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RIO DE JANEIRO
2019
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA
RIO DE JANEIRO
2019
AGRADECIMENTOS
A proposta da tese é discutir o impacto de políticas públicas sobre o setor portuário brasileiro,
a partir de um ciclo de reformas iniciado nos anos 1993, tomando como exemplo o caso do
porto de Itajaí (SC). A partir da trajetória da reforma portuária a intenção é demostrar que
uma estrutura de oportunidade surgiu para os trabalhadores e sindicatos na medida em que
buscaram contestar os efeitos mais nocivos dos processos de privatização de infraestruturas e
superestruturas portuárias. Especificamente, mostramos a formação de alianças e a construção
de um processo de aprendizado para as autoridades locais, para os trabalhadores, sindicatos e
para o “Conselho de Autoridade Portuária”. Demostramos a Legislação no 8630/93 e de sua
revisão com a Legislação no 12815/2013 – com o intuito de realçar os acordos coletivos como
meio de legitimar os pleitos dos sindicatos –, permitiu uma contestação dos efeitos mais
nocivos da reforma portuária. Nesse processo, os sindicatos portuários precisaram de razões
para cooperar e propor novas formas de organizar seus trabalhos. A solidariedade e as
experiências acumuladas geraram novas propostas para o próprio processo de trabalho, do
lugar dos sindicatos na partilha e distribuição do trabalho, Em conclusão, a partir de
entrevistas semidiretas – com trabalhadores do setor portuário, autoridades locais do
complexo portuários, gerentes dos portos e comunidade portuária – demonstramos que os
avanços da reforma em Itajaí assumiram características particulares à realidade produtiva e
política, com novos elementos para o avanço da luta portuária.
The thesis proposal is to discuss the impact of public policies on the Brazilian port sector,
starting from a cycle of reforms initiated in 1993, taking as an example the case of the port of
Itajaí (SC). From the trajectory of the port reform, the intention is to demonstrate that a
structure of opportunity emerged for workers and trade unions insofar as they sought to
challenge the most harmful effects of the privatization of infrastructures and port
superstructures. Specifically, we show the formation of alliances and the construction of a
learning process for the local authorities, for the workers, unions and for the "Port Authority
Council". We demonstrate that the understanding of Legislation no. 8630/93 and its revision
with Legislation no. 12815/2013 - in order to highlight collective agreements as a means of
legitimizing trade union litigation - to challenge the most damaging effects of the port reform
and the demands of rationalization of the port activity were only effected by the union
struggle and the alliances made with relevant personalities of the local economy and the
corporatist structural. In this process, port unions needed reasons to cooperate and propose
new ways of organizing their work. Solidarity and accumulated experiences have generated
new proposals for the labor process itself, the place of the unions in the sharing and
distribution of labor, as well as the place of the paramilitary structures that were created in the
development of the port struggles. In conclusion, based on semi-direct interviews with port
workers, local port authorities, port managers and the port community, we have demonstrated
that regional reform advances have taken on particular characteristics of productive reality, as
well as the political responses of their most damaging effects.
INTRODUÇAO
1
A título de comparação, os anos 1970 foram o período de melhor desempenho das frotas de navios mercantes
nacionais (SYNDARMA, 2016). Nesse período, a participação do frete oriundo de bandeiras brasileiras era de
52%, rapidamente decaindo para 17% nos anos 1980. Chama-nos atenção o valor que esse mercado gerava, no
patamar de 4,5 bilhões reais, deduzindo 1,5 bilhões do afretamento de bandeiras estrangeiras. Hoje, esse valor
está na casa de 150 milhões de reais.
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2
Entidade criada com a Lei n o 8630/1993 com o objetivo de intermediar o trabalho prestado aos portos. É
encarregada de administrar o fornecimento da mão de obra do trabalhador portuário e do trabalhador portuário-
avulso, além de manter cadastro, promover o treinamento e a habilitação profissional do trabalhador portuário.
Rompe com o antigo domínio dos sindicatos sobre o mercado portuário.
3
Espaço criado no ano 2000 para a negociação entre trabalhadores, empresários e autoridade local para a
implementação da reforma e modernização portuária, leia-se, privatização.
27
Essa abordagem para os estudos da reforma portuária parte de uma atenção a posição
política dos atores, tanto os interessados na abertura desse mercado, como aqueles
interessados na sua preservação ou na contenção dessas reformas. Estas últimas estão
incorporadas pela legislação no sentido que Tilly (1991, p.101) atribui a uma seletividade nos
mecanismos de repressão que ela mesma institui. Para esse autor a legalidade importa muito
no sentido de nos apontar os custos que o Estado está preparado para aplicar na defesa de uma
agenda em detrimento de outra.
É nesse sentido que remetemos ao desenrolar da Lei n o 8.630 de 1993 durante os
anos 2000, vulgo “Lei de Modernização dos Portos”, que nos aponta para um enraizamento
das atribuições estatais na gestão da mão de obra e de controle do porto de Itajaí. As
estruturas de gestão foram descentralizadas em nível nacional, sendo transferidas para
entidades com alto ou relativo grau de autonomia nos processos decisórios locais
(COOLYER, 2007, p. 28). Além disso, os portos passaram a ser geridos por um regime de
concessão ou autorização visando a liberalização desse mercado.
Quanto ao trabalho, passou a ser gerido por uma entidade de intermediação entre
armadores4 e portos, o OGMO, com os trabalhadores aceitando ou não as ofertas de serviço
disponibilizadas. Além disso, os sindicatos não mais possuem o monopólio do trabalho, o que
tem sido agravado por conflitos com aquela entidade de intermediação da mão de obra
(DIEGUEZ, 2014). Nesse sentido, nosso trabalho enfatiza as ações de três grandes atores: o
Estado, os sindicatos (da Capatazia e dos Estivadores5, majoritariamente) e os trabalhadores.
O Estado é uma figura relevante para legitimar as respostas locais contra a
privatização em curso, as quais, por sua vez, passam pela discussão de como o interesse
estatal em intensificar as licitações a portos públicos e privados alterou a estrutura política do
mercado portuário (laboral e de fretes).
Para ilustrar essa dinâmica apontamos como, em Itajaí, essa experiência de
privatização do espaço do porto público acometeu-se sobre esses atores sociais. Primeiro, com
Doctor (2017), apontamos que a ação estatal, entre os anos de 1993 a 2000 manteve os
interesses empresariais, em nível nacional, com a liberalização dos mercados e acesso à renda
das concessões e autorizações para novos portos operarem. A partir dos anos 2000 – início da
segunda fase –, houve um movimento de descentralização e quebra da ação coletiva
4
Transportador da carga e dono do navio, geralmente funcionando em regime de alianças comerciais com outros
armadores, com o controle de rotas marítimas e, mais recentemente, de portos em mais de um território
produtivo. Ver: JANSEN, Lars (2017).
5
Ver Glossário no final desta tese.
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empresarial, que se seguiu com a transferência das estruturas de regulação das relações
capital/trabalho para a escala local. Configuraram-se aí novas estratégias por parte do governo
federal para responder as demandas das subunidades por investimentos, que tem tensionando
as políticas locais de desenvolvimento (ARBIX, 2000).
Avançando para a primeira parte do período de nossa análise, dos anos 2000 até 2008
o porto público de Itajaí mobilizou os atores políticos e econômicos em fóruns e estruturas
estatais para o debate e a implementação de políticas de modernização, e na abertura de canais
de mediação como o Órgão de Gestão da Mão de Obra Portuária e Conselho da Autoridade
Portuária. Nesses espaços, constituiu-se uma crítica ao processo de intervenção do governo
federal sobre o porto, que acabou por conferir alguma margem de manobra contra a
ingerência do governo federal.
Nesse primeiro período, fruto da crítica engendrada nesses fóruns é a posição dos
trabalhadores de que são os empresários e os usuários que agem de maneira “desleal” porque
descumpriram a Legislação no 8630/1993. Estes, por sua vez, alegam nesse processo estarem
promovendo o desenvolvimento local. Assim, nos propusemos a analisar as primeiras
respostas contra a precarização do trabalho nesse período, e de como uma abertura na
legislação portuária a favor dos trabalhadores seguiu a luta destes por direitos.
Com a crise econômica mundial de 2008 e a entrada do porto privado (Portonave)
em jurisdição do porto público de Itajaí (APM terminals), os trabalhadores cada vez mais
tornaram-se críticos dos investimentos especulativos que atingiam sua cidade, tomando a
frente das lutas políticas nessa fase da reforma portuária. Assim, em que medida essas
dinâmicas de conflito em curso ajudaram ou obstaculizaram aos trabalhadores a promover
uma nova resposta a privatização dos portos públicos, com suas infraestruturas e
superestruturas6?
Visamos demostrar que eles precisaram se envolver nas lutas em curso, não somente
dando sentido a elas em razão dos sentimentos de injustiça, mas, como, em que momento e a
quem eles incorreram para avançar com suas demandas. Nesse processo, paradoxalmente,
demostramos que ao terem sucesso com seus objetivos os trabalhadores deram suporte às
pretensões estatais para a ampliação da reforma portuária.
6
Infraestrutura refere-se a todos os ativos portuários abaixo da linha do cais, como o próprio terreno, a área
navegável do porto. A superestrutura são os instrumentos de manipulação de cargas e maquinários, a gestão do
trabalho, armazéns.
29
Para a fase dos 2008 até 2016, trazemos com as figuras abaixo, primeiro o território
do porto organizado7, que compõe toda a área marítima exposta na figura até o entroncamento
do rio ao mar. Posteriormente a imagem do estado de SC para podermos compreender como o
município de Itajaí está situado. Essas imagens nos ajudam a visualizar o retrato do avanço
dos conflitos nos portos e do consequente tensionamento das expectativas dos atores sociais.
Em razão da ocupação ilegal do porto organizado, inúmeros trabalhadores perderam mercado
de trabalho e o porto público, renda com fuga de cargas e taxas não pagas para administração
dessas infraestruturas.
7
Este conceito é uma figura jurídica que define a jurisdição dos portos públicos, do uso e dos custos associado a
manutenção de infraestrutura aquática pelos quais os navios passam, param, precisam pagar taxas e manusear
cargas de uma forma específica, com a contratação de trabalhadores sindicalizados. A ilegalidade desse ato de
ocupação fora contestada pelos atores locais e entidades federais como a ANTAQ no contexto da Legislação n o
8630/1993, revista com a a “Nova Lei dos Portos”, no 12830/2013.
30
coloca no centro da Região Sul, englobando, no raio de 600 quilômetros, as capitais de Santa
Catarina, Rio Grande do Sul, Paraná e São Paulo, que congrega 46% do PIB nacional. Essa
característica que transforma o complexo em um centro concentrador e distribuidor de cargas,
o que possibilita o atendimento dos mercados exportadores e importadores de 21 estados
brasileiros e Distrito Federal.
8
Sistema de distribuição dos trabalhos disponíveis nos portos, baseado numa lógica sequencial – como uma fila
– dos trabalhos ofertados, os quais aqueles que ainda não tiveram acesso detêm a preferência. Contudo, existe
uma lógica complementar, baseado na qualificação e antiguidade que se demonstram ser altamente maleáveis às
mais intensivas reestruturações em curso atualmente.
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9
Sistema que garante a segurança e inviolabilidade da carga, com palletes, que substituem as cacas e caixas
soltas em compartimentos unitários e selados, ou mesmo com o contêiner, que facilita o estofamento diretamente
em fábricas dos produtos que nos portos são conferidos seus lacres e postos em posição de embarque em pontos
específicos nos navios.
36
Os anos posteriores a legislação nº 8.630 deverão ser vistos a partir do legado dessa
estrutura estatal e do esforço de agentes locais de dotarem alguns mecanismos de controle e
representação no sentido de coibir os efeitos mais nocivos que viriam com a intensa
privatização dos portos e precarização do trabalho com as políticas neoliberais adotadas para
esse setor (DIÉGUEZ, 2014).
De um lado, temos estruturas descentralizadas construídas com a legislação nº
8.630/1993 - no sentido de favorecer o processo de privatização, de outro, as mesmas
estruturas foram justificadas por favorecerem, supostamente, uma gestão local mais
democrática e responsiva à realidade dos portos. A referência ao passado dos portos nos é útil
para demonstrar que essas novas estruturas não destituíram completamente algumas das
incumbências estatais anteriores.
O passado se faz presente, especialmente, no modelo de gestão dos portos que
mantem ainda: a) as políticas de concessões e autorizações para operações portuárias como
prerrogativa da União, b) a indispensabilidade de trabalhadores portuários em jurisdição
pública – dentro do Porto Organizado – de serem contratados e conferidos preferência em
detrimento à iniciativa privada.
Nossa intenção é vermos na história o valor e a relevância das estruturas estatais e
corporativistas, para entendermos como elas se aplicam no contrapelo de um movimento atual
de intensa privatização nos portos, que tem transformado esses órgãos em mecanismos de
interesse estatal seja para pressionar os portos públicos a adotarem a mesma agenda neoliberal
de destituição de direitos, mas, também, para a privatização das estruturas públicas como
alavanca para uma nova onda de concessões que se deu nos anos 2000 (BARROS, 2016;
DIÉGUEZ, 2014).
Foi com Getúlio Vargas que os portos entraram pela primeira vez em um plano
comum para investimentos e modernização. Através dos Decretos n o 24.447 e 24.511, de 22 e
29 de junho de 1934, respectivamente, temos a definição de “portos organizados” e a
definição de “Administração do Porto”, “Instalações Portuárias” e “serviços portuários”.
Os decretos que regulavam essas estruturas influíam diretamente na utilização das
instalações portuárias. O primeiro decreto, como mencionamos, com o parágrafo único, artigo
2o, estabelecia que “A ‘Administração do Porto’ pode ser dependência direta do Governo
37
[...] do liberalismo da primeira lei, que visava a atrair capitais privados para os
portos e afastar a administração pública de sua exploração, fomos caminhando
gradativamente para o controle direto do Governo Federal, passando por uma fase
intermediária de concessão aos Estados, que também fracassou. (COLLYER, 2007,
p. 34).
10
O termo se refere a uma política de valorização do mercado interno e da industrialização baseada na
substituição de produtos estrangeiros por nacionais. Essa política trouxe impactos consideráveis aos governos
que se viram dependentes de capital internacional para arrolar seus projetos de desenvolvimento nacional e de
políticas salariais que, entre outras atribuições reforçavam um padrão dual dos trabalhadores, com a transferência
de recursos para os setores considerados modernos em detrimento de uma massa de trabalhadores destituídos de
direitos (SOUZA MARTINS, 1978).
39
11
Em 1951, pela Lei no 1561/51, foi criado o Departamento de Portos, Rios e Canais, uma autarquia estadual,
para fazer a exploração comercial dos portos, e cuidar administrativamente de todos os portos do Rio Grande do
Sul, unificando, em um órgão só, a dragagem e os serviços hidroviários.
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perceber que, “[...] com raras exceções, esta provém (no sentido de exportação) de regiões
distintas, justamente a hinterland 12 de cada um deles” (RIO GRANDE DO SUL, 1961, p. 64).
Portanto, o governo federal não investia no porto nessa época nada além do que fora
estipulado num conjunto de macro investimentos associados às grandes rotas de escoamento,
para os principais centros produtores de commodities.
Essa perspectiva faz parte de um momento que foi o auge do modelo fordista de
acumulação e das experiências de planejamento portuário no País. Portos considerados até
então como economicamente viáveis foram descartados em razão dessa política, que precisou
assumir o desenvolvimento de alguns centros econômicos em detrimento de outros.
A lição que esse caso nos oferece é que a política de modernização conservadora
possui o atributo de colocar portos com maior envergadura (como Porto Alegre) no mesmo
status dos de portos de menor envergadura, como o de Itajaí para esse mesmo período.
A segunda lição que esse tipo de política nos traz é que o Estado foi indispensável
par dirimir os conflitos entre as classes sociais, mesmo que a centralização das decisões
passasse por regras que definiam – além das prioridades estratégicas elencadas, as relações
com a organização sindical e empresários.
Os desafios do sindicalismo, nesse período, estavam na defesa das conquistas já
acumuladas com as legislações dos anos 1960, que consolidavam o poder econômico e
político das categorias portuárias com a Constituinte de 1988 (SARTI, 1981). É por essa razão
que, em nosso entendimento, a Portobras surge como resposta à intensificação do sistema
corporativista no plano das lutas salariais. De um lado, perseguindo as lideranças que se
opunham a centralização das atividades portuárias; de outro, realizando “[...] atividades
relacionadas com a construção, administração e exploração dos portos e das vias navegáveis
interiores, exercendo a supervisão, orientação, coordenação, controle e fiscalização sobre tais
atividades” (TAVARES, 2001, p. 40).
Essa avaliação corrobora o papel das estruturas corporativistas, com o braço do lado
executivo na Portobras funcionando a todo o vapor com a ampliação de portos na periferia do
sistema portuário nacional.
Como observa nosso entrevistado (engenheiro, autoridade portuária, 60 anos) ,
[...] que nessa época, a responsabilidade que o governo estadual e federal passou a
ter dentro dessa configuração, pois o contrato de licenciamento para operar o porto
de Itajaí deu ao Estado a incumbência de administrar os portos organizados, ampliar
12
Área de influência de determinado porto, compondo um mercado cativo com custos de transporte e serviços
associados.
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Segundo Collyer (2007, p. 10), a Portobras teve um papel importante para “[...] a
construção, e exploração dos portos e das vias navegáveis interiores e sua supervisão”. O
objetivo da criação da Portobras foi “[...] pulverizar a administração dos portos, que era
considerada demasiadamente centralizadora”.
Podemos ver como o Estado era um agente que buscava barganhar os diversos
interesses que conformavam esse setor. Conforme Goularti Filho (2013, p. 35), a situação
estava tão precária no porto de Itajaí “[...] que a Portobras fez uma proposta para o governo
estadual para que o porto [de São Francisco] fosse entregue à União. Seria criada uma
sociedade de economia mista, a Companhia Docas de Santa Catarina, para que os problemas
portuários fossem tratados com mais objetividade e pelo ponto de vista portuário”13.
Com a extinção da Portobras em 1988, a administração dos “Portos Organizados”
sofre nova transformação pelas políticas adotadas ao especificar o domínio estatal dos portos
em oposição aos portos privados. Nesse período de concentração das atribuições estatais –
alguns anos antes da Lei no 8.630, de 1993, que liberaliza esse mercado – vale reiterar que o
controle das atribuições públicas se dá como empresa de capital misto, com domínio do setor
público (99% das ações) sobre o privado.
Esse é o período que marca a transição para a administração do porto de Itajaí para a
Companhia Docas de São Paulo (CODESP), que, para Junior (2012, p. 6), contudo, “[...]
representou uma fase de estagnação da atividade portuária no município”. Quando o
Ministério dos Transportes descentralizou a gestão do porto ao Município de Itajaí, em 1995,
depois de cinco anos sob a jurisdição da Companhias Docas de São Paulo, para muitos esse
foi um período de incertezas quanto ao destino do porto naquela cidade.
Como desdobramento, houve pressão das autoridades locais sobre os processos de
gestão local e da demanda do empresariado em intensificar a exploração do entorno portuário,
gerando um novo olhar sobre os processos de descentralização portuária surgida nesse
período.
13
Mesmo que a intenção original com a criação da Portobras fosse de estimular o crescimento econômico, a
recessão e o déficit fiscal pelo qual passava o país projetava um elevado número de investimentos para o setor
financiados por empréstimos internacionais. A expectativa do governo federal era de que novos portos
dinamizassem os custos que se acarretavam com a distribuição de produtos no país (COLLYER, 2007, p. 24).
Podemos ver aqui que o Estado agiu deliberadamente como agente facilitador da privatização dos portos, mesmo
antes com a legislação 8.630/1993.
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Para Junior (2012, p. 3), o papel do Estado centralizador foi marcado, inicialmente,
pelo distanciamento das necessidades do porto público. É esse distanciamento que, no
contexto da legislação 8.630/1993, a municipalização do porto de Itajaí, foi considerado pelos
analistas locais como um caminho para responder aos desafios que surgiram com a situação
de sucateamento do porto público. Assim, “[...] inconformados com a situação, as principais
lideranças empresariais, políticas e sindicais defenderam uma maior autonomia gerencial e
uma administração local” (JUNIOR apud HOFFMANN; SILVA; 2001, p. 73).
Para o engenheiro do porto de Itajaí entrevistado (60 anos), “[...] a lei vai dizer que a
exploração da atividade portuária é de competência da União, ou seja, o que ela pode delegar
e o que ela pode fazer são vistas sob esse olhar, o da soberania nacional e da evolução das
relações regionais e locais”. Para este diretor, a visibilidade da autoridade portuária nesse
contexto é um ganho para o desenvolvimento dos portos, porque com ela criou-se a
Autoridade Portuária, o Conselho de Autoridade Portuária, o OGMO. Portanto,
[...] nesse contexto apareceram novas personagens que não existiam antes, não
tinham autonomia: a autoridade portuária, que não existia antes. Esse é um conceito
mundial. Todos os países falam do conceito de port authority, dependendo do país,
dependendo de onde ela atua, ela pode estar mais ou menos presente. Por exemplo:
Nova York, cuida de porto, ferrovia, aeroporto. O que mais se falava no atentado de
11 de setembro era a port authority. Na Europa, também tem esse conceito, com
alguns países muito forte (Engenheiro, autoridade portuária, 55 anos).
A reforma portuária, promulgada com a Lei no 8630, em 1993, foi capitaneada por
um empresariado com o propósito de implementar a abertura do mercado portuário e de suas
instituições. Ao fazer isso colocava-se também em debate o grau de concentração dos
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interesses entre as classes e o próprio Estado – árbitro das disputas sociais e regulador
econômico nesse jogo de relações políticas 14 (DOCTOR, 2017, p. 40).
Portanto, o empresariado passou a assumir um tipo de discurso que atribuía
“excesso” de Estado onde o trabalhador e o sindicato foram colocados em primeiro plano
como responsáveis pelo atraso vigente. Conforme Jorge Gerdau, o líder da reforma portuária
no período, o “[...] corporativismo dos trabalhadores portuários” foi um dos motivos de
ataque por impedir o crescimento das atividades empresariais (DOCTOR, 2017, p. 150).
No meio dos anos 1990 já se sabia que o custo de manutenção das infraestruturas e
dos fretes pouco viria dos trabalhadores (BRASIL, 1995). Isso não impediu o empresariado
de insistir nesse discurso como o caminho mais fácil para a aprovação das políticas do setor.
Para Doctor (2017, p. 45), o discurso empresarial culpando os trabalhadores sobre o fracasso
dos portos foi a estratégia de mais sucesso com a clara intenção de “[...] evitar confrontação
com o Estado em uma conjuntura crítica para uma liberalização econômica e uma reforma
estrutural”. Ao atingir os trabalhadores, os empresários exploraram uma brecha na estrutura
do corporativismo portuário, o que lhes garantiria que os atores estatais não adotassem uma
posição defensiva contra os novos investimentos nos portos e os levassem a bloquear a
reforma (DOCTOR, 2017, p. 45).
Qualquer iniciativa contra a precarização e que parta dos trabalhadores, atualmente,
tem que reconhecer a penúria que essa classe continua a enfrentar. Muito desta se refere as
ofensivas promovidas pelos empresários que achavam que algo precisava ser feito para a
modernização das infraestruturas. Eles construíram um lobby para retratar os trabalhadores
como fonte de poder abusivo e questionava o monopólio da contratação pelos sindicatos.
Nesse processo, produziram relatos sobre os portos de Santos, Rio de Janeiro e Itajaí, os quais
revelavam maquinários obsoletos, acesso ruim aos portos, espaço e organização de áreas
adjacentes ineficientes e cais incompletos, pequenos ou danificados (GOULARTI FILHO,
2013).
Nesse contexto, a competitividade adquiriu um status de credo universal, uma
ideologia. Esse era o momento no qual os portos precisaram responder em termos da demanda
do empresariado para a internacionalização de empresas, expansão do comércio e mudança da
14
A base que sustenta esse discurso é o Estado, expressando sua evolução histórica numa carência “[...] de um
núcleo hegemônico e social, não podia senão conceber o interesse geral em termos amorfos, quanto a seus
contornos de classe, e acentuar o caráter nacional, popular, autônomo e autoritário da gestão estatal”
(ALMEIDA, 1975, p. 52).
45
própria estrutura produtiva que alterou a expectativa dos atores sociais para economia
nacional e global.
