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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA

REFORMA PORTUÁRIA, TRABALHO E AÇÃO SINDICAL: O EXEMPLO DO


PORTO DE ITAJAÍ (SC) – 2000-2016

Gabriel de Souza Bozzano


Orientador: José Ricardo Ramalho

RIO DE JANEIRO
2019
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM SOCIOLOGIA E ANTROPOLOGIA

GABRIEL DE SOUZA BOZZANO

REFORMA PORTUÁRIA, TRABALHO E AÇÃO SINDICAL: O EXEMPLO DO


PORTO DE ITAJAÍ (SC) – 2000-2016

Tese de doutorado apresentada ao programa de


Pós-Graduação em Sociologia e Antropologia da
Universidade Federal do Rio de Janeiro como
requisito à obtenção do título de doutor em
Sociologia e Antropologia.

Orientador: José Ricardo Ramalho

RIO DE JANEIRO
2019
AGRADECIMENTOS

Agradeço ao apoio e amor de minha família.


Um grande e apertado agradecimento vai para o meu amor, que segue forte e infinito no meu
coração.
Ao apoio de meu orientador, José Ricardo Ramalho, por ter me aceito no núcleo de pesquisa
Desenvolvimento, Trabalho e Ambiente (DTA) da Universidade Federal do Rio de Janeiro e
por ter sinalizado um caminho possível para esta tese.
À banca de defesa, com Iram Jácome Rodrigues, Elina Pessanha, Rodrigo Salles Pereira dos
Santos e Raphael Jonathas da Costa Lima agradeço por terem aceito participar deste momento
e com suas contribuições indispensáveis para a correção desta tese. Do que resta de erros,
todos são meus evidentemente.
Por fim, agradeço a bolsa de pesquisa conferida pela CAPES, indispensável para o resultado
final materializado nesta tese.
Tudo que move é sagrado
E remove as montanhas
Com todo cuidado, meu amor
Enquanto a chama arder
Todo dia te ver passar
Tudo viver ao teu lado
Com o arco da promessa
No azul pintado pra durar
Amor de Índio, Beto Guedes
RESUMO

A proposta da tese é discutir o impacto de políticas públicas sobre o setor portuário brasileiro,
a partir de um ciclo de reformas iniciado nos anos 1993, tomando como exemplo o caso do
porto de Itajaí (SC). A partir da trajetória da reforma portuária a intenção é demostrar que
uma estrutura de oportunidade surgiu para os trabalhadores e sindicatos na medida em que
buscaram contestar os efeitos mais nocivos dos processos de privatização de infraestruturas e
superestruturas portuárias. Especificamente, mostramos a formação de alianças e a construção
de um processo de aprendizado para as autoridades locais, para os trabalhadores, sindicatos e
para o “Conselho de Autoridade Portuária”. Demostramos a Legislação no 8630/93 e de sua
revisão com a Legislação no 12815/2013 – com o intuito de realçar os acordos coletivos como
meio de legitimar os pleitos dos sindicatos –, permitiu uma contestação dos efeitos mais
nocivos da reforma portuária. Nesse processo, os sindicatos portuários precisaram de razões
para cooperar e propor novas formas de organizar seus trabalhos. A solidariedade e as
experiências acumuladas geraram novas propostas para o próprio processo de trabalho, do
lugar dos sindicatos na partilha e distribuição do trabalho, Em conclusão, a partir de
entrevistas semidiretas – com trabalhadores do setor portuário, autoridades locais do
complexo portuários, gerentes dos portos e comunidade portuária – demonstramos que os
avanços da reforma em Itajaí assumiram características particulares à realidade produtiva e
política, com novos elementos para o avanço da luta portuária.

Palavras-chave: Reforma portuária; Trabalho; Sindicalismo.


ABSTRACT

The thesis proposal is to discuss the impact of public policies on the Brazilian port sector,
starting from a cycle of reforms initiated in 1993, taking as an example the case of the port of
Itajaí (SC). From the trajectory of the port reform, the intention is to demonstrate that a
structure of opportunity emerged for workers and trade unions insofar as they sought to
challenge the most harmful effects of the privatization of infrastructures and port
superstructures. Specifically, we show the formation of alliances and the construction of a
learning process for the local authorities, for the workers, unions and for the "Port Authority
Council". We demonstrate that the understanding of Legislation no. 8630/93 and its revision
with Legislation no. 12815/2013 - in order to highlight collective agreements as a means of
legitimizing trade union litigation - to challenge the most damaging effects of the port reform
and the demands of rationalization of the port activity were only effected by the union
struggle and the alliances made with relevant personalities of the local economy and the
corporatist structural. In this process, port unions needed reasons to cooperate and propose
new ways of organizing their work. Solidarity and accumulated experiences have generated
new proposals for the labor process itself, the place of the unions in the sharing and
distribution of labor, as well as the place of the paramilitary structures that were created in the
development of the port struggles. In conclusion, based on semi-direct interviews with port
workers, local port authorities, port managers and the port community, we have demonstrated
that regional reform advances have taken on particular characteristics of productive reality, as
well as the political responses of their most damaging effects.

Keywords: Port reform; Labor; Trade unionism.


LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Porto de Itajai e terminal de Navegantes................................................. 31

Figura 2: Mapa de Santa Catarina e Porto de Itajaí.............................................. 32

Figura 3: Cais portuário........................................................................................ 82

Figura 4: Estivador em função de Portoló.............................................................. 86

Figura 5: Estivador em função de guindas............................................................. 86

Figura 6: Estivador em função de escorame ............................................................87

Figura 7: Estivador como motorista...................................................................... 87

Figura 8: Capatazia na empilhadeira...................................................................... 96

Figura 9: Capatazia na função de rendição............................................................. 96

Figura 10: Denúncia Sindicato dos Conferentes.................................................... 109

Figura 11: Denúncia Sindicato da Capatazia......................................................... 115

Figura 12: Termo de audiência............................................................................... 160


LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1: Desempenho portuário por tipo de carga (em toneladas) 2010-2015...........79

Gráfico 2: Força de Trabalho nos portos públicos e privados........................................105


.
Gráfico 2: Escolarização nos portos públicos em 2001..................................................119
LISTA DE TABELAS

Tabela1: Modelos de gestão portuária.................................................................... 51

Tabela2: Comparativo velha e nova legislação portuária....................................... 64

Tabela3: Movimentação de contêineres nos portos brasileiros .............................. 81

Tabela4: Evolução da movimentação de contêineres no complexo portuário


de Itajaí.................................................................................................................... 83

Tabela5: Taxa Automóvel (unidade)...................................................................... 90

Tabela6: Taxa Contêiner (Vazio, unidade)............................................................. 90

Tabela7: Taxa Contêiner (Cheio, unidade)............................................................. 90

Tabela8: Taxa Granel (tonelada)............................................................................ 90

Tabela9: Carga Geral (tonelada)............................................................................. 90

Tabela10: Taxa Congelado – Frango (Caixa)......................................................... 91

Tabela11: Descrição dos trabalhadores da............................................................. 91

Tabela12: Organização do trabalho de capatazia................................................... 93

Tabela13: Composição de terno............................................................................. 94

Tabela14: Média mínima exigida de produção no porto de Itajaí.......................... 103

Tabela15: Formação educacional dos portuários –edital 2004............................. 1180

Tabela16: Oferta de trabalho e o engajamento..................................................... 127

Tabela17 : Interessados na mudança de registro sindical...................................... 127

Tabela18: chamada e escala (ano 2008)................................................................. 127

Tabela19: chamada e escala (ano 2015)................................................................. 129

Tabela 20: construção de nova jurisprudência sobre os portos privados.................161

Tabela 21: nova legislação novos instrumentos de regulação da relação capital e


trabalho......................................................................................................................162
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABTP – Associação Brasileira de Terminais Portuários


AEI – Ação Empresarial Integrada
ANTAQ – Agência Nacional de Transportes Aquaviários
CADE – Conselho Administrativo de Defesa Econômica
CAP – Conselho de Autoridade Portuária
AEI – Ação Empresarial Integrada
CODESP – Companhia das Docas de São Paulo
DNTA – Departamento Nacional de Transportes Aquaviários
DNPN – Departamento Nacional de Portos e Navegação
DNPRC – Departamento Nacional de Portos, Rios e Canais
DNPVN – Departamento Nacional dos Portos e Vias Navegáveis
FENCCOVIB – Federação Nacional dos Conferentes e Consertadores de Carga e Descarga,
Vigias Portuários, Trabalhadores de Bloco, Arrumadores e Amarradores de
Navios nas Atividades Portuárias
FNP – Federação Nacional dos Portuários
FNE – Federação Nacional dos Estivadores
OGMO – Órgão de Gestão de Mão de Obra do Trabalho Portuário Avulso
SUNAMAM – Superintendência Nacional da Marinha Mercante
Syndarma – Sindicato Nacional das Empresas de Navegação Marítima
SUMÁRIO
.........................................................................................................................................................29
INTRODUÇAO...............................................................................................................................25
1. A REFORMA PORTUÁRIA EM QUESTÃO .......................................................................35
1.1 A trajetória dos portos antes das reformas estruturais neoliberais .........................................36
1.2 A Privatização dos portos no contexto de políticas neoliberais no Brasil ................................43
1.3 Privatização dos portos como problema sociológico ................................................................47
2. NOVAS E VELHAS FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PORTUÁRIO ....53
2.1. Trabalho portuário e privatização ......................................................................................53
2.2 Dimensionamento da força de trabalho: trabalho supletivo e multifuncionalidade ..........57
2.3 Os impasses na legislação 12830/13 sobre o conceito de multifuncionalidade ...................64
3. O PORTO DE ITAJAÍ ............................................................................................................75
3.1 Estrutura econômica e política do porto de Itajaí ..............................................................75
3.2 Os trabalhadores portuários avulsos de Itajaí: estivadores e capatazia ............................83
3.3 Trabalho portuário e sua atualidade: o porto de Itajaí ......................................................95
3.4. Flexibilização do trabalho no contexto da reforma portuária nos anos 2000 em Itajaí ..103
3.5. Novas formas de organização do trabalho e relações intersindicais no porto de Itajaí ...116
4. SINDICALISMO PORTUÁRIO E NOVAS ESTRATÉGIAS DE AÇÃO COLETIVA ....133
4.1. História do sindicalismo portuário ...................................................................................133
4.2. Sindicato na periferia do sistema nacional portuário .......................................................135
4.3. No início de tudo, coalização local contra a precarização do trabalho portuário avulso 139
4.4. A autoridade portuária em defesa dos trabalhadores e de sua autonomia contra o
governo federal .............................................................................................................................145
4.5. Um balanço da tormenta: portos públicos e coalização local para o desenvolvimento ...148
4.6. Direitos sociais e o trabalho portuário no contexto da reforma .......................................153
4.7. A ofensiva dos trabalhadores sobre o terminal privado Portonave .................................156
4.8. A luta avança sobre o terminal privado (Portonave) e retoma para o porto público (Porto
de Itajaí) ........................................................................................................................................165
5. UM BALANÇO PARCIAL DAS OFENSIVAS CONTRA OS TRABALHADORES E O
RETORNO DO SINDICALISMO COMBATIVO: A PRODUÇÃO DE NOVAS
HORIZONTALIDADES ..............................................................................................................176
5.1. A plenária nacional dos trabalhadores portuários de 2016: um breve balanço da ação
sindical em nível nacional. ............................................................................................................182
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................193
OUTRAS FONTES UTILIZADAS ..............................................................................................205
GLOSSÁRIO ................................................................................................................................207
ANEXO A - ROTEIRO DE ENTREVISTA ................................................................................209
25

INTRODUÇAO

A história do desenvolvimento portuário no Brasil é constituída de avanços e crises


que marcaram as tentativas do Estado de regular esse mercado. Contudo, a abertura desse
mercado aos investimentos em infraestruturas, bem como o barateamento dos fretes e da
qualificação de trabalhadores tem sido marcado mais por crises do que por avanços.
A precarização do trabalho, a ocupação desordenada de áreas portuárias públicas e a
volatilidade dos ciclos comercias - com armadores deslocando cargas para portos
concorrentes - são exemplos de uma situação nova, fruto da intensa privatização que se
acometeu nos portos brasileiros durante os anos 20001 (DIËGUEZ, 2014).
Exemplo marcante da política de privatização dos portos está nos desdobramentos
políticos e sociais que seguiram a implementação da legislação nº8.630/1993 e,
especialmente, nº12815/2013 que geraram problemas para a continuidade normal da vida
laboral, dos sindicatos e do governo local no Porto de Itajaí (SC).
Esta cidade, assim como muitas no Brasil, expandiu consideravelmente suas
atividades portuárias e em seguida entrou em crise econômica. Registramos que ocorreu em
Itajaí um exemplo de como a luta por trabalho e a manutenção dos investimentos na região
portuária iniciaram-se com a entrada de um terminal privado (Portonave) em espaço de
jurisdição do porto público, não aceitando sua obrigação prescrita por lei em contratar
trabalhadores do terminal público.
Somado a isso - pelo fato de não pagar as mesmas taxas que o porto público - seguiu-
se uma concorrência desenfreada do porto público com o porto privado, que retirou mais da
metade das cargas daquele porto. Essas disputas são fruto, portanto, da intensa privatização
dos portos como uma política adotada desde os governos de Lula e Dilma. Como resposta, os
atores envolvidos se mobilizaram no sentido de influenciar os esforços para promovê-la ou
interrompê-la em seus efeitos considerados mais nocivos.
Essas tendências atestam a relevância de refletir sobre o destino de diversos portos
em áreas consideradas como espaços recentemente consolidados, como os portos de Itajaí/SC,
Rio Grande/RS e Itapoá/SC que têm atraído considerável soma de investimentos para si e a

1
A título de comparação, os anos 1970 foram o período de melhor desempenho das frotas de navios mercantes
nacionais (SYNDARMA, 2016). Nesse período, a participação do frete oriundo de bandeiras brasileiras era de
52%, rapidamente decaindo para 17% nos anos 1980. Chama-nos atenção o valor que esse mercado gerava, no
patamar de 4,5 bilhões reais, deduzindo 1,5 bilhões do afretamento de bandeiras estrangeiras. Hoje, esse valor
está na casa de 150 milhões de reais.
26

sua microrregião, com infraestruturas adequadas ao armazenamento e translado de cargas


(ZILLI et al, 2016). Uma pergunta importante, que muitos analistas têm se debruçado é a
seguinte: o que faz um porto se manter relevante nesse contexto e estimular os armadores a
não optar por centros produtivos mais dinâmicos onde essas facilidades estão amplamente
disponíveis? (BONACHI; WILSON, 2007, MONIÉ; VIDAL, 2006).
A resposta a essa questão acreditamos poder ser explorada para além daquelas que
priorizam ora as pressões fiscais que se colocam sobre esses portos, ora sobre os grupos
econômicos que, de fato, têm levado inúmeros portos ao pódio dos mais disputados, bem
como ao seu completo fracasso.
Por isso justificamos o interesse do estudo do porto de Itajaí, que se posiciona, assim
como outros portos, sob um regime de concorrência, do qual Cano (2007) chama de
concorrência espúria. Neste regime, entidades nacionais têm estimulando uma relação
predatória por cargas, do qual Itajaí e Santa Catarina ativamente buscaram tirar proveito.
Somado a isso, as relações de produção e as dinâmicas de globalização alteraram o cenário do
qual capital e trabalho estavam acostumados. Desde então com o aumento dos navios, a
ameaça de quebra de contratos e a intensificação das apostas de portos em megaprojetos
intensificara a pretensão do governo em abocanhar fatias crescentes de dividendos produzidos
por portos à margem da dinâmica capitalista (MONIÉ; VIDAL, 2006).
Uma abordagem que contribui com esses estudos é da trajetória institucional da
reforma portuária, no sentido da formação de alianças e a construção de um processo de
aprendizado para os trabalhadores e para as autoridades locais através do “Conselho de
Autoridade Portuária” (CAP) e do “Órgão de Gestão da Mão de Obra Portuária” (OGMO2) –
entidades criadas pelo Estado com o objetivo de descentralizar os processos deliberativos e de
coordenação das atividades produtivas nos portos. A construção de espaços para a promoção
dos interesses dos trabalhadores advém daqueles órgãos, bem como o “Fórum Pacto de
Transição Negociada3”, as assembleias locais para discussão de problemas correntes no Porto
de Itajaí e a formação da Intersindical de Itajaí. Esses são objetos de nossa investigação, que
resultaram desse esforço coletivo em produzir respostas contra a privatização desenfreada em
curso nesse setor econômico.

2
Entidade criada com a Lei n o 8630/1993 com o objetivo de intermediar o trabalho prestado aos portos. É
encarregada de administrar o fornecimento da mão de obra do trabalhador portuário e do trabalhador portuário-
avulso, além de manter cadastro, promover o treinamento e a habilitação profissional do trabalhador portuário.
Rompe com o antigo domínio dos sindicatos sobre o mercado portuário.
3
Espaço criado no ano 2000 para a negociação entre trabalhadores, empresários e autoridade local para a
implementação da reforma e modernização portuária, leia-se, privatização.
27

Essa abordagem para os estudos da reforma portuária parte de uma atenção a posição
política dos atores, tanto os interessados na abertura desse mercado, como aqueles
interessados na sua preservação ou na contenção dessas reformas. Estas últimas estão
incorporadas pela legislação no sentido que Tilly (1991, p.101) atribui a uma seletividade nos
mecanismos de repressão que ela mesma institui. Para esse autor a legalidade importa muito
no sentido de nos apontar os custos que o Estado está preparado para aplicar na defesa de uma
agenda em detrimento de outra.
É nesse sentido que remetemos ao desenrolar da Lei n o 8.630 de 1993 durante os
anos 2000, vulgo “Lei de Modernização dos Portos”, que nos aponta para um enraizamento
das atribuições estatais na gestão da mão de obra e de controle do porto de Itajaí. As
estruturas de gestão foram descentralizadas em nível nacional, sendo transferidas para
entidades com alto ou relativo grau de autonomia nos processos decisórios locais
(COOLYER, 2007, p. 28). Além disso, os portos passaram a ser geridos por um regime de
concessão ou autorização visando a liberalização desse mercado.
Quanto ao trabalho, passou a ser gerido por uma entidade de intermediação entre
armadores4 e portos, o OGMO, com os trabalhadores aceitando ou não as ofertas de serviço
disponibilizadas. Além disso, os sindicatos não mais possuem o monopólio do trabalho, o que
tem sido agravado por conflitos com aquela entidade de intermediação da mão de obra
(DIEGUEZ, 2014). Nesse sentido, nosso trabalho enfatiza as ações de três grandes atores: o
Estado, os sindicatos (da Capatazia e dos Estivadores5, majoritariamente) e os trabalhadores.
O Estado é uma figura relevante para legitimar as respostas locais contra a
privatização em curso, as quais, por sua vez, passam pela discussão de como o interesse
estatal em intensificar as licitações a portos públicos e privados alterou a estrutura política do
mercado portuário (laboral e de fretes).
Para ilustrar essa dinâmica apontamos como, em Itajaí, essa experiência de
privatização do espaço do porto público acometeu-se sobre esses atores sociais. Primeiro, com
Doctor (2017), apontamos que a ação estatal, entre os anos de 1993 a 2000 manteve os
interesses empresariais, em nível nacional, com a liberalização dos mercados e acesso à renda
das concessões e autorizações para novos portos operarem. A partir dos anos 2000 – início da
segunda fase –, houve um movimento de descentralização e quebra da ação coletiva

4
Transportador da carga e dono do navio, geralmente funcionando em regime de alianças comerciais com outros
armadores, com o controle de rotas marítimas e, mais recentemente, de portos em mais de um território
produtivo. Ver: JANSEN, Lars (2017).
5
Ver Glossário no final desta tese.
28

empresarial, que se seguiu com a transferência das estruturas de regulação das relações
capital/trabalho para a escala local. Configuraram-se aí novas estratégias por parte do governo
federal para responder as demandas das subunidades por investimentos, que tem tensionando
as políticas locais de desenvolvimento (ARBIX, 2000).
Avançando para a primeira parte do período de nossa análise, dos anos 2000 até 2008
o porto público de Itajaí mobilizou os atores políticos e econômicos em fóruns e estruturas
estatais para o debate e a implementação de políticas de modernização, e na abertura de canais
de mediação como o Órgão de Gestão da Mão de Obra Portuária e Conselho da Autoridade
Portuária. Nesses espaços, constituiu-se uma crítica ao processo de intervenção do governo
federal sobre o porto, que acabou por conferir alguma margem de manobra contra a
ingerência do governo federal.
Nesse primeiro período, fruto da crítica engendrada nesses fóruns é a posição dos
trabalhadores de que são os empresários e os usuários que agem de maneira “desleal” porque
descumpriram a Legislação no 8630/1993. Estes, por sua vez, alegam nesse processo estarem
promovendo o desenvolvimento local. Assim, nos propusemos a analisar as primeiras
respostas contra a precarização do trabalho nesse período, e de como uma abertura na
legislação portuária a favor dos trabalhadores seguiu a luta destes por direitos.
Com a crise econômica mundial de 2008 e a entrada do porto privado (Portonave)
em jurisdição do porto público de Itajaí (APM terminals), os trabalhadores cada vez mais
tornaram-se críticos dos investimentos especulativos que atingiam sua cidade, tomando a
frente das lutas políticas nessa fase da reforma portuária. Assim, em que medida essas
dinâmicas de conflito em curso ajudaram ou obstaculizaram aos trabalhadores a promover
uma nova resposta a privatização dos portos públicos, com suas infraestruturas e
superestruturas6?
Visamos demostrar que eles precisaram se envolver nas lutas em curso, não somente
dando sentido a elas em razão dos sentimentos de injustiça, mas, como, em que momento e a
quem eles incorreram para avançar com suas demandas. Nesse processo, paradoxalmente,
demostramos que ao terem sucesso com seus objetivos os trabalhadores deram suporte às
pretensões estatais para a ampliação da reforma portuária.

6
Infraestrutura refere-se a todos os ativos portuários abaixo da linha do cais, como o próprio terreno, a área
navegável do porto. A superestrutura são os instrumentos de manipulação de cargas e maquinários, a gestão do
trabalho, armazéns.
29

Para a fase dos 2008 até 2016, trazemos com as figuras abaixo, primeiro o território
do porto organizado7, que compõe toda a área marítima exposta na figura até o entroncamento
do rio ao mar. Posteriormente a imagem do estado de SC para podermos compreender como o
município de Itajaí está situado. Essas imagens nos ajudam a visualizar o retrato do avanço
dos conflitos nos portos e do consequente tensionamento das expectativas dos atores sociais.
Em razão da ocupação ilegal do porto organizado, inúmeros trabalhadores perderam mercado
de trabalho e o porto público, renda com fuga de cargas e taxas não pagas para administração
dessas infraestruturas.

Figura 1: Porto de Itajaí e terminal de Navegantes

Porto de Itajaí e terminal de Navegantes 1

Fonte: Plano mestre porto de Itajaí (2015).

O Complexo Portuário do Itajaí (Porto de Itajaí e Porto de Navegantes) está


localizado a poucos quilômetros das rodovias BR 101 e BR 470. A posição geográfica o

7
Este conceito é uma figura jurídica que define a jurisdição dos portos públicos, do uso e dos custos associado a
manutenção de infraestrutura aquática pelos quais os navios passam, param, precisam pagar taxas e manusear
cargas de uma forma específica, com a contratação de trabalhadores sindicalizados. A ilegalidade desse ato de
ocupação fora contestada pelos atores locais e entidades federais como a ANTAQ no contexto da Legislação n o
8630/1993, revista com a a “Nova Lei dos Portos”, no 12830/2013.
30

coloca no centro da Região Sul, englobando, no raio de 600 quilômetros, as capitais de Santa
Catarina, Rio Grande do Sul, Paraná e São Paulo, que congrega 46% do PIB nacional. Essa
característica que transforma o complexo em um centro concentrador e distribuidor de cargas,
o que possibilita o atendimento dos mercados exportadores e importadores de 21 estados
brasileiros e Distrito Federal.

Figura 2 – Mapa de Santa Catarina e Porto de Itajaí

Fonte: PORTODEITAJAÍ (2018)

Essa situação de precarização se apresentou como pano de fundo da fase final da


campanha sindical em Itajaí, escondendo um laborioso trabalho de atribuição/rotulação do
porto privado como um fracasso das políticas públicas locais voltadas para o setor.
Registramos a relevância da análise das práticas laborais e sindicais nos portos e seus
desdobramentos nessa arena de disputas por direitos como uma resposta posta em marcha
contra o discurso comum dos gestores, mídia e empresariado contra os trabalhadores, que
seriam supostamente responsáveis pelo atraso e baixo desenvolvimento dos portos
(DOCTOR, 2017, p. 40),
De todo modo, os impactos da privatização no setor portuário se dão ainda hoje em
uma conjuntura bastante politizada das relações produtivas. Em nosso entendimento, essa
conjuntura trouxe bons elementos para um debate sobre o trabalho portuário, pois novas
alternativas se abriram para os trabalhadores e para os sindicatos do setor. Nos propomos no
segundo capitulo desta tese refletir sobre as mudanças e permanências na organização desse
31

trabalho ao nos perguntarmos: como foram as experiências dos trabalhadores vivendo em


condição de subemprego ou pressionados a adotar formas flexíveis de trabalho?
Nosso interesse é discutir como, nesse cenário de grandes revezes, os trabalhadores
tomaram partido por meio de um sindicalismo mais combativo frente às inconstâncias do
trabalho flexível nos portos, ao subemprego, a miséria e – especificamente - propuseram-se
entre eles mesmos novas formas de organização do trabalho.
Nosso olhar voltou-se para o último edital de chamada para cadastramento de
portuários de 2002-2004, de sua socialização para a vida portuária, das diferenças em
formação educacional e das oportunidades que se abriram a eles por razão de um capital
social já acumulado. Entrevistamos treze portuários que entraram por esse sistema, mais sete
trabalhadores anterior a esse edital.
Buscamos mostrar como a partir de uma dupla provação de seu valor - político e
empregatício - o trabalhador se mostra ator relevante para os processos de transformação em
curso. Do lado político agindo e pensando o porto em suas diversas dimensões e do lado da
dimensão empregatícia, a flexibilização do trabalho e a precarização resultante impulsionaram
muitos trabalhadores a arranjar um emprego fora do porto. Reconhecer e valorizar o
aprendizado e a tradição portuária permitiram revigorar o papel do sindicato combativo na
vida portuária. Além disso, como se trata de trabalhadores jovens, que foram demandados a se
qualificarem para terem acesso a trabalho, essa situação impeliu muitos a formarem suas
identidades com perfis laborais e profissionais próximos a suas idades e trajetórias de vida
marcados pela expulsão ou subemprego dos portos.
Esse caso nos permite abordar, na parte final desta tese, o tema do sindicalismo
portuário. A situação dos trabalhadores e os condicionantes locais de contestação da reforma
ampliaram o escopo de ação dos sindicatos que se propuseram a rever as práticas de
organização do trabalho, jornada e remuneração.
Essas respostas novas passaram, portanto, pela maneira como o movimento sindical
portuário se transformou frente as oportunidades especificas ao porto de Itajaí, ao atribuir a si
a incumbência de agir em múltiplas frentes, atuando em prol das necessidades cada vez mais
fragmentadas dos portos e dos trabalhadores portuários. Contudo, como desejamos demostrar,
se a função antiga dos sindicatos se perdera, não significa que o OGMO não desempenhara
suas funções às margens das intenções originais construídas nos fóruns locais, conferindo
poder de barganha aos trabalhadores.
O resultado esperado dessa constatação é avaliar como uma ação mais solidária entre
os sindicatos portuários dependeu do protagonismo inicial dos trabalhadores avulsos da
32

capatazia, antes sub-representados nos portos nacionais, e de como os mesmos desencadearam


uma leva de novas respostas para a produção de novas horizontalidade entre os sindicatos
portuários.
Especificamente, esperamos demonstrar que a entrada desses novos trabalhadores
incentivou uma postura sindical mais firme como modo de coibir a ação dos Operadores
Portuários (empresários portuários), que até 2009 viam-se relativamente desimpedidos de
explorar, via OGMO, os trabalhadores mediante expedientes escusos, ilegais e arbitrários com
a contratação por fora desse sistema (PACHECO, 2007, p. 41).
Nesse sentido, as diferenças entre o sistema de organização do trabalho demandado
pelo empresariado e os desafios da legislação mencionadas remetem a respostas dos
trabalhadores a favor do sistema de “rodízio” 8 e a instituição da “reserva de mercado de
trabalho” e de sua adaptação com as estruturas políticas locais.
A proposta de uma análise do movimento sindical a partir da perspectiva do
construtivismo estrutural (CORCUFF, 1991) é relevante por separar em dois momentos a
análise do objeto sindicalismo e da sua construção. Num primeiro movimento, temos os
sindicatos e o trabalho, com a análise dos significados atribuídos da base e da cúpula para a
defesa dos interesses desses trabalhadores nos anos de formação dos sindicatos nos anos
2000. Inspiramo-nos em Corcuff (1991) que a intensa heterogeneidade laboral, marca do
mundo do trabalho contemporâneo, pode esconder um processo de enraizamento
organizacional dos sindicatos. E com isso novos potenciais de transformação da luta operária.
Em Itajaí, isso nos direcionou a demostrar como os trabalhadores foram
protagonistas em apresentar uma agenda nova para o desenvolvimento local superando as
barreiras entre os sindicatos e as perdas acumuladas com o trabalho altamente precarizado até
então.
Nossa metodologia se baseou em entrevistas semidiretas, com roteiro
preestabelecido, entre os trabalhadores e os principais atores que marcaram o período de
implementação e transformações de políticas públicas, de sindicalistas sobre o movimento
sindical e as relações de produção portuárias (20 trabalhadores do setor portuário, cinco
autoridades locais do complexo portuários, dois gerentes dos portos e seis membros da
comunidade portuária).

8
Sistema de distribuição dos trabalhos disponíveis nos portos, baseado numa lógica sequencial – como uma fila
– dos trabalhos ofertados, os quais aqueles que ainda não tiveram acesso detêm a preferência. Contudo, existe
uma lógica complementar, baseado na qualificação e antiguidade que se demonstram ser altamente maleáveis às
mais intensivas reestruturações em curso atualmente.
33

Além disso, analisamos cartas, ofícios, relatórios, comunicados emitidos entre


diretores da autoridade de Itajaí e diversos órgãos associados ao Ministério do Transporte, ao
Conselho de Autoridade Portuária e as atas dos sindicatos. Vimos em entrevistas e na análise
dos ofícios da autoridade portuária como os atores do universo laboral e político local
acompanharam essa conjuntura, do surgimento oportuno para a luta sindical com o interesse
de avaliar os impactos no que se refere também à instituição “porto organizado”.
A divisão dos capítulos está estruturada em quatro partes, com suas subseções. No
primeiro capítulo revisamos a trajetória de modernização dos portos, a ideia predominante de
desenvolvimento associado aos mecanismos de representação e concentração das relações
capital e trabalho. Concluímos que a trajetória de desenvolvimento foi pautada por uma
modernização conservadora, que habita os trabalhadores a uma resposta a precarização
somente se eles avançarem com pautas mais horizontais de ação sindical e trabalho.
O segundo e terceiro capítulos tratam do processo de trabalho, suas transformações e
as primeiras respostas contra a flexibilização do trabalho. Discutimos como a Justiça do
Trabalho se apresentou como uma arena para os sindicatos avançarem com a luta por direitos
e como a resposta dos mesmos alterou substancialmente a condição de subserviência ao
capital desses sindicatos até o momento.
No capítulo 4 discutimos em três seções o movimento sindical nos anos 2000, as
propostas de ação sindical conjunta com o caso da contratação por fora do OGMO com o
terminal privado (Portonave). Fazemos, por fim, um apanhado dessa conjuntura e das
transformações do sindicalismo com a plenária dos trabalhadores avulsos de 2016 sobre sua
avaliação da realidade política e econômica dos portos e sindicatos no país.
34
35

1. A REFORMA PORTUÁRIA EM QUESTÃO

O setor portuário sofreu intensamente com as mudanças mais recentes da ordem


econômica e política. As transformações do capitalismo, internacionalização da produção de
bens e serviços, redefiniçao do papel do estado e reestruturação produtiva vêm intensificando
novas demandas aos portos.
Os portos dos anos 1950 adentram nessa nova era a partir das demandas crescentes
por unitização9 das cargas e do uso do contêiner, que implica em mais investimentos por
equipamentos capazes de manejar em tempo cada vez mais curto e cada vez mais destituído
da força física de trabalhadores. Aliado a isso, o controle dos sindicatos sobre o processo de
trabalho apresentou-se cada vez mais como um sinal de atraso para a adequação dos portos a
esse novo contexto político e econômico do capitalismo mundial (DIÉGUEZ, 2014).
Registramos que os portos no Brasil, de outro modo, transitaram sob a gestão pública
e privada dos portos, com o monopólio das mesmas atestado pelo Estado em caráter quase
permanente, como exemplo, a Companhia Docas de São Paulo. Da mesma forma que para os
trabalhadores, essa visão sobre o caráter público dos portos, desde o início dos anos 1990, foi
imensamente criticada, supostamente, por atrapalhar os investimentos e o desenvolvimento
nacional (DOCTOR, 2017).
Com esse cenário em vista, este capítulo visa discutir a trajetória institucional da
reforma portuária dos anos 2000 a 2016, tendo como pano de fundo os limites e o contexto da
reforma em sua primeira fase, iniciada com a implementação da Lei n o 8.630/93.
Essa situação nos estimula, para a seção seguinte, demonstrar o panorama sobre
como o Estado brasileiro implementou sua política de expansão dos portos antes da lei nº
8.630. Esperamos concluir desse debate que os avanços da política portuária nacional
implementada antes desse período, foram permitidos em razão de estruturas estatais e
políticas que interviram nas relações capital e trabalho, conduzindo os portos senão para uma
situação de pacificação, ao menos estabilidade e previsibilidade das relações produtivas e
sociais.

