, nas
pessoas que você quer amar, é esse céu que existe (Gardênia) (trecho
transcrito da fala de informante referida por pseudônimo)
.
galho de uma planta, ou o canto de um pássaro. Por outro lado, quando a atenção se
volta para os processos mentais diretamente, o praticante entra em um estado de
exceção no qual sem a atenção ao que entra pelo contato com os sentidos externos, o
próprio fluir do pensar é percebido e um processo de descondicionamento das
reatividades em relação aos pensamentos estabelecido.
diante dos resultados intencionados, e menos por restrições devido a reações corporais
desagradáveis associadas a pensamentos e ideias específicas.
“A mente ela é livre, ninguém bloqueia, ninguém segura” (Gardênia). Uma das
características dos pensamentos é essa experiência que não é possível segurá-los por
mais do que um momento, que a mente segue seu fluxo; essa é uma descrição bem
diferente daquela de quem apenas percebe no nível mais elaborado das ideias, porque
nas ideias é aparentemente possível segurar. Mas um olhar mais detalhado revela que o
que se está aparentemente segurando não é um nível mais fundamental um pensamento,
mas uma circularidade de pensamentos que se revezam, dando a impressão, se vistos
apressadamente, que são uma única coisa estável. Mesmo numa imagem qualquer,
como a de um pato, por exemplo, temos a impressão que podemos segurar a ideia de um
pato na mente por um certo período de tempo, mas se olhamos com mais atenção vemos
que ângulos diferentes do pato se revezam com pensamentos que localizam as sensações
no corpo do observador e esse observador no espaço a seu redor.
Consigo hoje ver com mais clareza, não me atenho a eles tanto. No começo
eu me achava retardada porque eu sempre pensava em unicórnio, fofinho de
pelúcia, sempre pensava, volta e meio eu pensava nesse danado desse
unicórnio. Eu cheguei a perguntar: Eu tenho pensamentos repetitivos, isso
que dizer alguma coisa? Uma metáfora: Esse unicórnio, às vezes não quer
dizer nada, achei bonito e pronto, achei feio e pronto. Enfim não quer dizer
106
nada, é uma coisa que eu vi na rua, que me chamou a atenção, pois era
colorido, diferente, pois nunca vi unicórnio rosa, enfim. Hoje eu já aceito
mais, veio eu digo, ok. Canalizo melhor, se posso usar o que vem para a
criatividade eu uso. “HA isso é interessante, dá para eu usar isso para uma
certa criatividade aqui”. (...) Eu não sei se existe isso, mas eu acho que, eu
leiga, é difícil se identificar ou se conhecer a partir do pensamento, esse
pensamento que agente observa, porque esse pensamento que a gente observa
é meu, é uma experiência que eu tive e alguma coisa que eu lembrei e não sei
nem por que lembrei. (Diana )
Diante dos pensamentos emergindo soltos com grande variedade de temáticas, e
à medida que se vai reagindo menos ao conteúdo e se pode estar atento ao
reconhecimento do pensar, esse conteúdo que inicialmente era selecionado a ser cada
vez mais diverso e fluído. Essa seletividade na tomada de consciência do pensar tenha a
função de manter coerência da identidade; atribuindo estabilidade, significado e auto-
existência a processos que são contínua mudança.
Tabela 5: Principais códigos das etapas de transformação pessoal e trechos das falas dos
informantes que os exemplificam.
O sujeito procura culpados por seus sentimentos. Isso porque impor ao outro a
responsabilidade sobre como a pessoa se sente é uma das principais características da
rejeição da experiência. Essa atitude é ilustrada tradicionalmente como um homem que
atingido por uma flecha venenosa procura descobrir quem o atingiu, em vez de perceber
os sintomas do ferimento e procurar antídotos (SHANTIDEVA, 2013).
Muitos relatos de participantes expressam como a influência de pensamentos na
percepção provocava sofrimento e descontrole emocional. Igualmente relatam como
essas lentes emocionais dificultaram seus relacionamentos interpessoais. Apenas quando
passarem a aceitar seus sentimentos puderam estar presentes com o outros e reagir
menos internamente e externamente, superando as dificuldades. Como alguém que
atingido por uma flecha venenosa procura primeiro se curar do veneno.