As pressões da globalização e da busca por competitividade, que agências
internacionais, com o apoio das Nações Unidas, impuseram a necessidade de um aprendizado
de melhores práticas para o setor; entre elas, a ideia de que os portos precisavam ser vistos
como parte de redes de distribuição internacional, incorporando as novas tendências da gestão
empresarial (ECLAC, 1990).
Podemos, com relativa segurança, afirmar que o contexto político e o imaginário
sobre os efeitos esperados com a reforma ainda reverberam nas atuais interpretações sobre o
papel do governo nos portos. Isso porque, como afirma um entrevistado, funcionário do porto
de Itajaí, “[...] não adianta nada ter uma boa indústria se não temos portos adequados”
(despachante, porto de Itajaí, 45 anos).
A extensão do aprofundamento da privatização como uma política para os portos
recobre toda essa postura posta agora sobre o projeto de desenvolvimento pautado pelos
governos de Lula e Dilma Rousseff, marcado pelo recuo do Estado e da transformação dos
portos em ativos financeiros. Estes seriam capazes de produzir lucro em ciclos cada vez mais
curtos de valorização, e que, dessa forma, poderiam supostamente oferecer ao país como
alternativa para a superação de seus problemas nos anos 2000.
Exemplo dessa política neoliberal está na ideia de que os Estados deveriam
desenvolver meios institucionais para converter vantagens competitivas “estáticas” – “[...] o
porto somente como escoador de produtos” (despachante, 45 anos) em “dinâmicas”: “porque
os operadores não tem nenhuma obrigação de manter seus contratos aqui em Itajaí, na
verdade, o que temos são milhares de operadores que compram e vendem de fora da cidade”
(despachante, 45 anos).
O resultado mais importante desse embate para o setor portuário, que amparou a luta
de todo o movimento sindical subsequente no Brasil e América Latina, foi a decisão dos
governos de se retirar da condução direta dos portos, transferindo parte significativa das
operações para o setor privado, e, por fim, deslocando a estrutura corporativista do nível
federal – definição de salários dos portuários era padronizada, decisões sobre
(des)investimentos era centralizada – para o nível regional ou local.
46
desse autor, é não problematizável e com poucos conflitos que não sejam resolvidos com a
gestão pública, no sentido de visível e passível de fiscalização pelos usuários desse sistema.
De outro lado, a privatização é entendida, juntamente com Diéguez (2014) e
Goldenberg (2009), como uma relação com a propriedade, as instituições que a regulam,
incorporadas em legislações e no Estado. Haveria aqui movimentos de preservação, de lutas
contra a venda completa dos ativos portuários, de suas infraestruturas aquaviárias e terrestres,
de seus equipamentos e dos trabalhadores que vivem destes e nestes espaços.
Para Diéguez (2014), existe uma seletividade das políticas de privatização em curso,
com muito mais das mesmas avaliações, por exemplo, de relações ultrapassadas, com
equipamentos obsoletos e trabalhadores privilegiados que precisam ser integrados a economia
mundial. É nesse sentido, que a seletividade que essas leis produzem tem um impacto
relevante para as políticas sucateamento dos portos. Porque ao ganhar força esse discurso por
todo os anos 1990 e nos anos 2000, o governo se permitiu avançar com licitações ou
autorizações, para a operação em portos público-privados, que alteraram o entendimento
vigente sobre o papel dos portos. Como observam Monié e Vidal, nosso mercado de
commodities teve uma
estabeleceu-se um novo marco para o setor portuário, marco este repleto do ideário
neoliberal, com autorizações para concessão de áreas públicas à iniciativa privada,
saída do Estado da posição de operador portuário e, principalmente, o fim do
monopólio dos sindicatos sobre a gestão da mão de obra. Inúmeros artigos da
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), os quais regulamentavam o trabalho de
estiva, foram revogados com a nova lei. Concluía-se assim um ciclo de 60 anos de
um modelo regido pelos trabalhadores para iniciar o ciclo de um modelo gerido,
comandado e arbitrado pelo capital. Após décadas de resistência, a força de trabalho
portuária era, conforme desejavam os empresários, finalmente privatizada
Private Fully
Service LandLord
Variáveis Tool Port Landlord Privatezed
Port Port
Port Port
Investimento Público Público Público Privado Privado
em
infraestrutura
Portuária
Investimento Público Público Privado Privado Privado
em
Superestrutur
a
Operação Público Privado Privado Privado Privado
Portuária
Administraçã Público Público Público Privado Privado
o do Porto
Propriedade Público Público Público Público Privado
da Terra e
50
Ativo
Exceto no modelo Fully Privatized Port, os portos não são vendidos totalmente ao
setor privado, exemplos são os portos no Reino Unido e na Nova Zelândia, trabalhando com
sistema de concessões de áreas portuárias e de operações portuárias ao setor privado. Esse
modelo nos ensina que os resultados em termos de uma política nacional integrada são
altamente prejudicados, visto que os portos se encontram totalmente nas mãos do capital
privado (TURNBULL, 2012).
Todavia, observa Diéguez (2014, p.83), os outros modelos “nos mostram uma
crescente participação do capital privado na gestão, operação e investimento portuário, com o
uso privado da terra e das instalações portuárias e também da ampliação do domínio do
capital sobre a gestão do trabalho”.
No modelo Service Port a gestão da mão de obra é feita pelo setor público. Nos
demais, a gestão é do setor privado, mas isso não significa que a sempre seja a serviço do
capital, podendo ser realizada em parceria entre capital e trabalho (TURNBULL, 2012). O
modelo Tool Port tem pequena diferença em relação ao modelo Service Port, apresentando
um avanço em direção à entrada da iniciativa privada nos portos.
No Brasil procurou-se estabelecer um modelo que associa comercialização e
corporativização, que tem por modelo Landlord Port (DIÉGUEZ, 2014). Este modelo foi
proposto pela Lei nº 8.630/93 e adotava a descentralização das decisões sobre os portos,
criando os Conselhos de Autoridade Portuária (CAPS), formados por agentes do próprio
porto, como membros do poder executivo local, usuários dos portos, trabalhadores e outros
agentes do setor. A existência dos CAPS permitiu que algum poder decisório ficasse em
âmbito privado. Nesse sentido, o Poder Público mantém o controle da administração
portuária, mas esta é transformada em empresa de economia mista, financeira e legalmente
independente, transferindo os investimentos na superestrutura17.
Até esse momento esses modelos nos ajudam a entender que “em países onde os
sindicatos possuem grande força e poder em torno da gestão da mão de obra, o principal
17
Os investimentos são: maquinaria, guindastes automáticos, caminhões, armazéns, manutenção do cais e tudo
que fique acima do terreno portuário, especialmente a mão de obra, estariam aos encargos da iniciativa privada.
51
objetivo na implantação dos [mesmo] foi reduzir o papel dos sindicatos no setor, excluindo-os
dessa relação (DIÉGUEZ, 2014, p.60).
Contudo, refletindo nesse mesmo diapasão, avaliamos que a política de
modernização dos portos tem sido dotada por caraterísticas de comercialização e
corporativismo, que podem em determinados momentos habilitar os agentes locais à
transformação das relações de poder que tem favorecido extremamente o lado mercantil das
relações portuárias.
Entendemos que as estruturas que definem o modelo LandLord Port mantêm-se antes
e depois da legislação 8.630/13 e se consolida em um modelo com algumas vantagens para os
trabalhadores. Estas superam os enormes custos aos mesmos que vieram por conta da
legislação anterior que os transformaram quase em reféns das empresas portuárias (BARROS,
2017; DIÉGUEZ, 2014).
Demos até o momento atenção a posição política dos atores interessados na abertura
do mercado portuário, como na preservação do status e privilégios que a política portuária
confere. As transformações da legislação, no sentido que Tilly (p.101) atribui, conferem
privilégios e seletividade nos mecanismos de repressão que ela institui. Para nossa pesquisa a
legalidade e as resoluções para o setor portuário, assim como as leis para o trabalho portuário
importam muito no sentido de nos apontar os custos que o Estado está preparado para aplicar
na defesa de uma agenda em detrimento de outra.
52
53
Nossa discussão parte de uma perspectiva que enfatiza as diferenças entre ase as Leis
nº8.630 de 1993 e nº 12.815 de 2013, a fim de demonstrar o impacto de novas dinâmicas
produtivas nos portos para os trabalhadores, com a introdução do Órgão de Gestão de Mão de
Obra (OGMO), que substituiu o monopólio da força de trabalho pelos sindicatos e a
Autoridade Portuária e o Conselho de Autoridade (CAP), que substituíram a Cia Docas e
Portobras, instituições diretamente vinculadas ao governo federal antes da primeira lei
mencionada.
Nossa hipótese é que as Lei nº8.630/93 inovou quanto aos limites para a liberalização
do mercado portuário, porém, pouco acrescentou quanto as relações capital e trabalho. O
resultado disso, até o momento analisado, tem sido a precarização do trabalho acompanhada
de novas formas de gestão do trabalho, com a flexibilização das jornadas e subcontratação.
Para Diéguez (2014, p 49), podemos falar de uma insegurança do trabalho decorrente
da ocasionalidade que se “mantém pela sazonalidade da produção”, dado que, em um país
fortemente sustentado pela produção de bens primários, como o Brasil, o fluxo de navios
acompanha os períodos de safra.
E o mais importante, “cada país assumiu uma maneira para tornar o trabalho portuário
não ocasional” ou eventual. Portanto, mesmo esses trabalhadores dependendo da entrada de
navios para poder retirar suas rendas, sempre houve mecanismos criados para preservar um
mínimo de direitos sociais, de renda e dignidade (DIÉGUEZ, 2014, p 49).
É Turnbull (2012) quem traz um quadro mais abrangente dos modelos de gestão do
trabalho portuário adotados em diversos países da Europa, América do Norte e Oceania, que
podem ser resumidos em dois: organizações estatais e, ou, corporativistas de um lado, e de
outro, organizações do terceiro setor. Ambas “responsáveis pela gestão da mão de obra
portuária ou gestão da mão de obra realizada pelos sindicatos dos trabalhadores portuários”
(DIÉGUEZ, 2014, p.51).
Com o primeiro modelo - que é adotado por Holanda, França, Espanha, Portugal,
Inglaterra -, os trabalhadores são registrados em pools (piscina) onde todos os registrados são
54
filiados a instituições estatais ou por organizações do terceiro setor. Após essa inscrição do
trabalhador, eles são então requeridos pelos operadores portuários para exercerem suas
atividades de trabalho. Contudo, para serem registrados nesses pools, “os trabalhadores
deveriam cumprir um conjunto de critérios, que variava da qualificação à quantidade de horas
trabalhadas no período de trabalho ocasional” (DIÉGUEZ, 2014, p.49). Qualquer fosse o caso
que os trabalhadores desse sistema se encontrassem, eles tinham garantido uma remuneração
mínima.
No segundo modelo - com Estados Unidos e Austrália, como exemplo -, os
trabalhadores devem ser sindicalizados para poderem ser contratados para o trabalho. Esse
sistema é conhecido como closed shop, onde o acesso ao mercado de trabalho é restrito
apenas aos trabalhadores sindicalizados.
Essa restrição era feita a partir de diversos critérios, variando do número de horas
trabalhadas até processos seletivos ou indicação de familiares. Nesse modelo, “os operadores
portuários requeriam diretamente aos sindicatos a quantidade de homens necessária à
operação portuária” (DIÉGUEZ, 2014, 50). Os pagamentos eram efetuados diretamente aos
sindicatos, responsáveis então por pagar os trabalhadores.
No Brasil foi adotado e adaptado o último modelo. Esse modelo foi conquistado e
reivindicado primeiro pelos estivadores e, depois ratificado em legislação, estendendo os
benefícios da luta portuária aos sindicalizados garantindo o direito de terem sua reserva de
mercado (SILVA, 2003).
A luta operária nos portos foi pela defesa dos sindicatos deterem controle sobre o
acesso dos trabalhadores ao mercado; sobre a gestão da mão de obra; indicação de
trabalhadores para sindicalização ou mesmo a filiação como critério de entrada nos mesmos;
assim como o acesso de trabalhadores para a composição dos ternos e de contramestres,
escolhidos entre os trabalhadores para fiscalização do trabalho nos navios.
Nesse sentido é muito difícil falarmos em trabalho autônomo nesses espaços, mas
não significa que não se constituiu como um ideal perseguido por esses trabalhadores. A
necessidade de os operários portuários controlarem o processo de trabalho se dá
coletivamente, como apresenta Cruz (1998) sobre o manuseio de carga entre costado e navio e
do conhecimento construído e aprendido sobre inúmeras etapas que temos apontado na
análise do trabalho em Itajaí.
Essa autonomia, contudo, no Brasil foi muito difícil de ser alcançada visto que aqui a
sazonalidade dos portos colocou os trabalhadores em período de desemprego o que os forçou
a acirrar ainda mais esse controle sobre o trabalho. Uma forma histórica de garantir trabalho
55
foi de acessar os benefícios que o emprego com vínculo empregatício por tempo
indeterminado proporcionava, que era o caso dos trabalhadores em terra, funcionários das
Companhias Docas.
Assim, em nosso entendimento, as instituições do corporativismo portuário vão
constituindo práticas não apenas econômicas, mas também políticas, em defesa dos
trabalhadores. Foi por meio das lutas operarias que se conquistou o ganho por produtividade
em vez da remuneração por período trabalhado e remuneração mínima diária em caso de não
embarcamento18.
Esses ganhos permanecem, o que permite a Barros (2017) defender a ideia de que,
com a introdução de novos mecanismos de gestão do trabalho nos anos 1990 preservaram-se
alguns direitos, garantidos pelo Estado, mas o arcabouço institucional que os sustentavam vai,
paulatinamente, desaparecendo (2017, p.80).
Para Diéguez, contudo, o Estado afastou-se definitivamente das relações com os
sindicatos, sendo que os principais “[...] mecanismos de regulamentação estatal do trabalho
portuário são desativados, não sendo substituídos por outras normas reguladoras, ocasionando
descontrole desta importante atividade para a economia do país (2014, p.51).
A preocupação de Diéguez (2014) está no panorama nada acalentador por todo os
anos 1990. Com a extinção das Delegacias de Trabalho Marítimo - DTM em 1989 e da
Portobras em 1990 viera uma quebra das instituições que regulavam trabalho e capital. O
exemplo desse cenário está na verificada ausência de fiscalização nos portos, descontrole
estatal do trabalho, paralização da promoção interna nos sindicatos. Todos esses elementos
promoveram uma situação de descontrole sobre a política de privatização, que, não de outra
forma perdeu seu ímpeto inicial durante os anos 1990 (DOCTOR, 2017).
Nesse período, o sistema closed shop entra na pauta do empresariado com seu lobby
para o avanço das reformas e privatizações. Para eles permitia-se a manutenção de um
mercado interno de trabalho inchado de trabalhadores pouco ou nada qualificados, com
trabalhadores escolhendo entre os seus pares para o trabalho e determinando o tamanho das
equipes e a remuneração (BARROS, 2017; DOCTOR 2017).
Dessa forma, indicamos como esse argumento dos empresários era apenas uma
forma de pressionar o governo para desregulamentar o mercado de trabalho portuário,
18
É a situação de previsão de entrada do navio, que pode não ocorrer por razões de mudança das escalas dos
armadores, janelas de entrada perdida, congestionamento. Essas ocorrências são fatos comuns e notórios nos
portos e na vida laboral dos trabalhadores portuários.
56
permitindo ao patronato “[...] maior controle sobre a mão de obra e os processos de trabalho”
(DIÉGUEZ, 2014, p50).
Além disso, a crítica empresarial não levava em conta a importância dessas
instituições para o bom andamento da vida produtiva e social nos portos. De qualquer forma,
esse é o momento em que o Estado diminui sua participação na regulação do trabalho
portuário, caminho para a composição de um novo sistema de regulação do trabalho, ainda
regido por ele, mas fortemente vinculado ao ritmo e demandas do mercado.
Assim, em 1993, foi promulgada a Lei nº 8.630/93, que extinguiu o sistema de closed
shop e criou o Órgão Gestor de Mão de Obra (OGMO). Para Diéguez (2017) e Barros (2017)
que enfatizam as experiências de privatização do porto de Santos, os operadores portuários
(empresários) foram os que assumiram “boa parte das competências anteriormente exercidas
pelas Delegacias de Trabalho Marítimo (DTMs), inclusive a inscrição e manutenção do
registro do trabalhador portuário avulso” (DIÉGUEZ, 2014, p.54). Logo, o OGMO teria por
objetivo substituir os sindicatos no controle do processo de trabalho, de alocação e definição
da contratação para esse mercado de trabalho.
A intenção louvável desses autores é de responder a desconstrução em curso das
instituições reguladoras do mercado de trabalho naquela época. Isso fica evidenciado com o
avanço da flexibilização do trabalho exigida pelos empresários, que extingue as divisões que
marcavam o controle sindical e as hierarquias entre os trabalhadores.
A flexibilização do trabalho, que nos portos tem o nome de multifuncionalidade,
elimina as diferenças entre as categorias e as substitui por apenas uma: trabalhador portuário
avulso. Estivadores, consertadores, guindasteiros, operários portuários e conferentes
deixariam de existir e estariam todos sob essa única nomenclatura. Dito de outra forma, a lei
nº 8.630/93 permitia que as empresas contratassem trabalhadores de qualquer categoria sob o
título de trabalhador avulso e com a justificativa de abertura do mercado de trabalho.
Para Diéguez (2017) e Barros (2017), a multifuncionalidade é entendida como uma
restrição e imposição ao trabalhador. Para nossa perspectiva do Porto de Itajaí, apesar da
análise dos autores ser verdadeira em razão da intensa exploração do trabalho nesse setor, ela
não se encaixa a realidade que avança no século XXI em portos com menor envergadura
econômica e de força operária.
Precisamos demostrar os desafios que esses trabalhadores vivenciaram com todo um
período de precarização do trabalho e como eles responderam no sentido de reverterem
constantes perdas de direitos. O que queremos dizer é que a legislação e os pareceres da
57
lados da relação capital e trabalho. É nesse sentido que vemos a necessidade de discutir como
a legislação favoreceu ou não formas de dimensionamento quantitativo de trabalhadores
portuários avulsos a partir dos anos 2000. Em nosso entendimento, a legislação nº 8.630/1993
pouco inovou com as relações capital e trabalho, deixando à Justiça do Trabalho o papel de
sua normatização quanto ao dimensionamento da força de trabalho.
Avançando com as mudanças do trabalho nos anos 2000, a nota técnica nº 036
(2001), emitida pelo Ministério do Trabalho e Emprego, tem o parecer sobre as formas
adequadas de interpretação da evolução das relações de trabalho e o entendimento da forma
como a reforma portuária deveria sopesar as estratégias de flexibilização do trabalho
recorrentes nos portos com aquela prevista por lei.
Vemos que a lei estabelece, com o art. 18 que os “operadores portuários devem
constituir, em cada porto organizado, um órgão gestor de mão de obra [...]”. É pelo OGMO e
no porto organizado que esse dimensionamento acontece, definindo-se, a partir desse artigo e
seus incisos, o número de vagas, a forma e a periodicidade para o acesso ao registro do
trabalhador portuário avulso.
Com o art. 22 entende-se que o OGMO pode somente efetuar esse dimensionamento
a partir de convenções ou acordos coletivos de trabalho. É a partir dessas instituições, OGMO
e Porto Organizado que serão definidas também as condições de trabalho, composição de
ternos e remuneração.
Com o art. 24, O OGMO é definido como um órgão de intermediação, com a
participação do Estado, via autoridade portuária local, dos trabalhadores e dos empresários.
Portanto, um órgão de representação das classes e de coordenação de seus interesses e
atividades.
A própria nota técnica interpreta que, para além do que se estabelece ao OGMO
como prerrogativa de definir o número de vagas para acesso ao registro do trabalhador
portuário avulso, cabe ao Conselho de Supervisão – entidade tripartite, com representantes
dos trabalhadores, empresários e Estado - deliberar sobre a mesma matéria. A pergunta que
essa nota lança é: o que se entende por “número de vagas” para a adaptação da força de
trabalho aos portos?
A resposta a “essa questão é simples deslinde, vez que a competência para
dimensionar o quantitativo de trabalhadores ou ‘quadros’ sempre esteve regulada na
legislação anterior a 1993” (MTE, 2001, p.1).
A resolução nº 226 de 25/03/69, com a redação dada pela Resolução n. 494, de
05/06/72, ambas do Conselho Superior do Trabalho Marítimo afirmam que cabe ao Delegado
59
do Trabalho Marítimo (DTM) a fixação dos quadros dos trabalhadores avulsos. O decreto-lei
n. 3, de 27/01/66 com o art. 5 define que cabe ao DTM fixar “o número necessário de
trabalhadores para o respectivo serviço” em armazéns e no cais (MTE, 2001, p.2). Os portos
deveriam obedecer as diretriz desse órgão e efetuar as “matriculas até o limite fixado,
anualmente [...]” (MTE, 2001, p.2).
O ponto essencial aqui é traçado com a noção de limite, imposta pelo Estado, que ao
ser superado uma média de 100 horas de trabalho aumenta-se o número de trabalhadores no
sentido de reestabelecer a média anterior.
Podemos ver que a nota técnica não responde a legislação nº 8.630/93 que confere
ao trabalhador avulso somente a preferência na contratação, e não a exclusividade do mercado
de trabalho defendida. Ficando patente o fato de que pelos próximos anos esse mercado de
trabalho não teria normatizado as contratações fora do OGMO. Ou seja, pode-se ou não
contratar trabalhadores fora do OGMO dependendo se haja: a) em caso de trabalhadores
faltantes ou b) da possibilidade de contratação por tempo indeterminado caso o trabalhador
assim o deseje – sem a perda de seu cadastro.
Com a intensificação da reforma portuária nos anos 2000, a questão do
dimensionamento da força de trabalho não poderia ficar em aberto, com a consequente queda
do rendimento médio dos trabalhadores, o que comprometeria “a precisão do art. 2 da
Convenção n. 137 da OIT, que estabelece a necessidade de uma renda mínima a ser
estabelecida aos avulsos portuários” (MTE, 2001, p.3).
Podemos ver que essa dimensão do trabalho nos revela um entendimento já antigo
da situação de precariedade desses trabalhadores no país, como retratado por Diéguez (2014),
na primeira década dos anos 1990 e em diversos portos no mundo.
Por outro lado, a nota técnica justifica a necessidade de regulação desse mercado de
trabalho, somado ao argumento anterior, que a regulação do mesmo deve ocorrer no sentido
de prevenir “a falta de trabalhadores [...], o que comprometeria a eficácia do sistema, podendo
pôr em risco a segurança e saúde dos avulsos pelo excesso de jornada” (MTE, 2001, p.3).
A questão do vínculo empregatício se apresentou como uma possibilidade de
dimensionamento da força de trabalho, mas somente quando respeitado o interesse dos
trabalhadores, como preza a nota técnica em questão. Essa cessão pode e foi negociada entre
esse e outros sindicatos, transformando o interesse de vinculamento por alguns trabalhadores
como alternativa ao subemprego.
60
19
equipamento de segurança individual.
20
Sigla para “Serviço Especializado em Segurança e Saúde do Trabalhador Portuário”. Tem por objetivo
promover a conscientização, a antecipação de riscos, criando medidas para controlá-los, elaborar programas de
prevenção de riscos, elaborar programa de controle médico de saúde ocupacional, criar procedimentos de
segurança para cada operação.
61
Esse entendimento parte das lutas anteriores ao próprio ato de fechar um acordo com
o patrão. Portanto, vemos com esse relato que a fixação dos quadros é resultado do poder
negocial das partes, com o sindicato como ator indispensável nesse processo.
Entrevistador: E como fica essa situação, eles simplesmente aceitam o que vocês
propõem?
Entrevistado: Então, o que tivemos foi um entendimento de ação no plano de
direitos sociais já conquistados, aceitamos a redução dos quadros como uma
proposta do porto para a redução da força de trabalho. Mas depois disso, o que
vimos foi desrespeito aos acordos que tivemos. Sentimos a necessidade de avançar
com as negociações, mas agora buscando acordos juntamente com outras categorias.