9
Sistema que garante a segurança e inviolabilidade da carga, com palletes, que substituem as cacas e caixas
soltas em compartimentos unitários e selados, ou mesmo com o contêiner, que facilita o estofamento diretamente
em fábricas dos produtos que nos portos são conferidos seus lacres e postos em posição de embarque em pontos
específicos nos navios.
36

Os anos posteriores a legislação nº 8.630 deverão ser vistos a partir do legado dessa
estrutura estatal e do esforço de agentes locais de dotarem alguns mecanismos de controle e
representação no sentido de coibir os efeitos mais nocivos que viriam com a intensa
privatização dos portos e precarização do trabalho com as políticas neoliberais adotadas para
esse setor (DIÉGUEZ, 2014).
De um lado, temos estruturas descentralizadas construídas com a legislação nº
8.630/1993 - no sentido de favorecer o processo de privatização, de outro, as mesmas
estruturas foram justificadas por favorecerem, supostamente, uma gestão local mais
democrática e responsiva à realidade dos portos. A referência ao passado dos portos nos é útil
para demonstrar que essas novas estruturas não destituíram completamente algumas das
incumbências estatais anteriores.
O passado se faz presente, especialmente, no modelo de gestão dos portos que
mantem ainda: a) as políticas de concessões e autorizações para operações portuárias como
prerrogativa da União, b) a indispensabilidade de trabalhadores portuários em jurisdição
pública – dentro do Porto Organizado – de serem contratados e conferidos preferência em
detrimento à iniciativa privada.
Nossa intenção é vermos na história o valor e a relevância das estruturas estatais e
corporativistas, para entendermos como elas se aplicam no contrapelo de um movimento atual
de intensa privatização nos portos, que tem transformado esses órgãos em mecanismos de
interesse estatal seja para pressionar os portos públicos a adotarem a mesma agenda neoliberal
de destituição de direitos, mas, também, para a privatização das estruturas públicas como
alavanca para uma nova onda de concessões que se deu nos anos 2000 (BARROS, 2016;
DIÉGUEZ, 2014).

1.1 A trajetória dos portos antes das reformas estruturais neoliberais

Foi com Getúlio Vargas que os portos entraram pela primeira vez em um plano
comum para investimentos e modernização. Através dos Decretos n o 24.447 e 24.511, de 22 e
29 de junho de 1934, respectivamente, temos a definição de “portos organizados” e a
definição de “Administração do Porto”, “Instalações Portuárias” e “serviços portuários”.
Os decretos que regulavam essas estruturas influíam diretamente na utilização das
instalações portuárias. O primeiro decreto, como mencionamos, com o parágrafo único, artigo
2o, estabelecia que “A ‘Administração do Porto’ pode ser dependência direta do Governo
37

Federal, ou de concessionário, ou arrendatário, a quem, por contrato é permitido que opere em


área de Porto Organizado” (CARVALHO; COSTA, 2015, p. 11).
Esse primeiro decreto atribuiu também competência ao Ministério da Viação e Obras
Públicas (MVOP) para obras de aparelhamento e melhoramento dos portos, além da
exploração comercial, o que era feito através do Departamento Nacional de Portos e
Navegação (DNPN) – que já havia sido regulamentado pelo Decreto no 23.067, de 11 de
agosto de 1933.
Em 31 de dezembro de 1943, o Decreto-Lei no 6.166, transformou o DNPN em
Departamento Nacional de Portos, Rios e Canais (DNPRC), mantendo-o sob a
responsabilidade do MVOP. Em 1946, sua competência foi ampliada, através do Decreto-Lei
no 8.904, de 24 de janeiro, para promover e instruir todas as questões relativas à construção e
exploração dos portos e das vias navegáveis. Em 1963, a Lei n o 4.213 alterou a denominação
do DNPRC para Departamento Nacional de Portos e Vias Navegáveis (DNPVN) e manteve a
possibilidade de portos organizados serem explorados por entidades autárquicas federais, por
sociedades de economia mista, por concessão e pelo DNPVN diretamente.
Em 1975, a Lei no 6.222, de 10 de julho, extinguiu o DNPVN e autorizou o Poder
Executivo a criar a Empresa de Portos do Brasil S.A., Portobras, vinculada ao Ministério dos
Transportes, que sucedeu ao MVOP. No caso do setor portuário os “[...] cálculos relativos à
remuneração da estiva eram feitos pela SUNAMAM, orginalmente Comissão de Marinha
Mercante (CNM), uma autarquia vinculada ao Ministério do Transporte criada em 1941” com
a função de disciplinar toda a navegação mercante e [relativo] a remuneração dos serviços da
estiva (TAVARES, 2001, p. 23). Portanto, o Estado administrava o salário de todos os
portuários até 1993 e regulava os investimentos no setor até a promulgação da Lei n o
8630/1993.
De um lado, conseguimos ver na instituição “Portos organizados” - estruturas criadas
no sentido de capacitar o Executivo em defendê-la e ampliá-la frente às políticas nacionais
vigentes e os interesses que se consolidavam visando o desenvolvimento do país. De outro,
temos a administração das estruturas portuárias inscrita nas estruturas políticas do
corporativismo.
Portanto, os portos no Brasil sempre transitaram entre a gestão pública e privada,
mas sempre demarcado o espaço que cabia a cada um, a cada tipo de estrutura concorrencial e
de seus limites. Poderemos ver em seguida como a expansão desse setor fazia parte de uma
política de regulação salarial, com as dinâmicas de concorrência que se iniciaram nesse
38

período sendo amplamente instrumentalizadas para a expansão de uma política nacional-


desenvolvimentista10 (SOUZA MARTINS, 1978).
Registramos que Itajaí sempre, em sua história, teve uma relação estreita com o rio
Itajaí-Açú. E o desenvolvimento da cidade está atrelado ao seu porto. As instalações que
deram origem ao atual porto de Itajaí foram iniciadas em 1944, por iniciativa do governo do
Estado de Santa Catarina. Este, por sua vez, realizaria, por conta do Governo Federal, as obras
nos canais de navegação. O Estado de Santa Catarina se obrigava a realizar a construção e o
aparelhamento os portos, incluindo o de São Francisco do Sul, para a ampliação ou o
complemento das instalações portuárias (GOULARTI, 2013, p. 30).
A contrapartida desses investimentos no Estado era de que o porto de São Francisco
fosse considerado prioritário, com a expectativa de que os fluxos de madeira estivessem em
seu ciclo final e com a possibilidade de expansão de fronteiras agrícolas nos idos de 1970. Já
o porto de Itajaí ficaria margem dessa política estadual, mantendo sua posição como porto
voltado para os setores da economia regional.
Remetemos a Zaven Boghossian, diretor do DNPVN em 1972, que recupera as fases
de concessão do porto organizado, do início do século XX e da experiência como gestor
público com a entrada da Portobras, nesse período:

[...] do liberalismo da primeira lei, que visava a atrair capitais privados para os
portos e afastar a administração pública de sua exploração, fomos caminhando
gradativamente para o controle direto do Governo Federal, passando por uma fase
intermediária de concessão aos Estados, que também fracassou. (COLLYER, 2007,
p. 34).

O período liberal refletiu uma concepção de regulação distante do período marcado


pela era “populista” e “autoritária” (SARTI, 1981). Nesse caso, os conflitos sobre o trabalho
se estenderam e transformaram a política para o setor em objeto de interesse das oligarquias
locais. Exemplo disso, em 1951, no Estado do Rio Grande do Sul, no porto de Porto Alegre,
podemos ilustrar como se deu a influência estatal sobre a regulação do mercado portuário.
Nesse caso, remetemos ao relatório da comissão mista formada por Estados Unidos e Brasil
(CPDOC-FGV, 2016), que considerou o porto de Rio Grande, no extremo Sul desse Estado,

10
O termo se refere a uma política de valorização do mercado interno e da industrialização baseada na
substituição de produtos estrangeiros por nacionais. Essa política trouxe impactos consideráveis aos governos
que se viram dependentes de capital internacional para arrolar seus projetos de desenvolvimento nacional e de
políticas salariais que, entre outras atribuições reforçavam um padrão dual dos trabalhadores, com a transferência
de recursos para os setores considerados modernos em detrimento de uma massa de trabalhadores destituídos de
direitos (SOUZA MARTINS, 1978).
39

como principal porto para as estratégias de exportação 11 em detrimento do porto da capital


desse estado brasileiro.
De um lado, se o governo não detinha tanto interesse no que toca à modernização
dos portos na periferia do sistema portuário, por outro, a sua expansão quantitativa em
detrimento de avanços qualitativos nas infraestruturas que o sustentam demostra que o
caminho ainda era de uma modernização conservadora (FALCÃO, 2008).
Esse tipo de desenvolvimento no porto de Porto Alegre se justifica porque ele foi
apresentado como “auxiliar”, mesmo a despeito de sua relevância econômica. Segundo esse
estudo, “[...] seria um grave erro, de consequências custosas, considerar Pelotas e Porto
Alegre portos independentes do porto do Rio Grande”, uma vez que o porto de Rio Grande
seria “[...] o único porto, naquela área que poderia, em bases econômicas, ser desenvolvido
para abrigar navios de longo curso, pois que Pelotas e Porto Alegre são e devem continuar
como portos terminais de trânsito” (FALCÃO, 2011, p. 60).
O que se viu foi um processo de transformação do porto da capital do Rio Grande
Sul para uma estrutura de navegação interior, perdendo seu protagonismo na economia
regional. Essa posição, nos idos dos anos de 1970, foi materializada a despeito de sua posição
econômica dominante.
Os planejadores estatais pretendiam criar alguns portos para desempenhar a função
de centros econômicos exportadores, privilegiando uma política setorial que acompanhava os
ciclos de commodities. O relatório ainda considerava de extrema importância o fato das
companhias de navegação europeias possuírem três linhas de navegação para o Rio Grande do
Sul, “[...] uma com terminal em Porto Alegre, outra tendo terminal em Buenos Aires, com
escala em Rio Grande, e uma terceira com ponte terminal em Asunción (Paraguai) com
escalas em Itajaí (SC) e Porto Alegre”. (RIO GRANDE DO SUL, 1961, p. 61).
Concluem, a despeito da intenção do governo em privilegiar Rio Grande em
detrimento de Porto Alegre, que “[...] a existência das linhas estrangeiras de navegação até
Porto Alegre mostram o que já havia sido frisado, de que a importância do centro econômico
é fator ponderável no estabelecimento de um porto” (RIO GRANDE DO SUL, 1961, p. 64). E
arrematam dizendo que, ao observar o tipo de carga movimentada nos dois portos, pode-se

11
Em 1951, pela Lei no 1561/51, foi criado o Departamento de Portos, Rios e Canais, uma autarquia estadual,
para fazer a exploração comercial dos portos, e cuidar administrativamente de todos os portos do Rio Grande do
Sul, unificando, em um órgão só, a dragagem e os serviços hidroviários.
40

perceber que, “[...] com raras exceções, esta provém (no sentido de exportação) de regiões
distintas, justamente a hinterland 12 de cada um deles” (RIO GRANDE DO SUL, 1961, p. 64).
Portanto, o governo federal não investia no porto nessa época nada além do que fora
estipulado num conjunto de macro investimentos associados às grandes rotas de escoamento,
para os principais centros produtores de commodities.
Essa perspectiva faz parte de um momento que foi o auge do modelo fordista de
acumulação e das experiências de planejamento portuário no País. Portos considerados até
então como economicamente viáveis foram descartados em razão dessa política, que precisou
assumir o desenvolvimento de alguns centros econômicos em detrimento de outros.
A lição que esse caso nos oferece é que a política de modernização conservadora
possui o atributo de colocar portos com maior envergadura (como Porto Alegre) no mesmo
status dos de portos de menor envergadura, como o de Itajaí para esse mesmo período.
A segunda lição que esse tipo de política nos traz é que o Estado foi indispensável
par dirimir os conflitos entre as classes sociais, mesmo que a centralização das decisões
passasse por regras que definiam – além das prioridades estratégicas elencadas, as relações
com a organização sindical e empresários.
Os desafios do sindicalismo, nesse período, estavam na defesa das conquistas já
acumuladas com as legislações dos anos 1960, que consolidavam o poder econômico e
político das categorias portuárias com a Constituinte de 1988 (SARTI, 1981). É por essa razão
que, em nosso entendimento, a Portobras surge como resposta à intensificação do sistema
corporativista no plano das lutas salariais. De um lado, perseguindo as lideranças que se
opunham a centralização das atividades portuárias; de outro, realizando “[...] atividades
relacionadas com a construção, administração e exploração dos portos e das vias navegáveis
interiores, exercendo a supervisão, orientação, coordenação, controle e fiscalização sobre tais
atividades” (TAVARES, 2001, p. 40).
Essa avaliação corrobora o papel das estruturas corporativistas, com o braço do lado
executivo na Portobras funcionando a todo o vapor com a ampliação de portos na periferia do
sistema portuário nacional.
Como observa nosso entrevistado (engenheiro, autoridade portuária, 60 anos) ,

[...] que nessa época, a responsabilidade que o governo estadual e federal passou a
ter dentro dessa configuração, pois o contrato de licenciamento para operar o porto
de Itajaí deu ao Estado a incumbência de administrar os portos organizados, ampliar

12
Área de influência de determinado porto, compondo um mercado cativo com custos de transporte e serviços
associados.
41

as instalações quando necessário, assegurar os direitos e deveres de empresários e


trabalhadores e cobrar a tarifas e taxas.

Segundo Collyer (2007, p. 10), a Portobras teve um papel importante para “[...] a
construção, e exploração dos portos e das vias navegáveis interiores e sua supervisão”. O
objetivo da criação da Portobras foi “[...] pulverizar a administração dos portos, que era
considerada demasiadamente centralizadora”.
Podemos ver como o Estado era um agente que buscava barganhar os diversos
interesses que conformavam esse setor. Conforme Goularti Filho (2013, p. 35), a situação
estava tão precária no porto de Itajaí “[...] que a Portobras fez uma proposta para o governo
estadual para que o porto [de São Francisco] fosse entregue à União. Seria criada uma
sociedade de economia mista, a Companhia Docas de Santa Catarina, para que os problemas
portuários fossem tratados com mais objetividade e pelo ponto de vista portuário”13.
Com a extinção da Portobras em 1988, a administração dos “Portos Organizados”
sofre nova transformação pelas políticas adotadas ao especificar o domínio estatal dos portos
em oposição aos portos privados. Nesse período de concentração das atribuições estatais –
alguns anos antes da Lei no 8.630, de 1993, que liberaliza esse mercado – vale reiterar que o
controle das atribuições públicas se dá como empresa de capital misto, com domínio do setor
público (99% das ações) sobre o privado.
Esse é o período que marca a transição para a administração do porto de Itajaí para a
Companhia Docas de São Paulo (CODESP), que, para Junior (2012, p. 6), contudo, “[...]
representou uma fase de estagnação da atividade portuária no município”. Quando o
Ministério dos Transportes descentralizou a gestão do porto ao Município de Itajaí, em 1995,
depois de cinco anos sob a jurisdição da Companhias Docas de São Paulo, para muitos esse
foi um período de incertezas quanto ao destino do porto naquela cidade.
Como desdobramento, houve pressão das autoridades locais sobre os processos de
gestão local e da demanda do empresariado em intensificar a exploração do entorno portuário,
gerando um novo olhar sobre os processos de descentralização portuária surgida nesse
período.

13
Mesmo que a intenção original com a criação da Portobras fosse de estimular o crescimento econômico, a
recessão e o déficit fiscal pelo qual passava o país projetava um elevado número de investimentos para o setor
financiados por empréstimos internacionais. A expectativa do governo federal era de que novos portos
dinamizassem os custos que se acarretavam com a distribuição de produtos no país (COLLYER, 2007, p. 24).
Podemos ver aqui que o Estado agiu deliberadamente como agente facilitador da privatização dos portos, mesmo
antes com a legislação 8.630/1993.
42

Para Junior (2012, p. 3), o papel do Estado centralizador foi marcado, inicialmente,
pelo distanciamento das necessidades do porto público. É esse distanciamento que, no
contexto da legislação 8.630/1993, a municipalização do porto de Itajaí, foi considerado pelos
analistas locais como um caminho para responder aos desafios que surgiram com a situação
de sucateamento do porto público. Assim, “[...] inconformados com a situação, as principais
lideranças empresariais, políticas e sindicais defenderam uma maior autonomia gerencial e
uma administração local” (JUNIOR apud HOFFMANN; SILVA; 2001, p. 73).
Para o engenheiro do porto de Itajaí entrevistado (60 anos), “[...] a lei vai dizer que a
exploração da atividade portuária é de competência da União, ou seja, o que ela pode delegar
e o que ela pode fazer são vistas sob esse olhar, o da soberania nacional e da evolução das
relações regionais e locais”. Para este diretor, a visibilidade da autoridade portuária nesse
contexto é um ganho para o desenvolvimento dos portos, porque com ela criou-se a
Autoridade Portuária, o Conselho de Autoridade Portuária, o OGMO. Portanto,

[...] nesse contexto apareceram novas personagens que não existiam antes, não
tinham autonomia: a autoridade portuária, que não existia antes. Esse é um conceito
mundial. Todos os países falam do conceito de port authority, dependendo do país,
dependendo de onde ela atua, ela pode estar mais ou menos presente. Por exemplo:
Nova York, cuida de porto, ferrovia, aeroporto. O que mais se falava no atentado de
11 de setembro era a port authority. Na Europa, também tem esse conceito, com
alguns países muito forte (Engenheiro, autoridade portuária, 55 anos).

Ainda de acordo com o entrevistado anterior (engenheiro, autoridade portuária, 60


anos), as competências locais da autoridade portuária antecedem a Lei n o 8630, de 1993 “[...]
na prática, porque os problemas sempre surgiam e a CODESP não tinha interesse nenhum de
nos ajudar. Tu achas que eles iriam se preocupar com a gente minúsculo, e Santos?”. Essas
práticas “[...] vêm sendo executadas ao longo dos anos”. Ele diz que com o governo de Collor
já havia “[...] algumas leis que permitiram dar mais visibilidade às competências da
autoridade portuária”. E o que ele viu foi que “[...] não dava mais para fazer investimentos
somente com recursos do governo, ou seja, recursos públicos, da União”.
Para nosso entrevistado, antes eram as administrações ligadas à Portobras “[...] que
seriam menos sujeitas aos “interesses estatais”, ou seja, tinha-se alguma autonomia, por outro
lado, existia também a Companhia das Docas que administrava portos como Espírito Santo,
São Paulo, Rio de Janeiro. Estas tinham “[...] também o papel de administrar os portos, mas
com a figura pública muito mais presente” (engenheiro, autoridade portuária, 60 anos).
Já o diretor da autoridade portuária de Itajaí, saudosista dos tempos da Lei no 8630
de 1993, agora suplantados pela Lei no 12860, de 2013, diz que, “[...] o que interessa são
43

controles autônomos dos processos de fiscalização, taxação e planejamento – sem a


interferência do que considero arbitrária o que está acontecendo hoje. Existe muita incerteza
do que podemos fazer”. (Autoridade portuária, 60 anos).
Retomando à fala da autoridade portuária, nosso entrevistado busca encontrar
paralelos com o período anterior à reforma e após ela. Ele aprofunda sua análise sobre como
entende a divisão espacial dos portos pelo país. “Olha, existe uma divisão entre portos
públicos vinculados diretamente à Companhia das Docas e os portos delegados, um com mais
participação estatal do que o outro” (engenheiro, autoridade portuária de Itajaí, engenheiro,
60). O entendimento desse e muitos entrevistados sugere-nos, paradoxalmente, que houve um
período de maior liberdade para a regulação local desse mercado.
Talvez essa situação se refere a uma memória onde a falta de interesse do governo
federal em promover a expansão do porto de Itajaí coincide com a atual baixa regulação que o
mesmo detém. Ou seja, a deriva, tendo que responder às ameaças que viriam com a
privatização dos portos dando a impressão de pouca autonomia sobre o que ocorre atualmente
para o porto de Itajaí. Essa situação, como buscamos demostrar nesta tese, tem trazido à
autoridade portuária de Itajaí inúmeros problemas de gestão a vida comunitária que ela tentou
responder.
Vimos nesta seção que as opções de desenvolvimento eram limitadas não somente do
ponto de vista econômico, mas político, visto que as pressões por liberalizações dos mercados
já sinalizavam para a contrapartida do Estado com os interesses particulares de cada
subunidade da Federação. O que arrefeceu esse ímpeto de privatização dos portos e da
coordenação das relações capital e trabalho, antes e ainda hoje são suas estruturas estatais e
corporativistas (RODRIGUES, 2002).

1.2 A Privatização dos portos no contexto de políticas neoliberais no Brasil

A reforma portuária, promulgada com a Lei no 8630, em 1993, foi capitaneada por
um empresariado com o propósito de implementar a abertura do mercado portuário e de suas
instituições. Ao fazer isso colocava-se também em debate o grau de concentração dos
44

interesses entre as classes e o próprio Estado – árbitro das disputas sociais e regulador
econômico nesse jogo de relações políticas 14 (DOCTOR, 2017, p. 40).
Portanto, o empresariado passou a assumir um tipo de discurso que atribuía
“excesso” de Estado onde o trabalhador e o sindicato foram colocados em primeiro plano
como responsáveis pelo atraso vigente. Conforme Jorge Gerdau, o líder da reforma portuária
no período, o “[...] corporativismo dos trabalhadores portuários” foi um dos motivos de
ataque por impedir o crescimento das atividades empresariais (DOCTOR, 2017, p. 150).
No meio dos anos 1990 já se sabia que o custo de manutenção das infraestruturas e
dos fretes pouco viria dos trabalhadores (BRASIL, 1995). Isso não impediu o empresariado
de insistir nesse discurso como o caminho mais fácil para a aprovação das políticas do setor.
Para Doctor (2017, p. 45), o discurso empresarial culpando os trabalhadores sobre o fracasso
dos portos foi a estratégia de mais sucesso com a clara intenção de “[...] evitar confrontação
com o Estado em uma conjuntura crítica para uma liberalização econômica e uma reforma
estrutural”. Ao atingir os trabalhadores, os empresários exploraram uma brecha na estrutura
do corporativismo portuário, o que lhes garantiria que os atores estatais não adotassem uma
posição defensiva contra os novos investimentos nos portos e os levassem a bloquear a
reforma (DOCTOR, 2017, p. 45).
Qualquer iniciativa contra a precarização e que parta dos trabalhadores, atualmente,
tem que reconhecer a penúria que essa classe continua a enfrentar. Muito desta se refere as
ofensivas promovidas pelos empresários que achavam que algo precisava ser feito para a
modernização das infraestruturas. Eles construíram um lobby para retratar os trabalhadores
como fonte de poder abusivo e questionava o monopólio da contratação pelos sindicatos.
Nesse processo, produziram relatos sobre os portos de Santos, Rio de Janeiro e Itajaí, os quais
revelavam maquinários obsoletos, acesso ruim aos portos, espaço e organização de áreas
adjacentes ineficientes e cais incompletos, pequenos ou danificados (GOULARTI FILHO,
2013).
Nesse contexto, a competitividade adquiriu um status de credo universal, uma
ideologia. Esse era o momento no qual os portos precisaram responder em termos da demanda
do empresariado para a internacionalização de empresas, expansão do comércio e mudança da

14
A base que sustenta esse discurso é o Estado, expressando sua evolução histórica numa carência “[...] de um
núcleo hegemônico e social, não podia senão conceber o interesse geral em termos amorfos, quanto a seus
contornos de classe, e acentuar o caráter nacional, popular, autônomo e autoritário da gestão estatal”
(ALMEIDA, 1975, p. 52).
45

própria estrutura produtiva que alterou a expectativa dos atores sociais para economia
nacional e global.
As pressões da globalização e da busca por competitividade, que agências
internacionais, com o apoio das Nações Unidas, impuseram a necessidade de um aprendizado
de melhores práticas para o setor; entre elas, a ideia de que os portos precisavam ser vistos
como parte de redes de distribuição internacional, incorporando as novas tendências da gestão
empresarial (ECLAC, 1990).
Podemos, com relativa segurança, afirmar que o contexto político e o imaginário
sobre os efeitos esperados com a reforma ainda reverberam nas atuais interpretações sobre o
papel do governo nos portos. Isso porque, como afirma um entrevistado, funcionário do porto
de Itajaí, “[...] não adianta nada ter uma boa indústria se não temos portos adequados”
(despachante, porto de Itajaí, 45 anos).
A extensão do aprofundamento da privatização como uma política para os portos
recobre toda essa postura posta agora sobre o projeto de desenvolvimento pautado pelos
governos de Lula e Dilma Rousseff, marcado pelo recuo do Estado e da transformação dos
portos em ativos financeiros. Estes seriam capazes de produzir lucro em ciclos cada vez mais
curtos de valorização, e que, dessa forma, poderiam supostamente oferecer ao país como
alternativa para a superação de seus problemas nos anos 2000.
Exemplo dessa política neoliberal está na ideia de que os Estados deveriam
desenvolver meios institucionais para converter vantagens competitivas “estáticas” – “[...] o
porto somente como escoador de produtos” (despachante, 45 anos) em “dinâmicas”: “porque
os operadores não tem nenhuma obrigação de manter seus contratos aqui em Itajaí, na
verdade, o que temos são milhares de operadores que compram e vendem de fora da cidade”
(despachante, 45 anos).
O resultado mais importante desse embate para o setor portuário, que amparou a luta
de todo o movimento sindical subsequente no Brasil e América Latina, foi a decisão dos
governos de se retirar da condução direta dos portos, transferindo parte significativa das
operações para o setor privado, e, por fim, deslocando a estrutura corporativista do nível
federal – definição de salários dos portuários era padronizada, decisões sobre
(des)investimentos era centralizada – para o nível regional ou local.
46

Essa situação condiz com a intensificação da abertura do mercado portuário, com


concessões e autorizações para novos portos, da entrada massiva de trabalhadores portuários 15
e de novas categorias de trabalhadores portuários antes sem representação, que se somaram a
um contexto de maior participação deles nos portos públicos e privados em nível regional e
local (TAVARES, 2001; DIEESE, 2011).
Os dilemas que acarretam com a abertura comercial para os portos ainda nos trazem
lições importantes, que para Doctor (2017) aponta para o fato de que, paradoxalmente, os
empresários esperavam mais Estado e não menos, ao contrário do apregoado por sua
ideologia. Esses mecanismos quando úteis para a incentivar a exportação, para a autora, não
eram criticados e mesmo retraíram-se da agenda em razão dos riscos e custos associados a
manutenção das estruturas portuárias. Exemplo disso, para Doctor (2017) está no fato de que
empresas menores, dependentes da estrutura pública portuária e que acamparam o discurso de
abertura dos portos estavam muito interessadas no “[...] crescimento de 48% das exportações
entre 1991-1995, mesmo sendo o período no qual sua participação no comércio internacional
caíra 83%” (DOCTOR, 2017, p. 47).
O que Doctor (2017, p.120) aponta é que algumas indústrias foram mais afetadas do
que outras. Nesse contexto, os dados produzidos foram direcionados para a consecução dos
interesses de algumas empresas, especialmente do grupo Gerdau. Esta capitaneou a reforma
portuária com análises sobre os custos dos portos que se referiam particularmente a sua
movimentação de cargas, o que “[...] colocou para cima os custos do trabalho sobre o total dos
fretes até então cobrados”16.
Portanto, essa pressão inicial por reforma nos idos dos anos 1990, com o andar dos
anos 2000, foi se agudizando e ganhando ímpeto. A sensação de ficar para trás aparecia na
fala do empresariado e autoridades estatais de Itajaí, justificando-se razões diversas para agir
em prol da reforma (GEIPO, ofício no 190). Em nível nacional, o Grupo Gerdau fundou a
15
Os terrestres entraram no jogo político das lutas sindicais, antes funcionários públicos da Companhia Docas,
que se finalizara em 1999, e somente em 2009 assume contornos mais nítidos quanto à legislação do trabalho,
que ainda os colocavam como categoria de suplentes dos estivadores.
16
Esse contexto não deixou de promover o acesso aos portos para um número maior de empresas, muitas ainda
incapazes de se internacionalizarem. O ponto essencial, aqui, é vermos que isso ocorreu porque os benefícios
públicos eram incluídos nas atividades portuárias. Demostraremos na parte final desta tese como a privatização
dos portos tem excluído as pequenas empresas em razão da intensa concorrência entre os portos durante os anos
2000. Para o período que analisamos agora, contudo, vimos que os pequenos e médios empresários entraram de
maneira direta no discurso dos grandes exportadores. Eles abandonam a coalizão pró-reforma por que viram
progressivamente que suas necessidades não se equivaliam em termos da incidência dos custos portuários. Em
síntese, tornaram-se massa de manobra para a composição da agenda de reforma, especialmente para os
exportadores de valor agregado como daqueles empresários capitaneados pela Gerdau (DIEGUEZ, 2014;
DOCTOR, 2017).
47

organização “Ação Empresária Integrada” para fazer lobby e apoiou-se na questão da


competitividade para forçar promotores das políticas, cidadãos e empresariado, a reavaliar as
experiências passadas em relação ao contexto da globalização (DOCTOR, 2017, p. 81-82).
Esse discurso foi tão potente no início dos anos 1990 que a pressão para que os
portos sejam os primeiros a entrar na lista de privatizações se realiza durante os governos de
Fernando Collor de Mello e Itamar franco. Não foi diferente a proposta de privatização e
concessões aos empresários pelo governo Lula e Dilma nos anos 2000. Após esse período,
discurso sobre a necessidade de modernização ganha mais força que a realidade produtiva e
econômica, com a variedade e especificidade dos portos nacionais postos em risco de
desmanche com suas instituições.
As situações que marcam o lobbying após a Lei no 8.630, de 1993, além de terem
sidos esvaziadas - após os interesses desses grupos econômicos terem sido parcialmente
satisfeitos -, tornaram as demandas do empresariado em geral, mais particularizadas.
Tornaram o efeito esperado da reforma em outra coisa diferente da sua intenção original, com
a falta de recursos governamentais para implementar as mudanças em seu formato original.
Com Fernando Collor estimulou-se fortemente a privatização dos portos no sentido
de desincumbir o governo da responsabilidade em investimentos e manutenção de suas
estruturas. Contudo, com Fernando Henrique Cardoso, a implementação das políticas para o
setor recuara devido à falta de recursos econômicos e das lutas políticas que se iniciaram com
os portuários pelo País (DOCTOR, 2017, p. 82).
Portanto, entender como o Estado buscou expandir essa importante infraestrutura e
seus componentes principais faz-se necessário.