Sara expressa que começou a investigar esse incômodo “não se sentir amada” e
como responsabilizava o outro. A partir dessa observação pode reconhecer que “a
responsabilidade estava em mim” (Sara). A identificação com ideias pode ser
devastadora num relacionamento, que fica espremido entre reações condicionadas, o
110
mundo aparenta ser injusto e insensível e a pessoa pode mesmo não se sentir amada por
não enxergar o amor ao seu redor. Estar no mundo sem si sentir amado ou amada
aumenta o estresse e o risco de adoecimento além de que reduz a contribuição social da
pessoa.
Qualquer sentimento é como o mel de uruçu, o rótulo apenas indica, mas não
representa fielmente a riqueza da vivência. Ao ser investigado de perto qualquer emoção
se manifesta como uma série complexa de momentos de experiência. Observar esses
momentos um a um é examinar com mais precisão, o que possibilita novos pontos de
vista sobre o que acontece. Procurar evitar a experiência pode ser comparado a ver uma
situação de longe e interpretá-la de maneira genérica e fixa; voltar-se à experiência
momento a momento, por outro lado, é como se aproximar com a mente aberta a novas
possíveis compreensões.
A intenção de perceber o que esta acontecendo independente de ser agradável ou
desagradável é fundamental. Caso Sara não estivesse disposta a ver claramente sua
participação em “não se sentir amada” por ser desagradável reconhecer isso, ela poderia
ter bloqueado o caminho que levou-a a finalmente experimentar amor mútuo na relação
com a filha. Essa relação exemplifica como o desenvolvimento de equilíbrio conativo
(intenção) e de equilíbrio atencional (desenvolvimento da atenção na respiração e
pensamentos) pôde estabelecer equilíbrio cognitivo (o reconhecimento de sua
participação nas dificuldades de relacionamento com a filha) e equilíbrio afetivo (se
sentir amada). (WALLACE; SHAPIRO, 2006)
Investigar, portanto, se as coisas são mesmo como se pensa que é, pode ser um
rápido catalisador de novos pontos de vista. Sara se refere a dois movimentos
associados à melhora no relacionamento, “estar mais presente” e colocar entre
parênteses as suposições sobre outrem, como expressa na pergunta “será que ela pensa
isso?”.
Essas duas atitudes foram encontradas em outros estudos qualitativos: A
primeira, estar presente com os outros, é uma das características principais da
transformação interpessoal associada ao cultivo de mindfulness, nas várias entrevistas
do presente trabalho tal qual na literatura. Bihari & Mullan (2014) organizaram uma
teoria fundamentada a partir do constructo relating mindfully (Relacionando-se
111
Muitas vezes a ignição desse sentimento não sou eu, é provocado por alguma
coisa que me chateia, que me entristece, é como se eu tivesse um botão e ai
alguém vai lá e liga aquele botão. Hoje eu já percebo melhor quais são meus
112
Gardênia descreve como “Por mais que você se empenhe (...) pensa que você
não faz tudo e no momento de eu receber eu pensava que eu recebia muito menos do
que eu precisava” e que a sua solução foi “conhecer o que eu tenho de melhor”; essa
fala expressa a autoconfiança de saber o que no momento é o “seu melhor” e que ao
mesmo tempo libera da sensação de dúvida. Assim, parece ser uma das características
da transformação interpessoal relacionada à prática da atenção-conscientização, o
potencial de dizer “não” a partir da capacidade de lidar com as possíveis consequências
do estabelecimento do limite. Quando a pessoa diz “não” para o outro, portanto, deve
lidar com a angústia de imaginar como o outro se sente e lidar com a rejeição por parte
desse, e se importando com os sentimentos desse, mas acreditando não ser realmente
capaz de atender a seu desejo ou necessidade.