Isso foi somente a partir de 2010 porque estamos num cenário de crescimento. Antes
todos estavam ganhando bastante. E pensávamos que com a infraestrutura nova, o
porto iria permanecer, com as rotas de navio (estivador, sindicalista, 45 anos)
Podemos ver como o porto organizado sustenta as pretensões por direitos dos
trabalhadores. É nesse espaço que a dimensão estatal se faz presente, como nos diz o mesmo
entrevistado
Não tem como eles quererem burlar isso. Então, a extinção do contrato tem sim, e é
quando o trabalhador sai do expediente dele. Essa situação é importante para eles
não forçarem um vinculado ou um grupo de trabalhadores vinculados numa posição
chave, como o guindasteiro, daí ninguém do nosso sindicato entra né (estivador, 38
anos).
O fato de ser trabalhador avulso e sua institucionalidade garantida por lei é o recurso
que está sendo disputado nesse momento nos portos. Como nos relata outro entrevistado isso
ocorre porque
gente que se submete hoje a um salário de miséria. Há dez anos a galera foi pega de
surpresa, foi para o vinculado. Mas vai lá e conversa com eles para tu veres o que
eles te dizem (estivador, 36 anos).
OGMO
Mero intermediador da força de trabalho Solidário financeiramente em caso de não
para os operadores portuários pagamento pelos operadores portuários,
de descumprimento quanto a segurança
no trabalho.
CAP
Autônomo quanto a fiscalização e Essa situação pode ou não se manter
monitoramento das obrigações dependendo de acordos com o governo
financeiras com o porto organizado Federal
Concessões
63
21
Discutiremos profundamente o porquê dessa peculiaridade na próxima seção.
64
A noção de trabalho portuário avulso, aplicado para todas as categorias que operam
no navio, cais e armazéns não ocorreu no mesmo momento e com o mesmo ímpeto. Logo, a
65
dos estivadores como discutido por Sarti (1981), mas que existia um interesse da Companhia
das Docas de controlar o fluxo de demandantes a emprego de todo o porto. Nos anos 1990
essa imposição veio com a pressão por assiduidade no trabalho dos estivadores e na aplicação
de processo seletivo para a capatazia (DIÉGUEZ, 2014, p.51). Ou seja, com essa última
prática durante os anos 1990 inaugura-se a expectativa de uso de formas flexíveis que vieram
mediante a coerção direta aos trabalhadores para aceitarem as condições de subemprego e
precarização do trabalho que se mantem, em maior ou menor grau nos portos brasileiros.
Podemos ver com o relato de um estivador entrevistado (estivador-advogado, 40
anos, Itajaí), comparando as mudanças mais amplas do mercado de trabalho, que a entrada
dos trabalhadores da capatazia foi de suma importante para o avanço da jurisprudência no
trabalho portuário. Isso porque a legislação tornou os trabalhadores da capatazia como
diferenciados somente em 1998, mas somente em 2007 houve um avanço na legislação que
permitiu que eles pudessem agir como categoria que pudesse iniciar acordos coletivos
realmente vantajosos.
Para ele,
Olha, nós realmente éramos reféns do setor privado, e a estiva foi indispensável para
tentar coibir esse avanço. O exemplo de Santos ajuda a entender o que aconteceu: foi
dramática, inflexível, lá os empresários demoraram para avançar porque precisavam
contar com uma luta muitas vezes físicas. O porto privado e o porto público estavam
pressionado forte o trabalhador. Antes a capatazia tinha a administração pública para
defender eles né, agora era novamente a gente, como nas antigas, do tempo dos
novos avós e bisavós. Acho que isso afastou um pouco o papel deles para o que
estava acontecendo mais profundamente no resto do país por que daí não havia
condições para cooperar entre os sindicatos.
Nesse quesito nos referimos a categoria dos conferentes, que passa a ser inscrita no
sindicato da capatazia de Itajaí em 2004 (Convenção Coletiva Capatazia, 2004). Essa
categoria detinha autonomia e controle do trabalho. Contudo, com sua incorporação, ela perde
o poder de iniciar acordos coletivos no que toca as formas de remuneração, composição de
ternos e jornada de trabalho. Chamamos atenção como a dinâmica de precarização, com os
conferentes sendo inseridos no sindicato da capatazia, facilitou as estratégias dos principais
portos em controlar todo o processo produtivo em terra, ou seja: planejamento e validação do
trabalho de capatazia22.
Podemos ver que o ataque dos empresários ao trabalho a essa categoria se deve à
brecha conferida pela legislação ao trabalho de suplência aos trabalhadores da capatazia. Isso
especialmente se destaca porque o sistema de trabalho supletivo não estivera determinado e
normatizado por todo esse período para essa categoria de trabalhadores.
Para um estivador (38 anos, Itajaí),
22
Como observam Monié e Vidal (2006), essas estratégias coincidem com um grande “movimento de expansão
da área de cais e armazém no caso do Porto de Santos em detrimento da expansão das áreas marítimas”.
68
Para alguns, a expectativa era de que se entregaria para o empresariado “de bandeja”
a reserva de mercado de trabalho preservada por lei, mas pouco regulamentada até a Lei n o
12.830/13. Para outros de nossos entrevistados, “[...] era uma questão de negociação”, sem a
perda de essência do movimento (conferente, sindicalista, 35 anos).
Para um entrevistado os retratos “foram desanimadores para os portos como da Bahia
e Amazonas, que excluíram totalmente os trabalhadores sindicalizados. Pensávamos que essa
situação poderia acontecer aqui. O medo era grande em portos de menor envergadura como
esses aí e o nosso também” (estivador, 41 anos).
Como estamos vendo, as formas de subcontratação apontaram para o fato de que
precisariam agir para garantir o que lhes era de direito. Nesse terreno novo, desejamos
explorar melhor como a definição do próprio trabalho foi contestada pelo empresariado, e
qual foi o papel da Justiça do Trabalho no sentido de promover canais para os trabalhadores
fazerem valer seus direitos e interesses.
O argumento que desenvolvemos até aqui é que, com a disposição constitucional da
Lei no 8.630/93 - base das lutas portuárias até 2013 - o pacto social que se pensava estar
garantido em Itajaí escondia movimentos subterrâneos de reorganização e ressignificação do
trabalho.
Já dissemos que nossa hipótese é de a Legislação no 8630/93 foi clara no sentido de
permitir uma maior abertura dos portos à concorrência, sem inovar, contudo, com as relações
capital e trabalho (CARVALHO, COSTA, SILVIA 2015). A questão agora é saber: como as
relações de trabalho se transformaram concomitante a essa legislação, mediada por um órgão
Gestor de Mão de Obra (OGMO)?
A apesar da legislação conferir a prerrogativa de o OGMO intermediar as demandas
que favoreçam o Operador Portuário, a lei prevê que acordos e convenções coletivas devam
prevalecer nas negociações. Por extensão, o sindicato possui ainda a relevância de lutar em
defesa do trabalho e contra os abusos que possam incorrem seja pelo OGMO, como pelo
Operador Portuário diretamente nos cais, armazéns e navios (DIÉGUEZ, 2014).
Por um lado, espremidos e necessitando “negociar” com o patrão, os trabalhadores
precisaram rever suas formas de trabalho coletivo e entre os sindicatos. A expectativa era de
que os contratos seriam estipulados “[...] por meio de convenção ou acordo coletivo
negociado com os sindicatos portuários, legítimos representantes desses trabalhadores”
(SETEMEES, 2014, p. 5). Por outro, esse reconhecimento de que pelos acordos e convenções
poderiam melhorar suas posições viera somente materializado em jurisprudências e novos
decretos nos anos 2000 (CARVALHO; COSTA, 2015).
69
muita gente saiu amargurada, saíram porque a pressão para cancelar registro era para
todo mundo, então eles saíram com a esperança que o clima de crescimento que
pairava aqui em Itajaí se mantivesse e, claro, que nossos filhos tivessem um
emprego garantido.
Nesse sentido a lei também avança, já que prevê duas causas para a extinção da
matrícula: morte e cancelamento (por infração disciplinar). O desequilíbrio que isso poderia
gerar era dos ganhos perdidos aos trabalhadores ativos. Segundo sindicalista (capatazia, 40
anos):
[...] veja bem, a situação é extremamente instável, se saiu alguém, eles partem do
princípio que o trabalho tem que render tanto e mais um pouco. E outra, cancelou o
registro, quem vai entrar no meu lugar no rodízio? Eles querem forçar a gente a
pegar os piores trabalhos sem correspondência de ganhos.
Podemos ver aqui que os trabalhadores estão cientes das ameaças que os esperam
mesmo com essa legislação, que solidifica os acordos coletivos como instrumento para a
flexibilização do trabalho e diretos sociais. Isso porque para eles o cenário ainda é a força
relativa que cada sindicato detém, resultando em acordos bons ou ruins para o trabalhador.
A prática do trabalho, seu dia-a-dia, apontou que precisariam de cautela para que não
perdessem, por completo, o sistema de rodízio, foco da ação dos empresários que desejam seu
23
O tempo era de dois anos antes da referida lei.
70
fim. Por outro lado, a resposta dos trabalhadores tem sido de uma postura mais horizontal, que
progressivamente a legislação normatiza a seu favor.
Discutimos como esses dilemas foram enfrentados pelos trabalhadores durante os
anos 2000. A abertura a precarização do trabalho se deu pela brevidade dispensada que a
legislação deu ao significado de trabalhador portuário avulso. A ideia de exclusividade, marco
da legislação anterior, é substituída por preferência (DIEESE, 2011, p.3). E a interpretação
conferida pelos legisladores, a partir dos relatos dos trabalhadores intensificou a sensação
desamparo e da correspondente necessidade de avançar com as negociações no sentido de
maior combatividade.
A intensificação da reforma portuária demandaria, reiteradamente, que um novo
entendimento fosse elaborado em razão das ameaças constantes que os trabalhadores estavam
enfrentando.
Isso pode ser visto a partir do divisor de águas no tratamento da questão da escalação
pelo OGMO, que veio com o dissídio coletivo de natureza jurídica, no ano de 2007, suscitado
pela Federação Nacional dos Operadores Portuários (FENOP), no 17411/2006-000-00-00,
contra a Federação Nacional dos Conferentes e Consertadores de Carga e Descarga, Vigias
Portuários, Trabalhadores de Bloco, Arrumadores e Amarradores de Navios (FENCCOVIB) e
a contra a Federação Nacional dos Portuários (FNP). Podemos ver que essa disputa foi
precursora, sendo que a estiva, nesse momento, não entrou no dissídio quanto ao uso de
trabalho supletivo.
Nesse dissídio os empresários exploraram o fato de a atividade de capatazia não estar
relacionada à contratação por prazo indeterminado garantir a condição da manutenção de sua
reserva de mercado.
Para Miller, Amorim e Silva (2015, p. 45), de um lado, a pretensão dos trabalhadores
de que a vinculação fosse aplicável somente aos integrantes do sistema OGMO, logo, reserva
absoluta e exclusiva, foi indeferida; de outro lado, não foi concedido liberdade total de
contratação pleiteada pelos operadores portuários (livre contratação no mercado comum de
trabalho). Nesse sentido, para Miller, Amorim e Silva (2015, p. 100), a “[...] questão ficou
concentrada na incidência da Convenção OIT n. 137, mais precisamente no teor do Artigo 3,
item 2: os portuários registrados terão prioridade para a obtenção de trabalho nos portos”.”.
Essa foi uma pequena alteração, mas com grande repercussão para a luta sindical e a
defesa dos direitos dos trabalhadores, pois foi fruto da persistência da FECCOVIBB e FNP,
que defenderam todos os portuários, colocando a capatazia agora – depois de ter sido já em
71
1998 reconhecido seus direitos – como categoria diferenciada, de fato. Antes os operadores
portuários cindiam a categoria, e muitas vezes ganhavam.
Miller, Amorim e Silva (2015) comentam que o direito do trabalho portuário teve o
mérito de não deixar a lacuna onde todas as categorias tinham direitos, menos a capatazia.
Essa ação teve o mérito de reiterar que “[...] o regime jurídico é igual para todas as seis
atividades (estiva, capatazia, consertadores, arrumadores, bloco, conferentes), fato que
justificou uma revisão da interpretação inicial sobre a definição de trabalho avulso portuário e
de seus direitos.
A solução do dissídio, ademais, não se restringiu à capatazia. Com o Acordão
produzido como consequência do dissídio no âmbito das FNP e FECONVIBB, o TST
consignou tratamento legal dispensado às seis atividades do trabalho portuário, “[...] porque o
trabalhador portuário avulso é uma categoria” (MILLER; AMOIM; SILVA; 2015 p. 97).
Esse tratamento, portanto, teve repercussões inéditas para as relações capital e
trabalho entre os portuários. Agora, eles são postos em pé de equanimidade no tratamento de
questões que envolvem litígios no trabalho, intensificando relações mais horizontais que são
notoriamente construídas mediante esforços para a revisão entre eles mesmos dos processos e
rendimentos do trabalho.
As Federações, nesse sentido, durante os embargos declaratórios com o dissídio
coletivo de natureza jurídica, em 2007, reiteraram suas dúvidas se a contratação dava
prioridade somente para trabalhadores da capatazia registrados ou cadastrados, ou se “[...]
também aquele especializado em outras atividades” (FNP, 2015).
A resposta foi a seguinte: a prioridade para a obtenção de trabalho nos portos alcança
também a modalidade de trabalho com vínculo empregatício. E a norma não restringiu a
prioridade àqueles avulsos que exercem a atividade de capatazia. Desse modo, a prioridade
alcança todos os portuários que se encontrem dentro do sistema OGMO (MILLER;
AMORIM; SILVA, 2015, p. 103).
Em síntese, o sistema de rodízio deveria ser preservado chamando primeiro o
registrado, e, caso houvesse oferta para vinculamento, passaria primeiro para o registrado e
depois para o cadastrado.
Podemos solidificar, portanto, a ideia que os sindicatos se encaminharam em direção
a uma postura mais combativa, que se traduziu em aprendizado sobre como agir frente a
precarização do trabalho. De outro lado, a ação empresarial não acompanhou essa nova
realidade dos portos “porque eles agiram como se o trabalho fosse o mesmo há 30 anos atrás”
(sindicalista, estivador 60 anos).
72
[...] o que pegou [coagiu] legal os operadores portuários com a nova lei, isso tudo
para os portos públicos né. É que eles agora [são] solidários juridicamente. Pega
tanto para o OGMO como para os armadores e operadores portuários em relação a
remuneração devida e indenizações. Então, é o seguinte, eles pensam muito mais em
não pisar no OGMO, porque ele é um intermediador, ele simplesmente pode
favorecer de um dia para o outro os trabalhadores portuários (TPAs). Isso é tão
verdadeiro que a gente cansa de ver OGMOS do Nordeste que pegam pesado com
nossos irmãos, porque eles têm algum rabo preso né com operador portuário. Então,
existe essa situação sim. Que entendemos que vai depender da relação que cada
porto tem com os seus, acredito que hoje a relação com o porto público é de
respeito, mas o caminho foi longo como tenho te dito né.
Fora construída uma aliança entre todos os trabalhadores com o OGMO, aliado
momentâneo contra a flexibilização irrestrita do trabalho. Essa aliança, em nosso
entendimento, foi muito eficaz no que toca às relações entre os grupos de trabalhadores de
outros sindicatos para reverem os processos de trabalho até então efetuados, propondo novas
formas de organização do mesmo, e as estratégias construídas para obstaculizar a total
abertura dos sindicatos ao empresariado.
Uma forma de entramos nesse debate parte, com Burawoy (1979) no sentido de
afirmar que essa legislação, até esse momento, permitiu um ataque mais intensivo à
73
3. O PORTO DE ITAJAÍ
24
Categoria de trabalhador diferenciada, protegida por lei, que trabalha por jornada e presta serviços a diversos
empregadores.
76
e aeroportos. Sua estrutura acionária não a posiciona como dona de cargas próprias, o que por
lei caracteriza-se em situação de ilegalidade ao menos até 2013 com a Lei nº12/815. Essa
condição nos indicou, em nossa pesquisa, uma disposição pelo prolongamento das disputas
pelo acesso a esse mercado, negando-se a contratação de trabalhadores avulsos e no
pagamento de taxas para a manutenção das vias aquaviárias.
No conjunto, contudo, a soma tem sido de acréscimo de contêineres, com os
benefícios sobre esse cenário sendo questionado de ambos os lados. Podemos ver que, devido
a esses resultados, o Porto de Itajaí e Navegantes são caracterizados como portos
concertadores, assim como portos de Suape e Rio Grande, que aglutinam as forças dos portos
da macrorregião que pertencem e executam atividades mais especializadas.
A partir do Plano mestre do Porto de Itajaí (2015, p. 6), vemos que o complexo
portuário “[...] é composto ‘por 28 armazéns, com capacidade coberta de 465 mil metros
quadrados de área total’. Juntamente com os Terminais de Uso Privado – TUPs o Teporti
Terminal Portuário Itajaí S.A., Poly Terminais S.A., Barra do Rio Terminal Portuário,
Trocadeiro Terminal Portuário, Terminal Portuário Braskarne e, Portonave S.A. Terminais
Portuários de Navegantes” - temos o APM Terminals, terminal público arrendado.
O Complexo encerrou o ano de 2010 com uma movimentação de 957,13 mil TEU 26.
O resultado representou um avanço de 61% em relação a 2009. Com relação ao número de
escalas, em 2010 o Complexo registrou 1,25 mil atracações, ante 1,02 mil atracações em
2009.
O crescimento da movimentação no Complexo Portuário, com os portos de Itajaí e
Navegantes, tem sido de uma taxa média anual, de 8,6%, superior à média brasileira, de 6,6%.
Tal crescimento se acelerou a partir de 2010, especificamente no TUP Portonave, para onde
foi transferida gradativamente parte da movimentação do porto público. Essa transferência
tem sido acompanhada de acusações do porto público pelo fato de essas cargas serem de
terceiros, o que é proibido pela legislação. O porto privado contesta, alegando que estava
alocado em uma área fora do porto público 27.
26
A sigla TEU (Twenty Foot Equivalent Unit) refere-se à Unidade Equivalente de Transporte, que possui um
tamanho padrão de contêiner intermodal de 20 pés.
27
Ver: Tribunal Regional do Trabalho 12º turma/ Ação civil pública ACP 01674-2008-047-12-00-5. Itajaí: 3º
Vara do trabalho. 2008. Essa açao civil pública desencadeia inumeros pareceres sobre a viabilidade do porto
privado, com as repercusões sobre o trabalho desempenhando papel indispensavel para as lutas locais, que foram
encaminhadas até 2011 com pareceres da Justiça do Trabalho.
79
Contudo, se olharmos para assoma dos dois portos, a partir do ranking abaixo, vemos
que o complexo portuário avança consideravelmente sua posição de centro concentrador de
carga, ou seja, agregando cargas de diversos portos e embarcando-os também para diversos
destinos28.
Porto Quantidade %
Santos 2.042.127 35.8
Paranaguá 439.820 7.7
TUP Portonave 414.655 7.3
Rio Grande 387.351 6.8
Rio de Janeiro 315.649 5.5
TUP Porto Itapoá 294.267 5.2
Suape 258.240 4.5
Itaguaí 240.983 4.2
Itajaí 239.297 4.2
TUP Chibatão 212.111 3.7
Salvador 177.120 3.1
Vitória 142.622 2.5
TUP Embraport 138.833 2.4
TUP Super Terminais 113.91 2.0
TUP Pecém 93.485 1.6
Outros 196.504 3.4
Total 100
Labtrans (2015)
28
Com 45% das cargas de Itajaí direcionadas ao Estado do Acre. Esses dados, portanto, indicam como o sistema
portuário tem se complexificado quanto à abertura e viabilidade de novas rotas marítimas em 2010
(CARVALHO, 2015, p. 16).
80
aos seus Estados de origem por conta dos benefícios da política de isenção fiscal adotada pelo
Estado de Santa Catarina (GOULARTI FILHO, 2014). Portanto, muito retorno, mas também
muitos riscos foram se somando com o avanço da privatização desses portos.
O contrato de arrendamento com a APM Terminals (Porto de Itajaí) possui cláusula
de movimentação mínima de contêineres. A exigência contratual é progressiva e atinge 250
mil TEU (unidade por container) após o décimo ano de contrato. Essa cláusula exige que o
arrendatário mantenha um bom nível de movimentação e de produtividade.
Além disso, a retro área do Porto de Itajaí, tanto na porção arrendada quanto na
pública, é bastante estreita e sua configuração dificulta uma operação eficiente nos pátios. Sua
expansão é restrita em virtude do adensamento urbano existente nas adjacências dos pátios.
O terminal arrendado, a APM Terminals - em Itajaí, tem área de 79.267 m2 e uma
frente de atracação com 535 metros de extensão, com 2 berços equipados com dois
portêineres pós-Panamax29.
No cais comercial, a área para armazenagem de contêineres totaliza 83.224 m2 e o
cais tem uma extensão de 500 m, divididos em berços 3 e 4. A empresa operadora dispõe,
30
ainda, de três Mobile Harbor Cranes (MHC) ,catorze Reach Stackers31 e duas empilhadeiras
para conteineres vazios.
29
Vale mencionar que o berço 1 esteve em obras desde setembro de 2011, retornado somente em 2014.
30
É o guindaste de terra, menos usado nos portos conteinerizados, já que ele depende do manuseio manual da
lança que movimenta o guindaste.
31
Os Reach Stackers transportam contêineres numa distância curta de forma ágil. Suas características são a
rapidez e capacidade de fácil manobra com precisão.
81
Podemos ver que, devido a esses resultados, o Porto de Itajaí e Navegantes são
caracterizados como portos concertadores, assim como portos de Suape e Rio Grande, que
aglutinam as forças dos portos da macrorregião, os quais pertencem e executam atividades
mais especializadas.
Posto dessa forma, os principais atores econômicos têm intensificado sua demanda
pela exploração desse território, com a presença da fração comercial com tradings, frigoríficos
e armazéns pressionando pela ocupação do espaço nos portos públicos (ISRAEL et al, 2007).
Logo, os conflitos têm sido exponenciais no porto de Itajaí. A privatização intensa
dos portos levou esse conflito ao extremo, ao ponto de o porto privado se negar a pagar as
32
Guindaste automático e consegue movimentar dois contêineres tipo TEU (Unidade Equivalente a 20 pés) por
vez, suportando carga de 65 toneladas.
33
Empilhadeira especifica para o manuseio para pilhas de conteineres estocadas nos cais e armazéns dos portos.
82
[...] que ficaram parados desde 2010 até 2012. Além disso, muitos trabalhadores
sofreram com isso porque foram retirados de suas funções habituais, e demandados
a se vincular, o que é ruim para o trabalho portuário (estivador, Itajaí, 45 anos).
O ano passado inteiro [2015] não conseguimos trabalho, eles vincularam gente por
fora do sindicato e ficamos a ver navios (sindicalista, conferente, Itajaí, 45 anos).
A frequência dos navios, com rotas fixas, com cargas que não são mais sazonais, o
uso constante de força de trabalho, a ampliação das malhas externas ao porto de distribuição e
armazenamento, colocaram a questão da volatilidade dos investimentos como um traço
presente das estratégias de privatização dos complexos portuários onde se encontram os
portos públicos.
É nesse sentido que tivemos uma oportunidade de, com a mudança no perfil do
mercado portuário, analisar como se deu uma brecha para a ação contestatória dos
trabalhadores avulsos portuários contra a privatização de ambos os portos e suas
infraestruturas. Antes disso, precisamos analisar o processo de trabalho dos trabalhadores
portuários da capatazia e estiva.
83
Nas imagens acima podemos ver que a multiplicidade de tarefas realizadas pelos
estivadores. Como nos diz um estivador (40 anos), “o trabalho sempre foi bastante
diversificado, podemos fazer várias funções. Num dia somos motoristas, noutro guindasteiro
(operador de guindaste) e sinalizador, pegamos o trator e trabalhamos no costado dentro do
navio com açúcar, muito frango que é o forte mesmo”. Portanto, falar em rotina do trabalho é
86
34
A legislação de 1998 demanda a incorporação do bloco nas atividades conexas da estiva ou de capatazia, em
razão dos processos de enxugamento e mudança produtiva também já esperados pela legislação do setor.
87
uma lógica que lembra um dança de cadeiras: ao tomar o volante, o estivador entra com o
carro no navio, estaciona, e volta a pé, podendo utilizar a rampa ou escada e esperam sua vez
para pegar outro veículo, reiniciando a dança de cadeiras.
O navio transporta várias cargas, o que demanda competências que mais se
assemelham a um gigante quebra-cabeças coletivo, com os trabalhadores ativamente
construindo as peças que precisam ser precisamente encaixadas no momento e lugar certo.