1.3 Privatização dos portos como problema sociológico

A ideia de privatização dos portos apresenta-se como um conceito útil para


entendermos o que aconteceu com os portos desde a Lei nº 8.630/1993, que se aproxima das
intenções dos agentes que buscaram implementar um conjunto especifico de alterações no
sistema produtivo e no mercado de trabalho portuário.
A literatura geralmente caminha-se para duas alternativas sobre o conceito de
privatização que se acometeu nos portos. Primeiro como Oliveira (2000), entende-se como
privatização um processo de abertura para o mercado internacional e investidores desejosos
de ampliarem sua influência na condução das atividades portuárias. Esse processo, na visão
48

desse autor, é não problematizável e com poucos conflitos que não sejam resolvidos com a
gestão pública, no sentido de visível e passível de fiscalização pelos usuários desse sistema.
De outro lado, a privatização é entendida, juntamente com Diéguez (2014) e
Goldenberg (2009), como uma relação com a propriedade, as instituições que a regulam,
incorporadas em legislações e no Estado. Haveria aqui movimentos de preservação, de lutas
contra a venda completa dos ativos portuários, de suas infraestruturas aquaviárias e terrestres,
de seus equipamentos e dos trabalhadores que vivem destes e nestes espaços.
Para Diéguez (2014), existe uma seletividade das políticas de privatização em curso,
com muito mais das mesmas avaliações, por exemplo, de relações ultrapassadas, com
equipamentos obsoletos e trabalhadores privilegiados que precisam ser integrados a economia
mundial. É nesse sentido, que a seletividade que essas leis produzem tem um impacto
relevante para as políticas sucateamento dos portos. Porque ao ganhar força esse discurso por
todo os anos 1990 e nos anos 2000, o governo se permitiu avançar com licitações ou
autorizações, para a operação em portos público-privados, que alteraram o entendimento
vigente sobre o papel dos portos. Como observam Monié e Vidal, nosso mercado de
commodities teve uma

Perda, parcial ou total, de suas funções comerciais tradicionais que se traduziram,


por exemplo, pela degradação das áreas portuárias, cuja representação é cada vez
mais negativa na sociedade devido tanto à sua associação sistemática aos problemas
de insegurança, prostituição, engarrafamentos ou poluição ambiental quanto a
estigmas e preconceitos (MONIÉ; VIDAL, 2006, p. 980).

Aqui o autor descreve que a inserção da produção nacional no mercado internacional


e a expansão do domínio do capital privado no mercado produtor brasileiro transformou-os de
simples ponto de passagem da produção de commodities para serem vistos pelos investidores
como obstáculos à ampliação da ação do capital nacional. Logo, um problema para quem
assumia o projeto neoliberal e o pacto com a mundialização do capital.o
Para Dieguez (2014) o discurso adotado desde o governo Collor de Mello foi de
colocar a necessidade de modernizar os portos como liberalização desse mercado. O efeito
dessa postura foi de obscurecer o processo de privatização das áreas portuárias e também da
mão de obra que, aos poucos, foi tomando uma forma cada vez mais precária (DIÉGUEZ,
2014). Esta nova postura do Estado e os interesses dos empresários caminhariam juntos, rumo
a reconfiguração dos portos. Formou-se um caldo de opinião contrário os portos. E para isso
dar certo precisaram estabelecer um pacto visando desregulamentar as regras anteriores.
Houve transformações que vieram com essa política neoliberal. Segundo Diéguez
(2014, p. 50),
49

estabeleceu-se um novo marco para o setor portuário, marco este repleto do ideário
neoliberal, com autorizações para concessão de áreas públicas à iniciativa privada,
saída do Estado da posição de operador portuário e, principalmente, o fim do
monopólio dos sindicatos sobre a gestão da mão de obra. Inúmeros artigos da
Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), os quais regulamentavam o trabalho de
estiva, foram revogados com a nova lei. Concluía-se assim um ciclo de 60 anos de
um modelo regido pelos trabalhadores para iniciar o ciclo de um modelo gerido,
comandado e arbitrado pelo capital. Após décadas de resistência, a força de trabalho
portuária era, conforme desejavam os empresários, finalmente privatizada

O resultado foi a exclusão dos trabalhadores dessa discussão e da imposição das


regras aos mesmos, que deveriam superar o entrave causado pelos sindicatos. A contratação
de trabalhadores deveria ser também privatizada (BARROS, 2017).
É nesse sentido que a liberalização econômica e as pressões da globalização
alteraram o modelo anterior de gestão, denominados modelos de “portos de serviço” dirigidos
pelo setor público, e agora trocados pelo modelo de “portos de arrendamento”, de recursos de
propriedade estatal ou de terminais (termo que indica estar a empresa localizada fora do porto
organizado) que são autorizados a operar por empresas privadas.
Na tabela abaixo, percebemos a evolução do sistema portuário. Primeiro, entendemos
que parte considerável dos portos no mundo trabalhou com modelos Service Port ou Tool
Port. Os demais modelos começaram a ser adotados a partir dos processos de privatização. É
por conta desses modelos que adotamos o conceito de privatização portuária, que precisamos
aqui fazer uma breve discussão.

Tabela1: Modelos de gestão portuária

Private Fully
Service LandLord
Variáveis Tool Port Landlord Privatezed
Port Port
Port Port
Investimento Público Público Público Privado Privado
em
infraestrutura
Portuária
Investimento Público Público Privado Privado Privado
em
Superestrutur
a
Operação Público Privado Privado Privado Privado
Portuária
Administraçã Público Público Público Privado Privado
o do Porto
Propriedade Público Público Público Público Privado
da Terra e
50

Ativo

Gestão da Público Público Privado Privado Privado


Mão de Obra
Fonte: Goldenberg (2009)

Exceto no modelo Fully Privatized Port, os portos não são vendidos totalmente ao
setor privado, exemplos são os portos no Reino Unido e na Nova Zelândia, trabalhando com
sistema de concessões de áreas portuárias e de operações portuárias ao setor privado. Esse
modelo nos ensina que os resultados em termos de uma política nacional integrada são
altamente prejudicados, visto que os portos se encontram totalmente nas mãos do capital
privado (TURNBULL, 2012).
Todavia, observa Diéguez (2014, p.83), os outros modelos “nos mostram uma
crescente participação do capital privado na gestão, operação e investimento portuário, com o
uso privado da terra e das instalações portuárias e também da ampliação do domínio do
capital sobre a gestão do trabalho”.
No modelo Service Port a gestão da mão de obra é feita pelo setor público. Nos
demais, a gestão é do setor privado, mas isso não significa que a sempre seja a serviço do
capital, podendo ser realizada em parceria entre capital e trabalho (TURNBULL, 2012). O
modelo Tool Port tem pequena diferença em relação ao modelo Service Port, apresentando
um avanço em direção à entrada da iniciativa privada nos portos.
No Brasil procurou-se estabelecer um modelo que associa comercialização e
corporativização, que tem por modelo Landlord Port (DIÉGUEZ, 2014). Este modelo foi
proposto pela Lei nº 8.630/93 e adotava a descentralização das decisões sobre os portos,
criando os Conselhos de Autoridade Portuária (CAPS), formados por agentes do próprio
porto, como membros do poder executivo local, usuários dos portos, trabalhadores e outros
agentes do setor. A existência dos CAPS permitiu que algum poder decisório ficasse em
âmbito privado. Nesse sentido, o Poder Público mantém o controle da administração
portuária, mas esta é transformada em empresa de economia mista, financeira e legalmente
independente, transferindo os investimentos na superestrutura17.
Até esse momento esses modelos nos ajudam a entender que “em países onde os
sindicatos possuem grande força e poder em torno da gestão da mão de obra, o principal

17
Os investimentos são: maquinaria, guindastes automáticos, caminhões, armazéns, manutenção do cais e tudo
que fique acima do terreno portuário, especialmente a mão de obra, estariam aos encargos da iniciativa privada.
51

objetivo na implantação dos [mesmo] foi reduzir o papel dos sindicatos no setor, excluindo-os
dessa relação (DIÉGUEZ, 2014, p.60).
Contudo, refletindo nesse mesmo diapasão, avaliamos que a política de
modernização dos portos tem sido dotada por caraterísticas de comercialização e
corporativismo, que podem em determinados momentos habilitar os agentes locais à
transformação das relações de poder que tem favorecido extremamente o lado mercantil das
relações portuárias.
Entendemos que as estruturas que definem o modelo LandLord Port mantêm-se antes
e depois da legislação 8.630/13 e se consolida em um modelo com algumas vantagens para os
trabalhadores. Estas superam os enormes custos aos mesmos que vieram por conta da
legislação anterior que os transformaram quase em reféns das empresas portuárias (BARROS,
2017; DIÉGUEZ, 2014).
Demos até o momento atenção a posição política dos atores interessados na abertura
do mercado portuário, como na preservação do status e privilégios que a política portuária
confere. As transformações da legislação, no sentido que Tilly (p.101) atribui, conferem
privilégios e seletividade nos mecanismos de repressão que ela institui. Para nossa pesquisa a
legalidade e as resoluções para o setor portuário, assim como as leis para o trabalho portuário
importam muito no sentido de nos apontar os custos que o Estado está preparado para aplicar
na defesa de uma agenda em detrimento de outra.
52
53

2. NOVAS E VELHAS FORMAS DE ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO


PORTUÁRIO

Nossa discussão parte de uma perspectiva que enfatiza as diferenças entre ase as Leis
nº8.630 de 1993 e nº 12.815 de 2013, a fim de demonstrar o impacto de novas dinâmicas
produtivas nos portos para os trabalhadores, com a introdução do Órgão de Gestão de Mão de
Obra (OGMO), que substituiu o monopólio da força de trabalho pelos sindicatos e a
Autoridade Portuária e o Conselho de Autoridade (CAP), que substituíram a Cia Docas e
Portobras, instituições diretamente vinculadas ao governo federal antes da primeira lei
mencionada.
Nossa hipótese é que as Lei nº8.630/93 inovou quanto aos limites para a liberalização
do mercado portuário, porém, pouco acrescentou quanto as relações capital e trabalho. O
resultado disso, até o momento analisado, tem sido a precarização do trabalho acompanhada
de novas formas de gestão do trabalho, com a flexibilização das jornadas e subcontratação.

2.1. Trabalho portuário e privatização

Para Diéguez (2014, p 49), podemos falar de uma insegurança do trabalho decorrente
da ocasionalidade que se “mantém pela sazonalidade da produção”, dado que, em um país
fortemente sustentado pela produção de bens primários, como o Brasil, o fluxo de navios
acompanha os períodos de safra.
E o mais importante, “cada país assumiu uma maneira para tornar o trabalho portuário
não ocasional” ou eventual. Portanto, mesmo esses trabalhadores dependendo da entrada de
navios para poder retirar suas rendas, sempre houve mecanismos criados para preservar um
mínimo de direitos sociais, de renda e dignidade (DIÉGUEZ, 2014, p 49).
É Turnbull (2012) quem traz um quadro mais abrangente dos modelos de gestão do
trabalho portuário adotados em diversos países da Europa, América do Norte e Oceania, que
podem ser resumidos em dois: organizações estatais e, ou, corporativistas de um lado, e de
outro, organizações do terceiro setor. Ambas “responsáveis pela gestão da mão de obra
portuária ou gestão da mão de obra realizada pelos sindicatos dos trabalhadores portuários”
(DIÉGUEZ, 2014, p.51).
Com o primeiro modelo - que é adotado por Holanda, França, Espanha, Portugal,
Inglaterra -, os trabalhadores são registrados em pools (piscina) onde todos os registrados são
54

filiados a instituições estatais ou por organizações do terceiro setor. Após essa inscrição do
trabalhador, eles são então requeridos pelos operadores portuários para exercerem suas
atividades de trabalho. Contudo, para serem registrados nesses pools, “os trabalhadores
deveriam cumprir um conjunto de critérios, que variava da qualificação à quantidade de horas
trabalhadas no período de trabalho ocasional” (DIÉGUEZ, 2014, p.49). Qualquer fosse o caso
que os trabalhadores desse sistema se encontrassem, eles tinham garantido uma remuneração
mínima.
No segundo modelo - com Estados Unidos e Austrália, como exemplo -, os
trabalhadores devem ser sindicalizados para poderem ser contratados para o trabalho. Esse
sistema é conhecido como closed shop, onde o acesso ao mercado de trabalho é restrito
apenas aos trabalhadores sindicalizados.
Essa restrição era feita a partir de diversos critérios, variando do número de horas
trabalhadas até processos seletivos ou indicação de familiares. Nesse modelo, “os operadores
portuários requeriam diretamente aos sindicatos a quantidade de homens necessária à
operação portuária” (DIÉGUEZ, 2014, 50). Os pagamentos eram efetuados diretamente aos
sindicatos, responsáveis então por pagar os trabalhadores.
No Brasil foi adotado e adaptado o último modelo. Esse modelo foi conquistado e
reivindicado primeiro pelos estivadores e, depois ratificado em legislação, estendendo os
benefícios da luta portuária aos sindicalizados garantindo o direito de terem sua reserva de
mercado (SILVA, 2003).
A luta operária nos portos foi pela defesa dos sindicatos deterem controle sobre o
acesso dos trabalhadores ao mercado; sobre a gestão da mão de obra; indicação de
trabalhadores para sindicalização ou mesmo a filiação como critério de entrada nos mesmos;
assim como o acesso de trabalhadores para a composição dos ternos e de contramestres,
escolhidos entre os trabalhadores para fiscalização do trabalho nos navios.
Nesse sentido é muito difícil falarmos em trabalho autônomo nesses espaços, mas
não significa que não se constituiu como um ideal perseguido por esses trabalhadores. A
necessidade de os operários portuários controlarem o processo de trabalho se dá
coletivamente, como apresenta Cruz (1998) sobre o manuseio de carga entre costado e navio e
do conhecimento construído e aprendido sobre inúmeras etapas que temos apontado na
análise do trabalho em Itajaí.
Essa autonomia, contudo, no Brasil foi muito difícil de ser alcançada visto que aqui a
sazonalidade dos portos colocou os trabalhadores em período de desemprego o que os forçou
a acirrar ainda mais esse controle sobre o trabalho. Uma forma histórica de garantir trabalho
55

foi de acessar os benefícios que o emprego com vínculo empregatício por tempo
indeterminado proporcionava, que era o caso dos trabalhadores em terra, funcionários das
Companhias Docas.
Assim, em nosso entendimento, as instituições do corporativismo portuário vão
constituindo práticas não apenas econômicas, mas também políticas, em defesa dos
trabalhadores. Foi por meio das lutas operarias que se conquistou o ganho por produtividade
em vez da remuneração por período trabalhado e remuneração mínima diária em caso de não
embarcamento18.
Esses ganhos permanecem, o que permite a Barros (2017) defender a ideia de que,
com a introdução de novos mecanismos de gestão do trabalho nos anos 1990 preservaram-se
alguns direitos, garantidos pelo Estado, mas o arcabouço institucional que os sustentavam vai,
paulatinamente, desaparecendo (2017, p.80).
Para Diéguez, contudo, o Estado afastou-se definitivamente das relações com os
sindicatos, sendo que os principais “[...] mecanismos de regulamentação estatal do trabalho
portuário são desativados, não sendo substituídos por outras normas reguladoras, ocasionando
descontrole desta importante atividade para a economia do país (2014, p.51).
A preocupação de Diéguez (2014) está no panorama nada acalentador por todo os
anos 1990. Com a extinção das Delegacias de Trabalho Marítimo - DTM em 1989 e da
Portobras em 1990 viera uma quebra das instituições que regulavam trabalho e capital. O
exemplo desse cenário está na verificada ausência de fiscalização nos portos, descontrole
estatal do trabalho, paralização da promoção interna nos sindicatos. Todos esses elementos
promoveram uma situação de descontrole sobre a política de privatização, que, não de outra
forma perdeu seu ímpeto inicial durante os anos 1990 (DOCTOR, 2017).
Nesse período, o sistema closed shop entra na pauta do empresariado com seu lobby
para o avanço das reformas e privatizações. Para eles permitia-se a manutenção de um
mercado interno de trabalho inchado de trabalhadores pouco ou nada qualificados, com
trabalhadores escolhendo entre os seus pares para o trabalho e determinando o tamanho das
equipes e a remuneração (BARROS, 2017; DOCTOR 2017).
Dessa forma, indicamos como esse argumento dos empresários era apenas uma
forma de pressionar o governo para desregulamentar o mercado de trabalho portuário,

18
É a situação de previsão de entrada do navio, que pode não ocorrer por razões de mudança das escalas dos
armadores, janelas de entrada perdida, congestionamento. Essas ocorrências são fatos comuns e notórios nos
portos e na vida laboral dos trabalhadores portuários.
56

permitindo ao patronato “[...] maior controle sobre a mão de obra e os processos de trabalho”
(DIÉGUEZ, 2014, p50).
Além disso, a crítica empresarial não levava em conta a importância dessas
instituições para o bom andamento da vida produtiva e social nos portos. De qualquer forma,
esse é o momento em que o Estado diminui sua participação na regulação do trabalho
portuário, caminho para a composição de um novo sistema de regulação do trabalho, ainda
regido por ele, mas fortemente vinculado ao ritmo e demandas do mercado.
Assim, em 1993, foi promulgada a Lei nº 8.630/93, que extinguiu o sistema de closed
shop e criou o Órgão Gestor de Mão de Obra (OGMO). Para Diéguez (2017) e Barros (2017)
que enfatizam as experiências de privatização do porto de Santos, os operadores portuários
(empresários) foram os que assumiram “boa parte das competências anteriormente exercidas
pelas Delegacias de Trabalho Marítimo (DTMs), inclusive a inscrição e manutenção do
registro do trabalhador portuário avulso” (DIÉGUEZ, 2014, p.54). Logo, o OGMO teria por
objetivo substituir os sindicatos no controle do processo de trabalho, de alocação e definição
da contratação para esse mercado de trabalho.
A intenção louvável desses autores é de responder a desconstrução em curso das
instituições reguladoras do mercado de trabalho naquela época. Isso fica evidenciado com o
avanço da flexibilização do trabalho exigida pelos empresários, que extingue as divisões que
marcavam o controle sindical e as hierarquias entre os trabalhadores.
A flexibilização do trabalho, que nos portos tem o nome de multifuncionalidade,
elimina as diferenças entre as categorias e as substitui por apenas uma: trabalhador portuário
avulso. Estivadores, consertadores, guindasteiros, operários portuários e conferentes
deixariam de existir e estariam todos sob essa única nomenclatura. Dito de outra forma, a lei
nº 8.630/93 permitia que as empresas contratassem trabalhadores de qualquer categoria sob o
título de trabalhador avulso e com a justificativa de abertura do mercado de trabalho.
Para Diéguez (2017) e Barros (2017), a multifuncionalidade é entendida como uma
restrição e imposição ao trabalhador. Para nossa perspectiva do Porto de Itajaí, apesar da
análise dos autores ser verdadeira em razão da intensa exploração do trabalho nesse setor, ela
não se encaixa a realidade que avança no século XXI em portos com menor envergadura
econômica e de força operária.
Precisamos demostrar os desafios que esses trabalhadores vivenciaram com todo um
período de precarização do trabalho e como eles responderam no sentido de reverterem
constantes perdas de direitos. O que queremos dizer é que a legislação e os pareceres da
57

Justiça do Trabalho avançam com novas responsabilidades, que progressivamente demandam


que o OGMO seja solidário às demandas dos trabalhadores portuários.
Isso significa que, em nossa perspectiva, somente e na medida em que os
trabalhadores tenham poder de barganha suficiente para forçar essa instituição, o OGMO, a
cumprir sua função de mediador de trabalho que transformações importantes em curso.

2.2 Dimensionamento da força de trabalho: trabalho supletivo e multifuncionalidade

A partir desta seção até o fim do capítulo, propomos ver a situação de


aprofundamento das diferenças nas formas de remuneração, jornada e salário como estratégias
elaboradas para a intensificação da exploração do trabalho. Encaminhamos essa discussão a
partir da legislação e, em seguida, do esforço de pacificação das relações laborais, somente
iniciado em 2007 com pareceres do TST que normatizam a relação laboral nos portos e das
transformações da estrutura estatal portuária com novos pareceres e resoluções com a
ANTAQ.
A ideia aqui é discutirmos as tentativas de avançar com novos modelos de gestão do
trabalho, para isso, enfatizamos a permanência da legislação de 1993 sobre o papel das
instituições estatais de regulação das relações capital e trabalho. Apresentamos algumas
considerações sobre o dimensionamento do trabalho que vieram após anos de luta nos portos.
Apontamos primeiro que a lei n 8.630, de 25 de fevereiro de 1993, marco da
modernização portuária no Brasil, alterou substancialmente as relações tanto com sindicatos,
que perderam o monopólio sobre o controle de trabalho passando para um órgão de gestão,
como criou novas figuras jurídicas no sentido de facilitar a liberalização desse mercado.
Temos o operador portuário como o empresário responsável pela operação de carga do navio,
não necessariamente dono da mesma.
E os modelos de privatização dos portos, baseados em concessão em área pública e
autorização em área fora dessa delimitação avançam com um sistema dual, de
comercialização e corporativização, com a implementação de Conselhos de Autoridade
Portuária (CAPS) e ao mesmo tempo o Estado transforma as Cia Docas em empresas de
economia mista, mantendo rígido controle sobre as autoridades portuárias ao indicar diretores
e regulando suas atividades
Quanto ao OGMO, apresenta-se como um órgão de intermediação do trabalho e de
fazer cumprir as convenções coletivas dos trabalhadores em caso de desrespeito de ambos os
58

lados da relação capital e trabalho. É nesse sentido que vemos a necessidade de discutir como
a legislação favoreceu ou não formas de dimensionamento quantitativo de trabalhadores
portuários avulsos a partir dos anos 2000. Em nosso entendimento, a legislação nº 8.630/1993
pouco inovou com as relações capital e trabalho, deixando à Justiça do Trabalho o papel de
sua normatização quanto ao dimensionamento da força de trabalho.
Avançando com as mudanças do trabalho nos anos 2000, a nota técnica nº 036
(2001), emitida pelo Ministério do Trabalho e Emprego, tem o parecer sobre as formas
adequadas de interpretação da evolução das relações de trabalho e o entendimento da forma
como a reforma portuária deveria sopesar as estratégias de flexibilização do trabalho
recorrentes nos portos com aquela prevista por lei.
Vemos que a lei estabelece, com o art. 18 que os “operadores portuários devem
constituir, em cada porto organizado, um órgão gestor de mão de obra [...]”. É pelo OGMO e
no porto organizado que esse dimensionamento acontece, definindo-se, a partir desse artigo e
seus incisos, o número de vagas, a forma e a periodicidade para o acesso ao registro do
trabalhador portuário avulso.
Com o art. 22 entende-se que o OGMO pode somente efetuar esse dimensionamento
a partir de convenções ou acordos coletivos de trabalho. É a partir dessas instituições, OGMO
e Porto Organizado que serão definidas também as condições de trabalho, composição de
ternos e remuneração.
Com o art. 24, O OGMO é definido como um órgão de intermediação, com a
participação do Estado, via autoridade portuária local, dos trabalhadores e dos empresários.
Portanto, um órgão de representação das classes e de coordenação de seus interesses e
atividades.
A própria nota técnica interpreta que, para além do que se estabelece ao OGMO
como prerrogativa de definir o número de vagas para acesso ao registro do trabalhador
portuário avulso, cabe ao Conselho de Supervisão – entidade tripartite, com representantes
dos trabalhadores, empresários e Estado - deliberar sobre a mesma matéria. A pergunta que
essa nota lança é: o que se entende por “número de vagas” para a adaptação da força de
trabalho aos portos?
A resposta a “essa questão é simples deslinde, vez que a competência para
dimensionar o quantitativo de trabalhadores ou ‘quadros’ sempre esteve regulada na
legislação anterior a 1993” (MTE, 2001, p.1).
A resolução nº 226 de 25/03/69, com a redação dada pela Resolução n. 494, de
05/06/72, ambas do Conselho Superior do Trabalho Marítimo afirmam que cabe ao Delegado
59

do Trabalho Marítimo (DTM) a fixação dos quadros dos trabalhadores avulsos. O decreto-lei
n. 3, de 27/01/66 com o art. 5 define que cabe ao DTM fixar “o número necessário de
trabalhadores para o respectivo serviço” em armazéns e no cais (MTE, 2001, p.2). Os portos
deveriam obedecer as diretriz desse órgão e efetuar as “matriculas até o limite fixado,
anualmente [...]” (MTE, 2001, p.2).
O ponto essencial aqui é traçado com a noção de limite, imposta pelo Estado, que ao
ser superado uma média de 100 horas de trabalho aumenta-se o número de trabalhadores no
sentido de reestabelecer a média anterior.
Podemos ver que a nota técnica não responde a legislação nº 8.630/93 que confere
ao trabalhador avulso somente a preferência na contratação, e não a exclusividade do mercado
de trabalho defendida. Ficando patente o fato de que pelos próximos anos esse mercado de
trabalho não teria normatizado as contratações fora do OGMO. Ou seja, pode-se ou não
contratar trabalhadores fora do OGMO dependendo se haja: a) em caso de trabalhadores
faltantes ou b) da possibilidade de contratação por tempo indeterminado caso o trabalhador
assim o deseje – sem a perda de seu cadastro.
Com a intensificação da reforma portuária nos anos 2000, a questão do
dimensionamento da força de trabalho não poderia ficar em aberto, com a consequente queda
do rendimento médio dos trabalhadores, o que comprometeria “a precisão do art. 2 da
Convenção n. 137 da OIT, que estabelece a necessidade de uma renda mínima a ser
estabelecida aos avulsos portuários” (MTE, 2001, p.3).
Podemos ver que essa dimensão do trabalho nos revela um entendimento já antigo
da situação de precariedade desses trabalhadores no país, como retratado por Diéguez (2014),
na primeira década dos anos 1990 e em diversos portos no mundo.
Por outro lado, a nota técnica justifica a necessidade de regulação desse mercado de
trabalho, somado ao argumento anterior, que a regulação do mesmo deve ocorrer no sentido
de prevenir “a falta de trabalhadores [...], o que comprometeria a eficácia do sistema, podendo
pôr em risco a segurança e saúde dos avulsos pelo excesso de jornada” (MTE, 2001, p.3).
A questão do vínculo empregatício se apresentou como uma possibilidade de
dimensionamento da força de trabalho, mas somente quando respeitado o interesse dos
trabalhadores, como preza a nota técnica em questão. Essa cessão pode e foi negociada entre
esse e outros sindicatos, transformando o interesse de vinculamento por alguns trabalhadores
como alternativa ao subemprego.
60

Até 2010, segundo os relatos de nossos entrevistados, colocava-se a demanda por


trabalhadores em vinculo celetista. Essa situação refletia-se no fato de que os trabalhadores
não possuíam muitos recursos para a barganha com o empresariado.
Eles desejam trabalho, e como a legislação permitiu uma redução brutal do trabalho,
a negociação iniciada entre as partes favoreceu a iniciativa de subutilizar/subempregar os
trabalhadores com vagas remanescentes de outros sindicatos. Ou seja, “não queríamos ceder
mais desconto, daí eles botaram a estiva no nosso trabalho” (capatazia, 35 anos).
Essa situação deu margem para a aplicação arbitrária do seguinte princípio, que,
teoricamente, deveria passar pela negociação do sindicato sem ferir o mecanismo de
suplência. Esse princípio fica melhor exposta na seguinte afirmação:

havendo falta de mão de obra, ou recusa injustificada em comparecer ao trabalho por


parte de alguma categoria, será aplicada a multifuncionalidade, facultando-se aos
TPAs habilitados (que possuem curso extensivo a categoria com postos de trabalho a
serem preenchidos), se engajarem para o trabalho, devendo ser requisitados pelo
OGMO, tudo de acordo com o disposto neste instrumento coletivo (MTE, 2001,
p.3).

A estratégia do empresariado foi de pressionar para acordos favoráveis para eles,


que, se não são acordados podem ser revistos anualmente A lógica dos empresários foi bem
simples nesse sentido – que durou até 2013 com a nova legislação –, “cortamos o cadastrado e
mantemos o registrado” (OGMO, diretor, 40 anos). No fim o resultado é o fim do sistema de
suplência com aquele substituindo o registrado (BARROS, 2017). Portanto, havia uma
pressão descomunal sobre esses trabalhadores para se adequarem as demandas empresariais.
Desejamos demostrar os primeiros anos da privatização do complexo portuário de
Itajaí, de como a ação dos trabalhadores se dá no sentido de entender como conter das
estratégias de flexibilização e transformar o OGMO num aliado - que, para as entidades
sindicais entrevistadas, apresenta-se muitas vezes “fechado com o patrão” (estivador, 70 anos,
aposentado).

Entrevistador: E como vocês tentaram rever isso?


Entrevistado: Então, as finanças do OGMO é dinheiro nosso. Os gastos com EPI 19,
os gastos com PCMSO portuário, a definição dos pontos de escalação, a definição
do SESTP20, e outras atividades burocráticas, como dos nossos direitos sociais,

19
equipamento de segurança individual.
20
Sigla para “Serviço Especializado em Segurança e Saúde do Trabalhador Portuário”. Tem por objetivo
promover a conscientização, a antecipação de riscos, criando medidas para controlá-los, elaborar programas de
prevenção de riscos, elaborar programa de controle médico de saúde ocupacional, criar procedimentos de
segurança para cada operação.
61

repouso, alimentação, transporte, treinamento. Te dou um exemplo, não repassaram


o dinheiro para o treinamento, a gente fez caixa e apresentamos para o patrão o
trabalhador com uma qualificação nova. Daí fechamos – propomos uma nova
escalação, e todas as condições de trabalho - sem a mediação do OGMO. Eles
entendem dessa forma: você tem que forçar para ser ouvido (estivador, sindicalista,
45 anos)

Esse entendimento parte das lutas anteriores ao próprio ato de fechar um acordo com
o patrão. Portanto, vemos com esse relato que a fixação dos quadros é resultado do poder
negocial das partes, com o sindicato como ator indispensável nesse processo.

Entrevistador: E como fica essa situação, eles simplesmente aceitam o que vocês
propõem?
Entrevistado: Então, o que tivemos foi um entendimento de ação no plano de
direitos sociais já conquistados, aceitamos a redução dos quadros como uma
proposta do porto para a redução da força de trabalho. Mas depois disso, o que
vimos foi desrespeito aos acordos que tivemos. Sentimos a necessidade de avançar
com as negociações, mas agora buscando acordos juntamente com outras categorias.
Isso foi somente a partir de 2010 porque estamos num cenário de crescimento. Antes
todos estavam ganhando bastante. E pensávamos que com a infraestrutura nova, o
porto iria permanecer, com as rotas de navio (estivador, sindicalista, 45 anos)

Nesse sentido, remetemos a um entrevistado (capatazia, 35 anos), que enfatiza a


força das instituições públicas para a luta dos trabalhadores portuários. Para ele, tanto o
OGMO como o Porto Organizado são instituições indispensáveis à defesa do trabalho
portuário avulso.

se fosse depender deles [empregadores], seria claramente um retrocesso. Mas ainda


bem que o porto público está aí para isso: a administração do porto estipula o
horário de funcionamento e as jornadas de trabalho, que para a gente é de 6 horas
ininterruptas no cais do porto. É por isso também que a gente sabe em que momento
o contrato começa e termina: o trabalhador bateu o ponto dentro do porto, tá valendo
(capatazia, 35 anos)

Podemos ver como o porto organizado sustenta as pretensões por direitos dos
trabalhadores. É nesse espaço que a dimensão estatal se faz presente, como nos diz o mesmo
entrevistado

Não tem como eles quererem burlar isso. Então, a extinção do contrato tem sim, e é
quando o trabalhador sai do expediente dele. Essa situação é importante para eles
não forçarem um vinculado ou um grupo de trabalhadores vinculados numa posição
chave, como o guindasteiro, daí ninguém do nosso sindicato entra né (estivador, 38
anos).

