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Relato a partir do que vi e ouvi na Região da Luz, Centro da cidade de São

Paulo, especificamente na área onde as pessoas fazem uso de droga.

Meu deus do céu!!!


Alderon Costa
Ouvidor Geral da Defensoria Pública de São Paulo

Essa foi a frase que mais se ouviu na região da Luz, centro de São Paulo,
próximo das ruas Dino Bueno e Helvetia. Palco de grandes conflitos entre
pessoas em situação de vulnerabilidade e forças policiais. Já não existem só
dois lados, para além dos usuários e da polícia, tem os moradores/as,
comerciantes e os/as trabalhadores/as. Todos vem sofrendo com as bombas,
sprey de pimenta, balas de borrachas, cassetetes, cachorros e com violências
das pessoas que são da segurança, os policiais e guardas. Para completar,
aqueles que querem uma mudança, desejam um projeto de reconstrução das
relações, lutam por uma cidade mais igualitária, humana e justa, também sofrem
com a violência física e psíquica. Para completar, nestes dias devem ser
inaugurados novos conjuntos de apartamentos que vão trazer famílias que não
conhecem o território para aquela região. Enfim, todos estão ficando esgotados
com está situação que a cada dia fica mais distante a possibilidade de soluções.
O que aconteceu no dia 10 de janeiro de 2017 é o resumo de todas as ações da
gestão municipal e estadual neste último ano, retirar ou dispersar a pessoas que
fazem uso de droga para afirmar que a “cracolândia acabou”. O que se viu
ontem, foi exatamente ao contrário, a “cracolandia estava lá e, mais grave, as
pessoas estão sendo massacradas pelas balas de borracha, bombas, cachorros
e toda parafernália militar. Inclusive, com guardas civis vestido com uniformes
que nos remete aos dias duros da ditadura militar dos anos 60 e 70,
estrategicamente desfilando em bloco em volta do quarteirão.
Com a chuva e a violência da polícia se viu muitas pessoas feridas, deitadas no
chão molhado e desesperadas porque não tinham muito apoio. Chamou à
atenção o caso da senhora que estava grávida que fora atingida por gás de
pimenta, ao mesmo tempo outra que mostrava nas costas o desenho (vergalhão)
de um cassetete e outra, na esquina da rua Dino Bueno com a rua Helvétia, uma
senhora deitada com dificuldade de respirar, joelhos sangrando e com dores no
corpo dizendo aos sussurros que apanhara de um GCM. Casos de pessoas que
tiveram marcas de tiro de borracha no peito, no braço, na nuca e na cabeça.
Tudo isto foi possível ser constado e fotografado.
Segundo vários relatos, as pessoas estavam numa fila na rua próxima ao serviço
“Atende 1” para dar o nome para garantir uma vaga de pernoite em algum serviço
da prefeitura. De repente, uma viatura da Policia Militar parou e jogou duas
bombas nos pés das pessoas sem dizer nada e saiu com a viatura para dispersar
as pessoas. Antes disso, segundo outros relatos a polícia militar fez uma
abordagem num rapaz e atiraram nos pés dele com bala de borracha. Após
esses fatos a Polícia e a GCM fizeram o terror. Ainda, ao chegar pudemos
constatar o grande número de policiais, GCMs, e pessoas feridas. Aos poucos
foi possível acalmar as pessoas e cuidar dos feridos.
Chama à atenção nestas ações que não há uma preocupação com as pessoas
feridas e aquelas que passam mal com o conflito. Especialmente aquelas que
precisam ser encaminhadas para um hospital para ter cuidados especializados.
O caso da senhora TCSM, que foi agredida por um guarda, chegou a desmaiar
por conta do gás de pimenta e que possivelmente teve vários ferimentos. Ficou
mais de 2 horas deitada no chão molhado à espera do SAMU. Após contatos
com o secretário de saúde conseguimos que a senhora TCSM fosse levada para
um hospital.
Após às 22h os policias e guardas, na sua maioria, saíram do território e o fluxo
voltou a sua normalidade com mais de 400 pessoas na praça.
Até parece que após a cada ação da polícia os usuários/as se fortalecem. Ao
contrário do que busca noticiar o prefeito. A situação de vulnerabilidade aumenta
e número também. Os trabalhadores saem assustados e desmotivados com
trabalho. No geral, a situação se agrava a cada ação violenta da polícia. Não tem
mais sentido, essa administração continuar insistindo nesta política que tenta
amedrontar, espalhar, sufocar e acabar com as pessoas que ali frequentam. É
necessário retomar o caminho de encontrar soluções pontuais que leve a
projetos que transforme essa realidade.
O projeto iniciado na gestão do prefeito Haddad o projeto “braços aberto” não
era uma solução, mas um caminho de poder encontrar as saídas possíveis que
levem em conta que ali tem pessoas. Os usuários, os trabalhadores, os policiais,
os GCMs, moradores, todos são portadores da garantia constitucional da
dignidade. Não é possível continuar com essa violência.
Chega! A retomada das articulações dos órgãos públicos do executivo, do
legislativo, do judiciário e da sociedade civil é o primeiro passo para iniciar os
encaminhamentos de possíveis soluções. Encontrar nos procedimentos para a
segurança pública e investir mais no social, nos encaminhamentos, nos
profissionais da área de saúde e social. Repensar os encaminhamentos da
Assistência Social para que as pessoas não precisem ir até a região para
conseguir comida e lugar para fazer sua higiene e dormir.
Enfim, muitas ações que podem ser retomadas a partir de uma visão de dentro
do problema. Pensar o que já foi investido em policiamento, material bélico de
contenção e o desgaste de profissionais, não seria mais efetivo ter investido nas
pessoas que ali estão? O fato é que a situação na Região da Luz é grave e
precisa de mudanças na gestão.

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