Esse é o caso dos parqueadores que verificam se a posição dos carros está de acordo com o
plano de estivagem, alterando-os na medida que se demande mais espaço no navio. Os
estivadores que desempenham a função de Portaló são indispensáveis nesse processo por que
ajudam que o fluxo de trabalho dessa carga, o carro, não entre em colisões no embarque e
desembarque dessa e outras cargas.
Sobre a remuneração dos estivadores, ela difere em relação a jornada de trabalho e
quanto a atividade que exercem. Baseamo-nos no acordo coletivo de 2010 para ilustrar como
se dá essas condições de trabalho.
As jornadas de trabalho são divididas em quatro turnos: 1º) das 07: 00 às 13:00
horas; 2º) das 13:00 às 19:00 horas; 3º) das 19:00 às 01:00 horas; 4º) das 01:00 às 07:00 (do
outro dia). O descanso de 11horas após cada chamada é obrigatório, o que poderia ser
negociado para 6 horas como nos fora relatado como uma nova “demanda dos trabalhadores
para o ano de 2016, mas daí vai ser sempre assim até o término do acordo” (estivador, 38
anos). De todo modo, a lógica do trabalho supletivo se dá na seguinte forma, mecanismo que
permite aos trabalhadores responder as variações de carga e sua intensidade no porto:
O período das 07x 13 – Navio A” finaliza os trabalhos as 09hs, navio “B” inicia os
trabalhos as 10hs, a equipe que marcou no navio “A” continua os trabalhos no navio
B que atracara no mesmo berço, com acréscimo de 50% no salário mais produção,
que será efetuada no navio “B” (Convenção COLETIVA estivadores, 2012).
50% aos sábados e 75% aos domingos. Eles detêm também outros adicionais como vale
transporte, percentual de férias, 13 salário; FGTS; 17% sobre o Repouso Semanal
Remunerado (RSR), e direito a ticket refeição de 15 reais.
Como exemplo das tabelas a seguir conseguimos ver que, em 2010, o trabalho dos
estivadores, e todas as categorias de portuários, dependem da produtividade.
Períodos Taxa
Todos R$ 3,19 Fonte: Termo Aditivo Sindicato dos Estivadores
de Itajaí (2010)
Períodos Taxa
Todos R$ 1,04
Fonte: Termo Aditivo Sindicato dos Estivadores de Itajaí (2010)
Períodos Taxa
Todos R$ 4,45
Fonte: Termo Aditivo Sindicato dos Estivadores de Itajaí (2010)
Períodos Taxa
07x13 0,045
13X19 0,045
19X01 0,068
01x07 0,073
Fonte: Termo Aditivo Sindicato dos Estivadores de Itajaí (2010)
Períodos Taxa
07x13 0,238
13x19 0,238
19x01 0,357
01x07 0,386
Fonte: Termo Aditivo Sindicato dos Estivadores de Itajaí (2010)
89
Períodos Taxa
07x13 0,012
13x19 0,012
19x01 0,016
01x07 0,016
Fonte: Termo Aditivo Sindicato dos Estivadores de Itajaí (2010)
35
Pode ser requisitado mais ternos mediante a necessidade do armador.
36
Guindaste automatizado, acoplamento dos contêineres em terra é automático.
90
37
Guindaste com lançadeira (“Spreader”) automático.
38
Navio em desuso que possui guindaste em anexo a escotilha.
91
armazéns. Portanto, podemos ver que o valor da capatazia é superior aos estivadores o que
sugeriu-nos refletir se haveria interesse por uma participação dos estivadores nesses trabalhos.
A ordem de escalação segue a seguinte ordem: primeiro são chamados os operadores
de equipamentos, como empilhadeiras, tratores e caminhões; em seguida vem os guincheiros;
terceiro são chamados os trabalhadores para o cargo de chefia; quarto são chamados os
trabalhadores para cargas e descargas de navios; por fim são os trabalhadores para armazéns e
pátio.
Existe aqui uma diferença entre as categorias de estivadores e capatazia: com este, os
trabalhadores são chamados progressivamente, compondo uma força supletiva dos armazéns.
Isso porque, como está especificado em acordo coletivo, os trabalhadores de guincho e no
encostado desempenham a função de absorver não somente a demanda dos navios, mas das
atividades que acontecem nos pátios e armazéns (convenção coletiva sindicato da capatazia de
Itajaí, 2010).
Em comum, ambos – estiva e capatazia - precisam lidar com o fato de que os navios
com maior produção/por homem detêm preferência sobre os de menor produção/homem na
escalação de trabalhadores. A preferência segue também para o tipo de carga, com guindastes
automatizados para contêineres; com as cargas convencionais, que precisam de guindastes
manual ou semiautomáticos; e navios com ponte de embarque e desembarque para bobinas,
açúcar, e Roll-on-roll-off (carros) que demandam grande contingente da força de trabalho.
Mercadorias como frango, congelados em geral, cargas soltas vêm em segundo lugar tanto na
preferência para atracamento, como para a composição dos ternos.
94
Devemos acrescentar que para cada tipo de atividade na capatazia existe o trabalho
de conferente, categoria de trabalhador avulso, responsável por validar todas as ações dos
trabalhadores da capatazia. Assim, existe conferente para contêiner vazio, conferente para
Lacre (garantindo que qualquer avaria na carga não ocorra), conferente para carga geral,
conferente para balança (dos caminhões que entram no porto). Existem os consertadores,
categoria de avulsos que, como o nome já diz, tem a função de reparar danos nas cargas e
instrumentos de trabalho dentro e fora dos navios. A categoria do bloco, em extinção, foi
anexada ao sindicato dos estivadores e era responsável pela manutenção e reparo dos navios.
É importante destacar que tivemos um movimento de expansão da atividade da
capatazia em Itajaí. Essa situação viera acompanhada da flexibilização do trabalho desta e da
categoria dos estivadores. Essa situação pede maiores esclarecimentos sobre um longo
caminho de reestruturação do porto de Itajaí, da luta por direitos do trabalho e da proposta de
unificação de uma nova forma de gestão do trabalho que superasse as formas vigentes de
subcontratação em curso.
[...] saber com quem você está trabalhando é fundamental, é essa pessoa que vai
cuidar de você quando ela for operar um guindaste, que te defende... porque é
complicado, agora é tudo vídeo e foto. Eles vão lá dizem que você quebrou, avariou
a carga, mas não é verdade. Daí querem descontar do teu salário.
A transmissão da atividade de pai para filho é uma referência dessa realidade social e
política do trabalho. De um lado, o vínculo familiar era indispensável para ter acesso a esse
mercado de trabalho, e foi uma maneira de pressionar os trabalhadores a assumir um ideal de
conduta similar ao sentido da fala do entrevistado anterior.
De outro, queremos enfatizar que essa dimensão histórica sobre o processo de
trabalho e da identidade de classe para a estiva está próximo em diversos sentidos com a
97
categoria da capatazia. Isto porque esse processo não se deu somente com o controle da força
de trabalho, mas antes disso.
A marca identitária defendida pelos portuários é de liberdade nos portos, de
autonomia para auto organizarem-se e definir suas tarefas e ritmo do trabalho, com os
sindicatos agindo em defesa dos mesmos. A fala de estivadores e capatazia, atualmente,
recupera os valores do universo laboral portuário. Um estivador nos diz: “meu trabalho aqui é
fonte de orgulho, sim, porque aprendi o que sei vivendo aqui dentro do porto” (estivador, 40
anos). Um trabalhador da capatazia (35 anos) nos diz a mesma coisa, enfatizando que “levo o
que aprendo aqui para a vida, é muito dinâmico, te dá um ritmo bom porque podemos
escolher ir e não ir, até um tempo atrás isso não era assim. Agora tá igual para todos os
trabalhadores.
A solidariedade e a proximidade de identidade entre os estivadores e capatazia, cada
um com suas especificidades, se deu a partir do conflito e desembocaram em momentos
precisos para uma luta unitária (SILVA, 1995). O conceito de classe, inspirado em Thompson
(2008) ajuda-nos a entender um modelo mais fluido de relações de produção, surgindo a partir
de seu próprio fazer-se. Suas experiências de trabalho, num conjunto mais amplo de relações
sociais, apontam para as transformações do porto antes e hoje.
Registramos que os estivadores foram os protagonistas para a ampliação do poder de
barganha de todos os portuários. Eles conquistaram essa façanha porque aproveitaram uma
posição estratégica no mercado de trabalho. Com milhares de trabalhadores afluindo nos
portos, a formação de um exército de reserva que pressionara os salários para baixo e que
impelira os trabalhadores para a luta organizada era a regra (SARTI, 1981). A prioridade
conferida aos estivadores no mercado de trabalho é um aspecto importante dessa dinâmica de
diferenciação, já que por ela surge as primeiras expressões do sindicato fechado aos
sindicalizados (também chamado de “Closed-Shop”).
Mesmo com a institucionalização dos sindicatos portuários, trabalhadores eventuais
eram chamados a pontos de distribuição de trabalho (engate), também chamados de “parede”.
O que definia a relação de contratação por parte do sindicalizado demandante de trabalho era
que “nada obriga o estivador a comparecer ao “ponto”, já que ele é diarista” (estivador, 38
anos, Itajaí). O ato de “engajar-se levantando a mão”, e manifestar o desejo de trabalhar
confere a ele a preferência ao trabalho, também chamado de “câmbio”.
Após passar pelo trabalho, a lista corre e somente depois de alcançar sua vez que ele
pode escolher ou não em pegar a função disponibilizada. O picote no cartão indica o dia e
período que trabalhara. Na medida em que não acessa o trabalho, independentemente do dia e
98
transferiu a um órgão gestor, o OGMO, que ficou responsável pelas atividades que antes eram
do sindicato.
Contudo, registra-se a crescente demanda pela utilização de formas flexíveis de
trabalho nos portos, em razão do suposto insuflamento desse mercado de trabalho, dos custos
associados a manutenção desses trabalhadores e da baixa qualificação para operarem novos
equipamentos e cargas condicionadas em navios agora extremamente automatizados 39.
Isso porque, como a condição de cadastro não existe mais em Itajaí, naturalmente o
trabalhador deveria estar completamente a disposição do empresário. Mas estão todos são
trabalhadores dispostos a flexibilização e às necessidades dos empresários? Em nosso
entendimento, não. Exploramos, juntamente com Barros (2017), a ideia de que em momentos
favoráveis aos interesses dos trabalhadores a liberalização desse mercado viera acompanhada
de uma permanência de formas antigas ou tradicionais de distribuição do trabalho.
Segundo um entrevistado,
[...] mesmo com o OGMO, recentemente [2014-2016] eles pedem para a gente
comparecer para confirmar o engate, então, tem essa questão, o povo tá aparecendo.
Porque na convenção recente foi estipulado um ganho mínimo em cada chamada.
Senão, é conveniente não sair de casa porque eu demoro uma hora para chegar aqui.
(Estivador, 44 anos, Itajaí)40.
39
A preferência pelo conceito de flexibilidade justifica-se por ser ajustado à realidade brasileira, que não
conheceu uma desregulamentação de direitos, mas assistiu à introdução de novas regulamentações que
ampliaram a flexibilidade nos elementos centrais da relação de emprego (KRAIN, 2008, p.1). A noção de
flexibilidade indica processos diversos de estratégias poupadoras de trabalho seja em termos numéricos, jornada
de trabalho, composição de equipes, do uso com novas tecnologia. Todas tem levado a uma precarização das
condições de trabalho.
40
Somado a isso, comparecendo no porto 3 vezes por semana para engate, não precisam comparecer a outros
trabalhos quando requisitados (COVENÇÃO COLETIVA, estiva, 2016).
100
ao afirmar que em “[...] 2011, eram 19.996, mais do que o dobro” (DIEESE, 2013, p. 11) nos
portos do país. O aumento representa um crescimento de 131,86% entre os anos 2006 e 2011.
Esses dados apontam também a um “[...] aumento nos trabalhadores empregados na
operação de terminais privados, por outro lado, “[...] percebe-se diminuição progressiva no
quantitativo de trabalhadores dos OGMOs” (DIESSE, 2013, p. 11).
O relatório destaca, ademais, que, para esse período, a participação dos portos
públicos no computo nacional mantém-se relativamente equilibrado. Segundo o Dieese (2011,
p. 7), os dados sobre a distribuição geográfica dos trabalhadores portuários por região seguem
com a Região Norte 1.675 trabalhadores em terminais privados e 1.288 agenciados pelo
OGMO, na região Nordeste com 2.623 trabalhadores em terminais privados e 3.535
trabalhadores agenciados pelo OGMO, a região Centro-Oeste com 23 trabalhadores em
terminais privados e nenhum agenciado pelo OGMO; região Sudeste com 12.822 em
terminais privados e 8.500 agenciados pelo OGMO, e, por fim, a região Sul com 3.393
trabalhadores em terminais privados e 5.004 agenciados pelo OGMO.
Porém, os relatos apresentados nessa tese, surgem para exemplificar – e contrapor
esses dados oficiais - as tomadas de decisão por parte dos trabalhadores frente a abrupta queda
nas vagas de trabalho do porto de Itajaí, que aconteceu a partir de 2011. No ano 2000 o porto
detinha 1.132 trabalhadores, descendo rapidamente para 526 pessoas em 2005, mantendo em
510 em 2016. (diretor, 40 anos, OGMO) Portanto, esse aumento das vagas até 2011 era
aparente apenas, porque estava vinculado ao aumento do número de portos privados no país e
não necessariamente ao aumento de vagas nos portos já existentes.
Indiferente a esse novo cenário, não podemos negar que a flexibilização permitiu às
empresas, por exemplo, a redução de custos com o trabalho seria alcançada pela subutilização
de trabalhadores em momentos de baixa demanda como tem sido muito comum nos portos
brasileiros, mesmo naqueles que alcançaram patamar de exportações consideráveis, como
Itajaí.
Na prática esses objetivos concretizam-se pela supressão de benefícios e direitos,
fruto de legislação e normas coletivas, significando redução ou eliminação da proteção
trabalhista e as adaptando aos interesses do empresariado.
O retrato que trazemos a seguir enfatiza a pressão por formas flexíveis de trabalho no
porto de Itajaí. Logo, a flexibilização do trabalho foi uma estratégia para precarizar o trabalho,
a qual foi obstaculizada somente quando a aliança das classes trabalhadores portuárias vieram
em defesa das demandas por respeito aos acordos efetuados pelos principais sindicatos (estiva
e capatazia).
105
41
De 1200 trabalhadores em 2001, esse número desce para 530 trabalhadores em 2015 (OGMO, 2016, ITAJAÍ).
42
Fato contestado pela legislação nº 8.630 e pelos inúmeros pareceres discutidas em outra seção.
106
para esses trabalhadores perceberem a gravidade das ameaças para irem além dos limites de
seus sindicatos e da organização regular do trabalho.
Nesse sentido, vale a pena aqui remetermos a missiva direcionada ao então
governador do Estado de Santa Catarina - Luís Henrique da Silveira, no ano de 2003, indicou
como esses trabalhadores conferentes entendiam as ameaças que pairavam nesse momento. E
como a flexibilização do trabalho permitida por lei levou a esse sindicato perder sua
autonomia, incorporado a contrapelo ao sindicato da capatazia, com impacto direto a todos os
trabalhadores.
Já no título dessa carta, direcionada ao governador, fica patente o “Caráter de
urgência: desrespeito aos direitos dos trabalhadores portuários avulsos; ameaça à ordem
trabalhista e social local; aquiescência omissiva de autoridades diversas” (oficio nº 7,
sindicato dos conferentes). Conforme exposto: “Ante a graves acontecimentos no âmbito do
Porto de Itajaí, que ameaçam opor impasses a ordem social e trabalhista, com reflexos em
toda a comunidade em que este se encontra inserido”. (oficio nº 7, sindicato dos conferentes)
Essa grave ameaça, “através de procedimentos escusos e ilegais” do Porto de Itajaí,
para esses trabalhadores foi de estabelecer-se
Não se trata somente de corte real da força de trabalho, que também atingiu esse
grupo, que nesse periodo - em 2003 - detinha “80 trabalhadores e passa a 54 trabalhadores
em 2008” (conferente, sindicalista, 45 anos). O foco está na ameaça de total corte na chamada
desse sindicato para atividade correspondente. Os trabalhadores ainda argumentaram fazer
possíveis acréscimos nos valores cobrados aos usuários, aumentando o custo que traria à
cidade e suas indústrias, caso fosse ignorado o caso do arrendamento “ilegal”.
Especialmente, chamamos atenção para como a ação fragmentada dos portuários,
pouco solidária frente a essas ameaças contra os conferentes, em grande medida, os
posicionam em situação totalmente desvantajosa, culminando com sua incorporação ao
sindicato da capatazia.
Podemos ver também na “Convenção Coletiva de Trabalho do Sindicato dos
Arrumadores (Capatazia), Trabalhadores Portuários Avulsos em Capatazia e Serviços de
108
Portanto, o sindicato dos conferentes foi obliterado, sua autonomia foi perdida como
entidade separada e sua denominação agora é como conferente de capatazia.
Nesse momento, agora os conferentes são denominados como “conferentes de
capatazia” - como fica esclarecido na própria convenção (p.36-37), trabalhariam sem direito
algum quanto a definição das formas de pagamento. Chamamos atenção para a gravidade
dessa situação, que transferiu praticamente de forma automática esse “acordo” sobre os
conferentes para os outros operadores portuários (empresários do setor). Em especial, o
interesse da futura arrendatária, a APM Terminals, que em 2011 assumiu os ativos da
Teconvi/AS, tornando-se dominante de todo o porto público, com os quatro berços ao seu
controle.
Discutimos sobre como as formas de flexibilização do trabalho permitiram grande
ofensiva contra os trabalhadores. Podemos ver na Convenção Coletiva abaixo como essa
flexibilização do trabalho viera acompanhada da perda de autonomia dos sindicatos.
práticas ilegais de subcontratação nos portos até a Legislação n o 12815/13 (que supostamente
alterou essas práticas), o que, segundo nosso entrevistado, era recorrente. Escolhemos analisar
essa situação por muito nos dizer sobre as práticas de resistência que surgiram
progressivamente, mas também por nos dizer sobre a promoção de uma solidariedade
construída, a contrapelo, entre os sindicatos.
Nessa ação fiscal, que inclui as dependências do porto arrendadas pela empresa APM
Terminal, agentes do Ministério Público do Trabalho constataram -, nos dias 13/08/13 e
10/09/13 -, que a empresa mantinha empregados contratados “[...] através de empresas
interpostas (mera intermediação de mão de obra ou terceirização ilícita)” (AUTOS n. 01674-
2008-047-12-00-5). Portanto, uso ilegal de trabalhadores fora do sistema OGMO.
Se todas as classes de portuários eram denominadas desde 1993 pelo mesmo termo,
Trabalhador Portuário Avulso (TPA), somente no mesmo ano dessa ação fiscal sai nova
jurisprudência, colocando o sindicato da capatazia como titular ao cadastro e registro. Logo,
preservando o sistema de suplência no trabalho. Agora eles poderiam reivindicar direitos
iguais como todos os outros trabalhadores portuários.
Contudo, quem disse que seria respeitado esses novos pareceres da Justiça do
Trabalho? Ainda em 2007 existiam conflitos tanto do ponto de vista da legislação para esses
trabalhadores, como às outras categorias que precisaram mais do que nunca promover
arranjos mais horizontais para responder às ofensivas dos portos, armadores e Estado.
Por todo o ano 2000, a luta dos trabalhadores estivera em conter a precarização do
trabalho especificamente quanto à definição de trabalhador avulso, já que na “lei de
modernização portuária”, Lei no 8.630 de 1993, consta que ele tem a preferência e não a
exclusividade. Ou seja, o empregador poderia forçar mecanismos de contratação que iam
contra o OGMO somente se não houvesse comprovadamente interesse dos trabalhadores pelas
chamadas aos navios e cais.
Nosso exemplo aponta exatamente o contrário das justificativas do empresariado
para a flexibilização do trabalho. As empresas contratadas pelo porto de Itajaí (APM
Terminals) intermediavam mão de obra considerada ilegal pelos fiscais do trabalho. Essa
contratação teve como objeto a “[...] movimentação horizontal de cargas dos clientes da
CONTRATANTE, pela CONTRATADA, nas áreas de atuação desta no Porto de Itajaí” na
função de capatazia (AUTOS n. 01674-2008-047-12-00-5).
Além de ser uma prática ilegal elas são condenatórias moralmente, visibilizando-se
como tal para todos os trabalhadores avulsos. Isso porque para a ação de fiscalização do
trabalho, a empresa que firmou o contrato com o porto “[...] por sua vez, celebrou 10 (dez)
110
contratos de adesão com outras pequenas empresas de forma a subcontratar parte desse
serviço” (AUTOS n. 01674-2008-047-12-00-5). Portanto, ela efetuara a prática de
“quarteirização”.
Os fiscais notaram que a empresa DMX, que firmara o contrato com a operadora
portuária, praticou a quarteirização com empresas que faziam parte de seus familiares, com
transportadoras de cargas e donos de armazéns da região. Em geral, estas empresas
“quarteirizadas” são empresas inidôneas financeiramente para suportar o ônus das operações,
muitas delas com sequer um empregado registrado, conforme se verificou pela análise do
CAGED, sendo os próprios trabalhadores donos das empresas e às vezes dos caminhões
configurando “pejotização” das relações laborais. Esse é o caso de um motorista de caminhão,
que trabalhava na APM Terminals (Porto de Itajaí) através da intermediação da empresa
NATAN TRUCK, que tinha como proprietário o seu próprio filho. São empresas criadas
unicamente para prestar serviços à tomadora APM, com subordinação direta a esta e
pessoalidade reconhecida.
Vimos que as 10 empresas mencionadas43 foram criadas com a clara intenção de
burlar a legislação e se apropriar do manejo de cargas. A ação fiscal menciona que cinco
empresas nunca tiveram o registro de movimentação do CAGED 44, três empresas desde 2012
sem registro no CAGED, e as restantes, incluindo a principal contratante e a transportainer
com três empregados registrados no CAGED. Essa característica tem a clara intenção de
acionar os mecanismos de isenção fiscal para pequenas empresas, intensificando as práticas
de contratação comuns ao mercado secundário aos portos. Como nota à ação fiscal, “[...] tais
contratos repetem grande parte das cláusulas elencadas no contrato entre a tomadora APM e a
DMX” (AUTOS n. 01674-2008-047-12-00-5) (por exemplo, a obrigação dos trabalhadores de
estarem "barbeados e asseados").
O laudo da ação fiscal constata, ao final, que os trabalhadores contratados [...]
“realizavam tarefas e funções de capatazia (motoristas fazendo a movimentação interna de
mercadorias), que deveriam ser realizadas em primeiro lugar por trabalhadores portuários, de
acordo com a Lei 12.815 de 2013” (AUTOS n. 01674-2008-047-12-00-5).
Aqui, vemos como a centralidade do trabalho portuário, posta sob o ordenamento
jurídico - até o momento construído, expressa que a terceirização do trabalho portuário é
43
Para informações detalhadas das empresas, verificar autos n. 01674-2008-047-12-00-5.
44
Cadastro Geral de Empregados e Desempregados, órgão do Ministério do Trabalho, foi instituído com o
intuito de avaliar e controlar as admissões e demissões de empregados sob o regime da CLT de forma
permanente.
111
proibida, mas não quer dizer que os operadores portuários respeitem a legislação nesse
sentido. Segundo um sindicalista (capatazia, 45 anos),
[...] a lei nessa época facilitou esse tipo de prática, esperando que não entrássemos
na justiça. Não estava com a gente [a lei], mas se não estivesse tudo prescrito
coletivo de trabalho específico com tal categoria, deixando, por exemplo, de efetuar
o pagamento dos adicionais de periculosidade, os planos de saúde e os seguros de
vida. Com certeza eles teriam problemas. O que tinha muito era de um lado
intimidação do empresariado, mas também, creio eu que muita precipitação dos
sindicatos.
Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho - TST, por estar a tomadora APM
terceirizando a própria atividade finalística da empresa, pois segundo seu estatuto
social a sociedade tem por objetivo única e exclusivamente a administração e
exploração do Terminal de Contêineres localizado dentro da área do Porto
Organizado de Itajaí, compreendendo a movimentação e armazenagem de
contêineres, cargas utilizadas e veículos. (AUTOS n. 01674-2008-047-12-00-5).