O fato de ser trabalhador avulso e sua institucionalidade garantida por lei é o recurso
que está sendo disputado nesse momento nos portos. Como nos relata outro entrevistado isso
ocorre porque

o que mata eles é o seguinte: o trabalhador pode desistir do trabalho. Melhorou


porque era mais escancarado isso. Mas ainda hoje se mantém, porque tem pouca
62

gente que se submete hoje a um salário de miséria. Há dez anos a galera foi pega de
surpresa, foi para o vinculado. Mas vai lá e conversa com eles para tu veres o que
eles te dizem (estivador, 36 anos).

Para os trabalhadores, a flexibilidade do trabalho nesse processo deveria ser utilizada


com discrição, mantendo a lógica do trabalho supletivo (o cadastro dos trabalhadores intacto),
e passando os engajamentos demandados pelos portos ao OGMO.
Podemos ver na tabela abaixo algumas alterações importantes na legislação portuária
e o que ela permitiu aos trabalhadores em termos de ação sindical mais direta e combativa nos
portos contra a flexibilização.

Tabela2: Comparativo velha e nova legislação portuária

Lei nº8630 Lei nº 12.815


Trabalho
Faculta a contratação de trabalhadores Ministério do Trabalho e Emprego, já em
segundo acordos coletivos ou convenção 2012 reconhece as atividades de
coletiva da categoria preponderante aos capatazia, estiva, conferencia e conserto
titulares da instalação portuária de carga, vigilância de embarcações e
Comentário: sindicatos defendem a bloco como categorias diferenciadas
contratação como “avulsos”. Logo, que Comentário: portos e armadores não
possa escolher quando e como irá podem mais desconsiderar a posição dos
trabalhar, mantendo seu cargo e reserva sindicatos quanto as condições de
de mercado trabalho oferecidas
Terminais Privados
Livre contratação em regime de trabalho
celetista. Trabalhador portuário mantem status de
avulso mediante acordo coletivo. Além
Comentário: conflitos surgem com a disso, é esclarecido eventuais dúvidas
entrada de portos privados em área de quanto a contratação por fora do OGMO.
jurisdição publica. Negam-se a contratar Como atesta o MTE e é “irrelevante a
trabalhadores avulsos atividade econômica preponderante do
empregador, a forma de contratação e o
lugar onde a atividade” (TEM-SRT,2012,
p.03)

OGMO
Mero intermediador da força de trabalho Solidário financeiramente em caso de não
para os operadores portuários pagamento pelos operadores portuários,
de descumprimento quanto a segurança
no trabalho.
CAP
Autônomo quanto a fiscalização e Essa situação pode ou não se manter
monitoramento das obrigações dependendo de acordos com o governo
financeiras com o porto organizado Federal
Concessões
63

Concedida ao maior pagante e proibido a Concedida a melhor oferta técnica e


operação em área de porto organizado inserida no planejamento regional; cargas
de terceiros podem ser operadas em
território portuário para aquelas que já
estavam inseridas em área de porto
organizado
Fonte: DIEESE, 2013

Segue que a legislação nº 12.815/13 transformou o OGMO como entidade solidária


financeiramente com o empresariado. Portanto, avançamos com o entendimento de que a
partir dessa legislação os interesses unilaterais do empresariado contrabalanceou com o
OGMO, para uma gestão do trabalho que pode favorecer os trabalhadores portuários.
Isso porque o cenário exposto aponta para uma legislação que pode ainda conferir a
prerrogativa de o OGMO intermediar as demandas que favoreçam o operador Portuário, mas
também prevê que os acordos e convenções coletivas devam prevalecer nas negociações
frente aos terminais privados e públicos. Antes desse momento, o uso de trabalhador
vinculado entrava na mesma categoria dos Avulsos. Agora, não mais. Logo, a lógica de
tratamento dos grupos de trabalhadores submetida a arbitrariedade dos empresários em
contratar trabalhadores de fora do OGMO, foi contrabalanceada (BARROS, 2017, p.150)
O ponto é que existiram e ainda existem formas explicitas e sutis de flexibilização
em curso, que trouxeram imensa precarização do trabalho (KREIN, 2008). Por todo os anos
2000, na vigência da legislação nº8.630/93, o grande trunfo dos trabalhadores é que, se a
empresa está na jurisdição do porto organizado, área que se localiza o porto público e os
trabalhadores avulsos, somente estes teriam a oportunidade de estabelecerem acordos
coletivos. Nos portos públicos o uso de formas flexíveis veio, primeiro com a substituição de
trabalhadores terrestres, geralmente de forma arbitrária 21. Contudo, o ataque ao porto
organizado tem sido feito pelo lado do uso de trabalhadores vinculados, em postos
estratégicos e mesmo em detrimento da contratação via OGMO, em funções reservadas
àqueles trabalhadores avulsos.
Apontamos que até a legislação 12.815/13, a multifuncionalidade não era negociada
porque havia a utilização de ambas as formas de flexibilização: atacando a suplência e
aplicando o vinculamento. Com a nova lei, a multifuncionalidade precisa ser negociada: os
trabalhadores precisam aceitar alguma forma de flexibilização, mas não todas.

21
Discutiremos profundamente o porquê dessa peculiaridade na próxima seção.
64

Especialmente, a novidade é que o vinculamento é amplamente atacado pelos


trabalhadores – sua alavanca para a luta coletiva (BARROS, 2017) - e normatizado pela nova
legislação, mas não a suplência de todos os trabalhadores portuários avulsos, o que permite
aos empresários ainda deterem e imporem condições que podem ou não serem desvantajosas.
Por isso desejamos fazer esse caminho, das ofensivas contra a suplência, que atingiram
primeiro capatazia e conferentes, para depois refletir sobre o vinculamento.
Antes, apontamos algumas diferenças da política de concessão com a legislação nº
8.630/93. A realização de licitação no âmbito desse setor portuário – tipicamente
caracterizado como de monopólio natural – era entendido como aquela que resultasse na
proposta mais vantajosa para a administração pública, leia-se: mais dividendos em troca das
concessões para operações portuárias por empresas privadas. Essa noção de bem público para
um funcionário da autoridade portuária (44 anos, fiscal) é “[...] bastante restritiva porque o
que define um valor para o cidadão: mais bens de consumo ou a função que o porto executa
para toda a economia?”.
Hoje, com a legislação nº12.815/13 as cargas precisam ser comprovadas que irão, de
fato, agregar valor ao território produtivo. Apesar de relaxar a definição de carga própria, ela
enfatiza que para haver autorização se trata agora de que os investimentos manterão os
trabalhadores portuários avulsos também inscritos, proporcionalmente, nos portos privados.
Assim, quando a política de concessões se firmou com essa legislação, as empresas privadas
que já ocupavam território público, em discutível situação de ilegalidade. E agora não
precisariam mais contratar trabalhadores do OGMO, mas sim oferecer-lhes a preferência,
como era definida pela legislação anterior.
Nesse sentido, propomos brevemente demostrar como se deu a utilização de formas
flexíveis prescritas pela lei, e o porquê de eles terem atacado primeiro a capatazia e os
conferentes, que está inscrito no sindicato da primeira categoria.
Essa discussão vai nos ajudar a entender que os trabalhadores precisaram de muita
força para superar os problemas decorrentes da precarização do trabalho, mesmo com
legislação nova que proíbe a contratação por fora do OGMO.

2.3 Os impasses na legislação 12830/13 sobre o conceito de multifuncionalidade

A noção de trabalho portuário avulso, aplicado para todas as categorias que operam
no navio, cais e armazéns não ocorreu no mesmo momento e com o mesmo ímpeto. Logo, a
65

contenção da onda de precarização que retratamos variou consideravelmente nos portos do


país. Somente com a ideia de que a contratação de trabalhadores variaria - “em razão da
categoria econômica preponderante dos titulares das instalações portuárias” - que o
empresariado poderia ter dado o tratamento dispensado, no sentido de dimensionar todos os
trabalhadores indistintamente, para suas necessidades cada vez mais particularizadas e dos
mercados cada vez mais voláteis (DIEESE, 2013, p. 1).
Remetemos à “lei de modernização dos portos”, Lei no 8630/93, e registramos que
ela abriu o flanco para um tipo de ataque que dilapidou a ação coletiva dos trabalhadores, com
a abertura dos portos para a especulação de suas estruturas e infraestruturas aquaviárias. Foi a
Lei no 8.630/93 que permitiu que a iniciativa privada a exploração dessas instalações,
privatizando as estruturas internas do porto, instalações alfandegadas, que podem ser geridas
pela iniciativa privada, sem o direto controle dos sindicatos.
No sistema anterior à Lei no 8.630/93, o trabalho realizado a bordo das embarcações
era realizado pelos sindicatos dos estivadores, e a movimentação de cargas era realizada nas
instalações públicas exclusivamente pelas administrações dos portos – Companhia Docas. No
cais dos portos, a mão de obra que atuava na capatazia. Com o artigo 285 da CLT, a
incumbência de organizar esse último segmento de trabalhadores nos portos era do “pessoal
da administração do porto”. Ao contrário do que acontecia com os estivadores, as atividades
dos trabalhadores de capatazia eram realizadas por trabalhadores vinculados, ou seja,
empregos com duração indeterminada. Ambos, além disso, estavam presos às prerrogativas
estatais em relação à definição de salários, direitos sociais e organização do trabalho.
Contudo com o avanço da privatização nos portos, o fato mais comum quando os
serviços prestados à Cia das Docas fossem insuficientes, era o caso de trabalhadores
portuários avulsos complementarem o serviço dos ternos (equipe) da estiva. Eles eram uma
“força supletiva” do próprio porto, baseado no art. 12 da Lei n o 4860/65, que durou até 1998.
Portanto, podemos ver que a legislação de 1993 deixara em aberto às necessidades do
empresariado a adequação de como a força de trabalho deveria ocorrer nesse segmento
especifico.
A participação da força supletiva tornava a atividade de capatazia híbrida, ou seja,
com uma parte realizada com mão de obra da Cia Docas, e outra, quando necessário, com
trabalhadores que não tinham vínculo com a administração dos portos (PACHECO, 2007, p.
95).
Uma forma de entendermos a força supletiva é partimos do pressuposto que ela
funcionava não somente como recurso para controlar o exército de reserva para o sindicato
66

dos estivadores como discutido por Sarti (1981), mas que existia um interesse da Companhia
das Docas de controlar o fluxo de demandantes a emprego de todo o porto. Nos anos 1990
essa imposição veio com a pressão por assiduidade no trabalho dos estivadores e na aplicação
de processo seletivo para a capatazia (DIÉGUEZ, 2014, p.51). Ou seja, com essa última
prática durante os anos 1990 inaugura-se a expectativa de uso de formas flexíveis que vieram
mediante a coerção direta aos trabalhadores para aceitarem as condições de subemprego e
precarização do trabalho que se mantem, em maior ou menor grau nos portos brasileiros.
Podemos ver com o relato de um estivador entrevistado (estivador-advogado, 40
anos, Itajaí), comparando as mudanças mais amplas do mercado de trabalho, que a entrada
dos trabalhadores da capatazia foi de suma importante para o avanço da jurisprudência no
trabalho portuário. Isso porque a legislação tornou os trabalhadores da capatazia como
diferenciados somente em 1998, mas somente em 2007 houve um avanço na legislação que
permitiu que eles pudessem agir como categoria que pudesse iniciar acordos coletivos
realmente vantajosos.
Para ele,

Olha, nós realmente éramos reféns do setor privado, e a estiva foi indispensável para
tentar coibir esse avanço. O exemplo de Santos ajuda a entender o que aconteceu: foi
dramática, inflexível, lá os empresários demoraram para avançar porque precisavam
contar com uma luta muitas vezes físicas. O porto privado e o porto público estavam
pressionado forte o trabalhador. Antes a capatazia tinha a administração pública para
defender eles né, agora era novamente a gente, como nas antigas, do tempo dos
novos avós e bisavós. Acho que isso afastou um pouco o papel deles para o que
estava acontecendo mais profundamente no resto do país por que daí não havia
condições para cooperar entre os sindicatos.

O que o entrevistado enfatiza é a grande pressão que esses trabalhadores sofreram


por boa parte da primeira década dos anos 2000. Essa situação gerou um intenso debate a
partir do instante “[...] em que, baseando-se na redação do parágrafo único do artigo 26 da Lei
no 8630/93, os operadores portuários passaram a vincular ou subcontratar trabalhadores que
não pertenciam ao sistema OGMO” (sindicalista, estivador, 43 anos, Itajaí).
O que geralmente as empresas justificaram, “[...] era que a legislação não menciona
atividade de capatazia e bloco, subentendendo-se que a contratação não precisa ser feita
exclusivamente, dentro os trabalhadores portuários avulsos registrados” (sindicalista,
estivador, 60 anos, Itajaí). Podemos ver aqui como o entendimento do papel da capatazia
estivera atrelado as mudanças produtivas nos portos e da pressão sofrida pelos trabalhadores
para aceitarem formas flexíveis de trabalho, marcado por períodos de subemprego.
67

Nesse quesito nos referimos a categoria dos conferentes, que passa a ser inscrita no
sindicato da capatazia de Itajaí em 2004 (Convenção Coletiva Capatazia, 2004). Essa
categoria detinha autonomia e controle do trabalho. Contudo, com sua incorporação, ela perde
o poder de iniciar acordos coletivos no que toca as formas de remuneração, composição de
ternos e jornada de trabalho. Chamamos atenção como a dinâmica de precarização, com os
conferentes sendo inseridos no sindicato da capatazia, facilitou as estratégias dos principais
portos em controlar todo o processo produtivo em terra, ou seja: planejamento e validação do
trabalho de capatazia22.
Podemos ver que o ataque dos empresários ao trabalho a essa categoria se deve à
brecha conferida pela legislação ao trabalho de suplência aos trabalhadores da capatazia. Isso
especialmente se destaca porque o sistema de trabalho supletivo não estivera determinado e
normatizado por todo esse período para essa categoria de trabalhadores.
Para um estivador (38 anos, Itajaí),

[...] o problema é o seguinte, essa interpretação dos empresários aí é equivocada. Ela


mina com o sindicato e o sistema OGMO. Se eles contratarem somente registrados,
então quem está na fila com a matrícula não precisa nem mais esperar, vai ter que
procurar emprego em outro lugar. Eles queriam liberdade total para contratar no
mercado de trabalho comum, e fora do sistema OGMO.

Ou seja, a legislação nº 8.630/93 prescreve a preferência ao trabalho para o


registrado. Se eles não quiserem ou aceitarem a chamada de trabalho, os empresários podem
induzir formas de flexibilização. Contudo, o que aquele entrevistado nos diz é que os
trabalhadores não tiverem a prerrogativa em escolher como e quando trabalhar – por que essa
é a natureza de seus trabalhos (SARTI, 1981). Assim, quando ocorre a chamada para o
trabalho ou quando é aberto edital para trabalharem por tempo indeterminado, o sistema de
rodizio é totalmente destruído e dilapidado.
Da parte dos trabalhadores portuários e as entidades sindicais, eles defendiam que a
lei deveria ser interpretada “de forma sistemática”, ou seja, o sistema de suplência valeria para
todos os trabalhadores (MILLER; AMOIM; SILVA; 2015 p. 97).
A lei nº12.815/13 avançou sobre esse terreno e excluiu essa lacuna da legislação
anterior trazendo todos os trabalhadores portuários como portadores do mesmo direito ao
trabalho.

22
Como observam Monié e Vidal (2006), essas estratégias coincidem com um grande “movimento de expansão
da área de cais e armazém no caso do Porto de Santos em detrimento da expansão das áreas marítimas”.
68

Para alguns, a expectativa era de que se entregaria para o empresariado “de bandeja”
a reserva de mercado de trabalho preservada por lei, mas pouco regulamentada até a Lei n o
12.830/13. Para outros de nossos entrevistados, “[...] era uma questão de negociação”, sem a
perda de essência do movimento (conferente, sindicalista, 35 anos).
Para um entrevistado os retratos “foram desanimadores para os portos como da Bahia
e Amazonas, que excluíram totalmente os trabalhadores sindicalizados. Pensávamos que essa
situação poderia acontecer aqui. O medo era grande em portos de menor envergadura como
esses aí e o nosso também” (estivador, 41 anos).
Como estamos vendo, as formas de subcontratação apontaram para o fato de que
precisariam agir para garantir o que lhes era de direito. Nesse terreno novo, desejamos
explorar melhor como a definição do próprio trabalho foi contestada pelo empresariado, e
qual foi o papel da Justiça do Trabalho no sentido de promover canais para os trabalhadores
fazerem valer seus direitos e interesses.
O argumento que desenvolvemos até aqui é que, com a disposição constitucional da
Lei no 8.630/93 - base das lutas portuárias até 2013 - o pacto social que se pensava estar
garantido em Itajaí escondia movimentos subterrâneos de reorganização e ressignificação do
trabalho.
Já dissemos que nossa hipótese é de a Legislação no 8630/93 foi clara no sentido de
permitir uma maior abertura dos portos à concorrência, sem inovar, contudo, com as relações
capital e trabalho (CARVALHO, COSTA, SILVIA 2015). A questão agora é saber: como as
relações de trabalho se transformaram concomitante a essa legislação, mediada por um órgão
Gestor de Mão de Obra (OGMO)?
A apesar da legislação conferir a prerrogativa de o OGMO intermediar as demandas
que favoreçam o Operador Portuário, a lei prevê que acordos e convenções coletivas devam
prevalecer nas negociações. Por extensão, o sindicato possui ainda a relevância de lutar em
defesa do trabalho e contra os abusos que possam incorrem seja pelo OGMO, como pelo
Operador Portuário diretamente nos cais, armazéns e navios (DIÉGUEZ, 2014).
Por um lado, espremidos e necessitando “negociar” com o patrão, os trabalhadores
precisaram rever suas formas de trabalho coletivo e entre os sindicatos. A expectativa era de
que os contratos seriam estipulados “[...] por meio de convenção ou acordo coletivo
negociado com os sindicatos portuários, legítimos representantes desses trabalhadores”
(SETEMEES, 2014, p. 5). Por outro, esse reconhecimento de que pelos acordos e convenções
poderiam melhorar suas posições viera somente materializado em jurisprudências e novos
decretos nos anos 2000 (CARVALHO; COSTA, 2015).
69

Como discutimos, os trabalhadores entenderam que mesmo com promessas e


períodos de fim da subcontratação, não significou que novas ofensivas não viriam. As
preocupações progressivamente iriam para além do trabalho correspondente a cada sindicato
de origem, indo para a pressão que os mesmos sofreram quanto ao redimensionamento anual
da força de trabalho, que os colocou em situação de extrema vulnerabilidade.
Nesse sentido, a Lei no 12815/13 poderia favorecer essa situação de responder a
precarização já que ela quebrou com a sistemática anterior de prescrição das ações
trabalhistas, que anteriormente era definido em 2 anos, e com a última legislação passou a ser
de cinco anos23. Essa nova situação ajuda-nos a entender que os trabalhadores passaram a
possuir mais tempo para questionar possíveis cancelamentos do registro ou cadastro no
OGMO, com o artigo 37, inciso quatro (BRASIL, 2017).
Com a Lei no 8.630/93, a disposição era de cancelamento automático do registro com
aposentadoria. Aqui vemos que os aposentados, antes participes da vida sindical, afastados
agora por lei e pela pressão dos empresários marcara vivamente o processo de reforma no
final dos anos 1990 e início dos anos 2000. Para um estivador aposentado (66 anos):

muita gente saiu amargurada, saíram porque a pressão para cancelar registro era para
todo mundo, então eles saíram com a esperança que o clima de crescimento que
pairava aqui em Itajaí se mantivesse e, claro, que nossos filhos tivessem um
emprego garantido.

Nesse sentido a lei também avança, já que prevê duas causas para a extinção da
matrícula: morte e cancelamento (por infração disciplinar). O desequilíbrio que isso poderia
gerar era dos ganhos perdidos aos trabalhadores ativos. Segundo sindicalista (capatazia, 40
anos):

[...] veja bem, a situação é extremamente instável, se saiu alguém, eles partem do
princípio que o trabalho tem que render tanto e mais um pouco. E outra, cancelou o
registro, quem vai entrar no meu lugar no rodízio? Eles querem forçar a gente a
pegar os piores trabalhos sem correspondência de ganhos.

Podemos ver aqui que os trabalhadores estão cientes das ameaças que os esperam
mesmo com essa legislação, que solidifica os acordos coletivos como instrumento para a
flexibilização do trabalho e diretos sociais. Isso porque para eles o cenário ainda é a força
relativa que cada sindicato detém, resultando em acordos bons ou ruins para o trabalhador.
A prática do trabalho, seu dia-a-dia, apontou que precisariam de cautela para que não
perdessem, por completo, o sistema de rodízio, foco da ação dos empresários que desejam seu

23
O tempo era de dois anos antes da referida lei.
70

fim. Por outro lado, a resposta dos trabalhadores tem sido de uma postura mais horizontal, que
progressivamente a legislação normatiza a seu favor.
Discutimos como esses dilemas foram enfrentados pelos trabalhadores durante os
anos 2000. A abertura a precarização do trabalho se deu pela brevidade dispensada que a
legislação deu ao significado de trabalhador portuário avulso. A ideia de exclusividade, marco
da legislação anterior, é substituída por preferência (DIEESE, 2011, p.3). E a interpretação
conferida pelos legisladores, a partir dos relatos dos trabalhadores intensificou a sensação
desamparo e da correspondente necessidade de avançar com as negociações no sentido de
maior combatividade.
A intensificação da reforma portuária demandaria, reiteradamente, que um novo
entendimento fosse elaborado em razão das ameaças constantes que os trabalhadores estavam
enfrentando.
Isso pode ser visto a partir do divisor de águas no tratamento da questão da escalação
pelo OGMO, que veio com o dissídio coletivo de natureza jurídica, no ano de 2007, suscitado
pela Federação Nacional dos Operadores Portuários (FENOP), no 17411/2006-000-00-00,
contra a Federação Nacional dos Conferentes e Consertadores de Carga e Descarga, Vigias
Portuários, Trabalhadores de Bloco, Arrumadores e Amarradores de Navios (FENCCOVIB) e
a contra a Federação Nacional dos Portuários (FNP). Podemos ver que essa disputa foi
precursora, sendo que a estiva, nesse momento, não entrou no dissídio quanto ao uso de
trabalho supletivo.
Nesse dissídio os empresários exploraram o fato de a atividade de capatazia não estar
relacionada à contratação por prazo indeterminado garantir a condição da manutenção de sua
reserva de mercado.
Para Miller, Amorim e Silva (2015, p. 45), de um lado, a pretensão dos trabalhadores
de que a vinculação fosse aplicável somente aos integrantes do sistema OGMO, logo, reserva
absoluta e exclusiva, foi indeferida; de outro lado, não foi concedido liberdade total de
contratação pleiteada pelos operadores portuários (livre contratação no mercado comum de
trabalho). Nesse sentido, para Miller, Amorim e Silva (2015, p. 100), a “[...] questão ficou
concentrada na incidência da Convenção OIT n. 137, mais precisamente no teor do Artigo 3,
item 2: os portuários registrados terão prioridade para a obtenção de trabalho nos portos”.”.
Essa foi uma pequena alteração, mas com grande repercussão para a luta sindical e a
defesa dos direitos dos trabalhadores, pois foi fruto da persistência da FECCOVIBB e FNP,
que defenderam todos os portuários, colocando a capatazia agora – depois de ter sido já em
71

1998 reconhecido seus direitos – como categoria diferenciada, de fato. Antes os operadores
portuários cindiam a categoria, e muitas vezes ganhavam.
Miller, Amorim e Silva (2015) comentam que o direito do trabalho portuário teve o
mérito de não deixar a lacuna onde todas as categorias tinham direitos, menos a capatazia.
Essa ação teve o mérito de reiterar que “[...] o regime jurídico é igual para todas as seis
atividades (estiva, capatazia, consertadores, arrumadores, bloco, conferentes), fato que
justificou uma revisão da interpretação inicial sobre a definição de trabalho avulso portuário e
de seus direitos.
A solução do dissídio, ademais, não se restringiu à capatazia. Com o Acordão
produzido como consequência do dissídio no âmbito das FNP e FECONVIBB, o TST
consignou tratamento legal dispensado às seis atividades do trabalho portuário, “[...] porque o
trabalhador portuário avulso é uma categoria” (MILLER; AMOIM; SILVA; 2015 p. 97).
Esse tratamento, portanto, teve repercussões inéditas para as relações capital e
trabalho entre os portuários. Agora, eles são postos em pé de equanimidade no tratamento de
questões que envolvem litígios no trabalho, intensificando relações mais horizontais que são
notoriamente construídas mediante esforços para a revisão entre eles mesmos dos processos e
rendimentos do trabalho.
As Federações, nesse sentido, durante os embargos declaratórios com o dissídio
coletivo de natureza jurídica, em 2007, reiteraram suas dúvidas se a contratação dava
prioridade somente para trabalhadores da capatazia registrados ou cadastrados, ou se “[...]
também aquele especializado em outras atividades” (FNP, 2015).
A resposta foi a seguinte: a prioridade para a obtenção de trabalho nos portos alcança
também a modalidade de trabalho com vínculo empregatício. E a norma não restringiu a
prioridade àqueles avulsos que exercem a atividade de capatazia. Desse modo, a prioridade
alcança todos os portuários que se encontrem dentro do sistema OGMO (MILLER;
AMORIM; SILVA, 2015, p. 103).
Em síntese, o sistema de rodízio deveria ser preservado chamando primeiro o
registrado, e, caso houvesse oferta para vinculamento, passaria primeiro para o registrado e
depois para o cadastrado.
Podemos solidificar, portanto, a ideia que os sindicatos se encaminharam em direção
a uma postura mais combativa, que se traduziu em aprendizado sobre como agir frente a
precarização do trabalho. De outro lado, a ação empresarial não acompanhou essa nova
realidade dos portos “porque eles agiram como se o trabalho fosse o mesmo há 30 anos atrás”
(sindicalista, estivador 60 anos).
72

Portanto, a legislação e a Justiça do Trabalho conferiram, primeiro, tratamento igual


entre trabalhadores portuários avulsos e vinculados. Em seguida, esse entendimento avançou
sobre todas as categorias que em maior ou menor grau sofriam com os processos em curso de
enxugamento e flexibilização da força de trabalho.
Sabemos que os trabalhadores que obtêm inscrição no OGMO inicialmente são
alocados como cadastrados. Eles são como uma força supletiva, prática consolidada entre os
portuários, porque a escalação, ou seja, a chamada para trabalho somente ocorre se não
existirem trabalhadores registrados, ou seja, que têm a preferência. Os trabalhadores e a
Justiça do Trabalho entendem que somente o registrado deveria receber a preferência para ser
vinculado, caso contrário todo o sistema de rodízio ruiria. Para Miller, Amorim e Silva (2015,
p. 98), foi a Lei no 9719/98 que solidificou esse entendimento porque seria “[...] vedado ao
órgão gestor de mão-de-obra ceder trabalhador portuário avulso cadastrado a operador
portuário, em caráter permanente”.
Podemos ver que os trabalhadores portuários e as entidades que os representam
buscaram uma terceira via, não se negando a aceitar as demandas que os pressionavam com
os processos de modernização e da legislação, mas desejando que o sistema de rodízio
permanecesse. A novidade nesse momento é que eles viram no OGMO um possível aliado.
Para um estivador (42 anos, Itajaí), esse cenário apontou para o fato de que:

[...] o que pegou [coagiu] legal os operadores portuários com a nova lei, isso tudo
para os portos públicos né. É que eles agora [são] solidários juridicamente. Pega
tanto para o OGMO como para os armadores e operadores portuários em relação a
remuneração devida e indenizações. Então, é o seguinte, eles pensam muito mais em
não pisar no OGMO, porque ele é um intermediador, ele simplesmente pode
favorecer de um dia para o outro os trabalhadores portuários (TPAs). Isso é tão
verdadeiro que a gente cansa de ver OGMOS do Nordeste que pegam pesado com
nossos irmãos, porque eles têm algum rabo preso né com operador portuário. Então,
existe essa situação sim. Que entendemos que vai depender da relação que cada
porto tem com os seus, acredito que hoje a relação com o porto público é de
respeito, mas o caminho foi longo como tenho te dito né.

Fora construída uma aliança entre todos os trabalhadores com o OGMO, aliado
momentâneo contra a flexibilização irrestrita do trabalho. Essa aliança, em nosso
entendimento, foi muito eficaz no que toca às relações entre os grupos de trabalhadores de
outros sindicatos para reverem os processos de trabalho até então efetuados, propondo novas
formas de organização do mesmo, e as estratégias construídas para obstaculizar a total
abertura dos sindicatos ao empresariado.
Uma forma de entramos nesse debate parte, com Burawoy (1979) no sentido de
afirmar que essa legislação, até esse momento, permitiu um ataque mais intensivo à
73

mobilidade interna dos trabalhadores. Os trabalhadores ainda se mantinham presos a seus


sindicatos, e não propuseram formas de gestão do trabalho que englobasse os outros
sindicatos. Discutiremos em seguida o porto de Itajaí, seus trabalhadores e a forma como eles
reagiram à flexibilização do trabalho.
74
75

3. O PORTO DE ITAJAÍ

Inicialmente discorremos sobre o porto de Itajaí e sua configuração atual, em seguida


avançamos sobre a organização do trabalho dos portuários avulsos 24 da estiva e da capatazia.
Por fim, demos atenção a aspectos de sua história das categorias profissionais para enfatizar
dimensões comuns ao trabalho e a experiência política da vida produtiva. Como um cenário
exemplar, tratamos um relato de subcontratação para o ano de 2011, fruto de uma ação fiscal
do Ministério Público do Trabalho, que detalha o dimensionamento unilateral da força de
trabalho (leia-se flexibilização do trabalho por parte do empresariado).
Nossa atenção avança sobre os impasses sobre as formas de organização e
contratação prescritas por lei e as primeiras respostas dos trabalhadores contra as ofensivas
dos empresários e portos no país. Esperamos encontrar elementos que comprovem o papel da
Justiça do Trabalho como uma arena política para a ação dos trabalhadores contra a
precarização do trabalho.
Nesse sentido, as disputas entre os trabalhadores, de Itajaí, por emprego e como eles
progressivamente se apropriaram de alguns avanços sobre a legislação - referente as formas
de contratação aceitas -, foram indispensáveis para nossa discussão.
Os relatos de subemprego e trabalho intermitente que incorrera à fração dos
trabalhadores mais prejudicados foi nossa estratégia para revelar as dimensões comuns do
trabalho portuário e suas aspirações por justiça. Com o recorte geracional de jovens
estivadores entre 20 e 45 anos de idade, nossa intenção foi compreender como uma mudança
no perfil dos trabalhadores estimulou uma postura mais incisiva dos sindicatos da estiva e da
capatazia em defesa de novas formas mais democráticas de trabalho.