A pessoa com reatividade exagerada a suas imaginações teme essa decepção,
causada por ser, possivelmente, o gatilho de uma espiral descendente no sofrimento
psíquico. Ou seja, teme sentir culpa ao estabelecer limites e negar um pedido de outra
pessoa. Por isso, a diminuição da reatividade aos pensamentos traz a liberdade de dizer
“não”. Quando o sujeito se sente sobrecarregado, estabelece seu limite, pois agora
acredita conseguir lidar com sentimentos de culpa e pesar caso a pessoa reaja com
decepção ou mesmo raiva. Antes ele não estabelecia esse limite por medo de
pensamentos catastróficos, ou seja, por identificação com ideias de reprovação e
sofrimento exageradas e angustiantes. Desenvolve autoconfiança na capacidade de
administrar os próprios sentimentos.
A pessoa pode no entanto apenas desenvolver auto-confiança, mas estagnar num
estágio intermediário de autodesenvolvimento, pois o sujeito pode deixar de seguir uma
moral externamente imposta sem assumir valores para a ação. Em outras palavras a
pessoa pode deixar de aceitar todos os pedidos de ajuda por medo de repreensão para
atuar apenas de maneira autocentrada. Para ilustrar pode-se imaginar um profissional
atuando num departamento onde submissão, desesperança e obediência são o padrão
cultural. Acontece então que esse profissional desenvolve autoconfiança e passa a atuar
como profissional liberal num campo dinâmico e competitivo. Ele passa, no entanto, a
atuar autocentrado em suas qualidades e apenas vê em seus colegas competidores.
114
É uma família muito conturbada, muito sem pé, muito sem chão, entendeu?
Eu tento mesmo, mas eu não posso pegar cada um e colocar no colo,
colocava quando eles eram pequenos, sou a filha mais velha de todos, mais
eu tento conquistar, eu tento doutrinar, eu tento chamar à realidade, ao que a
vida importa; ao que a vida interessa daí. Peraí, eu vou cuidar de mim e quem
queira se cuidar, quem aceitar, porque eu não vou ficar dando murro em
ponto de faca. Assim eu vou deixar de fazer outras coisas, aí eu vou cuidar
das outras coisas, eles riem, debocham e tal, mas aí eu já nem ligo mais, aí já
não me afeta mais, não me machuca, eu só faço rir, somente com eles, cada
vez que eu saio, cada prática que eu vou, quando eu volto é aquela chacota,
aquela brincadeira; e eu levo tudo na brincadeira, tudo na dança, não tenho
atrito, não tenho briga, não tenho mágoa, essa chacota já não me faz mais
mal, não me prejudica em nada e eles agora até aceitam, dizem que eu tô
certa, que é isso mesmo, cada um tem que saber o que é bom pra si, eles
dizem. Ainda bem que eles reconhecem, né... (Gardênia) (trecho transcrito da
fala de informante referida por pseudônimo)
Aqui, Gardênia expressa sua escolha pela prática da meditação apesar das
chacotas de seus vários irmãos e irmãs, todos adultos com suas próprias famílias
morando num mesmo terreno herdado, e decide trilhar um caminho próprio buscando
fazer uso das sabotagens dos familiares como combustível para sua prática de auto-
115
Mesmo com choro de criança, eu estou lá, aí a minha tia perguntou como eu
conseguia me concentrar, fazer meditação aqui nessa sala, e eu respondi que
fazia e que todo sábado, todo domingo e feriado. As crianças viajam com o
pai e a mãe e eu fico sozinha, elas viajam na sexta-feira à noite e só voltam
no domingo. Aí eu tenho mais tempo, faço diversas práticas. Eu percebo que
quando eu abro a porta por volta de 12:30 ou 13h é só sorriso, sabe e assim
eu passo o resto do dia, eu sei que todo mundo vai comentar, vai falar, um diz
uma coisa, outro diz outra e eu só sorri, ali eu passo o resto do dia. À noite,
antes de deitar quando eu fecho a porta eu faço a meditação. (Gardênia)
Ela pôde estabelecer novos limites, continuando prestativa, já que cuida dos
netos todos os dias quando os pais deles trabalham. Procurando não se deixar perturbar
pelos que não querem ajuda, ela se disponibiliza a ajudar os que querem e a cuidar de
seus novos afazeres de autocultivo e de participação coletiva.