Além disso, a ação fiscal, como era de se esperar, verificou que todos os
trabalhadores terceirizados estavam “[...] subordinados diretamente e subjetivamente à
tomadora APM [porto público], que mantinha prepostos no local dando ordens diretas aos
trabalhadores” (AUTOS n. 01674-2008-047-12-00-5). Vemos aqui como a questão da
contratação ilegal foi uma tentativa de pressionar, via os terceirizados, os trabalhadores
avulsos com o intuito de suprimir funções de comando que partem dos próprios trabalhadores
na composição de suas equipes de trabalho (DIÉGUEZ, 2014).
Esse é um dos pontos fracos do sindicalismo portuário, como discutimos no capítulo
sobre sua história. Houve uma intenção, segundo relato dos conferentes, pela denúncia que ao
menos “mostrou a todos nossa precariedade” (conferente, 35 anos), mesmo que isso tenha tido
pouco efeito prático para a promoção de uma ação organizada e combativa de todos os
portuários. O contexto dessa experiência coletiva dos conferentes apontava para o fato de que
“quarterizados” estavam em “[...] dependência direta da tomadora APM, sendo, portanto, seus
empregados, conforme preceitua o Art. 3o da Consolidação das Leis do Trabalho CLT”
(AUTOS n. 01674-2008-047-12-00-5).
O salário era pago indiretamente, através da intermediação da DMX, empresa que
tercerizou mao de obra dentro do porto. Por fim, observou-se que tal expediente utilizado pela
112
empresa APM Terminals, teve por finalidade fraudar diversos direitos. Em primeiro lugar,
pelo fato de que grande parte desses empregados não tinham sequer registro em carteira de
trabalho em nenhuma das empresas 45, o porto de Itajaí utilizava-se desses “autônomos” de
forma abundante e contra os trabalhadores (em hipótese de “quinterização”), Como
consequência, deixou-se de recolher contribuições ao INSS e ao FGTS. Nesse sentido, foi
constatado também que pelo menos quatro destes trabalhadores estavam trabalhando e
recebendo seguro-desemprego, ou seja, a APM utilizou o expediente da terceirização de
forma fraudulenta para permitir que seus empregados trabalhassem recebendo o benefício.
Os serviços não eram eventuais, mas contínuos e estavam também presentes como
elemento fático constitutivo da relação de emprego da pessoalidade, “[...], pois mantém a
empresa tomadora APM controle de todos os trabalhadores que acessam o Porto, com
documentos, fotografias, e até certidões negativas de antecedentes criminais (conforme inciso
VI do item 6.2 da cláusula seis do contrato entre a tomadora APM e a DMX)” (AUTOS n.
01674-2008-047-12-00-5). O retrato de uma empresa que busca o controle total sobre os
trabalhadores aqui na ação fiscal é destacado como parte de suas estratégias empresariais.
Com o exposto, a intenção da empresa fica evidenciada pelo uso intensivo de formas
unilaterais de flexibilização do trabalho.
Mais grave ainda, no entendimento dos fiscais do trabalho, a APM terminais,
arrendatária do porto público,
A ação fiscal conseguiu capturar bem o interesse da empresa, que não tratava
somente de minar o acesso ao mercado de trabalho. Trata-se, como observa Silva (1995, p.
44), de atingir também o controle sobre o ritmo do trabalho, baseando-se na expectativa de
que a divisão simples de trabalho favoreceria o uso de táticas instrumentais pela empresa para
a gestão do mesmo.
O que a empresa fez foi criar “[...] dois escalões de empregados, os registrados e os
terceirizados ilicitamente, embora todos fossem empregados diretamente da tomadora APM,
45
Ressaltando-se que o registro em carteira de trabalho é requisito básico de cidadania.
113
tinham os direitos muito diferenciados” (guarda portuário, 40 anos, Itajaí). Portanto, ela
aplicou seu despotismo com um sistema que simulou o sistema de contratação que existe
entre o OGMO e os sindicatos atualmente.
Nosso entrevistado, guarda portuário (sindicalista 40 anos), procura nos explicar
como esse problema, que afeta o trabalho portuário avulso, está relacionado a sua atividade.
Para ele, a precarização do trabalho atinge as próprias infraestruturas, com o uso intensivo das
vias terrestres, acumulando-se nas vias paralelas ao porto, assim como trazendo riscos
consideráveis à população local. Segue seu relato que a
Cada dia a força para precarizar o trabalho se renova, ela é mutante, eles sempre
inventam uma nova forma de querer cortar direitos teus, salário, como tu trabalhas.
E quando tu falas de guarda portuária o efeito que isso acarreta vai além do nosso
salário. Houve diminuição de servidores, com plano de demissão motivada (PDI).
Te dou o exemplo dos caminhoneiros. A cada 12 horas tem 8 horas de descanso. É
normal eles trabalharem direto 30 horas. Então, e como fica a lei? Como eles vêm
aqui cansados e operam dentro do porto. Acidentes são comuns. Daí se eles são
autônomos, e não possuem nenhum vínculo com os terminais retro portuários. Daí
eles ficam aqui fazem 30, 40 horas de serviço ininterrupto. Então são 50 toneladas
que circulam na cidade, e isso é uma arma. E a lei para proteger eles e a gente, como
fica? Daí tem outro conflito: não conseguimos fazer a autoridade portuária proibir
que esse cidadão proíba esse outro cidadão de operar aqui dentro. Politicamente não
é vantajoso eles mexerem nesse vespeiro.
Entrevistado: Então veja bem, tem uma questão forte de que nível do governo que
está agindo sobre o TAC. Porque tivemos milhares de Tacs aqui no porto. Então,
primeiro tens que ter em mente sempre uma coisa. A relação é sempre conflituosa.
Além disso, que te falei sobre a diminuição dos quadros e da pressão que sofremos.
Tenho que dizer que o problema começa pela autoridade portuária, a última gestão
ela (2002-2007), para a guarda portuária na minha opinião o que vemos foi uma
gestão complicada, com o arrendatário também sempre foi complicada por isso que
sempre precisamos da intervenção do Ministério Público de Santa Catarina,
Ministério Público Federal e Ministério Público do Trabalho e Antaq.
Entrevistador: Com esse cenário em vista, você acha que as “TACs” têm resolvido
ou respondido a questão do trabalho, especificamente as denúncias de desrespeito a
saúde e segurança dos trabalhadores?
Nos autos dessa denúncia, comprova-se o relato do guarda portuário sobre como a
precarização do trabalho implica em inúmeros riscos ao trabalhador, bem como para toda a
infraestrutura portuária. Vemos que a questão da segurança do trabalho faz parte de outras
denúncias que haviam sido anteriormente enviadas para o Ministério Público quanto ao uso de
equipamentos, acesso à câmara refrigerada em condições ideais, limites de acesso a agentes
químicos e radioativos.
O parecer foi favorável ao empregador. Porém, houve uma ressalva quanto às
denúncias sobre a segurança em geral: elas deveriam ser acompanhadas e um parecer seria
emitido quanto à razoabilidade dos equipamentos demandados até a negociação coletiva
116
seguinte. Portanto, podemos ver que a estratégia desses trabalhadores foi pressionar uma
situação mais vantajosa para a negociação coletiva de trabalho. E neste espaço deveriam ser
pactuadas as demandas dos trabalhadores46.
Neste sentido, o aprendizado sobre os perigos de não rever as estratégias para uma
ação mais horizontal entre os diversos sindicatos; e para um tipo de organização do trabalho
mais responsivo às dinâmicas flexíveis de trabalho impostas pelo empresariado foi intenso
nesse período.
Para o guarda portuário, é necessário que os trabalhadores reportem, o tempo inteiro,
às autoridades as falhas na garantia de seus direitos.
Quando manda a demanda para órgão superior ou agência reguladora, eles vão olhar
a lei. E vão favorecer inicialmente a empresa. Mas isso não impede que o pedido
seja mandado para instâncias superiores exigindo uma resposta para as demandas
diversas que existem (guarda portuário, 40 anos, Itajaí).
46
Até o momento que finalizamos a pesquisa de campo, não haviam sido retomadas as negociações para esse
sindicato, contudo, entre eles mesmos, sim.
117
“afronta e ilegalidade” (diretor, FNP). A experiência desses trabalhadores no porto privado foi
uma forma de avaliarmos como entendiam suas oportunidades associadas à qualificação de
seus ofícios no porto público.
Nosso primeiro argumento diz respeito a idade dos trabalhadores, tanto os vinculados
ao OGMO quanto daqueles contratados pelo porto privado. Os dados disponibilizados pelo
direto do OGMO (40 anos), afirmam que 70%, em 2016, da força de trabalho possuíam
ensino médio ou superior, completo e incompleto. Anteriormente, “essa porcentagem era de
40 % até o ano de 2001” (diretor, OGMO, 45 anos). Essa frequência é maior entre os mais
jovens, até 49 anos.
Com o gráfico a seguir, podemos ver que a qualificação nos portos públicos em
2001.
Os dados nos mostram que 70% dos trabalhadores possuem ensino médio ou
superior completo e incompleto. Essa situação contrasta agudamente com a média nacional, a
qual buscamos relativizar em razão sempre da correlação entre a socialização do trabalho e
novos instrumentos de trabalho e tipos de carga. Os sindicatos aparecem como estruturantes
das relações laborais que se transforam.
Sugerimos com esses dados a possibilidade de uma “qualificação do ofício” (SILVA,
2003, p. 200), destacado entre o conjunto do operariado pela sofisticação, pelo tempo
disponível para formação complementar e pelo status adquirido. Essa situação preserva na
valorização das qualificações aprendidas somente na medida em que faz sentido para outros
operários. Somente quando transmitidas entre operários de mesma formação, faixa etária e
pertencimento no porto que essas qualificações são valorizadas socialmente, as quais eles
entendem que suas trajetórias se positivam num cenário de desmanche das relações produtivas
nos portos.
Os exemplos são diversos e referem-se a socialização do trabalho dos antigos e dos
mais novos, que discorremos no começo deste capítulo. Essa relação ainda se faz presente e é
relevante por apresentar aos mais novos a estrutura das relações produtivas vigentes, com seus
macetes para manuseio de carga e do papel do sindicato em suas vidas. O que nos chama
atenção, inspirados em Sennett (1999) é a forma atual que se dá essa relação. Com a falta de
garantia de trabalho e o desejo de sucesso, eles buscam valores mais sólidos, que em nosso
entendimento, são melhor vistos quando colocamos à prova suas experiências como
119
Não podemos nos referir ao mercado de trabalho portuário como aberto no sentido de
um potencial ilimitado de sua reinvenção, como no modelo de competências explorado pelas
empresas marítimas e OGMO. Contudo, questionamos como os recursos educacionais,
supostamente inatos nessa classe, por conta de seu protagonismo político e combatividade,
são postos em prática nesse cenário de reestruturação dos portos.
Podemos ver aqui que o debate atual não se restringe a um determinismo capitalista,
de irreversível proletarização ou desqualificação (BRAVEMANN, 1975). Nem mesmo de
uma polarização das qualificações, com a desqualificação da maioria e superqualificação de
uma minoria. Não encontramos trabalhadores desse tipo, já que eles não atuam em tarefas de
gestão e concepção.
No limite, esse mercado de trabalho é dual, no sentido que Piore (2008, p. 552)
atribui ao termo, com mobilidade interna restrita a alguns poucos trabalhadores, que
escolheram se aventurar no mercado externo, com custos associados a sua permanência caso
desejem voltar ao mercado primário portuário.
Argumentamos também que a idade média dos trabalhadores influencia na forma
como respondem às novas formas de empregabilidade. É interessante vermos que a faixa
etária média dos trabalhadores avulsos, que passam pela intermediação do OGMO, possuem
38% dos trabalhadores com 50 anos ou mais, 37% entre 40 e 49 e apenas 25% tem menos de
39 anos. Nos terminais privados, 56% dos trabalhadores estão na faixa dos 25 aos 39 anos,
14% dos 18 aos 24, e o restante acima de 50 anos, e a formação desses trabalhadores em 70%
mantém-se em ensino médio completo e com idade entre 20 e 38 anos.
Aliado a progressiva diminuição da idade média dos trabalhadores, se estimulou o
começo de programas de demissão voluntário (gerente OGMO, 45 anos). Assim, temos um
120
[...] um quadro que era no ano 2000 de 1132 trabalhadores portuários. Em 2009
foram aposentados 107 estivadores, até 2017 foram aposentados no total 317
trabalhadores de todas as categorias; até 2015 houveram cancelamentos de cadastro
por punição de 139 pessoas, punidas por transgressões diversas no porto e fora dele;
falecidos tivemos 76 pessoas; em 2014 foram 54 estivadores que entraram com o
programa voluntário de cancelamento.
47
Acrescentamos ainda como a celeuma entre os portos em razão de que tipo de contratação iria predominar
reflete um impacto direto sobre as infraestruturas de ambos os portos, com prejuízo mais diretamente ao porto
público. O entrevistado diz “ eles não te falam que o regime de trabalho é 24 horas, todos os dias da semana. Aí
já tem uma diferença, que não é regalia, é necessário sempre existir o sistema avulso”. Já discutimos como esse
cenário favoreceu uma estrutura de oportunidades para responder a pressão que a concorrência do porto privado
produzira. Em síntese, discutimos como circulação de mercadorias, o uso do sistema aquaviário e dos espaços de
armazenamento fizera não somente pressão extra sobre os trabalhadores. A cidade de cidade de Itajaí e
Navegantes sofrera agudamente com os processos de privatização desses espaços.
121
“Daí a gente vai pegando curso e mais curso, não falta um dia, foram anos que a
gente entregou a alma para essa empresa aí... Então, é o seguinte: somente agora que
consegui o certificado para maquinário, que não tem a ver com a qualificação, mas
tempo de serviço. Paga mais, né. Então, acho que a situação era ruim, mas pode ser
pior. Não quero ter que sair daqui. Porque continua a opção para vários
companheiros.
[...] claro, não falta trabalho para a gente, mas isso não quer dizer que depois vai
sobrar. Estamos chegando nesse entendimento de que podemos abrir vagas de
transferência interna, o que facilita a vida dos nossos e dos trabalhadores dos outros
sindicatos que não tem emprego, mas também que o imposto de origem volte para
os sindicatos. Trabalhou em nossa função, o imposto tem que voltar para a gente.
Conseguimos fazer isso com alguns sindicatos. Mas se todos não aderirem, não vai
para frente. Esse é o ponto de nossa briga atual e que fora do porto público, quando
é por empreitada, dá certo, vai ter que dar aqui também.
Essa postura indica que o vinculado cumpre uma função estratégica para o sindicato,
desde que em aparelhos que envolvam maior tendência e formação profissional. “Então, antes
era uma briga para entrar no guindaste. Muitos não sabem mexer nele, e outros querem
somente porque paga melhor. Daí não aparecem depois no porto”
Entrevistador: Então é bom ter mais qualificação para ter acesso a trabalho?
122
Tem que saber mexer num guindaste a bordo, não é coisa para todos, não. Então, o
que a APM fez, pagou 10.000 para um cara, e fixou ele nessa posição de
guindasteiro. Daí eles selecionaram alguns dos melhores, o que o sindicato aprovou,
meio que desaprovando. Não tinha escolha, né. Não poderiam dizer em assembleia
que teve seleção por debaixo dos panos, porque daí vai cair nos mesmos problemas
que tô te falando. Não vai para frente, não adianta.
Entrevistador: Então, o que acontece que é bom para o sindicato desse esquema
todo?
Entrevistado: É o seguinte, quando aumenta muito o serviço, entra e sai navio, eles
precisam folgar porque o porto funciona 24 horas. Daí eles chamam o avulso do
sindicato (estivador, 38 anos).
[...] os trabalhadores que adquiriram novas qualificações, que estão em dia posso te
dizer que são poucos, são os mais jovens [...] que no total dos 150 trabalhadores da
estiva, uns 40 pegam firme, estão dispostos a fazer a multifuncionalidade e usar o
que aprenderam.
Mesmo os trabalhadores mais velhos tendo menos qualificação profissional, isso não
quer dizer que eles trabalham menos intensidade que os com mais qualificação e mais jovens.
Segundo um entrevistado (estivador, 41 anos), “eles não precisam vir que nem eu ao porto pra
pagar as contas. E também acho que eles não estão tão bem preparados para operar o
maquinário que tem aí no porto”. Portanto, eles precisam dos mais velhos para que tenham, a
123
Portanto, não surpreende a forte crítica dos trabalhadores mais velhos frente a esse
tipo de experiência, de colegas que se vincularam e que aceitaram perder seu direito como
categoria diferenciada. Em razão da queda abrupta que atingira o porto público “de 2008 em
diante mostrou pra gente que eles competem de maneira injusta. Não tem como ficar lá”
(estivador, 44 anos).
Essa situação de encontrar um trabalho digno esbarrou na baixa divisão do trabalho
predominante no porto privado, com somente 3 funções definidas (estivador, capatazia e
conferente). Logo, os trabalhadores avulsos do porto público viram que a expectativa de
alcançar melhor rendimento em razão do desempenho, peça fundamental de suas experiências
de trabalho, não os permitiram investir em maior qualificação profissional nesse espaço. Esse
contraste ajuda-nos a entender as opções abertas a esses trabalhadores no seu retorno ao porto
público.
Como um mercado interno que vem lutando para se preservar e inovar frente às
demandas do capital, a novidade do trabalho portuário está, em nosso entendimento, na taxa
124
Entrevistador: Então, mas você já executou alguma dessas funções que eles querem
para vincular?
48
Guindaste e motorista de caminhão são as mais comuns para os estivadores, que trabalham no navio, mas
operam eventualmente estas funções.
49
isso acontece porque a idade é um dos critérios para a seleção dos trabalhadores.
125
olha, tem a conexa e nela eu consigo um pouco mais de trabalho em relação aos
colegas que não fizeram tantos cursos que nem eu. Já te digo, aqui ainda não temos
um acordo com a capatazia eu vai colocar a gente no trabalho deles, mas tá saindo
esse acordo. Mas eu fico mordido mesmo com o pessoal mais velho, que não
querem pegar juntos. Daí é mais uma razão para eles pressionarem o sindicato a
oferecer desconto ou cortar mais gente do engate (estivador, 36 anos).
estimulou a desconfiança entre os sindicatos. A respeito disso, um estivador (38 anos) nos
relata que
[...] foi deles atacarem pela estiva, é lá que a força do sindicalismo se manteve, é lá
que o corte foi mais duro: a conexão, o trabalho em funções terrestres que fazíamos
foram suprimidas porque as máquinas “comeram” espaço, e os terrestres, a
legislação tava ruim até a pouco tempo, foram. A turma ficou sem emprego, e tem se
rebelado e somado forças com a capatazia. A ideia é fechar um acordo coletivo nos
próximos anos com todos os trabalhadores. Em vitória já é a muito tempo assim.
Como nos diz um trabalhador da capatazia (45 anos): “O problema é que a estiva
estava pegando nosso trabalho”. Contudo, essa demonstração de desconfiança, em nosso
entendimento, é passageira porque, como fica demostrado na fala de um entrevistado, justifica
a necessidade de uma boa relação com a capatazia para as atividades conexas.
“Tem momento que o lançamento de mercadorias da terra para o navio precisa-se de
todos os trabalhadores” (estiva, 38 anos). Esta experiência cria laços de continuidade da qual
eles são altamente carregados de sentido em ciclos econômicos em queda. Menos emprego ou
abrupta queda em razão das lutas regionais por carga, mais a necessidade de manter-se
próximo do sindicato e aberto à negociação com os outros trabalhadores portuários.
A experiência de fechamento do mercado, que se desdobra na defesa histórica dos
sindicatos portuários - “[...] medido pela taxa de assalariados que permanecem no mesmo
ramo mudando de empregador” (diretor, 44 anos, OGMO), em nossas descobertas, é alta.
Portanto, existe aqui um processo de luta pela relevância dos sindicatos de origem (de cada
sindicato para a reserva de seu mercado) contra a precarização.
Isso, contudo, somente se visibiliza quando avaliamos o registro das qualificações
adquiridas no porto – entre colegas e com a luta pelo domínio relativo dos processos de
seleção, definição de jornadas – e as cruzamos com a chamada para o trabalho. Estas
chamadas, especialmente de outros sindicatos que nos dizem se de fato os trabalhadores
querem novas formas de gestão do trabalho ou não.
Essa analise se justifica a partir do interesse dos trabalhadores em superar uma
divisão existente entre os sindicatos de acessar as chamadas para trabalho de outros
sindicatos. Com a tabela abaixo podemos ver o interesse de trabalhadores em defender suas
funções, porém avançando para novas horizontalidades no sentido do sistema de distribuição
do trabalho.
127
Esses dados nos dizem primeiro, que há o interesse e o predomínio dos trabalhadores
da estiva em migarem para o sindicato dos arrumadores, que detém uma grande oferta de
trabalho oferecido. Além disso, esses trabalhadores, em sua grande maioria são trabalhadores
jovens, não alcançando 40 anos de idade. A proposta do sindicato em receber esses
trabalhadores é fruto de seu interesse em normatizar o acesso ao registro do trabalho. A
primeira consequência dessa normatização é, como nos diz um sindicalista, “não oferecer
incentivos ao empresário para contratar por fora do OGMO, mas especialmente em oferecer
vagas para vincularem em postos que consideramos estratégicos”. Essa constatação se
confirma com a análise dos trabalhadores chamados por atividade e seu engajamento.
Com a tabela acima podemos ver que, em 2008, essa atividade atingira em cheio os
trabalhadores que buscavam se qualificar e ascender nos portos públicos. Primeiro, porque
nesses trabalhos eles geralmente são iniciados até alcançarem os títulos dentro dos portos que
os habilitam para maquinário pesado.
128
Antes de 2008, não tinha essas STS50 (Ship to Shore). A gente chamava oito no
terno, e pra cada guindaste oito na equipe. Chamava 5 guindaste de bordo e dois a
três MHC (mobile hard crane), que é o guindaste de terra, mais simplesinho,
guindaste de lança. Não é diferente do STS e da lançadeira dentro do navio
(estivador, 38 anos).
Então, eles tiraram o guindaste de bordo porque a STS faz 3 vezes mais movimento
do que o guindaste de bordo por hora. Ele pega dois contêineres de uma vez só... O
que aconteceu? O serviço de bordo migrou todo para a terra. Enquanto que precisava
de 5, 6 caras para operar o guindaste de bordo. Era tudo manual, pegas com a mão,
faz o engate dos cabos, gira o contêiner dentro do navio. Chamava dos guindasteiro
nosso, um portaló (sinalizador), que ficou, e cinco homens de lingada, eles ajeitam
para o contêiner na calha. Eles botam os spreader, as peças de engate. Aquilo não é
automático. Aquela peça vermelha ali nos cabos do guindaste. Tem que colocar
essas peças em cima do contêineres, ela encaixa, faz o lock, unlock. Isso tudo era
manual. Tu puxava uma trava que fechava os quatro pino (estivador, 38 anos).
Por fim podemos ver que a redução da força de trabalho na estiva é um reflexo das
decisões políticas que foram tomadas no porto.
Daí eu não fazia mais nada com a máquina automática. Daí também que eles não
podiam eliminar todo mundo, e para manter o mercado de trabalho eles tiraram de 5
e colocaram dois homens. A diferença foi muito grande. A queda foi grande
(estivador, 38 anos).
50
Ship to Shore adquiridos pela APM Terminals para movimentação de contêineres no terminal. Com
aproximadamente 87 metros de altura e 1.600 toneladas, eles estão capazes de operar navios de última geração
(Ultra-Large Containerships), com 400 metros de comprimento, 56 metros de largura, 15,2 metros de calado e
podendo carregar até 18.000 TEUs. Portanto, além das necessidades atuais do porto de Itajaí, elas estão aptas a
futuros desenvolvimentos. Reiteramos que os investimentos em infraestruturas pelo Estado, nos portos que estão
fora do plano de concessões que se iniciam em 2008, receberam menos investimentos em comparação com o que
a iniciativa privada alocou desde o começo dos anos 2000. Por outro lado, no porto de Pecem, Ceará, a APM
terminals, que faz parte do mesmo grupo econômico que se encontra em Itajaí, investiu naquela cidade 100
milhões de reais em equipamentos, e o governo do Estado investiu 500 milhões em obras de cais, dragagens e
outras melhorias na infraestrutura aquaviária.
129
[...]os avulsos geralmente não queriam se vincular, né, é difícil isso, eles não vão se
vincular para trabalhar em tractor (caminhão de transporte de contêiner) porque daí
eles vão ganhar uma miséria. Então, o que aconteceu é que abriu a brecha para eles
contratarem fora do OGMO – caso se eles não se interessassem pela oferta dos
operadores portuários ou não preenchessem os requisitos exigidos para o cargo
oferecido.