3.1 Estrutura econômica e política do porto de Itajaí

A realidade econômica e política nos portos brasileiros alterou-se profundamente,


demandando respostas mais ágeis dos mesmos no contexto da reforma portuária desde os
anos 2000. Registramos que portos de grande envergadura como de Santos deteve, em 2015,

24
Categoria de trabalhador diferenciada, protegida por lei, que trabalha por jornada e presta serviços a diversos
empregadores.
76

35% do fluxo de exportações e importações de mercadorias. Contudo, os dados apontam que


foram embarcados 59,0 milhões de toneladas (68,7% do total movimentado) noutros portos,
correspondendo de maneira mais direta as demandas de produção e comércio das
macrorregiões do país (BRASIL, 2016, p. 15).
Seu papel como grande escoador das commodities nacionais mantem-se a mais de 30
anos. Contudo, seu papel como porto especializado em cargas conteinerizadas, que
concentram grande valor agregado aos portos e as cidades que o sediam, desceu de 37% dos
anos 1990 para 27% em 2015 (BRASIL, 2016, p. 15).
Esses dados já nos dizem muita coisa, especialmente que o Porto de Santos, apesar
de sua imensa importância econômica, perdeu hegemonia enquanto estruturante das políticas
nacionais para o setor (FALCÃO, 2006).
Olhando para o complexo portuário de Itajaí (Itajaí e Navegantes) no ano de 2009, os
desembarques tiveram uma redução de 35,1% na movimentação de cargas de navegação em
relação ao ano de 2008. Contudo, houve crescimento de 13,7% das cargas embarcadas em
relação ao mesmo período. Para Miguel e Souza (2017, p. 7), esse acréscimo “[...] pode ser
uma indicação de que há uma demanda reprimida pelo porto no sentido de exportação”.
Em comparação, para todo o Estado de Santa Catarina (que abriga, além do porto de
Itajaí, também os portos de Gravatal, Imbituba, Navegantes, Itapoá e São Francisco do Sul)
temos um cenário de crescimento das operações portuárias, mas de grande volatilidade para
os portos. Até o ano de 2010, o Porto de Itajaí destacou-se pela movimentação de contêineres,
ocupando a segunda posição do ranking nacional, estando atrás apenas do porto de Santos. A
comparação de Itajaí com esse e outros portos de maior envergadura é instrutivo em razão das
múltiplas causas que vem afetando os portos de menor porte, como por exemplo, a
especialização dos portos com foco em carga conteinerizada. Isso gera maior volatilidade aos
portos de pequeno porte.
77

Gráfico 3: Desempenho portuário por tipo de carga (em toneladas) 2010-2015.

Fonte: Miguel; Souza (2017).

Por ordem de desempenho das cargas conteinerizadas, em 2010, o porto privado


[Portonave] localizado dentro da área do porto público [APM terminals] 25 teve uma
movimentação geral de 38.668.047 toneladas. Assim como aquele porto, Itajaí e Itapoá têm
sua especialidade na movimentação de contêineres. Itajaí aparece em segundo lugar com
22.916.246 de toneladas, logo em seguida Itapoá com 20.800.392 toneladas e, por fim,
Imbituba com 15.505.652 toneladas, onde é especialista na movimentação de granel sólido
(MIGUEL; SOUZA, 2017, p. 7).
Em 2010, no ápice da movimentação de cargas no complexo portuário de Itajaí (com
Itajaí e Navegantes), registramos que quase a metade de contêineres foram vazios, e a outra
com contêineres cheios. Esses contêineres vazios, nessa quantidade, indicam uma sobre
utilização do espaço de armazenamento, refletindo na posição estratégica dos portos de Itajaí
como pontos de deslocamento de cargas de portos próximos (ZILLI et al, 2016). Portanto,
acirra-se a disputa por carga na base da intensa exploração de áreas internas aos portos e de
corte intensivo nos custos com a força de trabalho (DIÉGUEZ, 2014).
A disputa por cargas intensifica-se pela política empresarial adotada no terminal
privativo Portonave, que fica ao lado do Porto de Itajaí. Aquele terminal é controlado pelo
grupo econômico Triunfo, o qual detém participação em portos como Manaus (AM) e Pecém
(CE). Trata-se de um grupo econômico com o foco na construção de infraestruturas terrestres
25
Ver figura 1.
78

e aeroportos. Sua estrutura acionária não a posiciona como dona de cargas próprias, o que por
lei caracteriza-se em situação de ilegalidade ao menos até 2013 com a Lei nº12/815. Essa
condição nos indicou, em nossa pesquisa, uma disposição pelo prolongamento das disputas
pelo acesso a esse mercado, negando-se a contratação de trabalhadores avulsos e no
pagamento de taxas para a manutenção das vias aquaviárias.
No conjunto, contudo, a soma tem sido de acréscimo de contêineres, com os
benefícios sobre esse cenário sendo questionado de ambos os lados. Podemos ver que, devido
a esses resultados, o Porto de Itajaí e Navegantes são caracterizados como portos
concertadores, assim como portos de Suape e Rio Grande, que aglutinam as forças dos portos
da macrorregião que pertencem e executam atividades mais especializadas.
A partir do Plano mestre do Porto de Itajaí (2015, p. 6), vemos que o complexo
portuário “[...] é composto ‘por 28 armazéns, com capacidade coberta de 465 mil metros
quadrados de área total’. Juntamente com os Terminais de Uso Privado – TUPs o Teporti
Terminal Portuário Itajaí S.A., Poly Terminais S.A., Barra do Rio Terminal Portuário,
Trocadeiro Terminal Portuário, Terminal Portuário Braskarne e, Portonave S.A. Terminais
Portuários de Navegantes” - temos o APM Terminals, terminal público arrendado.
O Complexo encerrou o ano de 2010 com uma movimentação de 957,13 mil TEU 26.
O resultado representou um avanço de 61% em relação a 2009. Com relação ao número de
escalas, em 2010 o Complexo registrou 1,25 mil atracações, ante 1,02 mil atracações em
2009.
O crescimento da movimentação no Complexo Portuário, com os portos de Itajaí e
Navegantes, tem sido de uma taxa média anual, de 8,6%, superior à média brasileira, de 6,6%.
Tal crescimento se acelerou a partir de 2010, especificamente no TUP Portonave, para onde
foi transferida gradativamente parte da movimentação do porto público. Essa transferência
tem sido acompanhada de acusações do porto público pelo fato de essas cargas serem de
terceiros, o que é proibido pela legislação. O porto privado contesta, alegando que estava
alocado em uma área fora do porto público 27.

26
A sigla TEU (Twenty Foot Equivalent Unit) refere-se à Unidade Equivalente de Transporte, que possui um
tamanho padrão de contêiner intermodal de 20 pés.
27
Ver: Tribunal Regional do Trabalho 12º turma/ Ação civil pública ACP 01674-2008-047-12-00-5. Itajaí: 3º
Vara do trabalho. 2008. Essa açao civil pública desencadeia inumeros pareceres sobre a viabilidade do porto
privado, com as repercusões sobre o trabalho desempenhando papel indispensavel para as lutas locais, que foram
encaminhadas até 2011 com pareceres da Justiça do Trabalho.
79

Contudo, se olharmos para assoma dos dois portos, a partir do ranking abaixo, vemos
que o complexo portuário avança consideravelmente sua posição de centro concentrador de
carga, ou seja, agregando cargas de diversos portos e embarcando-os também para diversos
destinos28.

Tabela3: Movimentação de contêineres nos portos brasileiros

Porto Quantidade %
Santos 2.042.127 35.8
Paranaguá 439.820 7.7
TUP Portonave 414.655 7.3
Rio Grande 387.351 6.8
Rio de Janeiro 315.649 5.5
TUP Porto Itapoá 294.267 5.2
Suape 258.240 4.5
Itaguaí 240.983 4.2
Itajaí 239.297 4.2
TUP Chibatão 212.111 3.7
Salvador 177.120 3.1
Vitória 142.622 2.5
TUP Embraport 138.833 2.4
TUP Super Terminais 113.91 2.0
TUP Pecém 93.485 1.6
Outros 196.504 3.4
Total 100
Labtrans (2015)

Ao olharmos para o rendimento desses portos, verificamos o interesse destes pelo


prolongamento dos conflitos visando abocanhar fatias crescentes desse mercado. Em termos
de valor agregado o Porto de Itajaí e Navegantes geraram 10% do PIB nacional, em 2015.
Assim, conseguimos ver que existem grandes incentivos para a abertura de portos de estrutura
mediana, com potencial de captura de cargas conteinerizadas, as quais impulsionaram
enormemente as economias regionais (ZILLI et al, 2016).
As cargas em ambos os portos se concentram predominantemente no setor de aves
congeladas, e muito dos contêineres vazios refletiu uma política intensiva em importação ou
deslocamento de cargas de outros estados. Estas, com o claro propósito de serem retornadas

28
Com 45% das cargas de Itajaí direcionadas ao Estado do Acre. Esses dados, portanto, indicam como o sistema
portuário tem se complexificado quanto à abertura e viabilidade de novas rotas marítimas em 2010
(CARVALHO, 2015, p. 16).
80

aos seus Estados de origem por conta dos benefícios da política de isenção fiscal adotada pelo
Estado de Santa Catarina (GOULARTI FILHO, 2014). Portanto, muito retorno, mas também
muitos riscos foram se somando com o avanço da privatização desses portos.
O contrato de arrendamento com a APM Terminals (Porto de Itajaí) possui cláusula
de movimentação mínima de contêineres. A exigência contratual é progressiva e atinge 250
mil TEU (unidade por container) após o décimo ano de contrato. Essa cláusula exige que o
arrendatário mantenha um bom nível de movimentação e de produtividade.
Além disso, a retro área do Porto de Itajaí, tanto na porção arrendada quanto na
pública, é bastante estreita e sua configuração dificulta uma operação eficiente nos pátios. Sua
expansão é restrita em virtude do adensamento urbano existente nas adjacências dos pátios.
O terminal arrendado, a APM Terminals - em Itajaí, tem área de 79.267 m2 e uma
frente de atracação com 535 metros de extensão, com 2 berços equipados com dois
portêineres pós-Panamax29.
No cais comercial, a área para armazenagem de contêineres totaliza 83.224 m2 e o
cais tem uma extensão de 500 m, divididos em berços 3 e 4. A empresa operadora dispõe,
30
ainda, de três Mobile Harbor Cranes (MHC) ,catorze Reach Stackers31 e duas empilhadeiras
para conteineres vazios.

Figura3: Cais portuário

Fonte: Labtrans –UFSC (2015)

29
Vale mencionar que o berço 1 esteve em obras desde setembro de 2011, retornado somente em 2014.
30
É o guindaste de terra, menos usado nos portos conteinerizados, já que ele depende do manuseio manual da
lança que movimenta o guindaste.
31
Os Reach Stackers transportam contêineres numa distância curta de forma ágil. Suas características são a
rapidez e capacidade de fácil manobra com precisão.
81

O concorrente principal do porto público de Itajaí é o terminal portuário Portonave,


localizado a 400m de distância daquele porto tem uma área de cerca de 270 mil m2 e sua
frente de atracação tem 900 m de extensão. Os equipamentos do terminal incluem seis
portêineres32, três MHCs, dezoito RTGs33, três empilhadeiras para cheios e três para vazios.
Nessa tabela abaixo conseguimos notar, como já mencionado anteriormente, uma
queda acentuada das cargas manuseadas no porto público e da arrecadação, sendo ambas
concomitantes a entrada do terminal privado, Portonave. No conjunto, contudo, a soma tem
sido de acréscimo de contêineres.

Tabela3: Evolução da movimentação de contêineres no complexo portuário de Itajaí

Ano Porto Público TUP Portonave Soma


2004 318.240 - 318.240
2005 364.466 - 364.466
2006 385.617 - 385.61738443
2007 374.678 6.765 395243
2008 271.989 123.254 395.243
2009 110.021 235.005 345.026
2010 223.219 341.027 564.246
2011 60.964 332.816 593.780
2012 241.852 374.712 616.564
2013 244.644 426.193 670.837
Fonte: Labtrans –UFSC (2015)

Podemos ver que, devido a esses resultados, o Porto de Itajaí e Navegantes são
caracterizados como portos concertadores, assim como portos de Suape e Rio Grande, que
aglutinam as forças dos portos da macrorregião, os quais pertencem e executam atividades
mais especializadas.
Posto dessa forma, os principais atores econômicos têm intensificado sua demanda
pela exploração desse território, com a presença da fração comercial com tradings, frigoríficos
e armazéns pressionando pela ocupação do espaço nos portos públicos (ISRAEL et al, 2007).
Logo, os conflitos têm sido exponenciais no porto de Itajaí. A privatização intensa
dos portos levou esse conflito ao extremo, ao ponto de o porto privado se negar a pagar as

32
Guindaste automático e consegue movimentar dois contêineres tipo TEU (Unidade Equivalente a 20 pés) por
vez, suportando carga de 65 toneladas.
33
Empilhadeira especifica para o manuseio para pilhas de conteineres estocadas nos cais e armazéns dos portos.
82

taxas de manutenção da estrutura aquaviária, o que tem demandado respostas da autoridade


local para responder à altura.
A pressão trazida com a privatização colocou o terminal privado - Portonave -como
principal antagonista da cidade de Itajaí. A fuga de cargas para essa cidade foi o estopim para
que porto público, autoridade local e trabalhadores agissem em sincrônica, especialmente no
momento em que esse terminal se recusa a contratar trabalhadores do porto de Itajaí, que por
lei deveriam.
Por fim, o conflito aponta também para o fato de que se tem trazido pressão extra aos
agentes locais para responder a sucateamento da infraestrutura: os sedimentos se acumulam, a
poluição alcança a Foz do Rio Itajaí, e a ocupação desorganizada do território tem trazido
consequências, entre as quais, de inúmeros armazéns que buscam abastecer a demanda
empresarial por espaço a suas cargas.
Nesse sentido, as incertezas que pairaram sobre esses investimentos foram muitas,
principalmente para os portos que alcançaram a condição de portos concentradores como os
de Itajaí. Assim, os entrevistados enfatizam-nos que existe pressão pela reestruturação desses
portos, com investimentos,

[...] que ficaram parados desde 2010 até 2012. Além disso, muitos trabalhadores
sofreram com isso porque foram retirados de suas funções habituais, e demandados
a se vincular, o que é ruim para o trabalho portuário (estivador, Itajaí, 45 anos).

O ano passado inteiro [2015] não conseguimos trabalho, eles vincularam gente por
fora do sindicato e ficamos a ver navios (sindicalista, conferente, Itajaí, 45 anos).

A frequência dos navios, com rotas fixas, com cargas que não são mais sazonais, o
uso constante de força de trabalho, a ampliação das malhas externas ao porto de distribuição e
armazenamento, colocaram a questão da volatilidade dos investimentos como um traço
presente das estratégias de privatização dos complexos portuários onde se encontram os
portos públicos.
É nesse sentido que tivemos uma oportunidade de, com a mudança no perfil do
mercado portuário, analisar como se deu uma brecha para a ação contestatória dos
trabalhadores avulsos portuários contra a privatização de ambos os portos e suas
infraestruturas. Antes disso, precisamos analisar o processo de trabalho dos trabalhadores
portuários da capatazia e estiva.
83

3.2 Os trabalhadores portuários avulsos de Itajaí: estivadores e capatazia

Optamos, a partir de agora, por dar ênfase na forma como os trabalhadores


organizados buscaram responder aos diversos efeitos nocivos que vieram com a privatização
dos portos nos anos 2000. Exemplificaremos o trabalho no porto pelas duas categorias que
detêm peso tanto no desenvolvimento do trabalho portuário quanto na organização dos seus
sindicatos frente as disputas trabalhistas. São elas: a estiva (movimentação de cargas e
mercadorias dentro do navio – no mar) e capatazia (movimentação de cargas e mercadorias
nas instalações portuárias - em terra). Avançaremos com alguns apontamos sobre a rotina
dessas profissões, visando encontrar traços comuns a elas atualmente. Nossa estratégia é
apontar como as semelhanças, dentro do contexto de revisão das estruturas estatais e do
trabalho, repercutem em uma discussão importante e atual sobre formas de flexibilização
utilizadas por empresários nos portos brasileiros.
Assim, começando com os estivadores, é importante dizer que eles executam
diversas funções nos portos. De acordo com a definição dada pelo Ministério do Trabalho e
Emprego, os estivadores podem exercer as funções de:

a) Contramestre-geral ou do navio – a maior autoridade da estiva a bordo, a quem


cabe coordenar os trabalhos em todos os porões do navio, de acordo com as
instruções do operador portuário e do comandante do navio, dirigindo e orientando
todos os estivadores a bordo. b) Contramestre de terno ou de porão – o que dirige e
orienta o serviço de estiva em cada porão de acordo com as instruções do operador
portuário, do comandante do navio ou do representante no porto, do planista ou do
contramestre-geral ou do navio. c) Sinaleiro ou “Portaló” – o que orienta o trabalho
dos operadores de aparelho de guindar, por meio de sinais. Ele fica em uma posição
em que possa ver bem tanto o local onde a lingada é engatada como aquele em que é
depositada, e onde possa ser visto pelo guincheiro ou guindasteiro. d) Guincheiro –
trabalhador habilitado a operar guindaste. No porto denomina- se genericamente os
operadores dos aparelhos de guindar de terra como guindasteiros, sendo trabalhador
de capatazia. No caso do operador de aparelho de guindar de bordo, este é
comumente chamado guincheiro e é trabalhador da estiva. e) Motorista – o que
dirige o veículo quando esta é embarcada ou desembarcada através de sistema roll
on/roll off (ro/ro). Ressalte-se que é praxe nessa operação haver a troca de
motoristas quando o veículo toca o cais. Sai o motorista da estiva e entra o motorista
da capatazia, que conduz o mesmo até o pátio de armazenagem. f) Operador de
equipamentos – estivador habilitado a operar empilhadeira, pá carregadeira ou outro
equipamento de movimentação de carga a bordo. g) Estivador – trabalhador que, no
carregamento, desfaz as lingadas e transporta os volumes para as posições
determinadas em que vão ser estivados. No descarregamento, traz os volumes das
posições onde estão estivados e prepara as lingadas. h) Peador/despeador ou conexo
– trabalhador que faz a peação/despeação. Trabalhador com certa especialização,
visto que muitos trabalhos fazem uso de técnicas de carpintaria (escoramento da
carga com
madeira) (MTE, 2001, p.21-22).
84

Figura 4: Estivador em função de Portaló

Fonte: OGMO (2018)

Figura 5: Estivador em função de guindas

Fonte: notícias vale do Itajaí (2017)


85

Figura 6: Estivador em função de escorame

Fonte: notícias vale do Itajaí (2017)

Figura 7: Estivador como motorista

Fonte: OGMO (2018)

Nas imagens acima podemos ver que a multiplicidade de tarefas realizadas pelos
estivadores. Como nos diz um estivador (40 anos), “o trabalho sempre foi bastante
diversificado, podemos fazer várias funções. Num dia somos motoristas, noutro guindasteiro
(operador de guindaste) e sinalizador, pegamos o trator e trabalhamos no costado dentro do
navio com açúcar, muito frango que é o forte mesmo”. Portanto, falar em rotina do trabalho é
86

incomum para esses trabalhadores. A variedade e dinamicidade do trabalho são desenvolvidas


constantemente, o que demanda competências também distintas para cada função (chamado
também de “engate”).
Essa diversidade do trabalho do estivador, assim como da capatazia, que veremos em
seguida, vai além das funções que exerce no dia-a-dia, colocando-se também no plano da
composição dos “ternos”, termo que designa a composição das equipes de trabalho. Essas
equipes são compostas tanto por profissionais avulsos como vinculados ao OGMO, mas
sempre respeitando uma ordem de prioridade.
Até 2004 as atas do sindicato da estiva nos dizem que o comparecimento no local de
trabalho, para o engajamento, dava-se em um ponto de escalação do OGMO localizado na
frente do porto público de Itajaí. O trabalhador apresenta-se no cais para o início de sua faina
(uma das funções que compõe o trabalho da estiva), onde um supervisor - geralmente um
estivador contratado por prazo indeterminado (também chamado de “vinculado”) - repassa o
trabalho demandado para o contramestre do terno, o qual passa para todos os trabalhadores:
motoristas, sinaleiros, encosto, conexos e o trabalhador de bloco 34.
Para o serviço de caminhões e outros equipamentos motorizados a composição dos
ternos varia, seja para o deslocamento de carga conteinerizada até o guindaste ou para a
ovação de carros no navio. No caso da carga de carros, a composição do terno é composta da
sequência equipe: 4 motoristas, 1 contramestre de produção, 1 contramestre de conexo (4
estivadores e 2 do bloco), que fazem o trabalho de peação e despeação (amarra e desamarra
dos carros no navio e fora dele) 1 portaló e 2 parqueadores. Portanto, temos 15 trabalhadores
compondo o terno.
Nesse exemplo, o estivador recebe o carro da capatazia em terra, assim como ele o
devolve no momento em que toca no cais. No caso da ovação de carros, ao iniciar a faina o
estivador-motorista precisa estar ao pé dá rampa do navio para receber o carro, com portaló
(sinalizador) e parqueador – que estaciona os carros - no aguardo dentro do navio.
Para Barros (2017) a sequência de trabalhadores que se posicionam atesta a
necessidade de pensar a equipe de trabalho como uma entidade coletiva, que se adequa as
especificidades do trabalho. Até o carro chegar à rampa, o estivador está de prontidão
esperando o trabalhador da capatazia com o carro chegar à ponta do cais para ser recebido por
aquele trabalhador. Na rampa, o mestre do terno acompanha a estivagem ou ovação, como

34
A legislação de 1998 demanda a incorporação do bloco nas atividades conexas da estiva ou de capatazia, em
razão dos processos de enxugamento e mudança produtiva também já esperados pela legislação do setor.
87

uma lógica que lembra um dança de cadeiras: ao tomar o volante, o estivador entra com o
carro no navio, estaciona, e volta a pé, podendo utilizar a rampa ou escada e esperam sua vez
para pegar outro veículo, reiniciando a dança de cadeiras.
O navio transporta várias cargas, o que demanda competências que mais se
assemelham a um gigante quebra-cabeças coletivo, com os trabalhadores ativamente
construindo as peças que precisam ser precisamente encaixadas no momento e lugar certo.
Esse é o caso dos parqueadores que verificam se a posição dos carros está de acordo com o
plano de estivagem, alterando-os na medida que se demande mais espaço no navio. Os
estivadores que desempenham a função de Portaló são indispensáveis nesse processo por que
ajudam que o fluxo de trabalho dessa carga, o carro, não entre em colisões no embarque e
desembarque dessa e outras cargas.
Sobre a remuneração dos estivadores, ela difere em relação a jornada de trabalho e
quanto a atividade que exercem. Baseamo-nos no acordo coletivo de 2010 para ilustrar como
se dá essas condições de trabalho.
As jornadas de trabalho são divididas em quatro turnos: 1º) das 07: 00 às 13:00
horas; 2º) das 13:00 às 19:00 horas; 3º) das 19:00 às 01:00 horas; 4º) das 01:00 às 07:00 (do
outro dia). O descanso de 11horas após cada chamada é obrigatório, o que poderia ser
negociado para 6 horas como nos fora relatado como uma nova “demanda dos trabalhadores
para o ano de 2016, mas daí vai ser sempre assim até o término do acordo” (estivador, 38
anos). De todo modo, a lógica do trabalho supletivo se dá na seguinte forma, mecanismo que
permite aos trabalhadores responder as variações de carga e sua intensidade no porto:

O período das 07x 13 – Navio A” finaliza os trabalhos as 09hs, navio “B” inicia os
trabalhos as 10hs, a equipe que marcou no navio “A” continua os trabalhos no navio
B que atracara no mesmo berço, com acréscimo de 50% no salário mais produção,
que será efetuada no navio “B” (Convenção COLETIVA estivadores, 2012).

Há somado a isso a possibilidade de turnos de 8 horas. Para os trabalhadores


entrevistados é comum a jornada 6 horas entre os avulsos e de 8 horas entre os vinculados.
Essa situação já é enunciada na diferença de remuneração, que somente em 2012 foi superada,
mesmo estando esses dois grupos de trabalhadores do mesmo sindicato. Nessa convenção
coletiva (sindicato dos estivadores, 2012), os trabalhadores conseguiram manter uma renda
mínima aos avulsos de 45 reais, antes inexistente, enquanto para os vinculados já se mantinha
em 70 reais conferido diretamente do empresário ao trabalhador.
Os estivadores possuem direitos adicionais, como o adicional noturno – a partir das
19 horas às 07 horas do dia seguinte), que incide a partir da remuneração básica recebida, com
88

50% aos sábados e 75% aos domingos. Eles detêm também outros adicionais como vale
transporte, percentual de férias, 13 salário; FGTS; 17% sobre o Repouso Semanal
Remunerado (RSR), e direito a ticket refeição de 15 reais.
Como exemplo das tabelas a seguir conseguimos ver que, em 2010, o trabalho dos
estivadores, e todas as categorias de portuários, dependem da produtividade.

Tabela5: Taxa Automóvel (unidade)

Períodos Taxa
Todos R$ 3,19 Fonte: Termo Aditivo Sindicato dos Estivadores
de Itajaí (2010)

Tabela6: Taxa Contêiner (Vazio, unidade)

Períodos Taxa
Todos R$ 1,04
Fonte: Termo Aditivo Sindicato dos Estivadores de Itajaí (2010)

Tabela7: Taxa Contêiner (Cheio, unidade)

Períodos Taxa
Todos R$ 4,45
Fonte: Termo Aditivo Sindicato dos Estivadores de Itajaí (2010)

Tabela8: Taxa Granel (tonelada)

Períodos Taxa
07x13 0,045
13X19 0,045
19X01 0,068
01x07 0,073
Fonte: Termo Aditivo Sindicato dos Estivadores de Itajaí (2010)

Tabela9: Carga Geral (tonelada)

Períodos Taxa
07x13 0,238
13x19 0,238
19x01 0,357
01x07 0,386
Fonte: Termo Aditivo Sindicato dos Estivadores de Itajaí (2010)
89

Tabela10: Taxa Congelado – Frango (Caixa)

Períodos Taxa
07x13 0,012
13x19 0,012
19x01 0,016
01x07 0,016
Fonte: Termo Aditivo Sindicato dos Estivadores de Itajaí (2010)

Os trabalhadores na estiva recebem por produtividade, mas ao passar o mínimo


demandado, sua remuneração alcança uma sobretaxa a partir do que conseguem produzir,
recebendo o mínimo estabelecido por jornada. O valor de movimentação é multiplicado a
cada período de trabalho por uma quota mínima, definida para a função que o estivador
exerce. Essa situação varia, além das cotas e dos produtos manuseados, com os equipamentos
que predominam ou são requisitados pelos empregadores.
As operações portuárias com contêineres predominam em Itajaí. A diferença entre o
valor pago por contêiner e por caixa, como vimos nas tabelas, explica-nos o grande interesse
dos trabalhadores em transitar para esse novo modelo de produção, contemplado em 2001
com a entrada de novos armadores e operadores portuários. Podemos ver, na tabela abaixo,
por ordem crescente no uso da força de trabalho em relação aos aparelhos para manuseio de
cargas. A opção por certo tipo de equipamento tem trazido consequências nocivas para os
trabalhadores, em especial à estiva. No primeiro aparelho, de tipo Portainer, a redução em
relação a métodos menos sofisticados é de nada menos que a metade dos trabalhadores
demandados.

Tabela11: Descrição dos trabalhadores da

Função35 e cota (valor


corrente pago por tonelada
Descrição da operação Total de trabalhadores
ou unidade, variando para
cada tipo de carga)
1 contramestre geral (2.25);
Embarque e desembarque
1 contramestre porão, 1
de contêineres (Aparelho 6
portaló (1,50), 3 lingadas
tipo Portainer 36
(1,28)

35
Pode ser requisitado mais ternos mediante a necessidade do armador.
36
Guindaste automatizado, acoplamento dos contêineres em terra é automático.
90

Embarque e desembarque 1 contramestre geral (2.25);


de contêineres (Mobile 1 contramestre porão (1.50);
7
Habor Crane, com Spreader 1 portaló (1.50), 4 lingadas
Automático37) (1.28).
1 contramestre (2.25t);
contramestre de porão
Embarque e desembarque
(1.50t); 2 guincheiros
de contêineres (aparelho de 12
(1.21t) 1 portaló (1.12t); 6
bordo38)
lingada (1.16t), rendição
(1.12t)
Fonte: Termo Aditivo Sindicato dos Estivadores (2010)

Avançando com o sistema de remuneração sobre a movimentação de contêineres,


com o aparelho que demanda mais trabalhadores, vemos que eles receberem 0,01 centavo por
caixa de frango, em comparação com um contêiner, onde eles podem receber 4,425 quando
cheio, vazio recebem 1,25.
Assim como o frango manuseado agora em contêineres, as equipes de transição entre
um navio e outro são essenciais para que o trabalho seja bem feito e em tempo hábil. Elas são
as equipes que receberão um valor extra em razão da posição que ocuparam no navio anterior.
Com a entrada de outro navio, elas avançam para o recém-chegado ao porto e recebem uma
taxa extra somada àquilo que já estavam ganhando. Ou seja, eles recebem uma cota mais
aquela que exercem no segundo navio por terem sido os primeiros a entrarem no engate.
Essa situação deveria promover maior solidariedade entre as equipes, uma vez que
eles permitem a continuidade do trabalho entre as mesmas e são remuneradas de forma
correspondente. No mínimo, podemos ver que o interesse desses trabalhadores por maior
rendimento acompanha necessariamente a defesa dos interesses de todos os trabalhadores.
Chamamos atenção que os valores pagos, segundo Barros (2017), não possuem
necessariamente um equivalente em termos de custo da operação em razão do maquinário
utilizado. Esses valores são acordados em convenções coletivas e refletem uma situação onde
o poder de barganha dos trabalhadores portuários influi sobremaneira. Exemplo dessa
influência pode ser percebida também no porto de Santos, onde os trabalhadores conseguiram
aplicar à sua discrição o uso de Portainer – que suprime a metade do terno dos estivadores.
Logo, além da remuneração base, as diferenças de poder precisam ser discutidas para
entendermos o potencial de alcançar resultados mais favoráveis aos trabalhadores (DIÉGUEZ,
2014).

37
Guindaste com lançadeira (“Spreader”) automático.
38
Navio em desuso que possui guindaste em anexo a escotilha.
91

Em portos menores, a situação foi de anuência com a pressão empresarial, como o


exemplo de Itajaí, com a política do porto de expansão aos equipamentos que trariam maior
automatização dos processos, desejosos de verem mais cargas acenderem aos portos, assim
como de reterem promessas de que o processo de enxugamento de seus quadros seria retido.
Portanto, olhando mais detidamente a categoria seguinte de trabalhadores, a
capatazia, a intenção é vermos que tipo de atividades eles desenvolvem, para depois disso
refletir sobre os limites e alcances das práticas laborais para a promoção de solidariedade.
Podemos ver abaixo a divisão do trabalho por produção:

Tabela12: organização do trabalho de capatazia

O responsável pela disciplina dos arrumadores na função


de equipe e pela execução dos serviços no costado,
Capataz servindo como elemento de ligação com o operador
portuário e demais autoridades envolvidas na operação

Rendidor da equipe de trabalho realiza serviços de


engate e desengate de carga a serem embarcadas em
navios (todas as fainas), posicionamento do caminhão no
encostado, colocação e retirada de sapatas (castanhas)
Rendição nos contêineres; disciplina os arrumadores na função de
equipe e execução dos serviços no encostado, servindo de
elemento de ligação com o operador portuário e demais
autoridades envolvidas na operação

É o arrumador/capataz que realiza a movimentação de


embarque e desembarque de cargas nas embarcações
Guincheiro conforme plano de carga no equipamento em
equipamento Mobile Habour Crane

Operador de empilhadeira de pequeno porto> Realiza


movimentação de cargas soltas que precisam ser
Operador I
unitizadas ou desunitizadas em contêineres e, separação
de mercadorias nos armazéns para fiscalização da receita.
Operador de empilhadeira de Grande porte, responsável
pela carga e descarga de contêineres nos caminhões e
Operador II
condicionamento dos mesmos nas praças de destino

– Operador de empilhadeira de pequeno porto> Realiza


movimentação de cargas soltas que precisam ser
Operador II Pátio – unitizadas ou desunitizadas em contêineres e, separação
de mercadorias nos armazéns para fiscalização da receita.