Eu procuro ver tudo que existe em mim de bom, né, de saudável, de perfeito,
que eu recebi de graça, recebi, né, na vida, o nascimento, por estar
desfrutando da vida, abrir os olhos, enxergar, ver o sol que ilumina, a terra,
respirar o ar, sentir o vento ... Aí ouvir um som, alguém falando poder
caminhar, dar um abraço, sentir o calor da amizade das pessoas que tão
próximas, sentir a amizade das pessoas distante também que a gente sente,
tenho muita gente distante, aí olhar o céu, sua grandiosidade (Gardênia)
(trecho transcrito da fala de informante referida por pseudônimo)
Essa autoconfiança pode ser, na fala acima, associada à noção de circulação com
dádivas fundamentais e com a mudança de uma atitude de carência e dívida para uma de
prosperidade existencial . A partir da gratidão diante da vida o sujeito se coloca num ser
no mundo onde sente o impulso de retribuir diante da maravilha fundamental que
agradece ao mundo. A presença como qualidade manifesta a partir de não se deixar
distrair por concepções disfuncionais e reatividades emocionais possibilita a conexão
com a beleza e a magnanimidade da própria vida, “ver o sol que ilumina a terra,
respirar o ar, sentir o vento(...) Olhar o céu, sua grandiosidade” (Gardênia). Essa
gratidão fundamental é experimentada sem a necessidade de asserções metafísicas, mas
diante da imensidão com a qual se acostuma aquele que relaxa e reconhece as dádivas a
seu redor.
116
Gardênia explica como seu aprendizado pessoal transformou sua relação com
suas netas, das quais passou frequentemente a cuidar com tranquilidade. Ela cita alguns
exemplos de suas próprias propostas de meditação, com visualizações que, segundo ela,
descobriu serem mais adequadas para as crianças dessa idade.
Minha nora, ela é complicada, uma pessoa muito difícil, mas assim, eu tento
do lado e do outro se chegando devagarzinho. Já consegui contornar a
situação, meu marido faz assim: não sei o que é que tu tem na cabeça não,
porque ela não gosta da gente de jeito nenhum, eu disse: meu filho, não
importa, não importa isso, ela tá fazendo bem ao meu filho, então, se ela tá
fazendo bem ao meu filho ela está fazendo bem a mim, ela não sabe disso,
118
mas ela vai acordar pra vida, vai entender. Eu beijo, eu abraço, eu mando
algum presente, eu ligo pra procurar saber como está (Núbia)
medida em que aparenta haver apenas uma maneira possível de reagir emocionalmente
à situação.
Essa liberdade que se permite pensar tal como quem assiste a um filme que não
tem necessariamente qualquer relação com quem assiste (que pode vir de influências da
mídia de histórias etc.) libera o sujeito para explorar linhas de pensar que estão em
dissonância com a identidade. Relacionar-se assim com os pensamentos faz com que o
pensador não se reprima por pensar esse ou aquele pensamento, mas o resultado é,
paradoxalmente, não atribuir energia a pensamentos “negativos”, os quais deixam de ser
obsessivos - apenas veem e vão. Um aspecto intrigante do processo de desidentificação
é que, já que o sujeito não se avalia por ter esses ou aqueles pensamentos, ele procura
desenvolver estratégias de avaliar seu progresso em direção a suas aspirações de
transformação intrapessoal, e uma estratégia referida é o “olhar do outro”, ou seja a
transformação interpessoal.
“O meu foco é em mim, a minha intenção é em mim muitas vezes, só que não
reflete em mim diretamente, reflete mais diretamente no outro. Como a
minha intenção em fazer meditação era acalmar, ser mais paciente, menos
agressiva, eu não vou perceber isso diretamente, eu vejo uma mudança tipo
“nossa aqui eu poderia ter brigado e não briguei”, mas é uma coisa assim
sutil, eu não percebo no dia a dia.” (Diana)
120
O “olhar do outro” é relatado ambos como algo que alguém disse em observação a
transformação do sujeito e como um olhar que o sujeito tem dele mesmo, mas como se fosse um
ponto de vista externo.