Podemos ver claramente a visão oposta que um estivador tem sobre o trabalho que,
por origem, pertenceria a capatazia.
Sabes o ATT? O caminhãozinho que vem para retirar e colocar os contêineres dos
guinchos. Isso... Terminal Tractor. Eles chamam para vincular no ATT. Só que
como o salário é muito baixo, é o mais baixo que tem. Nem todo terresteiro vai para
o ATT. Aí sobra para cá. Daí a gente pode entrar, pode vincular. Depois deles. Esse
130
que é meu veneno... Eu sou operador de guindaste, operador de ponte. Nunca vou
ser vinculado. Não tem oportunidade para eu entrar. Estamos finalizando um acordo
com os outros sindicatos, mas deixa eu te dizer o antes para depois você entender o
depois (estivador, 38 anos)
Aqui vemos explicitamente que sua intenção é iniciar processos mais flexíveis de
trabalho, mas desde que respeitem sua qualificação acumulada em cursos, e que é impedido
por trabalhadores que não participam da nova proposta de regulação do trabalho.
Irá revolucionar nosso mercado. Vai ser difícil eles imporem tudo o que eles estão
acostumados a fazer. Tem um problema que permanecesse mais isso vai passar: não
praticamos a multifuncionalidade no quadro dela, porque o número de trabalhadores
deles é muito pouco na atividade deles”. Não quer dizer que temos que esperar o
patrão fazer isso pela gente. (capatazia, 40 anos)
dos trabalhadores com respeito a uma diretriz do sindicato. Essa alternativa corresponde não
somente a um período de maior demanda, mas ao fato de que seus registros e a própria
viabilidade do mercado de trabalho podem ser postas em risco caso eles não assumam essa
posição.
O relato de um estivador avança com essa discussão e indica-nos como novas formas
de implementar o rodízio tem sido ponderada pelos trabalhadores. Assim, o entrevistado a
seguir começa seu retrato, fazendo-nos lembrar Sarti (1981) com sua caracterização clássica
do sistema de rodízio. Vemos nesse retrato pessoal um reflexo de grandes inovações em
curso, que atestam o poder de barganha da classe e sua adaptação aos novos tempos.
Entrevistado1: Eu vou na que paga mais porque daí á tarde eu sei que chama então
eu vou á tarde. Daí eu descanso na madrugada e peço para guardar a máquina de
manhã.
Entrevistado2 (estivador, 36 anos): Que não existe em nenhum outro lugar. Tem...
mas não igualzinho o nosso. Isso é um acordo nosso entre o porto e a gente.
Entreivstado1: Permite?
Entrevistado2: Permite.
Entrevistado2: Tá no papel.
132
O que aqueles entrevistados nos dizem é que as regras principais que definem o rumo
da organização do trabalho, da definição do perfil desejado - com cursos de qualificação
exigidos para o trabalho -, para a multifuncionalidade não são autoaplicáveis. Eles precisam
passar pela negociação e acordos coletivos.
Esse relato aponta para um trabalho de ofício em processo de reinvenção. A força da
solidariedade e as pressões para enquadrarem-se a essa realidade os direcionaram para
impasses sobre o futuro de seus trabalhos. Novas relações de trabalho surgiram no rescaldo
das ofensivas contra seu mercado de trabalho. Há também incertezas quanto a legalidade dos
processos de trabalho que vem sendo assumidas.
Esses profissionais estão sujeitos também a restrição a novos trabalhos,
principalmente se estiverem associados ao uso parcial da multifuncionalidade, fruto da
flexibilização e despeito ao sistema de rodizio. Porém, por outro lado, o trabalho tem sido
marcado pela solidariedade que emerge da noção de que “às sobras de trabalho dos outros
sindicatos é uma situação que ao menos permite alguma fonte de renda”, impulsionando-os a
refletir mais a fundo sobre novas formas de agir coletivamente em prol de emprego e
dignidade (estivador, 41 anos).
O ataque à estiva, fruto da pouca demanda por esse trabalho, revelou o que
chamamos de “transição fechada” para outras modalidades de trabalho portuário. Ela é
fechada porque somente aqueles que investiram simbolicamente em formações
complementares conseguiram manter-se empregados. De outro lado, essa transição somente
ocorreu porque os sindicatos que detêm domínio sobre determinada função conseguiram uma
contrapartida na função dos outros sindicatos.
Em síntese, vimos até aqui que as experiências de trabalho fora do porto público
foram determinadas pela inconstância e precariedade do trabalho que eles buscam
transformar. Nesse processo, o trabalho portuário é tensionado pelas pressões que são
colocadas dentro do porto. Não deixa de ser possível, contudo, que eles possam intervir, no
sentido de transformar essa situação, trazendo outros sindicatos e o OGMO como aliados.
133
O desejo de autonomia e fechamento desse mercado foi uma luta comum aos
portuários do mundo inteiro, mas isso não significa que alcançaram todos esses objetivos,
como nos casos de closed shop consolidados (Londres, Portland, Marsey, Nova York). Para
Cruz (1998) o questionamento é saber como esse sistema pode ter se estruturado no Rio de
Janeiro, se não existia as mesmas condições que Santos. Ela aponta que o fechamento de
sindicatos portuários em Santos não aconteceu antes do que naquela cidade. E, além disso,
aponta para o fato de mesmo no Rio de Janeiro não haver uma tradição forte com a ideologia
revolucionária nos portos, a pressão dos trabalhadores se fez sentida o suficiente para impor
as condições que predominam num closed shop.
O ponto aqui inaugurado é que a luta pelo trabalho nos portos se dava em direção a
sua exclusividade àqueles que estavam vinculados a um sindicato. O foco da analise está em
saber se a luta de sindicatos concorrentes, os conflitos por acesso ao trabalho, e a pressão do
empresariado em fazer valer uma situação de grande precariedade resultaria em desunião,
impedido a formação de uma classe minimamente operante e capaz de fazer valer seus
interesses.
A organização desses sindicatos, para Arantes (2007), reflete um processo de luta
constante e da solidariedade decorrente da experiência do trabalho. Para ela as pequenas
paralizações e a luta por ganhos aparentemente ínfimos - como impor um ritmo mais lento na
jornada, agregar mais gente nos sindicatos e torná-lo viável frente ao empresariado, apoiar as
greves que por ventura aparecessem - era essencial para a constituição dessa classe.
Especialmente, chamamos a atenção para a demanda do empresariado em cortar
custos e impor formas de flexibilização, que, de outro modo, não foi efetiva em ultrapassar a
barreira desse tipo de sindicalismo. Sua vitalidade aparece nas discussões que seguem o
estudo de Cruz (1998) que enfatiza no sindicalismo portuário uma força impar contra os
processos de flexibilização, ao socializar esses trabalhadores contra as ameaças que surgem
nos portos.
Ao mesmo tempo, com Sarti (1981), fica claro que esse processo de fechamento
criou, senão dois mercados coexistindo no mesmo espaço e competindo por trabalho, ao
menos os bagrinhos, categoria excluída dos sindicatos, que viriam amortecer a oferta de
trabalho nos portos. O trabalho mal remunerado ou em condição de subemprego era dos
bagrinhos, que teriam que se contentar com as tarefas dispensadas pelos sindicalizados a
competição brutal fora dos sindicatos fechados.
135
O que Barros (2017) nos chama atenção é para uma agenda em aberto sobre ação
sindical portuária com a nova legislação, existindo dois problemas que precisam ser
respondidos pelos trabalhadores: 1) a constante ameaça que vem de uma baixa interlocução
entre os sindicatos frente a privatização dos portos, 2) de uma a baixa adesão dos
trabalhadores as propostas mais combativas dos sindicatos na resolução das pautas salariais.
Como uma resposta a esses desafios, a CUT legitima-se nesse período em relação ao
sindicalismo do centro do sistema portuário e também em sua periferia, no porto de Itajaí.
Isso nos permitirá discorrer sobre as poucas, mas relevantes conquistas efetuadas entre o
período de 2001 a 2008 quanto aos reajustes salariais e aumento do recurso a greves –
respaldadas pela Justiça do Trabalho – como um chamado a solidariedade sindical.
Segundo a CUT (2006. p.3),
138
Vemos aqui uma postura de naturalização do trabalho portuário avulso por parte
dessa central. Qual era a intenção dessa central em fazer esse tipo de afirmação? Primeiro,
entendemos que o enunciado de fala da CUT faz parte de um contexto onde pautas mais
abrangentes começam a surgir nos portos brasileiros entre os trabalhadores, no caso a
contratação de trabalhadores vinculados51, mas também sobre a ameaça crescente dos portos
privados e da intensa privatização dos portos públicos em curso. Argumentamos que essa
situação apontou para, progressivamente, demandas comuns entre os trabalhadores portuários
de Itajaí.
As negociações diretas, fato comum entre os portuários e suas categorias de origem
é o início desse processo. A negociação direta revela níveis de tensão e dificuldades que
podem ou não evoluir para o conflito aberto, com greves e paralizações. As negociações
diretas relatadas refletem um contexto inicial onde, em nível nacional, inúmeros outros
setores alcançaram vitórias expressivas durante a primeira década dos anos 2000 - após
período de grande retrocesso nos anos 1990 (CARDOSO, 2003).
Exemplo disso, como já relatamos, é a experiência de diversos Fóruns de
interlocução, que também ocorreram no setor portuário, os quais trouxeram a expectativa de
avanço nas relações capital trabalho (RAMALHO, 2006). Em Itajaí, com o Pacto de
Transição Negociada em 2001, questões mais abrangentes à empresa, com os investimentos
no porto público, tributação e política industrial, foram destacadas. Assim, a pauta desses
trabalhadores sugere uma afinidade com uma postura mais conciliatória apregoada pela CUT
e setores que se alinharam ao governo Lula, com um modo de ação sindical que retoma
provisoriamente, mas eficazmente, às instituições do corporativismo.
Nesse cenário, a preocupação dos trabalhadores era manutenção de seus empregos,
que, como temos relatado sofrera grande ofensiva em razão de um aprofundamento dos
mecanismos de contratação, dispensa e uso flexível da força de trabalho (KRAIN, 2008). É
51
Trabalho por tempo indeterminado e subordinado a empresa portuária.
139
52
Registramos que os mercados de infraestrutura – portos, ferrovias, telecomunicações – é marcado por
obstáculos naturais à promoção da concorrência, especialmente pelos altos investimentos necessários para sua
promoção. O princípio de justificação econômico está na ideia de que em monopólios naturais não se poderia
ofertar um bem ou serviço para um mercado inteiro a um custo menor do que ocorreria se duas ou mais firmas
ofertassem tal serviço ou bem.
53
Normalmente, num monopólio normal, novos entrantes o fazem mais competitivo. Já no monopólio natural,
os novos entrantes não podem atingir o mesmo custo baixo que os monopolistas desfrutam porque, após sua
entrada, cada firma teria uma parcela menor do mercado (SAMPAIO, 2013, p. 80).
141
A única garantia oferecida pelo Estado era de que ele poderia ou não favorecer o
pleito dos portos ou dos trabalhadores, seja em área pública ou privada. E, para isso, a
intervenção estatal para assegurar “padrões mínimos de normalidade, evitando práticas
contrárias a ordem e ao desenvolvimento nacional, foi essencial (MARTINS, 1969, p.100).
Nesse sentido, Sampaio (2013) entende que a liberdade irrestrita de entrada e saída
de empresas que seguiu com a intensificação da privatização dos portos, com a determinação
de preços e qualidade de serviços associadas as demandas imediatas dos armadores, foram
prejudiciais aos portos públicos.
Por outro lado, refletimos com Sampaio (2013), que existiu uma espécie de
compensação do Estado aos atores locais, com o enraizamento das estruturas políticas e
corporativistas, como o CAPS e OGMO, que podem ser vistas do lado do consumo das
cargas. Se o armador tinha tanto poder de barganha como Agripino (2008) entende, o Estado
atuou em momentos precisos para não desestimular o padrão de crescimento sustentado por
sua política de exportações.
Logo, se o argumento procede, os portos não ficaram totalmente à mercê da sanha
empresarial com o andar da privatização, que por todo os anos 1990 e início dos anos 2000 de
fato levou muitos portos a quase destruição de suas antigas instituições (DIÉGUEZ, 2014).
Por isso, reiteramos a pertinência do caso de Itajaí. Essas estruturas corporativistas foram a
própria alavanca, disputada pelos empresários e trabalhadores para avançarem com suas
demandas, que ora convergiam, mas dificilmente alcançara-se a paz social (RODRIGUES,
1990).
Essa alavanca se retrata, no período de nossa analise, nas opções dos portos de as
usarem a seu favor ou contra. Por exemplo, vimos como a ameaça comum de armadores
poderem ter a opção do uso de um porto em detrimento de outro tem resultado na perda de
carga do porto público para o porto privado (Portonave), sem o benefício prometido ao Estado
brasileiro de que mais cargas próprias viriam.
Essa a situação avançara para um crescente impasse materializado com a Antaq , que
inicialmente não entrara com pareceres para reforçar a posição das empresas e portos já
estabelecidos nos portos públicos. A lógica, reiteramos, é de privatização dos portos.
Especialmente, chamamos atenção para como esses impasses são sempre no sentido
das vantagens decorrentes da intensa privatização dos portos públicos. Exemplo disso é que a
legislação não permitia que portos privados operassem em porto público a não ser que
tivessem carga própria (DIEESE, 2013). Esse não foi o caso do porto privado (Portonave).
142
[...] houve uma perda de 2/3 das paradas de navios em vista da abertura da
Portonave, que fica a 300 metros daqui. Você acha como que sobrevivemos? A
vocação da cidade é o porto. Mas também eu poderia dizer que Itajaí é um
quarteirão com 5 padarias. Nós oferecemos o melhor produto, somos a padaria,
confeitaria e tudo mais. Mas você precisa pagar. O que acontece do outro lado: eles
não pagam nenhum imposto, não contratam via sindicato. É óbvio que temos um
problema aqui. O que colocamos aqui é que a cidade tem tudo isso por causa de nós.
Ainda esperamos que os termos da legislação alterem esse estado deplorável, onde
não sabemos se podemos fazer mais investimentos
54
Porque, obviamente se trata de uma empresa privada, mas que seu status e sua existência se fundamenta
nisso: manipula cargas de terceiros, e não somente de uma ou duas companhias.
143
Em Imbituba, a Maersk, que é dona deste porto possui 30 por cento de Market share,
isso permite-nos deslocar o que perderíamos aqui para lá. Eles não são obrigados a
receber aquelas cargas, porém o custo de não carregá-las naquele momento supera as
restrições com os custos que eles ganham do outro lado do rio. A mesma coisa é
com o Porto de Itapoá, temos 30 por cento também. Ainda por cima, não temos
certeza do como nossos investimentos aqui vão ter um retorno, e, óbvio que não
podemos colocar mais nada aqui em termos de equipamentos, melhorias no cais etc.
sem saber se teremos prorrogação na concessão.
55
Como vimos no capítulo anterior, a flexibilização no porto de Itajaí alcançara um limite que não mais os
trabalhadores estavam dispostos a aceitar, e pressionava os portos privados para adequarem as taxas cobradas.
144
Vejamos os riscos que se abriam a esse mercado e como uma brecha importante aos
trabalhadores seguiu e foi aproveitada. No início dos anos 2000, a ANTAQ enfatizava que
uma maior autonomia das entidades regulatórias era indispensável porque elas estavam: “[...]
bastante determinadas a agir sobre estes problemas, em vista de ainda não haver mecanismos
que permitam a formação de preços na cobrança de serviços para a liberalização de
contêineres” (SAMPAIO, 2013, p. 210). Contudo, na fala do conselheiro Luiz Carlos
Delorme Prado,
[...] a questão concorrencial que tal situação acarreta só pode ser superada ou pela
proibição de cobrança desses serviços aos terminais retro portuários, ou pela
regulamentação, isto é, pelo estabelecimento de preço máximo homologado pela
autoridade reguladora (SAMPAIO, 2013, p. 220).
56
Grupo Executivo para Modernização dos Portos, criado e respondendo diretamente ao Ministério dos
Transportes que atuou até 2001 com o intuito de promover as políticas de liberalização dos portos brasileiros.
146
[...] autoridade portuária ser o agente fiscalizador e promotor da ideia de que todos
sejam contemplados seus direitos, o de materializado na convenção 145 da OIT que
diz respeito aos benefícios oriundos do avanço técnico nos portos para os
trabalhadores. (GEIPO, ofício 190).
É nesse sentido, vago ainda, que autoridade portuária vê na proposta dos armadores
de redução da renda do trabalhador não somente um ataque à renda de todos, mas “[...] uma
oportunidade para agir em conjunto e promover a industrialização e modernização do porto,
com o crescimento resultante” (ofício n. 72, direcionado ao Ministério dos Transportes, e em
cópia ao GEMPO).
Podemos ver já de antemão, a partir dos argumentos de Doctor (2017, p. 100), que,
além dos conflitos com a burocracia estatal, a autoridade local defendeu intensamente o
enraizamento dos instrumentos normativos de regulação desse mercado, tanto em defesa dos
trabalhadores como da promoção ampla do desenvolvimento (COLLYER, 2007).
A profusão de protocolos que surgiram para a regulação do porto organizado, nesse
sentido, viera em razão da intensificação da política de privatização em curso, que demandou
da autoridade portuária ampliar seu leque de intervenções sobre o território portuário. Nesse
relatório podemos depreender que sua postura foi de conciliar - em sua perspectiva - uma
147
estratégia de defesa dos interesses comerciais do porto de Itajaí, assim como de respeito aos
direitos e interesses dos trabalhadores.
A aliança entre autoridade portuária e os trabalhadores portuários se deduz também
pela promoção do Pacto de Transição Negociado (PTN) o qual ela encabeçou. Referência
nacional em razão de ser o primeiro “fórum do qual o empresariado participara e quisera
negociar”, nas palavras de Adalberto Fernandes, antigo diretor da Federação Nacional dos
Estivadores (ata sindicato dos estivadores, março de 2003). Para a autoridade portuária, uma
razão a mais para agir era de que usuários do porto e a cidade “[...] se negavam ver diante de
si mesmos a ingerência estatal que permite a destruição das infraestruturas hidroviárias,
ameaça a viabilidade do porto público” (fiscal portuário, 40 anos).
Contudo, essa posição de agente promotor de uma governança local é assumida pela
autarquia municipal de maneira relativa. Por exemplo, ela tem se justificado em termos
financeiros que para responder as demandas do porto para o crescimento econômico, as
consequências da restrição impostas aos pequenos exportadores na área pública não é sua
culpa (oficio, 90, autoridade portuária). Essa situação é um dos resultados que vieram com o
sucesso do porto por todos os anos 2000. O que nos chama atenção é o fato, simples, sem
rodeios, de que o porto é público e ele tem que oferecer esse serviço obrigatoriamente
(BRASIL, 1993).
O relatório (ofício n. 72, GEIPO) nos diz que, em seguida, no mês de agosto de 2001,
“[...] realiza-se reunião com representantes dos armadores, P&O, Nedloyd, CSAV, Hamburg-
Sud e com as diretorias dos sindicatos de avulsos, e a presença da ADHOC”. Foi registrado
que, na ocasião, a Intersindical, que congrega os sindicatos avulsos e tinha acabado de ser
criada, estava presente, a qual “[...] colocou como condição para concessão de descontos57 da
mão de obra a reabertura das negociações das Convenções Coletivas, suspensas desde a
instauração de dissídio coletivo”.
Podemos ver aqui que esse espaço funcionou como alavanca para os sindicatos, que
se viram, de maneira inédita, pressionados a não somente dar descontos – fato recorrente
desde então a partir da análise das convenções coletivas nesse período – mas a ser
reinventarem no sentido de repensar o papel enquanto coletividade inscrita no que eles, os
portos e os usuários destes chamam de “comunidade portuária”.
57
Prática comum nos portos onde a expectativa anual da entrada de cargas é negociada entre os sindicatos na
proporção de carga esperada para o ano seguinte. O desconto é dado sobre o resultado final da produção mensal,
e não sobre a cota que cabe a cada trabalhador.
148
58
Guindaste automático e consegue movimentar dois contêineres tipo TEU (Unidade Equivalente a 20 pés) por
vez, suportando carga de 65 toneladas. “A supressão de trabalho é imensa com esse aparelho, tínhamos 8
trabalhadores agora com o Porteiner temos 3” (estivador, 38 anos).
150
categoria seria penalizada com fretes mais baratos. Trabalhadores portuários fizeram-se
presentes e acusam o prefeito de conluio político com a empresa licitante.
Um portuário da capatazia nesse momento sobe no púlpito e diz que não aceitarão
serem enganados. “Precisamos ter uma renda digna, somos parceiros, mas não aceitaremos
mais ser enganados”. Aqui é interessante olharmos como a presença desse e outros da
categoria, imbuídos de uma desconfiança com o político, dá o tom de suas críticas e da
importância de uma politica salarial que defenda os interesses dos trabalhadores e da cidade
de Itajaí
Representantes do OGMO reiteraram a utilidade dessa audiência para tornar visíveis
para os trabalhadores as demandas futuras por qualificação e que os contratos “devem ser
muito bem vistos”, já que são eles que irão botar a mão nessas cargas. Acrescentam, contudo,
que as cargas conteinerizadas são as mais importantes para a cidade, e que os investimentos
futuros da APM poderão trazer 90% da carga de contêiner do Estado, fato que pode reverter o
cenário atual do mercado, e consequentemente, do porto de Itajaí, que poderia voltar a ser o
segundo do país.
É interessante notar como esses cenários são todos colocados no mesmo plano da
possível fuga de investimentos, do uso impróprio do território e do uso interno do porto
público. Essas preocupações são corroboradas pelo OGMO, que emenda que o compromisso
da empresa é “com o crescimento do Porto e da cidade de Itajaí”.
Saiu alguém mais prejudicado do que os próprios portos nesse processo de
reestruturação do trabalho e modernização das infraestruturas? A lei dos portos tinha a
intenção original de privatizar a autoridade portuária e nem mesmo a Lei no 12.815/ 2013, que
intensifica o processo de privatização, foi categórica nesse entendimento, deixando espaço à
discricionariedade do Estado em conferir ou não a delegação local de poder, por prazo
determinado, às autoridades portuárias.
Como desfecho dessa audiência concluímos que uma solida aliança entre autoridade
portuária e os trabalhadores responde por boa parte da anuência da comunidade e empresários
locais para aceitarem a política local de intervenção no porto público. Fica claro que posição
do empresariado reflete a situação apontada por Doctor (2017, p. 69), de que o Estado
basicamente usou os CAPS em vez dos OGMOS para discutir as relações entre
capital/trabalho porque agora a legislação enfatizava que o porto ao lado, principal
concorrente, deveria justificar que suas cargas eram realmente suas.
152
[...] foram indispensáveis para que pudéssemos agir sobre o porto, investir e
recuperar os danos causados pelo tanto pelo porto privado que atacara diretamente
nossos interesses, como por outras causas que implicaram no atraso dos recursos
para o financiamento dessa estrutura.
acompanhasse uma transição, respectivamente de recuo para uma ação mais propositiva e/ou
combativa.
Houve um crescimento do recurso a greve, no ano de 2004 - quando vistas pela
média de reajustes salariais e paralizações que seguiram as negociações diretas entre patrão e
trabalhador, que demostra para Pessanha (2013) a importância de se refletir sobre esse novo
contexto político e social. A discussão que a autora promove é de ver com a média de
reajustes estável e acima dos custos de vida, além de revelar a principal demanda dos
trabalhadores, demonstra o potencial das negociações diretas como instrumento de regulação
das relações capital trabalho.
Logo, após um período onde os dissídios estavam quase não sendo aceitos pela
Justiça do Trabalho, durante os anos 1990, essas médias mais favoráveis sugerem-nos que os
trabalhadores se encontravam num novo cenário de lutas políticas para a defesa do trabalho
(CARDOSO, 2003). Os trabalhadores progressivamente se viram moralmente e tecnicamente
legitimados a lutar por seus direitos no país, comprovando-se pelo aumento do recurso a greve
para o ano de 2008, com 873 casos registrados59. Sobre as greves registramos que a Justiça do
trabalho entendeu que, para o ano 2012, de 509 casos, 43 foram consideradas ilegais.
Portanto, o sucesso das mesmas é a marca desse período (PESSANHA, 2013, p.15)
Contudo, existe uma distinção entre os dissídios coletivos de natureza econômica e
dissídios de natureza jurídica que é relevante para aprofundarmos os argumentos da autora.