– Responsável de Manobrar veículos de pequeno e


Motorista grande porte dentro da área portuária
Fonte: Convenção Coletiva do Sindicato da Capatazia (2010)
92

Portanto, o trabalho da capatazia se dá em terra, no ambiente do cais, pátio e


armazéns. Os horários de escalação dos trabalhadores da capatazia são similares aos dos
estivadores, eles detêm também um sistema de rodizio e são escalados pelo OGMO. A
necessidade de trabalho fora do rodizio, que se chama “fora de hora”, e tem permitido a esses
trabalhadores aplicarem consecutivamente o sistema de “acumulado”, ou seja, podendo
trabalhar em turnos duplos, de 6 horas cada, sem a necessidade de folgar. Esse sistema é
muito conhecido também entre os estivadores, que permite a capatazia adaptar a lógica do
trabalho supletivo à suas demandas internas de organização do trabalho. A descrição
disponível da composição dos ternos segue a seguinte ordem referente ao tipo de carga
manuseada e a quantidade de homens.

Tabela13: composição de terno

Tipo de Carga Terno


Congelado palletizado 4
Congelado em caixa solta 6
Carga Geral 6
Sacaria 8

Fonte: Convenção Coletiva do Sindicato da Capatazia (2010)

Essas cargas em terra, no encostado do navio, são manuseadas por um guindaste,


função da capatazia, com um guindasteiro e um rendição; com dois guindastes, são alocados
dois guindasteiros e continua com um rendição; para operar 3 guindastes, 3 guindasteiros e 2
rendições. Para cada navio convocado, um capataz sob ao navio, além da convocação de um
capataz para cada caminhão, trator, empilhadeira ou carro.
Dentro dos armazéns e pátio, temos: em caminhão aberto ou fechado com uso de
empilhadeira = 04 homens; caminhão aberto ou fechado sem uso de empilhadeira = 06
homens; para abrir carrocerias de caminhões para posterior descarga no encostado do navio
será requisitado = 02 homens para cada equipe; para retirar calços e estrados e alonamento de
caminhão = 02 homens.
A remuneração dentro dos armazéns para cargas menores é de 66 reais; cargas
médias, 66 reais; grandes, 99 reais; e extragrande 106 reais. A remuneração para a operação
de guindastes e máquinas varia entre 66 a 106 reais na mesma proporção das cargas em
93

armazéns. Portanto, podemos ver que o valor da capatazia é superior aos estivadores o que
sugeriu-nos refletir se haveria interesse por uma participação dos estivadores nesses trabalhos.
A ordem de escalação segue a seguinte ordem: primeiro são chamados os operadores
de equipamentos, como empilhadeiras, tratores e caminhões; em seguida vem os guincheiros;
terceiro são chamados os trabalhadores para o cargo de chefia; quarto são chamados os
trabalhadores para cargas e descargas de navios; por fim são os trabalhadores para armazéns e
pátio.
Existe aqui uma diferença entre as categorias de estivadores e capatazia: com este, os
trabalhadores são chamados progressivamente, compondo uma força supletiva dos armazéns.
Isso porque, como está especificado em acordo coletivo, os trabalhadores de guincho e no
encostado desempenham a função de absorver não somente a demanda dos navios, mas das
atividades que acontecem nos pátios e armazéns (convenção coletiva sindicato da capatazia de
Itajaí, 2010).
Em comum, ambos – estiva e capatazia - precisam lidar com o fato de que os navios
com maior produção/por homem detêm preferência sobre os de menor produção/homem na
escalação de trabalhadores. A preferência segue também para o tipo de carga, com guindastes
automatizados para contêineres; com as cargas convencionais, que precisam de guindastes
manual ou semiautomáticos; e navios com ponte de embarque e desembarque para bobinas,
açúcar, e Roll-on-roll-off (carros) que demandam grande contingente da força de trabalho.
Mercadorias como frango, congelados em geral, cargas soltas vêm em segundo lugar tanto na
preferência para atracamento, como para a composição dos ternos.
94

Figura 8: Capatazia na empilhadeira

Fonte: Diarinho (2017)

Figura 9: Capatazia na função de rendição

Fonte: ATDIGITAL (2018)


95

Devemos acrescentar que para cada tipo de atividade na capatazia existe o trabalho
de conferente, categoria de trabalhador avulso, responsável por validar todas as ações dos
trabalhadores da capatazia. Assim, existe conferente para contêiner vazio, conferente para
Lacre (garantindo que qualquer avaria na carga não ocorra), conferente para carga geral,
conferente para balança (dos caminhões que entram no porto). Existem os consertadores,
categoria de avulsos que, como o nome já diz, tem a função de reparar danos nas cargas e
instrumentos de trabalho dentro e fora dos navios. A categoria do bloco, em extinção, foi
anexada ao sindicato dos estivadores e era responsável pela manutenção e reparo dos navios.
É importante destacar que tivemos um movimento de expansão da atividade da
capatazia em Itajaí. Essa situação viera acompanhada da flexibilização do trabalho desta e da
categoria dos estivadores. Essa situação pede maiores esclarecimentos sobre um longo
caminho de reestruturação do porto de Itajaí, da luta por direitos do trabalho e da proposta de
unificação de uma nova forma de gestão do trabalho que superasse as formas vigentes de
subcontratação em curso.

3.3 Trabalho portuário e sua atualidade: o porto de Itajaí

Historicamente, três são os eixos que compõem o mercado de trabalho portuário. O


primeiro é o próprio navio e a sazonalidade que acompanha sua entrada nos portos. Em Itajaí,
um entrevistado nos diz: “[...] antigamente, se entrassem menos de três vezes por mês
incorreria em prejuízos para os armadores e a mão de obra” (estivador Itajaí, aposentado 70
anos).
O segundo eixo refere-se às disputas para a alocação de trabalhadores em um sistema
de baixa divisão social do trabalho, com trabalhadores semiespecializados, que aprenderam
seu ofício na medida em que atuam nos processos produtivos (WEINBAUER, 2001, p. 498).
Defendemos que essa lógica de exploração promoveu a solidariedade, pois a estrutura do
corporativismo portuário mantivera-se preservada mesmo num contexto de grande ofensiva
contra os trabalhadores.
Por fim, o terceiro eixo refere-se ao armazenamento das mercadorias, que precisam
ser manipuladas no cais e nos armazéns dentro dos portos. Esse ponto reflete a pressão dos
usuários do porto, que podem pressionar para que o ritmo, o manuseio e a organização do
trabalho ocorram de uma forma em detrimento de outra. A quantidade de empregadores e
96

intermediários funciona nesse terceiro eixo do mercado portuário, levando a negociação da


força de trabalho a intricados jogos de poder sobre os salários, horários e regras.
A presença massiva, ou não, de armadores era que definia de fato a relação dos
trabalhadores e sindicatos com os portos, porque os sindicatos negociavam diretamente com
os armadores, que compravam a força de trabalho. Essa regra é fechada com a legislação
8.630 que coloca o OGMO como representante dos trabalhadores. Essa relação não é de
obrigatoriedade, como bem enfatiza Diéguez (2014). Contudo, a pressão para a privatização
tem avançado para áreas fora do porto público, com a privatização das vias aquaviárias, do
Porto Organizado, com a entrada de terminais privados. Em nosso entendimento esse terceiro
eixo se refere também a um potencial para as pequenas paralizações, que surgem com mais
frequência pela pressão dos usuários descontentes com a política de privatização dos grandes
armadores. Esse potencial se refere aos custos associados as paralizações, que se
apresentaram caro demais aos portos e tem o potencial de colocar aos trabalhadores,
novamente, o ímpeto revolucionário na agenda política (SILVA, 2003).
A história do trabalho portuário coloca-se, então, sobre as transformações desses
espaços, com a formação dessa classe de trabalhadores como sua manifestação, de seu fazer-
se enquanto tal, com o trabalho coletivo assumindo a face primeira do processo de trabalho.
Nesse sentido, mencionamos que o trabalho da estiva e capatazia é diversificado, e
que tem um grande cuidado para que os trabalhadores estejam em sintonia no terno/equipe.
Essa situação permite-lhes mais segurança no movimentar das cargas e das atividades gerais,
assim como o companheirismo e solidariedade. A história do trabalho portuário é bastante
elucidativa dessas particularidades, conformando elementos que os levam a serem solidários
uns com os outros e a suas identidades.
Essa situação é retratada por um trabalhador portuário da estiva (60 anos, Itajaí):

[...] saber com quem você está trabalhando é fundamental, é essa pessoa que vai
cuidar de você quando ela for operar um guindaste, que te defende... porque é
complicado, agora é tudo vídeo e foto. Eles vão lá dizem que você quebrou, avariou
a carga, mas não é verdade. Daí querem descontar do teu salário.

A transmissão da atividade de pai para filho é uma referência dessa realidade social e
política do trabalho. De um lado, o vínculo familiar era indispensável para ter acesso a esse
mercado de trabalho, e foi uma maneira de pressionar os trabalhadores a assumir um ideal de
conduta similar ao sentido da fala do entrevistado anterior.
De outro, queremos enfatizar que essa dimensão histórica sobre o processo de
trabalho e da identidade de classe para a estiva está próximo em diversos sentidos com a
97

categoria da capatazia. Isto porque esse processo não se deu somente com o controle da força
de trabalho, mas antes disso.
A marca identitária defendida pelos portuários é de liberdade nos portos, de
autonomia para auto organizarem-se e definir suas tarefas e ritmo do trabalho, com os
sindicatos agindo em defesa dos mesmos. A fala de estivadores e capatazia, atualmente,
recupera os valores do universo laboral portuário. Um estivador nos diz: “meu trabalho aqui é
fonte de orgulho, sim, porque aprendi o que sei vivendo aqui dentro do porto” (estivador, 40
anos). Um trabalhador da capatazia (35 anos) nos diz a mesma coisa, enfatizando que “levo o
que aprendo aqui para a vida, é muito dinâmico, te dá um ritmo bom porque podemos
escolher ir e não ir, até um tempo atrás isso não era assim. Agora tá igual para todos os
trabalhadores.
A solidariedade e a proximidade de identidade entre os estivadores e capatazia, cada
um com suas especificidades, se deu a partir do conflito e desembocaram em momentos
precisos para uma luta unitária (SILVA, 1995). O conceito de classe, inspirado em Thompson
(2008) ajuda-nos a entender um modelo mais fluido de relações de produção, surgindo a partir
de seu próprio fazer-se. Suas experiências de trabalho, num conjunto mais amplo de relações
sociais, apontam para as transformações do porto antes e hoje.
Registramos que os estivadores foram os protagonistas para a ampliação do poder de
barganha de todos os portuários. Eles conquistaram essa façanha porque aproveitaram uma
posição estratégica no mercado de trabalho. Com milhares de trabalhadores afluindo nos
portos, a formação de um exército de reserva que pressionara os salários para baixo e que
impelira os trabalhadores para a luta organizada era a regra (SARTI, 1981). A prioridade
conferida aos estivadores no mercado de trabalho é um aspecto importante dessa dinâmica de
diferenciação, já que por ela surge as primeiras expressões do sindicato fechado aos
sindicalizados (também chamado de “Closed-Shop”).
Mesmo com a institucionalização dos sindicatos portuários, trabalhadores eventuais
eram chamados a pontos de distribuição de trabalho (engate), também chamados de “parede”.
O que definia a relação de contratação por parte do sindicalizado demandante de trabalho era
que “nada obriga o estivador a comparecer ao “ponto”, já que ele é diarista” (estivador, 38
anos, Itajaí). O ato de “engajar-se levantando a mão”, e manifestar o desejo de trabalhar
confere a ele a preferência ao trabalho, também chamado de “câmbio”.
Após passar pelo trabalho, a lista corre e somente depois de alcançar sua vez que ele
pode escolher ou não em pegar a função disponibilizada. O picote no cartão indica o dia e
período que trabalhara. Na medida em que não acessa o trabalho, independentemente do dia e
98

período (matutino, vespertino, noturno e madrugada), o trabalhador “ocupa a fila de


“avançado” na “parede” e poderá candidatar-se ao trabalho se a primeira fila, do câmbio, não
preencher o número da mão de obra requisitada (SARTI, 1981, p. 40).
Aqui chamamos atenção como a eventualidade do trabalho portuário, que caracteriza
a organização desse trabalho, é instituída por esse mecanismo que preserva o direito dos
sindicalizados a terem acesso ao trabalho primeiro (a reserva de mercado) depois o
disponibilizando aos outros trabalhadores que já tenham se apresentado.
A “dobra” (atualmente, período de trabalho “acumulado”), que é o chamado para um
segundo período de trabalho em menor tempo - em razão da intensidade de trabalho
disponível - também permite que esse mecanismo de privilégio seja preservado, permitindo
que ele avance sobre a fila.
Vemos que o trabalhador inicia seu engate apresentando-se no cais do porto,
necessariamente como um cadastrado no sistema portuário. Por exemplo, hipoteticamente,
temos 150 pessoas em cadastro e a demanda empresarial é de 80 trabalhadores. Desses 150,
60 são registrados. Logo, estes últimos terão suas vagas garantidas. Contudo, esses
trabalhadores não ocupam todas as vagas para ao trabalho, que ocorre nos períodos matutino,
vespertino, noturno e de madrugada. O trabalho nesse período pode pagar pior, ser mais
arriscado, podendo não ser “escolhido” pelo trabalhador.
Existe, portanto, sempre uma questão de dimensionamento do trabalho que passa
pelos trabalhadores e dos acordos possíveis que eles mesmos constroem e para controlarem a
distribuição do trabalho e responderem as demandas empresariais.
A distinção entre sindicalizados e não sindicalizados era a pedra fundamental que
definia o acesso ou não ao trabalho. Hoje, as diferenças são entre cadastrados e registrados.
Ambos, contudo, detém o direito ao trabalho. Os primeiros ainda pegam hoje os piores
trabalhos, que pagam menos e são mais desgastantes, deixando aos registrados os melhores
empregos.
Em Itajaí, todos são registrados, assim como em todos os portos do estado de Santa
Catarina, e outros portos do país, como de Rio Grande no estado do Rio Grande do Sul. Isso
significa que essa diferença entre cadastro e registro perdeu sua função? Que a flexibilização
irrestrita do trabalho acomete os trabalhadores em Itajaí? Não necessariamente.
O contexto dessa transformação da condição dos trabalhadores de Itajaí se refere a
ação do empresariado e Estado no sentido de avançarem com um discurso que coloca no
poder dos sindicatos uma ameaça a viabilidade econômica dos portos. Nesse sentido, a
legislação n º 8.630 retirou dos sindicatos o controle sobre a força de trabalho desde 1993, e a
99

transferiu a um órgão gestor, o OGMO, que ficou responsável pelas atividades que antes eram
do sindicato.
Contudo, registra-se a crescente demanda pela utilização de formas flexíveis de
trabalho nos portos, em razão do suposto insuflamento desse mercado de trabalho, dos custos
associados a manutenção desses trabalhadores e da baixa qualificação para operarem novos
equipamentos e cargas condicionadas em navios agora extremamente automatizados 39.
Isso porque, como a condição de cadastro não existe mais em Itajaí, naturalmente o
trabalhador deveria estar completamente a disposição do empresário. Mas estão todos são
trabalhadores dispostos a flexibilização e às necessidades dos empresários? Em nosso
entendimento, não. Exploramos, juntamente com Barros (2017), a ideia de que em momentos
favoráveis aos interesses dos trabalhadores a liberalização desse mercado viera acompanhada
de uma permanência de formas antigas ou tradicionais de distribuição do trabalho.
Segundo um entrevistado,

[...] mesmo com o OGMO, recentemente [2014-2016] eles pedem para a gente
comparecer para confirmar o engate, então, tem essa questão, o povo tá aparecendo.
Porque na convenção recente foi estipulado um ganho mínimo em cada chamada.
Senão, é conveniente não sair de casa porque eu demoro uma hora para chegar aqui.
(Estivador, 44 anos, Itajaí)40.

Podemos ver que a dimensão da autodeterminação do trabalho permanece e é


destacada nas falas dos trabalhadores, tanto para os novos processos de contratação como para
permanência no trabalho. Além disso, não entendemos que esse órgão de gestão da força de
trabalho possui somente uma função de representar os interesses do patrão (DIÉGUEZ, 2014;
BARROS, 2017). Isso porque, mesmo em momentos de crise, onde os trabalhadores não
tinham como negociar com os patrões, esse órgão viera em defesa dos interesses dos
trabalhadores. O que explica isso?
O destino dos portos no Brasil no que toca a preservação do mercado de trabalho tem
sido marcado pela luta, das alianças construídas com autoridades locais e de novas propostas
feitas pelos trabalhadores sobre como gerir e organizar o trabalho. Provavelmente, portos com

39
A preferência pelo conceito de flexibilidade justifica-se por ser ajustado à realidade brasileira, que não
conheceu uma desregulamentação de direitos, mas assistiu à introdução de novas regulamentações que
ampliaram a flexibilidade nos elementos centrais da relação de emprego (KRAIN, 2008, p.1). A noção de
flexibilidade indica processos diversos de estratégias poupadoras de trabalho seja em termos numéricos, jornada
de trabalho, composição de equipes, do uso com novas tecnologia. Todas tem levado a uma precarização das
condições de trabalho.
40
Somado a isso, comparecendo no porto 3 vezes por semana para engate, não precisam comparecer a outros
trabalhos quando requisitados (COVENÇÃO COLETIVA, estiva, 2016).
100

grande contingente de trabalhadores, como em Santos - que detinha 9.000 trabalhadores no


começo dos anos 2000 -, conseguiram barrar a introdução de novos equipamentos e métodos
gerenciais (DIÉGUEZ, 2014). Entendemos de que em portos menores, houve o rescaldo dessa
disputa.
Nossa aposta é que mesmo com o avanço de formas flexíveis do trabalho nos portos,
os períodos de desemprego e precarização das condições de trabalho não foram suficientes
para minar o poder dos sindicatos e das estruturas que regem as relações de trabalho que o
sustentam em Itajaí.
Dizíamos que todos os trabalhadores nesse porto são registrados, logo, aptos a
prontamente ser alocados pelo órgão de gestão ao trabalho requisitado pelo armador e porto
contratante. Atualmente, com a legislação 8630/93 e a nova legislação nº12.815/13 a transição
de cadastrado até a condição de registrado acontece por demanda empresarial, mas ela não
pode ocorrer sem comprovadamente terem sido oferecidos o trabalho aos avulsos.
As alegações de que os trabalhadores não comparecem ou não se interessam por
serviços que pagam menos é a justificativa corrente das estratégias empresariais para a
flexibilização do trabalho. A legislação nº12.815/2013 avançou com pareceres que se
acumularam anos anteriores, que discutiremos na próxima seção, e ela normatizou a situação
de vinculamento do trabalho. Essa é uma opção, que antes não passava pelo OGMO, com o
empresário recorrendo ao mercado externo, e agora não mais.
Portanto, justificamos duas perguntas que tem raiz na grande família que é o
processo de trabalho e suas transformações: quais foram as estratégias para responder a
precarização até esse momento da entrada da nova legislação? E o que essa nova legislação
permitiu para a transformação do trabalho e da organização sindical?
Entendemos que a demanda por cursos, no sentido de aperfeiçoamento visando a se
tornar um registrado, é uma forma de os trabalhadores pressionarem por acesso ao trabalho.
Isso porque os empresários não podem, com a legislação 8.630/2013, alocar arbitrariamente
os trabalhadores sem as qualificações - não comparecimento e requisitos para operar
máquinas - e fora do OGMO.
Além disso, essa legislação não acabou com o sistema de trabalho supletivo por
completo. Logo, mesmo não havendo formalmente cadastrados – já que todos são registrados
– existe sim um sistema de rodízio que desempenha a mesma lógica que aventamos com a
história desse mecanismo, porém que é ponderada com novas demandas que são impostas
pelos empresários.
101

No caso, eles trabalham por produtividade/hora. Já sugerimos que com a


liberalização do mercado portuário houvera uma intensificação da exploração do trabalho em
Itajaí. Podemos ver isso, tal qual exposto no 7* parágrafo do termo aditivo a Convenção de
2008 do sindicato dos estivadores de Itajaí. Nela encontra-se que “em toda chamada de
trabalho em término de navio requisitado será estendido os trabalhos em até 10 contêineres
para embarque ou desembarque por navio limitado ao período de 1 hora além de seu período
de trabalho”. Portanto, por racionalização do trabalho entenda-se, especificamente, o sobre
trabalho requisitado.
Com a tabela abaixo podemos ver os processos de racionalização em curso que
correspondem a lógica de produtividade/hora.

Tabela14: Média mínima exigida de produção no porto de Itajaí

Container (cheio ou vazio) 09 unidades/hora


Sacaria (açúcar ou sal) 25t/hora
Carga Geral 22t/hora
Rollo n Roll off (carro ou maquinário) 60t/hora
Granel Sólido 40t/hora
Algodão 10t/hora
Fonte: Termo aditivo a Convenção de 2008 do sindicato dos estivadores

Também é importante considerar que essa dimensão acompanha novas formas de


flexibilização do trabalho que os empresários demandam ou impõe aos trabalhadores.
Exemplo disso é a contrapartida que se coloca na renda extra conferida pela extensão da
jornada e ao acesso de novas chamadas para o trabalho: ambos condicionados a acordos
coletivos que reduziram a força de trabalho e que o precarizaram com a demanda para cursos
de qualificação. Esses cursos, como diz Diéguez (2014, p.60) são altamente impactantes sobre
a trajetória de trabalhadores mais velhos e daqueles que detém menos escolaridade, que se
veem excluídos desses processos de seleção objetivamente e subjetivamente.
Por si só, a qualificação do trabalho destaca-se como algo positivo e emancipador do
trabalhador. Contudo, continuando com o mesmo parágrafo da Convenção de 2008, no que
toca “o direito a acumulada [mecanismo que duplica a jornada] o trabalhador avulso cuja lista
passa por ela tem pelo menos uma das seguintes situações: A: com descanso de 6 horas; B:
sem descanso (zero horas); C: treinamentos/cursos”.
102

Com a letra A e B, podemos ver que mesmo com a estipulação de intervalo de


11horas por lei, para os momentos de alta demanda por trabalho, a pressão para o
encurtamento da jornada ou mesmo sem descanso se faz presente. Por fim, com a letra C
vemos que existe uma constante pressão para a formação educacional e laboral dos
trabalhadores, que sugerirmos ser um mecanismo para pressionar os trabalhadores a se
submeterem as demandas de enxugamento em curso.
Essa discussão se refere ao acesso como cadastrado, anualmente redimensionado,
mecanismo que afeta diretamente a lógica do trabalho supletivo. Para um diretor do OGMO
(40 anos, diretor), “todo o ano buscamos fazer um balanço da força de trabalho para garantir o
indispensável equilíbrio entre mão-de-obra habilitada disponível e as possibilidades de
engajamento no mercado de trabalho”.
Na comissão de negociação do Sindicato dos Estivadores, assinado pelo Sindicato
dos Operadores Portuários de Itajaí e Navegantes em maio de 2011 vemos que os critérios
para a “seleção” do registro entre cadastrados e registrados vêm funcionando somente pela
mão da expulsão dos trabalhadores desde os anos 2000. Registramos aqui que desde os anos
2000 o enxugamento brutal da força de trabalho, de 12000 trabalhadores para 520 é uma das
facetas da precarização do trabalho. A flexibilização, segundo Krein (2008) é uma condição
que atesta a subordinação do trabalho, mas também sua heterogeneidade. Portanto, existem
formas diversas de luta em curso contra essas tendências e que valem a pena analisarmos
detidamente.
Esses critérios estipulados no Parágrafo 1 referem-se, primeiro, a ordem cronológica
de inscrição no cadastro do OGMO. Segundo, em caso de “empate”, ou seja, de houver
trabalhadores excedentes para o cadastro, critérios suplementares são estipulados: ordem
cronológica do primeiro engajamento na atividade; menor número de punições, maior número
de cursos realizados pelo programa de ensino da Marinha do Brasil.
Há, portanto, a constante ameaça de perda de trabalho que acompanha as demandas
empresariais por flexibilização do trabalho, que precisam ser exploradas melhor na próxima
seção.
103

3.4.Flexibilização do trabalho no contexto da reforma portuária nos anos 2000 em


Itajaí

O conceito de flexibilização nos é útil para entender a intensa exploração do trabalho


que se acometera nos portos brasileiros desde os anos 2000. Esse conceito aparece com várias
conotações, geralmente no sentido positivo de maior modernização das estruturas produtivas
(CARDOSO, 2003). Entre todas as suas variações, enfatizando seja em termos de
remuneração (salarial), jornada de trabalho (numérica), ou formas de contratação e alocação
do trabalho justificar-se-ia seu uso como uma resposta à concorrência intercapitalista, de
instabilidade e baixo dinamismo dos sistemas produtivos. Assim, poderia ser oferecido “graus
adicionais de liberdade às empresas para ajustarem o volume do pessoal empregado” às
demandas flutuantes do mercado (KRAIN, 2008, p.2).
Esse sentido é respaldado pelos dados oficiais do Dieese (2011), que indica aumento
nas vagas de trabalho. Porém, se até 2011 o cenário era de otimismo, após esse período a
situação se transformou. Com o gráfico abaixo vemos o aumento do quadro de vagas nos
portos brasileiros.

Gráfico 2: Força de Trabalho nos portos públicos e privados

Fonte: Dieese (2011).

Segundo o Dieese (2011, p. 11), houve um crescimento dos trabalhadores alocados


em ambos os tipos de portos. Contudo, as operações de terminais privados tiveram um “[...]
aumento de 35,5% no quantitativo de trabalhadores empregados entre 2010 e 2011”. Para o
ano de 2006, havia 8.624 trabalhadores empregados nesses terminais. O relatório prossegue
104

ao afirmar que em “[...] 2011, eram 19.996, mais do que o dobro” (DIEESE, 2013, p. 11) nos
portos do país. O aumento representa um crescimento de 131,86% entre os anos 2006 e 2011.
Esses dados apontam também a um “[...] aumento nos trabalhadores empregados na
operação de terminais privados, por outro lado, “[...] percebe-se diminuição progressiva no
quantitativo de trabalhadores dos OGMOs” (DIESSE, 2013, p. 11).
O relatório destaca, ademais, que, para esse período, a participação dos portos
públicos no computo nacional mantém-se relativamente equilibrado. Segundo o Dieese (2011,
p. 7), os dados sobre a distribuição geográfica dos trabalhadores portuários por região seguem
com a Região Norte 1.675 trabalhadores em terminais privados e 1.288 agenciados pelo
OGMO, na região Nordeste com 2.623 trabalhadores em terminais privados e 3.535
trabalhadores agenciados pelo OGMO, a região Centro-Oeste com 23 trabalhadores em
terminais privados e nenhum agenciado pelo OGMO; região Sudeste com 12.822 em
terminais privados e 8.500 agenciados pelo OGMO, e, por fim, a região Sul com 3.393
trabalhadores em terminais privados e 5.004 agenciados pelo OGMO.
Porém, os relatos apresentados nessa tese, surgem para exemplificar – e contrapor
esses dados oficiais - as tomadas de decisão por parte dos trabalhadores frente a abrupta queda
nas vagas de trabalho do porto de Itajaí, que aconteceu a partir de 2011. No ano 2000 o porto
detinha 1.132 trabalhadores, descendo rapidamente para 526 pessoas em 2005, mantendo em
510 em 2016. (diretor, 40 anos, OGMO) Portanto, esse aumento das vagas até 2011 era
aparente apenas, porque estava vinculado ao aumento do número de portos privados no país e
não necessariamente ao aumento de vagas nos portos já existentes.
Indiferente a esse novo cenário, não podemos negar que a flexibilização permitiu às
empresas, por exemplo, a redução de custos com o trabalho seria alcançada pela subutilização
de trabalhadores em momentos de baixa demanda como tem sido muito comum nos portos
brasileiros, mesmo naqueles que alcançaram patamar de exportações consideráveis, como
Itajaí.
Na prática esses objetivos concretizam-se pela supressão de benefícios e direitos,
fruto de legislação e normas coletivas, significando redução ou eliminação da proteção
trabalhista e as adaptando aos interesses do empresariado.
O retrato que trazemos a seguir enfatiza a pressão por formas flexíveis de trabalho no
porto de Itajaí. Logo, a flexibilização do trabalho foi uma estratégia para precarizar o trabalho,
a qual foi obstaculizada somente quando a aliança das classes trabalhadores portuárias vieram
em defesa das demandas por respeito aos acordos efetuados pelos principais sindicatos (estiva
e capatazia).
105

Mesmo ampliando a regulação do trabalho com a Constituição de 1988, a tendência à


formas flexíveis de trabalho se destaca. Para o setor portuário, essa tendência abre-se com
formas funcionais de flexibilização que favorecem contratos coletivos com drástica redução
salarial (BARROS, 2017).
A Constituição de 1988 equiparou direitos entre avulsos (que se utilizam da
multifuncionalidade) e vinculados (trabalhador por tempo indeterminado). Primeiro, a
legislação do trabalho portuário de 1993 justifica essa equiparação de tratamento entre
trabalhadores como forma de os empresários preverem um fluxo constante de trabalhadores
necessários ao manuseio das cargas (CARVALHO; COSTA; SILVIA, 2015). Contudo, o fato
de a lei ter garantido que os direitos são iguais para os avulsos e vinculados, não significa que
este deva ter a preferência pela contratação ao trabalho – logo, minando o mecanismo da
suplência41, como já discutimos (SARTI, 1981).
É esta tendência a equiparação no tratamento, que discutiremos aqui em detalhe, no
sentido da experiência produzida e das primeiras tentativas dos trabalhadores em combatê-la.
Os avanços jurídicos ocorreram pela questão da intensificação da exploração
permitida em lei pelo uso de avulsos, que entre outras estratégias utilizou-se dos vinculados,
como estratégia para contratar menor número de avulsos. A justificativa dos empresários, para
tal, era de que os trabalhadores de capatazia não detinham as prerrogativas do trabalho como
avulso porque seus contratos, supostamente, eram por tempo indeterminado 42. A legislação
tornava vago o manejo de outros trabalhadores à função daquela categoria. Vimos aqui a
entrada para a aplicação de formas flexíveis de trabalho, que avançaram progressivamente
para todos os trabalhadores. Uma das formas de atacar o poder de barganha de todos os
portuários foi atacar o trabalho da capatazia.
Do lado da capatazia foi muito comum a subcontratação como estratégia de quebra
do poder de barganha dessa categoria, do lado dos estivadores foi utilizado a contratação por
tempo indeterminado para os cargos de menor remuneração de origem do sindicato da
capatazia.
As formas funcionais de flexibilização na empresa somaram-se a intensificação das
jornadas para aqueles que se submetiam a essa alternativa de trabalho. Àqueles que quisessem
trabalhar deveriam acessar ao trabalho entendido como de outros. Precisou-se de um tempo

41
De 1200 trabalhadores em 2001, esse número desce para 530 trabalhadores em 2015 (OGMO, 2016, ITAJAÍ).
42
Fato contestado pela legislação nº 8.630 e pelos inúmeros pareceres discutidas em outra seção.
106

para esses trabalhadores perceberem a gravidade das ameaças para irem além dos limites de
seus sindicatos e da organização regular do trabalho.
Nesse sentido, vale a pena aqui remetermos a missiva direcionada ao então
governador do Estado de Santa Catarina - Luís Henrique da Silveira, no ano de 2003, indicou
como esses trabalhadores conferentes entendiam as ameaças que pairavam nesse momento. E
como a flexibilização do trabalho permitida por lei levou a esse sindicato perder sua
autonomia, incorporado a contrapelo ao sindicato da capatazia, com impacto direto a todos os
trabalhadores.
Já no título dessa carta, direcionada ao governador, fica patente o “Caráter de
urgência: desrespeito aos direitos dos trabalhadores portuários avulsos; ameaça à ordem
trabalhista e social local; aquiescência omissiva de autoridades diversas” (oficio nº 7,
sindicato dos conferentes). Conforme exposto: “Ante a graves acontecimentos no âmbito do
Porto de Itajaí, que ameaçam opor impasses a ordem social e trabalhista, com reflexos em
toda a comunidade em que este se encontra inserido”. (oficio nº 7, sindicato dos conferentes)
Essa grave ameaça, “através de procedimentos escusos e ilegais” do Porto de Itajaí,
para esses trabalhadores foi de estabelecer-se

num monopólio no Porto local, de forma a excluir a livre concorrência e expurgar os


trabalhadores portuários de suas operações. Tendo a sociedade Itajaiense tomada de
assalto pela imposição daqueles que comandam sob a égide do Poder Executivo, em
que sofre processo de arrendamento (“privatização”). (oficio nº 7, sindicato dos
conferentes)

O sindicato dos conferentes denuncia, corretamente, que o arrendamento resulta de


um caso de privatização do porto público. Mais do que isso, ele nos diz como as expectativas
dos trabalhadores ainda não se colocavam sobre o avanço da privatização das infraestruturas e
da entrada do porto privado, que intensificaram mais ainda a exploração sobre seu mercado de
trabalho.
Esse grupo de trabalhadores entende o processo de arrendamento e do consequente
investimento no porto como uma “imposição”. Nesse momento, essa posição não é
compartilhada entre os estivadores e capatazia, que entendem como uma realidade
incontornável, que demanda boas negociações “que traz emprego e desenvolvimento para
todos” (PTN, 2001, p.3). O real motivo de sua contestação ao arrendamento surge no ano de
2003, como exposto a seguir (oficio nº 7, sindicato dos conferentes).
107

Figura10: Denúncia Sindicato dos Conferentes

Não se trata somente de corte real da força de trabalho, que também atingiu esse
grupo, que nesse periodo - em 2003 - detinha “80 trabalhadores e passa a 54 trabalhadores
em 2008” (conferente, sindicalista, 45 anos). O foco está na ameaça de total corte na chamada
desse sindicato para atividade correspondente. Os trabalhadores ainda argumentaram fazer
possíveis acréscimos nos valores cobrados aos usuários, aumentando o custo que traria à
cidade e suas indústrias, caso fosse ignorado o caso do arrendamento “ilegal”.
Especialmente, chamamos atenção para como a ação fragmentada dos portuários,
pouco solidária frente a essas ameaças contra os conferentes, em grande medida, os
posicionam em situação totalmente desvantajosa, culminando com sua incorporação ao
sindicato da capatazia.
Podemos ver também na “Convenção Coletiva de Trabalho do Sindicato dos
Arrumadores (Capatazia), Trabalhadores Portuários Avulsos em Capatazia e Serviços de
108

Bloco dos municípios de Itajaí e Navegantes”, já em 2004, uma transformação sem


precedentes nos sindicatos portuários terrestres.