“Disseram que eu era muito ríspida, como se eu estivesse pronta para agredir,
agora eu falo num tom mais ameno, mais calmo mais pacífico e as pessoas
falaram ‘Que mudança!’ ‘Você mudou muito’, e uma pessoa que me viu antes
da meditação e essa mesma pessoa me viu depois, “Você mudou muito!” foi
bom esse distanciamento dessa pessoa porque ela nem sabe o que eu fiz, eu
não via, só depois que ela disse foi que eu me surpreendi e isso fez com que
eu me observasse, que legal!” (Diana) (trecho transcrito da fala de informante
referida por pseudônimo)
do outro é tratado de forma diversa. Para que o olhar do outro não seja mais um
aprisionamento é necessária a fluidez da primeira pessoa que experimenta diretamente,
é necessária a escolha que vem com a potencialidade de se desidentificar dos
pensamentos. Deste modo, o sujeito se reconhece a partir de ideias em um momento e
em outros se experimenta para além dessas; esse respirar entre juízo e falta de juízo é
um elemento central no benefício associado com a meditação atenção-conscientização.
Autoconfiança Abordar relações como “ela não sabe disso, mas ela
doadores de dádivas, vai acordar pra vida, vai
confiança no potencial entender. Eu beijo, eu abraço,
humano eu mando algum presente, eu
ligo pra procurar saber como
está”
122
Meus pensamentos agora são ótimos, controlo meus pensamentos muito bem,
às vezes ficava vindo uns pensamentos, depois vinha outro, vinha outro, fica
super agitado e às vezes eu descontava naquela primeira pessoa que chegava
junto de mim aquilo que eu estava sentindo, agora eu já me controlo. Aceito
realmente aquelas pessoas que se aproximam de mim com algum problema,
às vezes eu escuto e dou a minha opinião, pois para eu dar minha opinião
primeiro preciso me controlar, pensar (Telma) (trecho transcrito da fala de
informante referida por pseudônimo)
“Eu penso melhor e reconheci que eu também tive a minha parcela de culpa
porque é como eu já disse, a gente dá alguma coisa a alguém, mas não
sabemos se é aquilo que a pessoa quer, então você tem que se conhecer
melhor e conhecer o outro também melhor pra você saber, como um médico,
se ele vai tratar de um paciente ele não pode aplicar a terapia que ele quiser,
ele primeiro vai estudar (...) se você tem dois, três, quatros filhos, cada um é
diferente do outro. Cada um necessita de uma coisa diferente do outro.”
(Gardênia)
Aqui Diana expressa sua observação sobre seus colegas que “abandonam a
prática” sugerindo duas razões, ou porque “não compreendem” ou porque “não dão o
tempo necessário”. Ela afirma, consequentemente, que a meditação é algo que dado
tempo suficiente e compreendendo suas propostas a pessoa não desistiria. Enfatiza,
assim, esses dois princípios, um que exige tempo para amadurecer, relaxamento e mente
126
Muitos fenômenos emergem para a consciência humana apenas por meio das
concepções, a percepção traz em si um elemento de interpretação - mesmo que não
discursiva. As figuras só emergem em contrastes com fundos, apenas diante de gestalts
as partes manifestam sentido como tal. Um exemplo importante para as transformações
interpessoais é a intenção do outro. Ou seja, as motivações que levam uma pessoa a
agir, aquilo mesmo que faz com que uma ação possa ser considerada benéfica ou
maléfica está além do campo da percepção, e exige inteligência e consideração para ser
apreendida. Mesmo que a percepção seja de agressão, é necessário ponderar, pois, do
contrário, a reatividade pode se tornar como um véu que cobre as intenções de outrem.
Apenas é possível ao sujeito sondar a intenção de outra pessoa a partir de diálogo e
indução.