Em 2004, coincide que o governo Lula promoveu uma intervenção maior na Justiça do
Trabalho, no sentido de restringir a prática de dissídios e seus desdobramentos.
Especialmente, os dissídios coletivos de natureza econômica passam a ser utilizados somente
se ambas as partes envolvidas no conflito trabalhista concordarem em fazê-lo.
Essa situação dificulta enormemente a luta, no sentido das pautas salariais conjuntas
entre as categorias laborais nos portos, o que a autora pede que se correlacione essas
tentativas com as ações dos sindicatos visando negociações diretas (PESSANHA, 2013).
Estas negociações diretas a Justiça do Trabalho pode ou não intervir no sentido de legitimar o
uso das greves ou ameaças de paralizações como recursos para as lutas por direitos (DIEESE,
2013).
Nesse quesito, quanto a incidência de greves no porto de Itajaí, restrita a 3 episódios
entre 2001 e 2007, as quais, além disso, nenhuma referente a aumento salarial poderia-nos
59
Diéguez (2014) aponta que desde 1999 até 2006 somente no porto de Santos ocorreram 40 paralizações e
greves.
155
uma posição mais conciliatória das classes dos trabalhadores avulsos não se sustentaria muito
mais. Somente no momento em que os trabalhadores portuários de Itajaí viram que a
flexibilização do trabalho atingiu a todos indistintamente que eles agiram em conjunto,
promovendo ações contestatórias que analisaremos em seguida, e que tiveram como resultado
principal a produção de novas pautas salarias e em defesa de direitos
Assim, nos perguntamos: como os trabalhadores mobilizaram a Justiça do Trabalho e
a autoridade portuária local de Itajaí no sentido de legitimar suas demandas, que nos anos
seguintes se avolumavam contra a precarização do trabalho?
Fizemos, nesta seção, uma analise da ação civil pública contra o porto privado
(Portonave) visando de demonstrar que os trabalhadores retomaram seu poder de negociação -
já que foram os principais interlocutores de uma pendência que atingiu todos,
irremediavelmente.
Os resultados dos inúmeros pareceres da Justiça do Trabalho, e da nova orientação
da Antaq na defesa dos interesses dos trabalhadores faz parte de nossa discussão desses
espaços como arenas politicas mobilizadas pelos trabalhadores na defesa de seus interesses e
da coletividade próxima a eles
Foram os trabalhadores que negociaram os termos e como se daria a contratação de
novos trabalhadores no porto privado, tornando o OGMO63 em um aliado e sinalizando o
potencial de transformação que a ação sindical pode deter. Portanto, comprovando que
elementos do corporativismo portuário, como esboçamos no início deste capitulo, se fazem
ainda presentes.
Em Itajaí, a partir de 2011, documentamos que pautas salariais mais incisivas
surgiram e foram seguidas de paralizaçõeo que atingiram o porto privado e se alastraram para
o porto público em razão daquele terminal querer contratar trabalhadores por fora do sistema
OGMO.
É nesse momento que os trabalhadores avançam suas pautas, a partir do recurso de
uma ação civil pública capitaneada pela Intersindical dos Trabalhadores Portuários contra a
63
Por extensão, fora da estrutura oficial, agindo em diversas frentes ora sendo espontâneos, exigindo mais e
melhores condições, ora programáticos com pautas que solidificam os interesses da categoria como um todo. Ver
Martins (1969, cap4).
157
Portonave (TRT, 2008). A forma que se deu a resposta dos trabalhadores à luta contra o porto
privado nos ajuda a entender como isso se deu. A estrutura de oportunidade que se abriu
permitiu aos sindicatos retomar alguma autonomia perdida com os processos subcontratação e
flexibilização.
Vemos desde o início como a estrutura de oportunidades aberta se coloca definindo
os limites da ação do porto privado. Podemos ver como se dá isso no contrato de autorização
para aquele operar. Nesse contrato estão duas condições que precisam ser preenchidas.
Primeiro a referência ao artigo 4, inciso 2 da lei nº 8.630/93. Nesta diz que: “de autorização
do Ministério competente, quando se tratar de terminal de uso privativo, desde que fora da
área do porto organizado, ou quando o interessado for titular do domínio útil do terreno,
mesmo que situado dentro da área do porto organizado”. Segue com os seguintes artigos da
mesma lei, que a autorização para o porto privado operar se dá:
Na ação consta: “decorrem dos Atos administrativos [...] mencionados, cujas cópias
estão em anexo, que a Ré foi autorizada a explorar o serviço público federal como terminal
privativo de movimentação de carga mista, ou seja, deverá movimentar, principalmente carga
própria e subsidiariamente carga de terceiros” (TRT, 2008)
Em seguida, afirmam que a autorizada a operar o terminal portuário em Porto
Organizado, é uma Operadora Portuária. Essa qualificação implica, como dito na citação, que
precisa manusear majoritariamente cargas próprias,
64
Ou seja, trata-se da permanência – ou não - do próprio “modelo de arrendamento” (LandLord) que discutimos
amplamente na tese.
159
[...] a instalação de terminal privativo – cujas regras vem sendo flexibilizadas pela
ANTAQ, ou seja, pelo Governo Federal, visando incentivar a instalação de novos
terminais no país – objetiva atender à crescente demanda na movimentação de
cargas, atrair a iniciativa privada a realizar investimentos no setor portuário, otimizar
a exploração de cargas pela iniciativa privada, redução de custos [...]” etc. e assim
vai (TRT, 2011)
Ou seja, existe aqui um conflito que abriu espaço para inovações no âmbito do
trabalho e de concessões que restituiu, em parte, o poder de barganha dos trabalhadores. Esse
espaço à ação sindical se deu nos termos abaixo:
admitidos na Ré, passaram a ser considerados, faticamente, como tais” (Ação Civil, 2011,
p10).
A proposta da Portonave sempre foi de tratar com os trabalhadores avulsos como se
fossem trabalhadores iguais aos que ela contratava por fora do OGMO. Contudo, desde o
começo de suas operações e nessa ação civil, ela propõe somente contratar os estivadores,
porque eles operam no navio. E, como a ação civil reconhece essa situação, pelo ponto de
vista da Antaq, haveria aqui um interesse de alcançar um consenso entre os portos e os
regimes de contratação.
De um lado, o porto privado não pôde negar suas obrigações por estar localizado em
porto organizado. De outro, essa mesma situação e o objetivo de alongar-se em pleitos contra
esse porto atesta o potencial de contestação dos trabalhadores avulsos em geral.
Logo, da parte do terminal privado o acordo que seguiu foi uma das estratégias de
contenção da ação organizada do porto público, avaliando o potencial de ação contestatória.
Da mesma forma, o porto enuncia condições que ferem a lógica do trabalho de suplência, ao
querer chamar qualquer trabalhador que deseja ser permanentemente vinculado a Portonave.
O começo dessa mudança de postura veio com a ação da própria autoridade
portuária, com ato administrativo bloqueando a entrada de navios para o atraque na
Portonave, terminal privado. Essa ação trouxe prejuízos incalculáveis, apesar da brevidade de
sua duração de três dias, com prejuízos àquele terminal privado.
Essa ação foi justificada para a autoridade portuária pela não contratação de
trabalhadores a bordo especialmente estivadores. Ela sinaliza um entendimento de que a
cidade está disposta a brigar a favor da manutenção da reserva de mercado dos trabalhadores
avulsos, mas também no sentido de preservar as conquistas até o momento efetuadas com o
crescimento resultante do porto público.
O que essa situação apontou foi que a pretensão de alocar os estivadores para
funções paralelas, aquém de sua posição prescrita por lei, encontraria limites não somente no
sindicato. Concordando com a autoridade portuária, os trabalhadores avulsos justificaram as
portanto, estaria operando de forma ilegal. Ela estaria movimentando em torno de US$ 3
milhões em carga própria por meio da controlada Iceport, uma trading que detém a
propriedade da câmara frigorífica com capacidade estática de armazenagem de 18 mil
toneladas, em terreno vizinho ao terminal (intersindical oficio 029/2007). Portanto, o conflito
atinge agora proporções nacionais e muito havia de ser feito por parte dos lados dessa
pendencia para avançarem com seus interesses, e muito poderia ser perdido.
Em resposta à Antaq, no fim de novembro, a Portonave reconheceu que uma
estimativa de movimentação de cargas da Iceport poderia ter "caráter meramente
especulativo" enquanto as instalações da Iceport não estivessem estruturadas.
Portanto, existiam muitos riscos de a empresa continuar com sua posição de não
contratar trabalhadores do OGMO e esses riscos passaram inicialmente pela sua situação
jurídica, que progressivamente foi sendo relativizada e favorecendo aos pleitos dos
trabalhadores.
A Portonave foi colocada agora sob o signo da lei nº 12815/13, sobre o retorno que
traria para a cidade de Itajaí, porque ela está no porto organizado de Itajaí, e mesmo com as
portarias da Antaq em 2010 que relativizam a noção de carga própria, incorre em riscos sobre
a viabilidade de seu empreendimento.
A nova legislação chama atenção que os investimentos na região têm que,
comprovadamente, trazer benefícios a coletividade e não somente que sem sua presença as
atividades locais incorreriam em prejuízo. Portanto, sugerindo aqui um critério mais
balanceado sobre os riscos que se incorrem sobre os investimentos na região. Como
demostramos extensivamente, entre esses benefícios, razão que a ANTAQ - em nome do
Ministério do Transporte, conferiu a Portonave o direito de operar no porto organizado, era de
que construiria armazéns frigorificados. Isso, contudo, não justifica sua alegação de que
cumpriu a parte do contrato com o governo federal.
Especialmente, a questão da contratação de avulsos poderia ser acionada no sentido
de pressionar a Portonave sobre mais esclarecimentos sobre sua situação financeira, sua
condição como autorizada e dos benefícios que, segundo as alegações dos trabalhadores, não
“acrescentaram nada: eles não trouxeram carga. Eles roubaram as nossas” (estivador, 40
anos). Todos esses cenários, agora, se intensificam no seu potencial contestatório. Portanto, é
muito diferente dos primeiros anos do complexo portuário de Itajaí, onde o governo federal
agiu no sentido de impor suas pautas e interesses para a implementação de uma agenda de
privatizações.
165
4.8. A luta avança sobre o terminal privado (Portonave) e retoma para o porto
público (Porto de Itajaí)
de criar com uma pauta comum com os outros sindicatos prejudicados, como também um
compromisso da solução rápida para essa pendência, que infelizmente se arrastara para os
anos subsequentes com muitos prejuízos para os trabalhadores.
Um sindicalista da estiva, grupo que se mantivera em desacordo com os outros
sindicatos65, elabora sobre essa questão e nos diz que: “é claro a assembleia é soberana para
definir a pauta de reivindicações, mas vimos que não daria certo somente cuidarmos da gente.
Precisamos que todos agissem juntos. Ainda hoje esse é o desafio” (sindicalista capatazia, 38
anos).
Primeiro, contudo, os estivadores partiram da ideia de alcançar uma “média
equivalente ao que é cobrado com o OGMO. Contudo a Intersindical intervém com
argumentos que nos revelam a real chance de efetivarem acordos mais perenes e um desejo de
transformação das relações produtivas em Itajaí. Apresentamos algumas razões para, por falta
de melhor termo, serem acusados de se apequenar frente a imensidão do conflito que estava
exposto, chaga aberta de traumas que o porto privado representava de uma luta que também
se refere ao porto público.
No oficio da Intersindical direcionada a todos os trabalhadores temos as críticas a essa
situação de fragmentação da unidade sindical, e o porquê precisavam diminuir as pretensões
no sentido de um recuo temporário, mas produtivo para a ação sindical coletiva:
1) em razão de uma estatística que a “autoridade portuária criou dizendo que a
capacidade desse porto é de absorver somente 15% do contingente de estivadores, o que daria
entre 30 a 40 trabalhadores” (intersindical oficio 029/2007, p.2).
2) pela “demanda por qualificação do trabalho cobrado pela Portonave, onde todos
detém ensino médio e 209% detém ensino superior. Portanto, temos que defender um sistema
de rodizio abrangente como proposta para o terminal” (intersindical oficio 029/2007, p.2).
Por fim, a Intersindical aponta que “uma solução similar ao dos trabalhadores da
capatazia é ideal nesse momento”, os quais propuseram que metade dos trabalhadores seja
avulso e metade contratado por tempo indeterminado(intersindical oficio 029/2007, p.2).
. Portanto, os trabalhadores estiveram de acordo com a Justiça do Trabalho que buscou
avançar com as negociações para porem um fim nos embates mesmo antes da legislação
12.815/2013.
65
Mesmo esse desacordo foi útil para o avanço da luta coletiva, como veremos em seguida.
168
1º - 10% sobre o valor das tarifas cobradas para movimentação de operação à bordo
como consta na cláusula 5º do CC (Convenção Coletivo da Estiva 2012-2014).
2º - Nessa mesma Convenção foi dado um desconto de 30% sobre o valor para
movimentação de operação a bordo da Cabotagem, navios que fazem a linha do litoral
brasileiro (Cláusula 5º do Acordo Coletivo). No caso de da Cabotagem, são aplicados 10% da
faina de contêiner + os 30% que são dados aos navios de Cabotagem, somando assim 40% de
desconto para essa operação (Convenção Coletivo da Estiva 2012-2014).
169
O estivador entrevistado (55 anos) relata: “me chamou a atenção que deram ao
trabalho realizado no domingo e feriados um desconto de 50%, sendo que a lei prevê 100% ou
seja o dobro para trabalhos realizados nesses dias, está na Cláusula 6º do Acordo Coletivo”.
A questão é que “esses valores são progressivos, aparentemente parecem poucos, mas
não o são” (estivador, 55 anos). Primeiro com a cabotagem: no dia de semana o desconto fica
em 40% e nos domingos e feriados ficou 90%, sobre o valor bruto. Soma-se a isso, uma
segunda faina, porque temos que ter em vista que “muitas vezes existem múltiplas equipes em
atividades paralelas e mesmo dois navios operando consecutivamente”.
Para o trabalhador, chegamos ao ponto de que: “soma aqui comigo dia de semana 10%
+ 11% de INSS + 6,5% de Contribuição Sindical (são 10% descontados mas 3,5% volta no
mesmo mês), se atingirmos uma remuneração boa vem o LEÃO + 27% de IR, somando tudo
isso chegamos a um valor de 54,5%”. Esse é o valor contabilizado para terno, que se soma
mais a produção do mês e descontos que dá nesse valor.
Assim, ele prossegue:
então, o contêiner é o que mais bota a gente pra trabalhar, mas é o que tem mais
concorrência né. Mas daí tem os outros dias que se somar vão te puxar pra esse
valor. Por exemplo, Dia de semana 40% + 11% de INSS + 6,5% de Contribuição
Sindical (são 10% descontados, mas 3,5% volta no mesmo mês), se atingirmos uma
remuneração boa vem o LEÃO + 27% de IR somando tudo isso chegamos a um
valor de 84,5%. Com Domingos e Feriados 90% + 11% de INSS + 6,5% de
Contribuição Sindical (são 10% descontados, mas 3,5% volta no mesmo mês), se
atingirmos uma remuneração boa vem o LEÃO + 27% de IR somando tudo isso
chegamos a um valor de 134,5%,
O momento que esse estivador relatou, foi marcadamente exasperador para toda a
classe de estivadores porque “não queríamos dar esse desconto”. “Essa conta aí eu penso tanto
na gente, como estivadores, mas também com os conferentes, que estão nessa briga para
garantir seu direito de trabalho e seus salários”. “Se dá desconto para um, eles[empresários]
vão querer de outro também, é sempre assim” (conferente, 36 anos).
Um estivador diz (55 anos): se não aceitássemos o desconto seria feita a contratação,
e se aceitássemos não o faria. A prova disto está na Cláusula 8º onde trata sobre o vínculo
empregatício do Acordo Coletivo”.
A ameaça de contratação de trabalhadores por fora do OGMO era uma grande
questão para os estivadores, que já tinham o quadro de trabalhadores reduzidos e com o
potencial de contratação também diminuído. O entrevistado (estivador 38 anos) diz “se não
me engano de 50 trabalhadores que teriam trabalho no porto privado, mas de que tipo? Eles
170
queriam tirar 50% sobre nosso trabalho com descontos de todo o tipo e o resto dos 232
estivadores ficariam literalmente a ver navios 66.
Portanto, para esses trabalhadores, nesse momento, os descontos que estavam sendo
dados estavam precarizando totalmente sua condição de vida. Como o estivador (55 anos)
expõe: “o desconto pode chegar até 90% dependendo do tipo de operação realizada, o que era
pra ser ao contrário. Assim, eles querem desconto de 50% no guincho, o que acaba com a
gente”.
Outro estivador, em seu blog pessoal (Estivadores Forever, 2017) comenta essa
situação de que os descontos já estavam afligindo muito os trabalhadores e de como eles
entendiam a proposta de reinvindicações para o terminal privado
Ele acrescenta o panorama das reivindicações entre as classes portuárias
é por isso que o trabalhador portuário de qualquer classe tem que apoiar os nossos
companheiros conferentes, e no futuro não ceder como sedemos, pois a única que
está ganhando com todo esse desconto é a APM, pois a mesma reajustou no dia 15
de Janeiro deste ano as suas tarifas, não repassando os desconto aos seus clientes, e
o discurso era o ao contrário, onde a APM vinha discursando para pedir o desconto
que nossos preços deveriam ser mais atrativos, mais competitivos com os demais
portos do Brasil, e a realidade foi outra (Estivadores Forever, 2017)
Portanto, podemos ver aqui como os trabalhadores estavam, até o momento desunidos,
mas agora construindo rapidamente pautas comuns de reinvindicação. As demandas e uma
lógica comum, em ritmos e estratégias que vieram a convergir materializaram-se nas pautas
dos sindicatos da estiva e capatazia. Essas demandas apontam como as relações entre porto
privado e trabalhadores avulsos estava tensionada e quais as soluções que se seguiram67
66
Hoje estão na ativa 150 trabalhadores, que somados aos afastados, doentes e vinculados alcança um patamar
de 200 trabalhadores.
67
E da proposta de uma ação necessariamente conjunta ao porto público
171
68
O ponto aqui é que foram oferecidas essas vagas aos registrados e não aos cadastrados. Portanto, não
dilapidando a lógica social do trabalho portuário.
69
Esse é o valor recebido para o ano de 2015. Em 2010 a média era de 1800 reais. Discutimos detalhadamente
como essa média esconde variações profundas nas rendas entre os que mais recém e os que menos recebem. Essa
relação se coloca no acesso ao trabalho, na posição do estivador em razão da idade e qualificação e, acima de
tudo, nas estratégias diversas de flexibilização do trabalho utilizadas pelos portos/ Ver: OGMO (2018)
172
ter isso bom, mas acho que as coisas estavam tão ruim, que a gente não viu no momento”
(estivador, 35 anos).
A proposta da Portonave é vantajosa e uma vitória a despeito da posição inicial
contrária dos estivadores. Segundo a intersindical, “vai de encontro a situação que se encontra
os trabalhadores da Portonave antes de iniciarem a ação no Ministério Público, com mais de
500 trabalhadores já treinados, os quais não deveriam ser excluídos”, ao contrário da proposta
da estiva. Por conta de mais de 500 trabalhadores terem sido já contratados, a intersindical,
em nome de todos os outros sindicatos do portuários, diz “que o acordo tinha poucas chances
de avançar” (intersindical oficio 029/2007, p.2).
Além disso, acrescenta que os trabalhadores não iriam conseguir avançar com
qualquer acordo de total isonomia entre os portos, mesmo a Portonave estando localizada no
porto organizado. Não haveria um eficaz acordo e bom para todos “porque os sindicatos não
têm representação junto ao MTE abrangendo o município de Navegantes” (intersindical oficio
029/2007, p.3).
Ainda segundo a intersindical: “portanto, aceitar o acordo é bom para todos por que
tem-se um padrão comum, e não uma prática que quebra o sindicato avulso” (intersindical
oficio 029/2007, p.3). Ela explora ainda a acusação da estiva de que as Federações dos
avulsos interviriam “de maneira equivocada, sem respeitar a base”. Essa acusação pela
Intersindical “não procede” (intersindical oficio 029/2007, p.3). Um estivador nos relata: “é o
seguinte, a Federação veio e ficou os 30 dias de negociação depois foi embora no auge das
negociações. Daí o pessoal ficou mordido” (estivador, 50 anos).
De todo modo, podemos ver como a ação de cunho mais espontâneo dos estivadores,
no entendimento de um dirigente sindical, para as negociações no ano de 2016 “prometem
porque já faz um bom tempo que temos somente dado e sem retorno. Além disso, agora que
temos mais condições de barganhar com o porto acreditamos que uma média salarial
constante, e sem a pressão para a redução de trabalhadores tem ajudado a gente nas pautas
salarias” (sindicalista, 60 anos estivador).
Nesse sentido, em 2013, a pauta salarial é lançada, com uma demanda de reajuste em
7% para repor perdas com a inflação e regras para a contratação de conferentes com vínculo
empregatício. A maior reivindicação é a garantia de emprego para os 54 conferentes que
trabalham no local, em sistema de trabalho avulso, mediante requisição. "A APM quer contratar 24
conferentes. Queríamos que fosse tomada alguma atitude para garantir o emprego dos outros 30",
afirmou sindicalista (conferente, 50 anos).
173
[...] qualquer negociação deveria passar pelo conselho supervisor, que é um órgão da
Comissão Paritária do OGMO. Este é acima de todos no porto. Tudo que o porto
lança como alguma regra de trabalho passa por ele, que é composto por um
trabalhador, OGMO e patronal. Foi no conselho de supervisão que fizeram a análise
do meu cadastro para eu entrar como registrado.
Isso não quer dizer que nesse período os trabalhadores não tenham se unido para
responder a essa situação de ação flexibilização e subcontratação. Os outros sindicatos,
primeiro, sabiam que a estiva estava muito pior que eles em termos de chamadas para
trabalho. É essa situação que impediu que a estiva entrasse em acordo, porque seus cadastros
foram fechados, “[...] de 400 trabalhadores, hoje existe, 150, dos quais 100 estão na ativa 70.
Mesmo estes são uns 50 que pegam forte. Para os outros não tem trabalho” (estivador, 38
anos).
No oficio abaixo, os sindicatos portuários buscam solucionar, em conjunto, os
problemas enfrentados contra o dimensionamento arbitrário de trabalho ainda presente no
Porto de Itajaí, mas agora avançando para uma lógica coletiva de sindicato.
No dia 17 de fevereiro de 2016 todos os sindicatos portuários formularam um ofício,
“motivado pelo convite do sindicato da capatazia [...] que pleiteia a abertura de vagas devido ao
pouco quantitativo que possui e a nova função de transporte interno gerar muitas requisições
podendo chegar até 96 diárias e a falta de engajamento”. (Oficio n15, sindicato da capatazia, 2016)
Nele lemos que o sindicato pleiteia abertura de “vagas devido ao pouco quantitativo que
possui e a nova função de transporte interno gerar muitas requisições, chegando até 96 diárias”.
Aqui chamamos atenção para o fato de que a empresa ainda age no sentido de obstruir o mercado
de trabalho dos avulsos. E isso se deu, em parte pela inserção dos conferentes, até 2013, no
sindicato dos arrumadores/capatazia, que após esse período são separados novamente. Portanto
essa é uma entre as inúmeras vitórias que esses trabalhadores efetivaram a partir da legislação nº
12.815/13.
Agora, a questão das contratações fora do sindicato ficam mais difíceis de serem
sustentadas pelos empresários, em razão das alternativas que se abrem com o uso da
multifuncionalidade pelos próprios sindicatos e de como ela precisa ser negociada. Desse modo, a
chamada para o trabalho no sindicato da capatazia poderia vir ao caso de favorecer o sindicato dos
estivadores, que estiveram até esse momento em falta de trabalho.
A contrapartida exigida pela Justiça do Trabalho, enfatizamos a importância portanto
dessa instituição, segue na perspectiva do “Procurador do Trabalho e o Senhor Luiz Carlos
Rodrigues Ferreira [...] existe no sistema um número de trabalhadores portuários incluindo todas as
atividades que poderiam suprir estas requisições e que uma regra de assiduidade pactuadas entre os
sindicatos seria a melhor forma de resolver o impasse [...]” (intersindical oficio 029/2007). Fica
70
Chamamos a atenção que o ofício55/2011 emitido pela Intersindical, em nome dos portuários, não foi assinado
pela estiva o que sinaliza as animosidades entre os sindicatos que desejamos retratar nessa primeira fase de
ofensivas contra os trabalhadores no Porto de Itajaí.