A atividade de conferência de capatazia, até a formalização do presente instrumento,


tinha as suas normas laborais regulamentadas através da Convenção Coletiva de
Trabalho do Sindicato dos Conferentes de Carga e Descarga nos Portos de Itajaí e
Florianópolis e doravante, as mesmas serão regulamentadas através deste
instrumento. (Convenção Coletiva Sindicato dos Arrumadores, 2004)

Na segunda página dessa convenção temos a seguinte definição de trabalhador de


capatazia:

cláusula 1, parágrafo 1, os serviços de capatazia são as atividades de movimentação


de mercadorias nas instalações de uso público, compreendendo recebimento,
conferência, transporte interno, abertura de volumes para conferência aduaneira,
manipulação, arrumação e entrega, como como o carregamento e descarga de
embarcações, quanto efetuadas por aparelho portuário. (Convenção Coletiva
Sindicato dos Arrumadores, 2004)

Portanto, o sindicato dos conferentes foi obliterado, sua autonomia foi perdida como
entidade separada e sua denominação agora é como conferente de capatazia.
Nesse momento, agora os conferentes são denominados como “conferentes de
capatazia” - como fica esclarecido na própria convenção (p.36-37), trabalhariam sem direito
algum quanto a definição das formas de pagamento. Chamamos atenção para a gravidade
dessa situação, que transferiu praticamente de forma automática esse “acordo” sobre os
conferentes para os outros operadores portuários (empresários do setor). Em especial, o
interesse da futura arrendatária, a APM Terminals, que em 2011 assumiu os ativos da
Teconvi/AS, tornando-se dominante de todo o porto público, com os quatro berços ao seu
controle.
Discutimos sobre como as formas de flexibilização do trabalho permitiram grande
ofensiva contra os trabalhadores. Podemos ver na Convenção Coletiva abaixo como essa
flexibilização do trabalho viera acompanhada da perda de autonomia dos sindicatos.

Os trabalhadores portuários avulsos que exercem atividades de conferentes de


capatazia, outorgam aos operadores portuários e ao OGMO/Itajaí, ampla, geral,
irrestrita quitação no que se refere a sua forma de remuneração, não tendo nenhuma
diferença remuneratória, adicional, ou qualquer outro benéfico social ou trabalhista a
pleitear, seja a que título for, posto que, até então suas remunerações sempre foram
correta e regularmente pagas de acordo com o instrumento coletivo anterior –
firmado pelo Sindicato dos Conferentes de Carga e descarga -, somente neste ato
passando a ser regulamentada pelo Sindicato dos Arrumadores, inobstante a filiação
sindical de cada um dos trabalhadores. (Convenção Coletiva Sindicato dos
Arrumadores, 2004)

Apresentamos nesta seção uma ação fiscal (AUTOS n. 01674-2008-047-12-00-5)


realizada no Porto de Itajaí (Porto Público). Essa ação nos demostrará como se davam as
109

práticas ilegais de subcontratação nos portos até a Legislação n o 12815/13 (que supostamente
alterou essas práticas), o que, segundo nosso entrevistado, era recorrente. Escolhemos analisar
essa situação por muito nos dizer sobre as práticas de resistência que surgiram
progressivamente, mas também por nos dizer sobre a promoção de uma solidariedade
construída, a contrapelo, entre os sindicatos.
Nessa ação fiscal, que inclui as dependências do porto arrendadas pela empresa APM
Terminal, agentes do Ministério Público do Trabalho constataram -, nos dias 13/08/13 e
10/09/13 -, que a empresa mantinha empregados contratados “[...] através de empresas
interpostas (mera intermediação de mão de obra ou terceirização ilícita)” (AUTOS n. 01674-
2008-047-12-00-5). Portanto, uso ilegal de trabalhadores fora do sistema OGMO.
Se todas as classes de portuários eram denominadas desde 1993 pelo mesmo termo,
Trabalhador Portuário Avulso (TPA), somente no mesmo ano dessa ação fiscal sai nova
jurisprudência, colocando o sindicato da capatazia como titular ao cadastro e registro. Logo,
preservando o sistema de suplência no trabalho. Agora eles poderiam reivindicar direitos
iguais como todos os outros trabalhadores portuários.
Contudo, quem disse que seria respeitado esses novos pareceres da Justiça do
Trabalho? Ainda em 2007 existiam conflitos tanto do ponto de vista da legislação para esses
trabalhadores, como às outras categorias que precisaram mais do que nunca promover
arranjos mais horizontais para responder às ofensivas dos portos, armadores e Estado.
Por todo o ano 2000, a luta dos trabalhadores estivera em conter a precarização do
trabalho especificamente quanto à definição de trabalhador avulso, já que na “lei de
modernização portuária”, Lei no 8.630 de 1993, consta que ele tem a preferência e não a
exclusividade. Ou seja, o empregador poderia forçar mecanismos de contratação que iam
contra o OGMO somente se não houvesse comprovadamente interesse dos trabalhadores pelas
chamadas aos navios e cais.
Nosso exemplo aponta exatamente o contrário das justificativas do empresariado
para a flexibilização do trabalho. As empresas contratadas pelo porto de Itajaí (APM
Terminals) intermediavam mão de obra considerada ilegal pelos fiscais do trabalho. Essa
contratação teve como objeto a “[...] movimentação horizontal de cargas dos clientes da
CONTRATANTE, pela CONTRATADA, nas áreas de atuação desta no Porto de Itajaí” na
função de capatazia (AUTOS n. 01674-2008-047-12-00-5).
Além de ser uma prática ilegal elas são condenatórias moralmente, visibilizando-se
como tal para todos os trabalhadores avulsos. Isso porque para a ação de fiscalização do
trabalho, a empresa que firmou o contrato com o porto “[...] por sua vez, celebrou 10 (dez)
110

contratos de adesão com outras pequenas empresas de forma a subcontratar parte desse
serviço” (AUTOS n. 01674-2008-047-12-00-5). Portanto, ela efetuara a prática de
“quarteirização”.
Os fiscais notaram que a empresa DMX, que firmara o contrato com a operadora
portuária, praticou a quarteirização com empresas que faziam parte de seus familiares, com
transportadoras de cargas e donos de armazéns da região. Em geral, estas empresas
“quarteirizadas” são empresas inidôneas financeiramente para suportar o ônus das operações,
muitas delas com sequer um empregado registrado, conforme se verificou pela análise do
CAGED, sendo os próprios trabalhadores donos das empresas e às vezes dos caminhões
configurando “pejotização” das relações laborais. Esse é o caso de um motorista de caminhão,
que trabalhava na APM Terminals (Porto de Itajaí) através da intermediação da empresa
NATAN TRUCK, que tinha como proprietário o seu próprio filho. São empresas criadas
unicamente para prestar serviços à tomadora APM, com subordinação direta a esta e
pessoalidade reconhecida.
Vimos que as 10 empresas mencionadas43 foram criadas com a clara intenção de
burlar a legislação e se apropriar do manejo de cargas. A ação fiscal menciona que cinco
empresas nunca tiveram o registro de movimentação do CAGED 44, três empresas desde 2012
sem registro no CAGED, e as restantes, incluindo a principal contratante e a transportainer
com três empregados registrados no CAGED. Essa característica tem a clara intenção de
acionar os mecanismos de isenção fiscal para pequenas empresas, intensificando as práticas
de contratação comuns ao mercado secundário aos portos. Como nota à ação fiscal, “[...] tais
contratos repetem grande parte das cláusulas elencadas no contrato entre a tomadora APM e a
DMX” (AUTOS n. 01674-2008-047-12-00-5) (por exemplo, a obrigação dos trabalhadores de
estarem "barbeados e asseados").
O laudo da ação fiscal constata, ao final, que os trabalhadores contratados [...]
“realizavam tarefas e funções de capatazia (motoristas fazendo a movimentação interna de
mercadorias), que deveriam ser realizadas em primeiro lugar por trabalhadores portuários, de
acordo com a Lei 12.815 de 2013” (AUTOS n. 01674-2008-047-12-00-5).
Aqui, vemos como a centralidade do trabalho portuário, posta sob o ordenamento
jurídico - até o momento construído, expressa que a terceirização do trabalho portuário é

43
Para informações detalhadas das empresas, verificar autos n. 01674-2008-047-12-00-5.
44
Cadastro Geral de Empregados e Desempregados, órgão do Ministério do Trabalho, foi instituído com o
intuito de avaliar e controlar as admissões e demissões de empregados sob o regime da CLT de forma
permanente.
111

proibida, mas não quer dizer que os operadores portuários respeitem a legislação nesse
sentido. Segundo um sindicalista (capatazia, 45 anos),

[...] a lei nessa época facilitou esse tipo de prática, esperando que não entrássemos
na justiça. Não estava com a gente [a lei], mas se não estivesse tudo prescrito
coletivo de trabalho específico com tal categoria, deixando, por exemplo, de efetuar
o pagamento dos adicionais de periculosidade, os planos de saúde e os seguros de
vida. Com certeza eles teriam problemas. O que tinha muito era de um lado
intimidação do empresariado, mas também, creio eu que muita precipitação dos
sindicatos.

Podemos ver mais detalhadamente que o cenário de contestação dos impactos do


porto, para o trabalho e novas forças que se somam ao movimento sindical, parte da própria
indeterminação do status do trabalhador avulso. Foi preciso a ação da Justiça do Trabalho, a
partir dos relatos dos fiscais do trabalho, que tornou público a gravidade da situação na
tentativa de flexibilização do trabalho. Segue que a expedição da

Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho - TST, por estar a tomadora APM
terceirizando a própria atividade finalística da empresa, pois segundo seu estatuto
social a sociedade tem por objetivo única e exclusivamente a administração e
exploração do Terminal de Contêineres localizado dentro da área do Porto
Organizado de Itajaí, compreendendo a movimentação e armazenagem de
contêineres, cargas utilizadas e veículos. (AUTOS n. 01674-2008-047-12-00-5).

Além disso, a ação fiscal, como era de se esperar, verificou que todos os
trabalhadores terceirizados estavam “[...] subordinados diretamente e subjetivamente à
tomadora APM [porto público], que mantinha prepostos no local dando ordens diretas aos
trabalhadores” (AUTOS n. 01674-2008-047-12-00-5). Vemos aqui como a questão da
contratação ilegal foi uma tentativa de pressionar, via os terceirizados, os trabalhadores
avulsos com o intuito de suprimir funções de comando que partem dos próprios trabalhadores
na composição de suas equipes de trabalho (DIÉGUEZ, 2014).
Esse é um dos pontos fracos do sindicalismo portuário, como discutimos no capítulo
sobre sua história. Houve uma intenção, segundo relato dos conferentes, pela denúncia que ao
menos “mostrou a todos nossa precariedade” (conferente, 35 anos), mesmo que isso tenha tido
pouco efeito prático para a promoção de uma ação organizada e combativa de todos os
portuários. O contexto dessa experiência coletiva dos conferentes apontava para o fato de que
“quarterizados” estavam em “[...] dependência direta da tomadora APM, sendo, portanto, seus
empregados, conforme preceitua o Art. 3o da Consolidação das Leis do Trabalho CLT”
(AUTOS n. 01674-2008-047-12-00-5).
O salário era pago indiretamente, através da intermediação da DMX, empresa que
tercerizou mao de obra dentro do porto. Por fim, observou-se que tal expediente utilizado pela
112

empresa APM Terminals, teve por finalidade fraudar diversos direitos. Em primeiro lugar,
pelo fato de que grande parte desses empregados não tinham sequer registro em carteira de
trabalho em nenhuma das empresas 45, o porto de Itajaí utilizava-se desses “autônomos” de
forma abundante e contra os trabalhadores (em hipótese de “quinterização”), Como
consequência, deixou-se de recolher contribuições ao INSS e ao FGTS. Nesse sentido, foi
constatado também que pelo menos quatro destes trabalhadores estavam trabalhando e
recebendo seguro-desemprego, ou seja, a APM utilizou o expediente da terceirização de
forma fraudulenta para permitir que seus empregados trabalhassem recebendo o benefício.
Os serviços não eram eventuais, mas contínuos e estavam também presentes como
elemento fático constitutivo da relação de emprego da pessoalidade, “[...], pois mantém a
empresa tomadora APM controle de todos os trabalhadores que acessam o Porto, com
documentos, fotografias, e até certidões negativas de antecedentes criminais (conforme inciso
VI do item 6.2 da cláusula seis do contrato entre a tomadora APM e a DMX)” (AUTOS n.
01674-2008-047-12-00-5). O retrato de uma empresa que busca o controle total sobre os
trabalhadores aqui na ação fiscal é destacado como parte de suas estratégias empresariais.
Com o exposto, a intenção da empresa fica evidenciada pelo uso intensivo de formas
unilaterais de flexibilização do trabalho.
Mais grave ainda, no entendimento dos fiscais do trabalho, a APM terminais,
arrendatária do porto público,

[...] precarizou a promoção da saúde e segurança destes empregados, pois muitos


deles trabalhavam sem sequer terem sido submetidos a exames médicos
admissionais, determinação inscrita em direito fundamental, de ordem pública.
Verificou-se também que tais trabalhadores eram discriminados pela APM
terminals, não podendo utilizar o refeitório da empresa, fazendo suas refeições
dentro dos próprios caminhões, atentando diretamente contra o Art. 5°,"caput" da
CF, apesar de terem as mesmas obrigações de seus empregados registrados
diretamente, como a de estarem "barbeados e asseados". (AUTOS n. 01674-2008-
047-12-00-5).

A ação fiscal conseguiu capturar bem o interesse da empresa, que não tratava
somente de minar o acesso ao mercado de trabalho. Trata-se, como observa Silva (1995, p.
44), de atingir também o controle sobre o ritmo do trabalho, baseando-se na expectativa de
que a divisão simples de trabalho favoreceria o uso de táticas instrumentais pela empresa para
a gestão do mesmo.
O que a empresa fez foi criar “[...] dois escalões de empregados, os registrados e os
terceirizados ilicitamente, embora todos fossem empregados diretamente da tomadora APM,

45
Ressaltando-se que o registro em carteira de trabalho é requisito básico de cidadania.
113

tinham os direitos muito diferenciados” (guarda portuário, 40 anos, Itajaí). Portanto, ela
aplicou seu despotismo com um sistema que simulou o sistema de contratação que existe
entre o OGMO e os sindicatos atualmente.
Nosso entrevistado, guarda portuário (sindicalista 40 anos), procura nos explicar
como esse problema, que afeta o trabalho portuário avulso, está relacionado a sua atividade.
Para ele, a precarização do trabalho atinge as próprias infraestruturas, com o uso intensivo das
vias terrestres, acumulando-se nas vias paralelas ao porto, assim como trazendo riscos
consideráveis à população local. Segue seu relato que a

Cada dia a força para precarizar o trabalho se renova, ela é mutante, eles sempre
inventam uma nova forma de querer cortar direitos teus, salário, como tu trabalhas.
E quando tu falas de guarda portuária o efeito que isso acarreta vai além do nosso
salário. Houve diminuição de servidores, com plano de demissão motivada (PDI).
Te dou o exemplo dos caminhoneiros. A cada 12 horas tem 8 horas de descanso. É
normal eles trabalharem direto 30 horas. Então, e como fica a lei? Como eles vêm
aqui cansados e operam dentro do porto. Acidentes são comuns. Daí se eles são
autônomos, e não possuem nenhum vínculo com os terminais retro portuários. Daí
eles ficam aqui fazem 30, 40 horas de serviço ininterrupto. Então são 50 toneladas
que circulam na cidade, e isso é uma arma. E a lei para proteger eles e a gente, como
fica? Daí tem outro conflito: não conseguimos fazer a autoridade portuária proibir
que esse cidadão proíba esse outro cidadão de operar aqui dentro. Politicamente não
é vantajoso eles mexerem nesse vespeiro.

O mesmo entrevistado afirma “não foram poucas as tentativas de moradores locais


em demandar uma resposta à situação dos caminhoneiros, mas a autoridade portuária não
entra nesse mérito, ela protege os armadores que ameaçam ir embora”.
E mais ainda, ele nos descreve apuradamente as relações que se estabelecem entre os
inúmeros casos de precarização e de como os Termos de Ajuste de Conduta são perpassados
por relações de poder através das agências que regulam a vida portuária. Assim ele começa
seu relato:

Entrevistado: Então veja bem, tem uma questão forte de que nível do governo que
está agindo sobre o TAC. Porque tivemos milhares de Tacs aqui no porto. Então,
primeiro tens que ter em mente sempre uma coisa. A relação é sempre conflituosa.
Além disso, que te falei sobre a diminuição dos quadros e da pressão que sofremos.
Tenho que dizer que o problema começa pela autoridade portuária, a última gestão
ela (2002-2007), para a guarda portuária na minha opinião o que vemos foi uma
gestão complicada, com o arrendatário também sempre foi complicada por isso que
sempre precisamos da intervenção do Ministério Público de Santa Catarina,
Ministério Público Federal e Ministério Público do Trabalho e Antaq.

Entrevistador: Como assim?


Entrevistado: O Porto tem três entradas. E a gente antes cuidava de todas. Aqui
nossa atribuição é controlar quem entra e quem sai. Mas agora, tem vigilante
contratado pela própria empresa. Daí tivemos que fazer denúncias para o Ministério
do Trabalho e Antaq para reassumir esse posto de trabalho que é nosso (guarda
portuário, 40 anos, Itajaí).
114

O entrevistado enfatiza como a precarização do trabalho atinge também toda a


infraestrutura portuária ao dizer que “está tudo interligado e o porto de Itajaí não quer ser
fiscalizado. Eles acham que o porto é deles. Ele não quer se encaixar na legislação de
arrendatário. Eles querem ser terminal privado”.
Aqui chamamos atenção para o fenômeno da privatização do porto como algo sutil,
que perpassa os conflitos do trabalho e, nesse caso, se refere a situação de anuência das
agências de fiscalização e Ministério Público para o interesse do porto de Itajaí em expandir
suas atividades comerciais. Esse entendimento coloca mais problemas a difícil situação dos
portos públicos, que se viram progressivamente destituídos de seu poder de autonomia local,
bem como incluídos na concorrência de portos cada vez mais próximos e mesmo dentro dos
portos organizados.
O entrevistado enfatiza que as competências complementares do Estado, no sentido
de fiscalizar o porto, interferem diretamente nas relações de trabalho. Ele nos diz: “Daí a
Antaq pode vir fiscalizar porque cabe a ela responder a essa situação, questões também
referentes ao trabalho. Agora não cabe ao Ministério Público vir fazer essa fiscalização. Por
exemplo, tem um problema referente à saída de cargas aqui. Não compete ao Ministério
Público Federal, mas ao Ministério Público do Estado de Santa Catarina” (guarda portuário,
40 anos, Itajaí).
Esses relatos, tanto da ação judicial como do guarda portuário, revelam formas
intensas de privatização sendo negociadas, mediadas pelas relações de força na área do direito
do trabalho. De um lado, a política de enxugamento da força de trabalho em Itajaí foi
justificada como uma forma de atrair as cargas para a cidade. De outro, essa situação de
precarização se agrava mais ainda nesses momentos que antecedem e prosseguem a nova
legislação nº 12.815/13.
Apesar de não terem resultado em parecer favorável aos trabalhadores, a situação de
denúncia intensificou os ânimos dos trabalhadores. O relato sobre a segurança do trabalho
nos exemplifica essa situação

Entrevistador: Com esse cenário em vista, você acha que as “TACs” têm resolvido
ou respondido a questão do trabalho, especificamente as denúncias de desrespeito a
saúde e segurança dos trabalhadores?

Entrevistado: Pega o exemplo do ambulatório que a legislação permite fora do porto.


E o caso é que os trabalhadores querem dentro. E não teve tempo limite para
resposta. O Ministério Público não pode fazer nada. Porque não tem limite. Então,
tem como responder a isso. Ela é terceirizada. Então, a demanda dos trabalhadores
do porto é legitima. Ela vem de Balneário Camboriú, e demora 40 minutos para
chegar. Então, tem gente que pode morrer no porto. Isso é uma realidade. E o
Ministério Público não acatou essa demanda (guarda portuário, 40 anos, Itajaí).
115

Portanto, os problemas se somaram ao imaginário dos trabalhadores e acrescentaram


maior ímpeto para ações mais organizadas e combativas.
O entrevistado ressalta que o olhar se voltou para o porto público: “acho que o povo
está mais crítico aqui porque temos também problemas, questões de desapropriação[...], os
navios não entram porque não tem grana para fazer dragagem” (guarda portuário, 40 anos,
Itajaí).
Com a figura a seguir, podemos ver que outras denúncias se somam a questão do
ambulatório. Essa variedade de denúncias emitidas parte, é importante frisar sua motivação
original, da ilegalidade das ações da empresa com a contratação por fora do sistema OGMO.
As denúncias foram emitidas pelo Sindicato dos Arrumadores e Capatazia.

Figura11: Denúncia Sindicato da Capatazia

Fonte: Ofício 006/35228/2016.

Nos autos dessa denúncia, comprova-se o relato do guarda portuário sobre como a
precarização do trabalho implica em inúmeros riscos ao trabalhador, bem como para toda a
infraestrutura portuária. Vemos que a questão da segurança do trabalho faz parte de outras
denúncias que haviam sido anteriormente enviadas para o Ministério Público quanto ao uso de
equipamentos, acesso à câmara refrigerada em condições ideais, limites de acesso a agentes
químicos e radioativos.
O parecer foi favorável ao empregador. Porém, houve uma ressalva quanto às
denúncias sobre a segurança em geral: elas deveriam ser acompanhadas e um parecer seria
emitido quanto à razoabilidade dos equipamentos demandados até a negociação coletiva
116

seguinte. Portanto, podemos ver que a estratégia desses trabalhadores foi pressionar uma
situação mais vantajosa para a negociação coletiva de trabalho. E neste espaço deveriam ser
pactuadas as demandas dos trabalhadores46.
Neste sentido, o aprendizado sobre os perigos de não rever as estratégias para uma
ação mais horizontal entre os diversos sindicatos; e para um tipo de organização do trabalho
mais responsivo às dinâmicas flexíveis de trabalho impostas pelo empresariado foi intenso
nesse período.
Para o guarda portuário, é necessário que os trabalhadores reportem, o tempo inteiro,
às autoridades as falhas na garantia de seus direitos.

Quando manda a demanda para órgão superior ou agência reguladora, eles vão olhar
a lei. E vão favorecer inicialmente a empresa. Mas isso não impede que o pedido
seja mandado para instâncias superiores exigindo uma resposta para as demandas
diversas que existem (guarda portuário, 40 anos, Itajaí).

Ele prossegue sobre a situação de precarização que atingiu o porto público e o


trabalho. A resposta veio, inicialmente da capatazia, que demostraremos na seção seguinte, e
como a luta desses trabalhadores aumentou o poder de barganha de todas as categorias.

3.5.Novas formas de organização do trabalho e relações intersindicais no porto de


Itajaí

O que exatamente mudou sobre a forma rodízio, sistema clássico de


dimensionamento do trabalho? Argumentamos que pouco mudou, mas que esse sistema
tradicional de distribuição do trabalho pode ser complementado: a) em período de grande
demanda por trabalho; e, especialmente em nosso caso para Itajaí b), em momentos de crise,
na medida em que os sindicatos podem propor uma versão desse sistema mais horizontal ao
acesso por trabalho.
Propomos analisar como essas alternativas são um pano de fundo para a situação de
crise que atravessou o porto público de Itajaí. Foram os trabalhadores mais jovens, entre 25 a
45 anos, que buscaram emprego como vinculados (trabalho por tempo indeterminado) no
porto privado (Portonave). Foram estes trabalhadores também – do sindicato da estiva - que
assumiram o trabalho da capatazia mesmo sabendo que estes consideravam essa situação uma

46
Até o momento que finalizamos a pesquisa de campo, não haviam sido retomadas as negociações para esse
sindicato, contudo, entre eles mesmos, sim.
117

“afronta e ilegalidade” (diretor, FNP). A experiência desses trabalhadores no porto privado foi
uma forma de avaliarmos como entendiam suas oportunidades associadas à qualificação de
seus ofícios no porto público.
Nosso primeiro argumento diz respeito a idade dos trabalhadores, tanto os vinculados
ao OGMO quanto daqueles contratados pelo porto privado. Os dados disponibilizados pelo
direto do OGMO (40 anos), afirmam que 70%, em 2016, da força de trabalho possuíam
ensino médio ou superior, completo e incompleto. Anteriormente, “essa porcentagem era de
40 % até o ano de 2001” (diretor, OGMO, 45 anos). Essa frequência é maior entre os mais
jovens, até 49 anos.
Com o gráfico a seguir, podemos ver que a qualificação nos portos públicos em
2001.

Gráfico 4: Escolarização nos portos públicos em 2001

Fonte: material de entrevista.

Podemos perceber a diferença, se compararmos à tabela seguinte, quanto à


qualificação na entrada da última turma de trabalhadores portuários em Itajaí, em 2016. Os
dados foram passados pelo nosso entrevistado, diretor do OGMO (40 anos), o qual tabelamos.
118

Tabela15: Formação educacional dos portuários – ano 2016

Fonte: material de entrevista.

Os dados nos mostram que 70% dos trabalhadores possuem ensino médio ou
superior completo e incompleto. Essa situação contrasta agudamente com a média nacional, a
qual buscamos relativizar em razão sempre da correlação entre a socialização do trabalho e
novos instrumentos de trabalho e tipos de carga. Os sindicatos aparecem como estruturantes
das relações laborais que se transforam.
Sugerimos com esses dados a possibilidade de uma “qualificação do ofício” (SILVA,
2003, p. 200), destacado entre o conjunto do operariado pela sofisticação, pelo tempo
disponível para formação complementar e pelo status adquirido. Essa situação preserva na
valorização das qualificações aprendidas somente na medida em que faz sentido para outros
operários. Somente quando transmitidas entre operários de mesma formação, faixa etária e
pertencimento no porto que essas qualificações são valorizadas socialmente, as quais eles
entendem que suas trajetórias se positivam num cenário de desmanche das relações produtivas
nos portos.
Os exemplos são diversos e referem-se a socialização do trabalho dos antigos e dos
mais novos, que discorremos no começo deste capítulo. Essa relação ainda se faz presente e é
relevante por apresentar aos mais novos a estrutura das relações produtivas vigentes, com seus
macetes para manuseio de carga e do papel do sindicato em suas vidas. O que nos chama
atenção, inspirados em Sennett (1999) é a forma atual que se dá essa relação. Com a falta de
garantia de trabalho e o desejo de sucesso, eles buscam valores mais sólidos, que em nosso
entendimento, são melhor vistos quando colocamos à prova suas experiências como
119

trabalhadores flexíveis, subempregados e onde são demandadas mais qualificações para se


manterem empregados.
Inspiramo-nos em Dubar (2005), que discorre sobre uma dinâmica de identificação
para si e para o outro dos trabalhadores de ofício. São trabalhadores mais jovens, que possuem
forte vínculo com os processos de aprendizado no trabalho. Nesse caso, a mobilidade dos
portuários é posta à prova pela

[...] busca de um emprego melhor em um mesmo setor ou tipo de atividade, por


valorização da experiência (aumento da mobilidade com a idade), e [ou] a busca de
um emprego melhor por falta de perspectiva no setor (mobilidade intensa já no
início da carreira) (DUBAR, 2005, p. 243).

Não podemos nos referir ao mercado de trabalho portuário como aberto no sentido de
um potencial ilimitado de sua reinvenção, como no modelo de competências explorado pelas
empresas marítimas e OGMO. Contudo, questionamos como os recursos educacionais,
supostamente inatos nessa classe, por conta de seu protagonismo político e combatividade,
são postos em prática nesse cenário de reestruturação dos portos.
Podemos ver aqui que o debate atual não se restringe a um determinismo capitalista,
de irreversível proletarização ou desqualificação (BRAVEMANN, 1975). Nem mesmo de
uma polarização das qualificações, com a desqualificação da maioria e superqualificação de
uma minoria. Não encontramos trabalhadores desse tipo, já que eles não atuam em tarefas de
gestão e concepção.
No limite, esse mercado de trabalho é dual, no sentido que Piore (2008, p. 552)
atribui ao termo, com mobilidade interna restrita a alguns poucos trabalhadores, que
escolheram se aventurar no mercado externo, com custos associados a sua permanência caso
desejem voltar ao mercado primário portuário.
Argumentamos também que a idade média dos trabalhadores influencia na forma
como respondem às novas formas de empregabilidade. É interessante vermos que a faixa
etária média dos trabalhadores avulsos, que passam pela intermediação do OGMO, possuem
38% dos trabalhadores com 50 anos ou mais, 37% entre 40 e 49 e apenas 25% tem menos de
39 anos. Nos terminais privados, 56% dos trabalhadores estão na faixa dos 25 aos 39 anos,
14% dos 18 aos 24, e o restante acima de 50 anos, e a formação desses trabalhadores em 70%
mantém-se em ensino médio completo e com idade entre 20 e 38 anos.
Aliado a progressiva diminuição da idade média dos trabalhadores, se estimulou o
começo de programas de demissão voluntário (gerente OGMO, 45 anos). Assim, temos um
120

[...] um quadro que era no ano 2000 de 1132 trabalhadores portuários. Em 2009
foram aposentados 107 estivadores, até 2017 foram aposentados no total 317
trabalhadores de todas as categorias; até 2015 houveram cancelamentos de cadastro
por punição de 139 pessoas, punidas por transgressões diversas no porto e fora dele;
falecidos tivemos 76 pessoas; em 2014 foram 54 estivadores que entraram com o
programa voluntário de cancelamento.