Pensamento vem, alguma coisa, tô vendo aquilo ali, poxa, nem tudo que eu tô
vendo é da maneira que eu tô vendo, não. Eu posso tá vendo aquilo muito
fixo, é assim, é desse jeito, é como se visse um quadro pintado e eu olho na
direção daquele quadro e vejo, poxa, a forma que aquele pintor fez aquele
quadro, como ele pintou, o que ele pensou, não é. Ele tá dando a entender que
é uma coisa, tá dando a entender que é outra. Será que é da maneira que eu
penso que é, ou ele, será que ele pensou igual a mim? Não, mas aí, se tá feito
daquela maneira ele teve a maneira dele de pensar. E a minha maneira eu
criei, como eu criei essa maneira? Sem ter que mudar a dele, mas entender
como ele chegou ali, a forma que ele fez aquilo ali, o que deu a entender
(Núbia).
Eu acho que não adianta você só querer dar aquilo que você gosta, aquilo que
você acha que é o certo, mas o outro pode pensar que não é isso que ele quer,
não é isso que eu preciso receber, então, na aula eu aprendi a ver melhor o
que o outro quer receber e isso partindo dentro da minha casa para depois eu
ir além, e hoje eu sei que ainda preciso aprender, mas eu estou muito
satisfeita com os resultados (Gardênia)
Considerações Finais
Eis assim a procedência da nossa questão: Quais são as transformações pessoais
e interpessoais percebidas pelos participantes de um programa integrativo de promoção
da saúde no SUS, focado no ensino de práticas meditativas?
As transformações pessoais associadas à participação no programa e à prática da
auto-observação contemplativa aparecem em um percurso cuja primeira qualidade é a
aceitação que permite mudança. Direcionar a atenção ao que está causando desconforto
ao invés de procurar se distrair, procurar compreender os componentes do que é
desagradável é a atitude central na transformação pessoal. Um outro passo nesse
percurso é o estabelecimento de uma nova relação com os próprios pensamentos, a
partir de um distanciamento desses, uma desidentificação ou seja não se estar
identificado como antes. Essa mudança de atitude permite a escolha de seguir essa
percepção ou não. Possibilita assim a repercepção (reperceiving).
As transformações interpessoais estão associadas à presença com o outro e à
deixar ir, em outras palavras:mudança de atitude, desidentificação de ideias e
repercepção de situações. Essa capacidade de estar presente com outros possibilita se
sentir amado, em conexão com o contexto social. Esse pertencimento e a contemplação
de fenômenos naturais, como ver a beleza na natureza e em sua fisiologia, possibilitam a
participação em interações sociais a partir de circulação de dádivas fundamentais. A
participação em relações com atitudes altruístas. Em outras palavras, para que o sujeito
possa participar de relações como doadores de dádivas é necessário que esse possa
sentir-se com recebedor de dádivas fundamentais, esses momentos de contemplação
reconectam o sujeito com essa disposição de gratidão diante da vida e doação de
símbolos a outros.
A capacidade de pensar melhor é igualmente importante e diretamente associado
ao trabalho de desidentificação, que liberta o pensar de restrições e reações
desagradáveis condicionadas. Antes da desidentificação certos pensamentos despertam
condicionamentos na fisiologia e reações emocionais que desviam prematuramente a
linha do pensar sobre um tema, gerando um pensar restrito e seletivo que evita certos
133
Para que essa investigação em profundidade, que leva a insights mais profundos
dos mecanismos subjacentes a sofrimentos como depressão, possa acontecer será
necessário apoio institucional. É necessária a fundação de observatórios contemplativos,
espaços dedicados a programas intensivos de prática de atenção-conscientização com
acompanhamento neurofenomenológico e verificabilidade descritiva independente. Será
necessário acompanhamento de pesquisadores e voluntários em concentração por 3
anos, como é comum no processo educativo da meditação atenção-conscientização. Há
já no Brasil voluntários dispostos a se engajar em experimentos tão longos e o custo do
observatório é relativamente baixo, já que não são imprescindíveis equipamentos caros,
pode-se utilizar dessa estrutura em laboratórios já existentes. É uma linha de
investigação importante e factível.