175
Um novo entendimento entre os sindicatos surgiu com toda essa experiência de ação
direta e dos limites que a estrutura corporativista impõe aos sindicatos? Trazemos aqui um
balanço, de nossa experiência etnográfica em palestra que antecedeu a plenária nacional em
18 maio de 2016, sobre os desafios para a implantação de um modelo horizontal de
multifuncionalidade entre os sindicatos.
Essa situação é relevante porque, para um sindicalista da capatazia, “[...] a estiva
tem problemas em ser solidária”. Para esse sindicalista (40 anos, capatazia),
[...] a gente tem um problema que precisa sentar e resolver de maneira mais rápida
possível e junto com todos os sindicatos. Estamos com uma pressão em cima de
tabela e de desconto, e a gente não consegue juntos dar uma resposta para ela. Ela
vem minando o sindicato e no final vai ganhar em cima de nós porque estamos
desorganizados. A ideia é termos uma nova visão do trabalho portuário pra
responder a essa situação.
A resposta da FNP reitera o novo cenário de mobilização e como isso parte primeiro
da organização para renovação dos sindicatos.
Antigamente a gente perguntava: como ficou o terno? E ficamos com medo de falar:
aumentou diminuiu. Perdeu, né. Isso não importa muito hoje. Existe o que você
consegue fazer em cada base dentro da sua condição de força, conjuntura e de união.
O modelo de Vitória, por exemplo, é bem-sucedido e vocês têm se espelhado nisso,
não é? Não quer dizer que vai servir para vocês, mas existem alguns pontos que,
quando toca a negociação, o próprio termo já diz, vocês vão precisar encontrar o
melhor caminho para vocês. (Sindicalista, diretor da FNP)
Para um sindicalista da estiva de Vitória (40 anos), essa situação reflete uma
condição dos portos e do movimento sindical como um todo. Ele diz que
Vocês sabem o que aconteceu com Manaus né? Eles foram lá no porto organizado e
tiraram todos de lá. Acabou tudo. Agora é só trabalhador celetista. Acabou-se o
avulso, a instituição “trabalhador portuário de estiva”. Eles fizeram só acordo com
os conferentes. Pronto E a gente, uns dois, três anos antes disso tudo fomos lá e
dissemos: temos que trabalhar a qualidade da mão de obra. Ela é ruim em si mesma?
Não! Se não trabalhamos a qualidade de mão de obra vamos perder nosso mercado
de trabalho. Todos aqui desejam ter mais controle e autonomia sobre o processo de
trabalho, o que implica não somente ter mais poder, nem mesmo fazer a lei valer.
“Que estória é essa de “será que eu não tenho direito na hora do trabalho por lá e
pagar minha conta de luz. Você não tem esse direito não.
A resposta veio da plateia “Tá certo companheiro, isso é muito bom, mas não foi o
que aconteceu até agora aqui com a gente, né” (estivador, 38 anos, Itajaí). Ele continua: “[...]
a FNE foi lá e negociou em nosso nome com o Portonave”. Ouve-se reclamações no fundo do
auditório. O presidente da FNE discorda e reitera o porquê de ter feito isso, que foi um
consenso entre os sindicatos. Jesus, estivador famoso na cidade por sua eloquência e
militância, retorna triunfante ao palanque, que, ovacionado pelos colegas de trabalho, afirma,
178
Se Itajaí tiver sucesso, todo o Brasil ganha. Todos perdem, caso contrário. A
unidade é todos. Quando diminuiu terno aqui, vai ter problema lá em Imbituba, não
é companheiro? Eles fazem isso, negociam sabendo que abaixamos aqui o valor da
cota por trabalhadores. O navio é o mesmo. Vai refletir, sim, lá. Tem que ter a
Unidade nacional. Eu conheço todos aqui. Somos irmãos. Fizemos muita coisa
juntos.
[...] tem sindicato que pensa que melhora se negociar. Vou chamar a atenção para o
pessoal da capatazia que tá aqui. Vocês sabem o que tiveram eu enfrentar com o
porto incluindo clausulas que deixa de incluir a exclusividade. Ou seja, antes de ser
aprovado qualquer coisa, eles querem é que vocês aceitem o trabalho vinculado. Daí
depois alegam que não precisam respeitar a lei por que o trabalhador assim desejou.
Então, se agora temos mais direitos quanto a categoria de avulsos, mesmo no porto
privado a gente não sabe como vai ficar com a reforma trabalhista que está vindo.
Pessoal, vocês sabem que eles substituem o trabalhador avulso sem respeitar a lei.
Hoje, o TST condena a terceirização para a atividade fim. Mas esse assunto não tá
pacífico também. Até isso tá sendo questionado.
A crítica dele não é pessoal, lembra que a nova legislação demanda luta conjunta
para poderem manter a reserva de mercado, lembra também dos momentos de intensa pressão
que o sindicato sofrera em 2010, com a perda de inúmeros postos, que retratamos no episódio
da contratação ilegal de conferentes, no capitulo 3, no porto de Itajaí. O que o sindicalista
aponta é a necessidade de ir além, de responder ao empresariado a um momento de intensa
precarização. O sindicalista, líder da FNP, diz: [...] existem duas alternativas, manter-se preso
a luta no singular e confiar que o modelo de negociação irá responder as demandas do
empresariado. Ou rever o que cada sindicato pode contribuir com um acordo coletivo em
conjunto.
O que até esse momento os sindicalistas e trabalhadores entendem é que houve uma
saturação, um fim trágico de desrespeito ao trabalhador à deriva, sem alternativa a não ser
lutar, como dizem Galvão e Marcelino (2017, p. 85), em direção “[...] aos direitos já
179
conquistados, a agenda neoliberal dos anos 1990 voltou com força à cena política” numa nova
roupagem, com todo o aprendizado acumulado de práticas laborais e sindicais a favor dos
trabalhadores, sintetizando as orientações políticas e valores tão discrepantes quanto
peculiares a realidade de cada porto e cada sindicato desse setor.
Vemos nessa afirmação que a luta dos trabalhadores é no singular, com os interesses
de suas categorias postas entre a cruz e a espada da precarização do trabalho. Mas também
vemos aqui a força da estrutura corporativista que se faz valer nesse cenário, permitindo a
atualização das pautas, estratégias e representações sobre a defesa do trabalho (RODRIGUES,
2002).
Um dos debates é informado pela posição do sindicalista da estiva de Vitória, que
afirma o seguinte sobre a organização do trabalho portuário:
[...] homem certo no lugar certo. Realizar uma função é fundamental. É ela que dá
ritmo para outras atividades. Então, aconteceu de: “não tem empilhadeira, usou fora
do sindicato. Nada disso. Não pode outro trabalhador fazer. Então botamos aquele
trabalhador no sindicato. Não podia outro fazer nosso trabalho, a gente tinha que
fazer.
Como vemos nesse relato, o sindicalista dá o tom para muitas das disputas que
ocorreram entre os sindicatos e de alternativas vistas pelos mesmos.
Longe desse retrato, o que vimos nesse encontro é a necessidade de cooperar não de
qualquer maneira, mas que vá além dos limites até o momento tidos como tradicionais ou
dados pelo sindicalismo portuário. Como o ritmo e a adoção de formas flexíveis variam de
porto a porto, mas também dos ciclos produtivos e oscilações do mercado, com a Lei n o
12815/13 o patrão pode aplicar de forma mais constante a multifuncionalidade, que significa
trabalhadores que não se engajem de maneira voluntária, poderão ter sua vaga preenchida por
trabalhadores chamados de outros sindicatos.
Essa é a preocupação principal dos presidentes das Federações e líderes que
palestraram durante dois dias em Itajaí. Essa preocupação, mesmo com a nova legislação,
indica que se em portos, como em Itajaí, existe uma maior abertura para a ação contestatória,
em muitos isso não ocorre. Logo, vemos um esforço de todos os sindicatos e Federações dos
trabalhadores avulsos nessa direção.
Na palestra desse mesmo sindicalista, em maio de 2016, dias antes da Assembleia
Nacional dos portuários, vimos que as acusações se intensificaram entre os sindicatos, com os
terrestres acusando a estiva de resistência em cooperar de maneira mais horizontal. “Somente
25 trabalhadores da estiva querem fazer a multifuncional”, diz um sindicalista da capatazia
apontando o dedo para os sindicalistas da estiva de Itajaí. Ele continua:
180
[...] todos estavam sem emprego até recentemente, os mais prejudicados do porto de
Itajaí. Por que não querem apoiar a gente? Te digo: pra eles é conveniente. Não
precisam entrar em acordo com a gente por que perderam cadastro. Mas a situação
muda companheiros. Agora tá bom para eles. A gente tem que agir juntos. Temos
que fazer um programa de “multifuncionalidade democrática” e não de
multifuncionalidade do patrão.
[...] isso é um aprendizado, esse pessoal que vai fazer a multifuncionalidade é turma
nova, eles vão mudar pelo exemplo. Eles já fazem a multifuncionalidade, pensam e
agem diferente. Fazemos já experimentos de um novo sistema de rodizio, ele tem
dado certo. Mas só com o tempo e luta né vamos ter um resultado próximo do que o
movimento pede da gente.
[...] então, foi o que aconteceu com vocês. Eles antes agiam fora da lei. Agora, com
os portos privados concorrendo sem pegar do OGMO a situação pode ser boa, como
a da gente. Mas pode ser péssima. Lá eles. Não tinham equipe em Vitória. Pego do
Rio de Janeiro. Treinou. Pegou dois cabras que sabem bem. E colocou dentro do
sistema. Não pode o cara da estiva não fazer a operação dele.
O ponto fundamental de sua fala é que “[...] a partir daí começamos a fazer rodízio
de cada função especializada” e da abertura de cadastro entre os sindicatos favorecendo um
controle maior dos processos produtivos.
Seu argumento de que “[...] só entra naquele rodízio quem sabe fazer. Não sabe
fazer, não entra. Sem chance. Não embarca. Nosso câmbio é único, mas tem rodízio, de
181
[...] o sofrimento fez a gente buscar a qualidade. Por que literalmente estávamos
sendo jogados para fora do porto. 1) competência para executar 2) custo adequado.
Por que o avulso é efetivo. Lá é atividade intensiva em mão de obra. Aqui não por
conta do contêiner. Custo adequado, quando um porto é bom: quando ele tem 60%
de utilização e 40% de ociosidade. Pro navio chegar, descarregar e sair.
Vimos o seguinte, que essa situação permite a gente contribuir para a melhoria do
porto, mas também pressionar para melhores condições e sinalizar para os outros
sindicatos que nossa situação pode se manter estável para os próximos 5 anos. Essa
avaliação é o que vocês precisam aqui. Essa situação ideal, baseada na
produtividade/homem, esquece que além do berço temos o espaço para poder reter
esses contêineres.
É aqui que entra uma parte mais ampla das lutas sindicais, no sentido que Galvão
(2014) atribui a noção de virada cognitiva do campo sindical, que não são apreciadas porque
elas são de difícil amarração, mas que se colocam agora como indispensáveis no contexto de
nossa análise.
Logo, qual é o risco dos trabalhadores em não criar mecanismos de produção de uma
nova solidariedade nesse cenário? Para José (sindicalista, Vitória), “é não antecipar o
momento em que é viável para o empresário colocar o vínculo empregatício”. Os
trabalhadores deveriam ter controle sobre seu trabalho e isso teria um impacto direto na
intenção recorrente, segundo o sindicalista, de “dificultar as negociações ou entrar em práticas
ilegais”. A lição dele é de adaptarem as estruturas do trabalho e manter com unhas e dentes a
estrutura do sistema de rodizio, única certeza nesses tempos de privatização dos portos.
[...] se queremos um país que vai retomar o rumo das políticas privatistas que
marcaram a década de 1990, em que os projetos aplicados no Brasil estavam
subordinados a um pensamento dominante internacional, que colocava nações como
a brasileira em condição de dependência, em que não havia ênfase em programas
sociais de cunho estruturante e voltados para a inclusão social. Que não pensava em
desenvolvimento econômico, não priorizava boas condições trabalhistas e nem dava
atenção aos portos brasileiros, muito menos aos trabalhadores, que precisam agir em
conjunto.
convenção e acordos, o que tem prejudicado uma ação mais unificada em nível nacional”
(capatazia, 40 anos).
A pressão sobre a multifuncionalidade somado a questão da aposentadoria, afetaram
diretamente as expectativas sobre o destino de seus trabalhos. As disputas iniciaram-se, como
temos afirmado, porque afetara diretamente os interesses dos trabalhadores da capatazia 71.
Com a aprovação da Medida Provisória no 595/12 e de sua consequente promulgação
com a Lei no 12815/13, as Federações enfrentaram um novo cenário político. Aqui vemos
quais questões que o movimento sindical considerava pendentes antes da promulgação da
legislação 12.815/13:
1. do artigo 40 caput, não foi excluído o termo: “nos portos organizados”, não
obstante o nosso trabalho constante, principalmente junto ao Governo e a diversos
parlamentares pela aprovação da Emenda 115 (do Dep. Márcio França) que trata do
assunto (FENCCOVIB/FNP/FNE, 2013).
A discussão aqui é a noção de trabalho suplementar ainda nos marcos da antiga lei
8630/93, que confere ao operador portuário a possibilidade de uso arbitrário, fora do OGMO,
de trabalhadores terrestres.
Além da garantia de muitos direitos existentes na Lei no 8.630/93, consideram-se:
Pode-se notar nesse ponto como a luta nacional, mesmo fragmentada e em recuo,
conquistou legitimidade nos pleitos que definem a manutenção dos canais de representação do
71
Reiteramos que essa situação é variável, com portos onde a pressão sobre a mesma categoria tenha se dado
contra o porto público e Cia das Docas, com formas de flexibilização baseado na redução e contra a ampliação
da força de barganha da mesma, decorrente do aumento do contingente que surgiu com a crise dos mesmos
(MONIÉ; VIDAL, 2006).
186
7. Foi resolvida a eterna polêmica sobre prescrição quanto ao ingresso dos TPAs à
justiça, ao ficar fixada que ela é quinquenal e não bienal com vinha sendo decidido
pela maioria das instâncias da Justiça do Trabalho.
72
Além da consolidação do status de avulso, de direitos sociais e da determinação do caráter público do trabalho
dos TPAs em porto organizado, como veremos em seguida.
187
[...] está aqui o presidente do meu sindicato. Eu sou do sindicato da estiva, entrei em
1994, e vi ele definhar desde então. Não só da estiva. Não tem unicidade. Está aqui o
presidente do sindicato do bloco, do arrumador, dos consertadores, conferentes. Tá
todo mundo aqui. Fecha a convenção aqui, então. O patrão vai quebrar a cara, achas
que eles querem isso? É básico, é desde o império romano, é dividir para conquistar
(estivador-advogado, 40 anos).
A estiva é muito forte no WhatsApp, mas para exercer os direitos nada. [Aplausos e
risos]. No fundo da plateia um sindicalista da estiva de Vitória berra, isso mesmo
lutar é cair no pau [Todos aplaudem]. Então eu chamei a turma para ir lá do outro
lado do rio e a gente parar o terminal. Nada. Assim, acho que falo por todos que
aquele que não exerce os direitos não é digno de tê-los. Quem não luta pelo futuro
que quer tem que aceitar o futuro que vier. Faltou luta.
[...] uma coisa são as questões internas do sindicato. Tem que ter cuidado, porque
não dá para misturar com nosso tópico central. Não dá para discutir sobre o que não
tínhamos, não tinha acordo, a ação é do Ministério Público junto com a Portonave
[porto privado que retirou metade das cargas da cidade por 7 anos consecutivos], nós
vamos para onde? Estava “em cima do laço”, no limite. Se eu não tivesse assinado
não estaríamos discutindo isso, não.
[...] infelizmente temos que retroceder, temos que voltar para o tempo da caverna. É
porrada. E convido para que a Federação se aproxime da Paranaguá. Porque se
falamos eles acham que estamos fazendo política. Tem que trazer o remédio dor,
mas se ele é amargo, na frente vai ser melhor.
189
O sindicalista avança, dando uma indireta à situação de que eles não terem feito o
suficiente para os trabalhadores de Itajaí:
Essa situação tem que ser lembrada pessoal, porque a CLT define questões mínimas:
jornadas, férias, ela define questões mínimas... e quando eles falam que é sempre a
partir disso, porque você faz negociação para avançar e não retroagir, daí se eles
falam que o negociado tem que ter preferência sobre o legislado. Daí o companheiro
não pode ir lá e negociar com o patrão, falar que a estiva, a capatazia vai dar
desconto, daí a gente tem isso que vocês tão vendo.
O contexto dessa fala reflete uma mudança do perfil do sindicalismo, que Ladosky e
Rodrigues (2015) consideram uma virada na orientação das lutas políticas das entidades
representativas desse campo. De um lado, o consenso promovido entre as Federações sobre
esses novos temas que surgiram na pauta sindical, a despeito de suas filiações políticas,
manteve a defesa dos seus associados em nível nacional, centralizando suas atuações nos
redutos com maior representatividade.
No entanto, com Galvão, Trópia e Marcelino (2013), vemos que em nenhuma central
há uma posição hegemônica contra a unicidade sindical e o fim das contribuições
compulsórias. O apoio unanime à unicidade e ao imposto sindical sugerem às autoras que os
esforços realizados até este momento sejam no sentido de adaptação da ação sindical à
estrutura oficial, e não do seu rompimento.
Uma explicação que, colocada sob o contexto das lutas políticas intersindicais e
governo, refere-se ao apoio da CUT - dominante desse campo, a posição de conciliação do
governo com o capital. Este fato corroborou com a imagem de que haveria uma necessidade
de se contemplar uma “[...] maior mobilização dos trabalhadores na defesa de suas demandas
e, principalmente, deixou de lado uma atividade mais voltada à organização dos trabalhadores
nos locais de trabalho” (LADOWSKY; RODRIGUES, 2015, p. 55). À pergunta dos autores
sobre a possível perda do protagonismo nas ruas sugerimos a ideia de que a resistência
promovida nos moldes do sindicalismo conhecido foi suficiente no contexto de desmonte de
diretos dentro dos portos porque, como vimos ela se adaptou a esse novo contexto. Esse é o
grande ponto de investida do sindicalismo portuário regional pós-Legislação no 12.815/13.
A fala de um sindicalista da FNP corrobora com essa ideia ao afirmar que “[...] o
predomínio do negociado em detrimento até mesmo da legislação de 1993 foi o que aconteceu
até a 12815/13”. Aqui, sua análise é situada no pano de fundo de que
[...] essa situação foi ruim porque o problema de cada um foi resolvido como:
Justiça né. Adiantou? Não, com o nosso pleito com os portos privados, né.
Apresentamos um caminho. Eles aqui são uma coisa, porque pegou o porto
organizado. Mas ele é outra em outros lugares, né, povo.
O ponto final do presidente da FNP é interessante porque ele reafirma que a unidade
não foi perdida:
[...] a aliança entre os sindicatos foi indispensável, a frente aconteceu forte entre
vocês mesmos porque se aqui a estiva melhorou um pouco, recentemente, foi a luta
deles com os irmãos. Foi a estiva de Itajaí amparando o pessoal de Imbituba, foi
Vitória dando apoio para a gestão do trabalho e responder aos desafios impostos
pelos armadores.
Esse cenário nos permitiu – por toda a tese - explorar a ideia de que num contexto de
crescimento econômico, como o verificado até 2013, a proximidade entre a cúpula do
movimento sindical e o governo inibiu o confronto sistemático dos interesses das
organizações sindicais e dos trabalhadores por elas representados.
Isso não significou que houve uma perda de protagonismo, já que as frentes que o
sindicalismo enfrentara eram em três âmbitos: desenvolvimentista, renda e social. Vimos
detalhadamente os dois últimos âmbitos neste capítulo. Quanto a dimensão
desenvolvimentista, ela é especialmente enfatizada no que toca um plano programático de
ação sindical, da pactuação com a burguesia e o aprofundamento de uma agenda neoliberal
em termos de pagamento de dívida, o que aprofundou os conflitos com as frações contrárias à
CUT.
Essa situação permite-nos, a partir de a Galvão e Marcelino (2017) defender uma
virada cognitiva no plano sindical, no sentido de uma espécie de intervalo da ação mais
combativa e de seu retorno com a sustentação de estruturas corporativistas adaptadas a
realidade de privatização dos portos.
191
Essa situação nos ajuda a entender como os conflitos que surgem da política
desenvolvimentista estatal e de pacto de uma burguesia produtivista se dissolveu. E nesse
rastro dissipou-se as promessas de inclusão de trabalhadores que viam-se, ao menos
momentaneamente, contemplados com uma política de abertura dos portos e aumento de suas
rendas.
Esse caldo de crise política que marca os anos desde 2013 explica o acirramento do
conflito distributivo que fortaleceu a oposição ao governo e as críticas às políticas socialmente
progressistas por ele implementadas, como de um retorno das pautas críticas ao
neoliberalismo de 1990. No caso, a afinidade de interesses entre as vertentes políticas do
sindicalismo, que marca uma nova fase do sindicalismo nacional portuário, se dá em razão do
apoio da grande maioria do
[...] movimento sindical aos governos petistas; pela crescente participação das
centrais sindicais nas instituições estatais; por conquistas obtidas no plano
econômico; e pela retomada do ativismo grevista. As seis centrais sindicais
oficialmente reconhecidas, entre as quais as mais importantes são CUT e Força
Sindical (FS), apoiaram, até 2013, o governo de Dilma Rousseff. (GALVÃO;
MARCELINO, 2017, p. 87).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A proposta desta tese foi discutir a trajetória institucional das reformas que
acometeram nos portos brasileiros, com o estudo de caso do porto de Itajaí (SC). O exemplo
desse porto se destaca entre os diversos casos de precarização do trabalho e privatização dos
portos no país.
A reflexão inicialmente pautou-se pela análise da trajetória da reforma portuária nos
anos 1990 com o foco na primeira década dos anos 2000. Vimos como o Estado apresentou-se
como um ator protagonista para a indução de novas formas de regulação do mercado do
trabalho e fretes. Essa posição estatal mostrou-se num cenário de descentralização de suas
incumbências administrativas e executivas e da abertura comercial, o que demandou novos
entendimentos entre capital e trabalho.
O Estado se viu numa situação paradoxal: de um lado, buscou consolidar a natureza
monopolista do setor público. De outro, ao abrir esse mercado progressivamente se viu
emitindo novas legislações, no sentido de não restringir o potencial de investimentos para o
setor. Para que essa situação se prolongasse, fruto da desregulamentação do setor e dos
diversos problemas que acarretam em termos de coordenação das relações produtivas,
constatamos que o Estado buscou criar compensações, essas novas leis, para o empresariado
cooperar com essa agenda.
O protagonismo estatal, portanto, é marcado pela participação enquanto um dos
agentes que definiu uma área de disputas nesse espaço social. O prolongamento de novos
pareceres no campo do trabalho, com a demanda por direitos, respaldou na própria legislação
que regula os portos. Foi importante reconhecer que a relação com a propriedade portuária,
mesmo num contexto de privatização das estruturas públicas, foi marcada por contestações
que resultaram em respostas que inovaram nas relações do trabalho e na gestão dos portos.
Discutimos o impacto sobre as vias aquaviárias, com o caso da ocupação ilegal do
porto privado, Portonave. Sua ação de ocupação em terreno de porto organizado resultou em
penalizações econômicas ao porto público, uma vez que o não pagamento de taxas pelo
primeiro para a manutenção dessa infraestrutura atrasou consideravelmente a entrada de
novos navios em seu recinto. A ocupação ilegal desse espaço resultou também na ocupação
desordenada de áreas adjacentes às cidades de Itajaí e Navegantes e da contaminação de
mananciais e estuários.
194
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GLOSSÁRIO
Armadores: são pessoas físicas ou jurídicas que ofertam embarcações com fins comerciais,
pondo-a em condição de navegabilidade, isso é, dotam a embarcação de tripulação e de
equipamentos necessários à operação. O armador geralmente é o proprietário da embarcação.
Calado: profundidade em que cada navio está submerso na água. Tecnicamente é a distância
da lâmina de água até a quilha do navio.
Canal de acesso: Canal que liga o alto-mar com as instalações portuárias, podendo ser natural
ou artificial.