estar associada a essa gratidão que expressa a capacidade de mediar e fazer circular as
dádivas fundamentais. Os programas que ensinam mindfulness podem assim contribuir
na formação de estudantes de saúde, possibilitando o desenvolvimento da dimensão
cuidadora. Em outras palavras, trata-se da investigação da importância que o cultivo de
mindfulness (intenção, atitude e atenção), ao proporcionar menor reatividade, maior
presença com o outro e maior oportunidade da capacidade de mediar dádivas
fundamentais, pode ter na formação humana de estudantes de saúde.
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ANEXO 1
O sr. (a) está sendo convidado (a) como voluntário (a) a participar da pesquisa “ESTUDO DE
CASO DO PROGRAMA ATENTAMENTE DE PRÁTICAS MEDITATIVAS NO SUS”.
O pesquisador responsável é o médico Julio Antunes Barreto Lins, que poderá ser encontrado no endereço
Ampliar consultorio – rua minas Gerais, 90 Ilha do Leite 31-34239751, celular 81881415 ou e-mail
lins_julio@yahoo.com.br Está sob orientação do Professor Doutor Marcelo Pelizzoli – Programa de pós-
graduação integrada em saúde coletiva fone 21263766
Para participar deste estudo você não terá nenhum custo, nem receberá qualquer vantagem financeira.
Você será esclarecido (a) sobre o estudo em qualquer aspecto que desejar e estará livre para participar ou
recusar-se a participar. Poderá retirar seu consentimento ou interromper a participação a qualquer
momento. A sua participação é voluntária e a recusa em participar não acarretará qualquer modificação na
forma em que é atendido pelo pesquisador.
A participação envolve apenas entrevistas, mas, mesmo assim poderá haver riscos mínimos em
decorrência de sua participação na pesquisa, essencialmente na forma de desconfortos, como por
exemplo, se sentir emocional ou fisicamente desconfortável devido ao tempo despendido na entrevista ou
constrangimento diante de uma questão ou mais. Enfatiza-se que é garantida a liberdade da retirada de
consentimento a qualquer momento e de deixar de participar do estudo, sem qualquer prejuízo.
144
Como benefício direto, espera-se que esta pesquisa possa lhe auxiliar na reflexão sobre as
experiências de aprendizado que passou e como tem integrado essas a sua vida cotidiana. O benefício
indireto será o aprimoramento do curso para futuros participantes.
Na conclusão desta pesquisa, será produzido um relatório final, que estará disponível para todos
os envolvidos nesta instituição, bem como, poderá ser empregado para apresentação em encontros
científicos, publicação em revistas especializadas, na perspectiva de refletir, aprimorar e reforçar essa
proposta de promoção da saúde a pessoas que experimentam problemas associados ao estresse. O (A) Sr
(a) não será identificado em nenhuma publicação que possa resultar deste estudo. O pesquisador irá tratar
a sua identidade com padrões profissionais de sigilo.
Em qualquer etapa deste estudo, você terá acesso ao pesquisador responsável para esclarecimento de
dúvidas.
Este termo de consentimento encontra-se impresso em duas vias, sendo que uma cópia será
arquivada pelo pesquisador responsável e a outra será fornecida a você.
Caso haja danos decorrentes dos riscos previstos, o pesquisador assumirá a responsabilidade
pelos mesmos.
Declaro que concordo em participar desse estudo. Recebi uma cópia deste termo de consentimento livre e
esclarecido e me foi dada à oportunidade de ler e esclarecer as minhas dúvidas.
Recife, _________ de __________________________ de 20__ .
_____________________________ _____________________________
Nome Assinatura participante Data Nome Assinatura pesquisador Data
_____________________________ _____________________________
Nome Assinatura testemunha 1 Data Nome Assinatura testemunha 1 Data
Anexo 2
Equilíbrio mental
Equilíbrio Atencional
(>) Agitação
Equilíbrio Cognitivo
Equilíbrio Afetivo
(<) Apatia,indiferença