O que podemos ver aqui é um enxugamento brutal da força de trabalho, no quadro


geral. Mais ainda, houve uma “[...] saída grande de trabalhadores com mais de 20 anos de
carreira, com pequena escolaridade, e o surgimento de trabalhadores com maior escolaridade”
(diretor, 45 anos, OGMO).
Contudo, entre 2008 a 2016 a queda na participação do porto na economia local foi
de mais de 60%. Os trabalhadores mais jovens, ao contrário dos mais velhos – acima de 50
anos - não têm rendimento garantido. Tendo carga no porto, tem-se renda. Nesse cenário, são
os jovens que nos relataram que na medida em que se aumenta a idade e a falta de
qualificação emitida por órgão interno ao porto (OGMO) aumenta-se os riscos. Isso porque a
qualificação adquirida em porto privado não vale em porto público.
Rapidamente, esses trabalhadores viram que o sindicato se apresentou como um
canal importante da promoção da solidariedade para novos processos de trabalho com a
formação de equipes, acesso a trabalho mais remunerado e a defesa dos interesses. Exemplo
disso é com o afastamento do porto público, que implica em riscos quanto a seu retorno.
Como nos diz um estivador “o problema é o seguinte: não perdemos nossos registros, mas
quando retornamos nossos cursos feitos lá em Navegantes (no Portonave) não valem aqui no
porto de Itajaí” (estivador, 35 anos).
O entrevistado acrescenta o motivo dos conflitos que se deram entre ambos os portos
no quesito contratação de trabalhadores públicos: “Eles [Portonave, porto privado] reclamam
que não existe motivo algum para os trabalhadores querem sair da condição de avulso. Claro
né, pagam quatro vezes menos, e você trabalha mais. Eles conseguem 1.100 reais em qualquer
outro lugar 47“ (estivador, 35 anos).

47
Acrescentamos ainda como a celeuma entre os portos em razão de que tipo de contratação iria predominar
reflete um impacto direto sobre as infraestruturas de ambos os portos, com prejuízo mais diretamente ao porto
público. O entrevistado diz “ eles não te falam que o regime de trabalho é 24 horas, todos os dias da semana. Aí
já tem uma diferença, que não é regalia, é necessário sempre existir o sistema avulso”. Já discutimos como esse
cenário favoreceu uma estrutura de oportunidades para responder a pressão que a concorrência do porto privado
produzira. Em síntese, discutimos como circulação de mercadorias, o uso do sistema aquaviário e dos espaços de
armazenamento fizera não somente pressão extra sobre os trabalhadores. A cidade de cidade de Itajaí e
Navegantes sofrera agudamente com os processos de privatização desses espaços.
121

A experiência de exclusão de boa parte dos trabalhadores sindicalizados do porto


público refere-se a esse cenário pouco afeito a acordos mais favoráveis. Nesse sentido, um
entrevistado é categórico (conferente de carga, 45 anos): “Olha, não adianta que a proposta foi
de desregularizar quem quisesse se vincular. Eles não quiseram contratar pelo OGMO”.
Contudo, existe a opinião de que o OGMO pode se tornar um aliado dos
trabalhadores. Nesse sentido, um estivador (38 anos) que tinha ficado afastado do porto
público diz: “Porque se você trabalha via o OGMO, você tem ainda acesso às qualificações –
reatualizações né, sempre tem, estiva básica 1,2,3,4,5”. A pressão por emprego, contudo,
mudou o cenário, e o trabalho que é “nobre” (que paga mais) é pensado também agora como
acesso a progressão na carreira.
Isso explicaria a razão para eles pegarem também trabalho que paga menos, na
expectativa de terem acesso garantido ou constante a trabalho mais remunerado. Segundo um
entrevistado (estivador, 35 anos):

“Daí a gente vai pegando curso e mais curso, não falta um dia, foram anos que a
gente entregou a alma para essa empresa aí... Então, é o seguinte: somente agora que
consegui o certificado para maquinário, que não tem a ver com a qualificação, mas
tempo de serviço. Paga mais, né. Então, acho que a situação era ruim, mas pode ser
pior. Não quero ter que sair daqui. Porque continua a opção para vários
companheiros.

É exatamente esse entendimento que partilha o OGMO e alguns de nossos


entrevistados, preocupados com a volatilidade desse mercado. Nesse sentido, um diretor do
OGMO (45 anos, Itajaí) nos diz que “[...] a grande maioria dos trabalhadores da última
geração, que dá umas 40 cabeças tem interesse na multifuncionalidade”.
Um trabalhador da capatazia (35 anos) reitera a mesma posição,

[...] claro, não falta trabalho para a gente, mas isso não quer dizer que depois vai
sobrar. Estamos chegando nesse entendimento de que podemos abrir vagas de
transferência interna, o que facilita a vida dos nossos e dos trabalhadores dos outros
sindicatos que não tem emprego, mas também que o imposto de origem volte para
os sindicatos. Trabalhou em nossa função, o imposto tem que voltar para a gente.
Conseguimos fazer isso com alguns sindicatos. Mas se todos não aderirem, não vai
para frente. Esse é o ponto de nossa briga atual e que fora do porto público, quando
é por empreitada, dá certo, vai ter que dar aqui também.

Essa postura indica que o vinculado cumpre uma função estratégica para o sindicato,
desde que em aparelhos que envolvam maior tendência e formação profissional. “Então, antes
era uma briga para entrar no guindaste. Muitos não sabem mexer nele, e outros querem
somente porque paga melhor. Daí não aparecem depois no porto”

Entrevistador: Então é bom ter mais qualificação para ter acesso a trabalho?
122

Entrevistado: Quando tem demanda grande de trabalho, os próprios vinculados não


dão conta. Tem muito horário disponível. Aí chama no sindicato da terrestre para
fazer essa função que é do vinculado também na falta de horário e período deles.

O entendimento anterior era de que o vinculado, assim como o trabalho precário


minam o poder de barganha dos trabalhadores. Agora, o entendimento avança para uma
dimensão mais ampla, abarcando as dinâmicas mais complexas de trabalho em curso no porto
de Itajaí. Isso fica explicito na fala seguinte. O entrevistado continua com sua explicação
sobre a nova situação dos trabalhadores:

Tem que saber mexer num guindaste a bordo, não é coisa para todos, não. Então, o
que a APM fez, pagou 10.000 para um cara, e fixou ele nessa posição de
guindasteiro. Daí eles selecionaram alguns dos melhores, o que o sindicato aprovou,
meio que desaprovando. Não tinha escolha, né. Não poderiam dizer em assembleia
que teve seleção por debaixo dos panos, porque daí vai cair nos mesmos problemas
que tô te falando. Não vai para frente, não adianta.

Entrevistador: Então, o que acontece que é bom para o sindicato desse esquema
todo?

Entrevistado: É o seguinte, quando aumenta muito o serviço, entra e sai navio, eles
precisam folgar porque o porto funciona 24 horas. Daí eles chamam o avulso do
sindicato (estivador, 38 anos).

Essa pressão contra os trabalhadores, especialmente os mais jovens tencionou sua


relação com os mais velhos, que tem mais de 45 anos de idade. As demandas por trabalho e as
alternativas frente à precarização destacam-se nesse conflito porque “todos estão no mesmo
barco”. Entenda-se a preocupação dos mais novos em relação aos mais velhos, visto que estes
“não foram pressionados a pegar tudo quanto é tipo de curso” para manterem-se empregados
(estivador, 40 anos). A demanda por trabalho em regime multifuncional, ou seja, para o
acesso ao trabalho de outros sindicatos, prescrito pela legislação, depende tanto da formação
como da antiguidade no trabalho. Dessa forma muitos trabalhadores mais velhos “teriam se
contentado com o que recebem. Como nos diz um gerente (OGMO, 40 anos),

[...] os trabalhadores que adquiriram novas qualificações, que estão em dia posso te
dizer que são poucos, são os mais jovens [...] que no total dos 150 trabalhadores da
estiva, uns 40 pegam firme, estão dispostos a fazer a multifuncionalidade e usar o
que aprenderam.

Mesmo os trabalhadores mais velhos tendo menos qualificação profissional, isso não
quer dizer que eles trabalham menos intensidade que os com mais qualificação e mais jovens.
Segundo um entrevistado (estivador, 41 anos), “eles não precisam vir que nem eu ao porto pra
pagar as contas. E também acho que eles não estão tão bem preparados para operar o
maquinário que tem aí no porto”. Portanto, eles precisam dos mais velhos para que tenham, a
123

partir de seus sindicatos, um grupo unificado de pessoas aptas a fazerem a


multifuncionalidade e, por extensão, demandar mais benefícios e renda para seus sindicatos.
Por esse tipo de situação, que não é abertamente verbalizada sem o cuidado de
dizerem que é um direito desses trabalhadores mais velhos, entendemos que existem motivos
para desconfiança entre esses trabalhadores. Da parte dos mais velhos, inúmeras vezes os
trabalhadores mais jovens foram acusados de “afrontar o sindicato porque legitimariam o
pleito da Portonave de burlar o sistema de contratação pelo OGMO” (presidente da FNP).
Essa “afronta”, em nosso entendimento, marca mais explicitamente diferenças
geracionais em curso. Ao buscarem por trabalho dentro do porto se qualificando, e mesmo
fora dele se vinculando, os trabalhadores mais jovens nos relaram a necessidade de terem uma
experiência que condiz com as relações de trabalho em curso. A idealização de um “trabalho
pesado, mas digno” é ressaltado também nesse processo (estivador, 45 anos).
Sobre os relatos da organização do trabalho predominante no porto privado
(Portonave), para um estivador (40 anos) segue de determinada maneira

Lá tem uns 8 estivadores, mais uns 5 conferentes nossos, que se vincularam. De


resto ninguém quis ir para lá. Mas te digo, lá não é o mesmo sistema, com as 5
categorias de portuários que temos aqui. Lá é 3: mar, terra e conferente. Eles não
ficam em posição fixa e não recebem por produtividade. Então já viu né: lá a
produtividade por homem hora é péssima, o que eles têm é espaço para daí gerir a
carga, o que a gente não tem. Lá uma hora você é estivador, outra te mandam limpar
contêiner, arrumar lacre ou mesmo limpar o tractor que fica a nossa disposição
(estivador, 40 anos).

Portanto, não surpreende a forte crítica dos trabalhadores mais velhos frente a esse
tipo de experiência, de colegas que se vincularam e que aceitaram perder seu direito como
categoria diferenciada. Em razão da queda abrupta que atingira o porto público “de 2008 em
diante mostrou pra gente que eles competem de maneira injusta. Não tem como ficar lá”
(estivador, 44 anos).
Essa situação de encontrar um trabalho digno esbarrou na baixa divisão do trabalho
predominante no porto privado, com somente 3 funções definidas (estivador, capatazia e
conferente). Logo, os trabalhadores avulsos do porto público viram que a expectativa de
alcançar melhor rendimento em razão do desempenho, peça fundamental de suas experiências
de trabalho, não os permitiram investir em maior qualificação profissional nesse espaço. Esse
contraste ajuda-nos a entender as opções abertas a esses trabalhadores no seu retorno ao porto
público.
Como um mercado interno que vem lutando para se preservar e inovar frente às
demandas do capital, a novidade do trabalho portuário está, em nosso entendimento, na taxa
124

maior de mobilidade sem mudança de status em relação às experiências passadas. Os que


permanecem, sobrevivem ao processo de enxugamento. Mas isso não é um trunfo frente às
lógicas de alianças e sociabilidade para manter-se empregado no porto. Sugerimos, portanto,
que qualquer afirmação no sentido de um aprendizado transmitido diretamente de práticas
tradicionais: “[...] macetes e técnicas que não foram aprendidas nos primeiros anos de
iniciação na vida portuária” tem perdido a relevância (diretor, 44 anos, OGMO, 2016).
Em contrapartida, a ideia de um mercado em constante transição, demandada pelos
empresários, é, no entanto, fechada na prática laboral dos portuários de Itajaí, que demandam
novos postos e melhor rendimento. Essa situação pode ser vista em um trecho de nossa
entrevista (estivador, 35 anos)

Entrevistador: Então, mas você já executou alguma dessas funções que eles querem
para vincular?

Entrevistado: Sim, porque eu trabalhei no outro porto. Lá eu fazia a capatazia, e, nas


horas de pico, era conferente. Aqui o que ocorre é que eles chamam a gente para
tampar o buraco [...]. “Porque, olha, eu consegui sobreviver, ganhar um pouco mais
por ser persistente. Mas acho que não é mérito. Só se você achar que fazer bicos
aqui no porto por anos for mérito.

A quantidade de trabalhadores que se propuseram a trabalharem por tempo


indeterminado no porto privado (em Navegantes) foram pequenas, em magnitude,
comparadas com portos como Santo e Vitória (BARROS, 2017). “Em torno de 35
trabalhadores entre 2011 a 2014, vincularam-se ao o porto de Navegantes, mas também portos
próximos ao Porto Organizado, como Braskarne. Quase todos retornaram. Acho que hoje
temos uns 6 trabalhadores lá (sindicalista, estiva, 60 anos).
Em comparação, no porto público, o acesso ao trabalho em atividade “conexa” é
bastante limitado, ou seja, geralmente 1 a 2 vagas em trabalho terrestre de apoio para que o
trabalho dos estivadores no navio se viabilize48. A limitação originava conflitos entre os
trabalhadores, disputando o trabalho considerado do sindicato de origem da capatazia e entre
os mais jovens e mais velhos da estiva. É nesse sentido que a reclamação acontece: “então eu
sou multifuncional, tenho todos os cursos, e pego uma vez por mês o trabalho de conexão,
igual ao pessoal que não vem pro porto – referindo-se aos mais velhos49 (estivador, 36 anos).
Chamamos atenção para o ano de 2008, com início das operações do porto privado,
o trabalho da estiva desestabiliza a escala de trabalhadores. “Muitos foram para lá para o

48
Guindaste e motorista de caminhão são as mais comuns para os estivadores, que trabalham no navio, mas
operam eventualmente estas funções.
49
isso acontece porque a idade é um dos critérios para a seleção dos trabalhadores.
125

Portonave. Os trabalhadores da estiva buscavam o trabalho em lingada (trabalho da capatazia)


e operador (trabalho da capatazia), serviços de baixa remuneração que diminuíram
brutalmente. Estas funções sofrem um corte brutal a partir do ano 2008 e intensifica a
experiência de expulsão dos que detém menor qualificação.
Podemos ver essa situação ser explica a partir da tabela abaixo, onde temos a
dimensão da oferta de trabalho e o engajamento para os trabalhadores avulsos.

Tabela16: Oferta de trabalho e o engajamento

Atividade Ofertados Engajados


Arrumador 30897 22404
Bloco 7585 2695
Conferente 2580 2597
Consertado 1385 433
Estiva 8289 17857
Vigia 1984 1155
Total 52720 47141
Fonte: OGMO (2008)

Essa tabela demostra que os estivadores precisaram acessar o trabalho oferecido,


necessariamente, de outros sindicatos. Porém, para esses trabalhadores essa situação se
justificou a partir da inflação na oferta de trabalhadores desse sindicato. A consequente perda
de poder dessa categoria, assim como de todos os trabalhadores, intensificou a experiência de
afastamento com os quadros internos ao sindicato e os aproximou com outros sindicatos
desejosos de responder a essa situação de precarização do trabalho.
Portanto, para os estivadores, a entrada da fonte de renda extra adveio da ofensiva do
empresariado sobre o trabalho da capatazia, como documentamos exaustivamente em seções
anteriores. Essa estratégia do empresariado permitiu que se introduzisse trabalhadores da
estiva no serviço da capatazia e em serviços menos remunerados. Um estivador diz:

olha, tem a conexa e nela eu consigo um pouco mais de trabalho em relação aos
colegas que não fizeram tantos cursos que nem eu. Já te digo, aqui ainda não temos
um acordo com a capatazia eu vai colocar a gente no trabalho deles, mas tá saindo
esse acordo. Mas eu fico mordido mesmo com o pessoal mais velho, que não
querem pegar juntos. Daí é mais uma razão para eles pressionarem o sindicato a
oferecer desconto ou cortar mais gente do engate (estivador, 36 anos).

Essa entrada no trabalho da capatazia, se de um lado os aproximou aos interesses


destes em avançar com sistemas mais democráticos de trabalho, de outro - mais macro,
126

estimulou a desconfiança entre os sindicatos. A respeito disso, um estivador (38 anos) nos
relata que

[...] foi deles atacarem pela estiva, é lá que a força do sindicalismo se manteve, é lá
que o corte foi mais duro: a conexão, o trabalho em funções terrestres que fazíamos
foram suprimidas porque as máquinas “comeram” espaço, e os terrestres, a
legislação tava ruim até a pouco tempo, foram. A turma ficou sem emprego, e tem se
rebelado e somado forças com a capatazia. A ideia é fechar um acordo coletivo nos
próximos anos com todos os trabalhadores. Em vitória já é a muito tempo assim.

Como nos diz um trabalhador da capatazia (45 anos): “O problema é que a estiva
estava pegando nosso trabalho”. Contudo, essa demonstração de desconfiança, em nosso
entendimento, é passageira porque, como fica demostrado na fala de um entrevistado, justifica
a necessidade de uma boa relação com a capatazia para as atividades conexas.
“Tem momento que o lançamento de mercadorias da terra para o navio precisa-se de
todos os trabalhadores” (estiva, 38 anos). Esta experiência cria laços de continuidade da qual
eles são altamente carregados de sentido em ciclos econômicos em queda. Menos emprego ou
abrupta queda em razão das lutas regionais por carga, mais a necessidade de manter-se
próximo do sindicato e aberto à negociação com os outros trabalhadores portuários.
A experiência de fechamento do mercado, que se desdobra na defesa histórica dos
sindicatos portuários - “[...] medido pela taxa de assalariados que permanecem no mesmo
ramo mudando de empregador” (diretor, 44 anos, OGMO), em nossas descobertas, é alta.
Portanto, existe aqui um processo de luta pela relevância dos sindicatos de origem (de cada
sindicato para a reserva de seu mercado) contra a precarização.
Isso, contudo, somente se visibiliza quando avaliamos o registro das qualificações
adquiridas no porto – entre colegas e com a luta pelo domínio relativo dos processos de
seleção, definição de jornadas – e as cruzamos com a chamada para o trabalho. Estas
chamadas, especialmente de outros sindicatos que nos dizem se de fato os trabalhadores
querem novas formas de gestão do trabalho ou não.
Essa analise se justifica a partir do interesse dos trabalhadores em superar uma
divisão existente entre os sindicatos de acessar as chamadas para trabalho de outros
sindicatos. Com a tabela abaixo podemos ver o interesse de trabalhadores em defender suas
funções, porém avançando para novas horizontalidades no sentido do sistema de distribuição
do trabalho.
127

Tabela17 : Interessados na mudança de registro sindical

Sindicato de origem Total de Sindicato de destino


trabalhadores
Sindicato dos estivadores 19 Sindicato dos Arrumadores
Sindicato dos consertadores 3 Sindicato dos Arrumadores
Sindicato do Bloco 2 Sindicato dos Arrumadores

Esses dados nos dizem primeiro, que há o interesse e o predomínio dos trabalhadores
da estiva em migarem para o sindicato dos arrumadores, que detém uma grande oferta de
trabalho oferecido. Além disso, esses trabalhadores, em sua grande maioria são trabalhadores
jovens, não alcançando 40 anos de idade. A proposta do sindicato em receber esses
trabalhadores é fruto de seu interesse em normatizar o acesso ao registro do trabalho. A
primeira consequência dessa normatização é, como nos diz um sindicalista, “não oferecer
incentivos ao empresário para contratar por fora do OGMO, mas especialmente em oferecer
vagas para vincularem em postos que consideramos estratégicos”. Essa constatação se
confirma com a análise dos trabalhadores chamados por atividade e seu engajamento.

Tabela18: chamada e escala (ano 2008)

Função Chamados Escalados Faltas


CMG 2.620 2.603 17
CMP 5.449 5.424 25
Guincheiro 5.984 5.888 96
Lingada 25.583 25.419 164
Motorista 4 4 0
Operador 18 4 14
Operador-2 10 10 0
Portaló 6.856 6.711 145
Fonte: OGMO (2016)

Com a tabela acima podemos ver que, em 2008, essa atividade atingira em cheio os
trabalhadores que buscavam se qualificar e ascender nos portos públicos. Primeiro, porque
nesses trabalhos eles geralmente são iniciados até alcançarem os títulos dentro dos portos que
os habilitam para maquinário pesado.
128

Com o relato a seguir, temos um indicador da redução do contingente de


trabalhadores para essa atividade e outras, que se referem também ao uso de novos
equipamentos poupadores de trabalho. Para o entrevistado,

Antes de 2008, não tinha essas STS50 (Ship to Shore). A gente chamava oito no
terno, e pra cada guindaste oito na equipe. Chamava 5 guindaste de bordo e dois a
três MHC (mobile hard crane), que é o guindaste de terra, mais simplesinho,
guindaste de lança. Não é diferente do STS e da lançadeira dentro do navio
(estivador, 38 anos).

O entrevistado descreve como a redução do trabalho impactou a posição dos


trabalhadores da estiva frente essa nova realidade produtiva. Para ele

Então, eles tiraram o guindaste de bordo porque a STS faz 3 vezes mais movimento
do que o guindaste de bordo por hora. Ele pega dois contêineres de uma vez só... O
que aconteceu? O serviço de bordo migrou todo para a terra. Enquanto que precisava
de 5, 6 caras para operar o guindaste de bordo. Era tudo manual, pegas com a mão,
faz o engate dos cabos, gira o contêiner dentro do navio. Chamava dos guindasteiro
nosso, um portaló (sinalizador), que ficou, e cinco homens de lingada, eles ajeitam
para o contêiner na calha. Eles botam os spreader, as peças de engate. Aquilo não é
automático. Aquela peça vermelha ali nos cabos do guindaste. Tem que colocar
essas peças em cima do contêineres, ela encaixa, faz o lock, unlock. Isso tudo era
manual. Tu puxava uma trava que fechava os quatro pino (estivador, 38 anos).

Por fim podemos ver que a redução da força de trabalho na estiva é um reflexo das
decisões políticas que foram tomadas no porto.

Daí eu não fazia mais nada com a máquina automática. Daí também que eles não
podiam eliminar todo mundo, e para manter o mercado de trabalho eles tiraram de 5
e colocaram dois homens. A diferença foi muito grande. A queda foi grande
(estivador, 38 anos).

Como fica visível na fala do entrevistado acima, concomitante as mudanças


tecnológicas, a pressão foi para que esses trabalhadores aceitassem os interesses da política
dos empresários no que toca a organização do trabalho.
Com a tabela abaixo podemos ver, em 2015, a redução para mais da metade da
chamada de trabalhadores por função e do enxugamento das operações.

50
Ship to Shore adquiridos pela APM Terminals para movimentação de contêineres no terminal. Com
aproximadamente 87 metros de altura e 1.600 toneladas, eles estão capazes de operar navios de última geração
(Ultra-Large Containerships), com 400 metros de comprimento, 56 metros de largura, 15,2 metros de calado e
podendo carregar até 18.000 TEUs. Portanto, além das necessidades atuais do porto de Itajaí, elas estão aptas a
futuros desenvolvimentos. Reiteramos que os investimentos em infraestruturas pelo Estado, nos portos que estão
fora do plano de concessões que se iniciam em 2008, receberam menos investimentos em comparação com o que
a iniciativa privada alocou desde o começo dos anos 2000. Por outro lado, no porto de Pecem, Ceará, a APM
terminals, que faz parte do mesmo grupo econômico que se encontra em Itajaí, investiu naquela cidade 100
milhões de reais em equipamentos, e o governo do Estado investiu 500 milhões em obras de cais, dragagens e
outras melhorias na infraestrutura aquaviária.
129

Tabela19: chamada e escala (ano 2015)

Função Chamados Escalados Faltas


CMG 882 882 0
CMP 1.395 1395 0
Guincheiro 26 26 0
Lingada 6.270 6.202 68
Motorista 6 6 0
Operador-2 6 6 0
Portaló 2.379 2.379 0
Fonte: OGMO (2016)

Chamamos atenção, com o exemplo da tab para o fato do trabalho de guincheiro


praticamente ter sido eliminado com a entrada de equipamento mais moderno, os Porteineres.
A redução do contingente de trabalhadores que se acometeu com a concorrência no porto
intensificou o processo de uso flexível da estrutura do terno de trabalho, ou seja, em
determinado ano predomina um tipo de equipamento em detrimento de outros e da transição
temporária de trabalhadores para postos de outros sindicatos (OGMO, 2016).
A consolidação desse uso flexível do trabalho, portanto, intensifica os conflitos entre
os trabalhadores e as gerações de trabalhadores não dispostas a encontrar uma solução, entre
os próprios trabalhadores, para a falta de trabalho e a sua precarização.
De um lado, temos trabalhadores que entendem essa situação como regular, mesmos
tendo no trabalho de outra categoria fonte de renda complementar. Associamos essa posição
aos trabalhadores que não iniciaram um processo intensivo de aproximação com os outros
sindicatos. Segundo um sindicalista (estiva, 50 anos),

[...]os avulsos geralmente não queriam se vincular, né, é difícil isso, eles não vão se
vincular para trabalhar em tractor (caminhão de transporte de contêiner) porque daí
eles vão ganhar uma miséria. Então, o que aconteceu é que abriu a brecha para eles
contratarem fora do OGMO – caso se eles não se interessassem pela oferta dos
operadores portuários ou não preenchessem os requisitos exigidos para o cargo
oferecido.

Podemos ver claramente a visão oposta que um estivador tem sobre o trabalho que,
por origem, pertenceria a capatazia.

Sabes o ATT? O caminhãozinho que vem para retirar e colocar os contêineres dos
guinchos. Isso... Terminal Tractor. Eles chamam para vincular no ATT. Só que
como o salário é muito baixo, é o mais baixo que tem. Nem todo terresteiro vai para
o ATT. Aí sobra para cá. Daí a gente pode entrar, pode vincular. Depois deles. Esse
130

que é meu veneno... Eu sou operador de guindaste, operador de ponte. Nunca vou
ser vinculado. Não tem oportunidade para eu entrar. Estamos finalizando um acordo
com os outros sindicatos, mas deixa eu te dizer o antes para depois você entender o
depois (estivador, 38 anos)

Aqui vemos explicitamente que sua intenção é iniciar processos mais flexíveis de
trabalho, mas desde que respeitem sua qualificação acumulada em cursos, e que é impedido
por trabalhadores que não participam da nova proposta de regulação do trabalho.

Entrevistador: E o futuro do teu trabalho?

Entrevistado: O futuro é a peação. A terrestre tá vinculado que te disse. O cara entra


pra ver se o lacre tá legal, função do conferente e o outro vem e tira do sapatinho do
contêiner no momento que chega com a carga do caminhão. Esse é serviço de terra.
Menos trabalhador, mas é o futuro (estivador, 38 anos)

Essa situação, trouxe respostas ambivalentes dos sindicatos, especialmente da estiva


no sentido de justificar a prática de flexibilização do trabalho. Ela é ambivalente porque,
como diz o entrevistado: “A gente entendeu como razoável até porque não dava mais para
colocar um cara que não sabe operar guindaste como candidato, né?” (estivador, 38 anos)
Especialmente, chamamos atenção para o fato de que, a partir de 2015, a pressão
entre os próprios trabalhadores para comparecerem ao serviço da lingada – trabalho da
capatazia - se intensificou, alcançando zero falta. Essa situação sugere que, comparando com
os dados históricos da lingada, os trabalhadores da estiva que não tem acesso a trabalhos mais
remunerados e de melhor qualificação começaram a demandar uma nova proposta de sistema
de rodizio amparado pela legislação 8.630/1993 com o nome de “multifuncionalidade”.
Especialmente entre os mais jovens e que construíram expectativas de permanência no porto.
Então esse mecanismo de distribuição do trabalho precisou ir além desses limites.
Isso porque existe o componente da subjetividade e interesse dos trabalhadores para iniciarem
o processo de multifuncionalidade prescrito pela nova Lei nº 12.815. Os mecanismos para
efetuar essa nova proposta baseia-se em abrir esse cadastro, já mencionado, mas devolver ao
sindicato de origem o imposto que esses trabalhadores recolherem enquanto trabalhadores da
capatazia no sindicato dos arrumadores. Um trabalhador da capatazia nos diz que essa
situação

Irá revolucionar nosso mercado. Vai ser difícil eles imporem tudo o que eles estão
acostumados a fazer. Tem um problema que permanecesse mais isso vai passar: não
praticamos a multifuncionalidade no quadro dela, porque o número de trabalhadores
deles é muito pouco na atividade deles”. Não quer dizer que temos que esperar o
patrão fazer isso pela gente. (capatazia, 40 anos)

Aqui, os trabalhadores demandam que “todos os trabalhadores peguem trabalho


menos remunerado ao menos uma vez durante o câmbio”, o que implicaria num ato voluntário
131

dos trabalhadores com respeito a uma diretriz do sindicato. Essa alternativa corresponde não
somente a um período de maior demanda, mas ao fato de que seus registros e a própria
viabilidade do mercado de trabalho podem ser postas em risco caso eles não assumam essa
posição.
O relato de um estivador avança com essa discussão e indica-nos como novas formas
de implementar o rodízio tem sido ponderada pelos trabalhadores. Assim, o entrevistado a
seguir começa seu retrato, fazendo-nos lembrar Sarti (1981) com sua caracterização clássica
do sistema de rodízio. Vemos nesse retrato pessoal um reflexo de grandes inovações em
curso, que atestam o poder de barganha da classe e sua adaptação aos novos tempos.

Entrevistado1 (estivador, 38 anos): Pensa numa planilha do Excel. Cada coluna


corresponde a uma função. Chefe, auxiliar, sinaleiro, operador de máquina e
trabalhador. O preguinho faz todas as funções, tu faz sinaleiro operador de máquina
e chefe, eu faço só trabalhador. No sindicato tem isso, tem trabalhador que se
qualificou, tirou carteira, e tem aqueles que querem o serviço mais braçal que eu
vejo que é o pessoal mais velho, eles querem fazer o deles, pagar as contas e deu.
Não querem vir de madrugada ou a noite, não querem entrar o frigorífico ou ficar
embaixo do guindaste. Então tu pega gente dividida por grupos, gente que faz
algumas funções e gente que faz todas as funções. Então atracou o navio de granel,
vai chamar quem, o geral, a lista que vai de um a 150. Daí chama essa lista, porque
precisa de gente para aquele momento, pra dar o engate no serviço. Só que daí do 1
ao 150 todo mundo quer a função de chefia, de manhã é 1, a tarde é o 6, a noite é o
10. E daí o navio não chama só uma função, chama 3, 4, 5 funções. Então, daí a
tarde aqueles que foram chamados de manhã ficam no descanso de 11 horas. Daí
eles trabalharam de manhã, e podem voltar de madrugada. Na madrugada eles são os
primeiros do rodízio. É isso que a gente chama de acumulado. De manhã tu foi de
chefe, nas outras funções tu não foi. Da de tarde o navio chamou de novo. Daí como
tu já foi de chefia, tem gente que passou por ti a tarde. Tu não perder essa vez, a
tarde porque a lista corre e passa por ti novamente então é justo que tu não perca
esse “engate”, essa chamada. Tu tem direito de ser chamado a tarde nessa posição,
exceto no período que tu já foi.

Entrevistador: Mas se te chamarem para outra função?

Entrevistado1: Eu vou na que paga mais porque daí á tarde eu sei que chama então
eu vou á tarde. Daí eu descanso na madrugada e peço para guardar a máquina de
manhã.

Entrevistado2 (estivador, 36 anos): Que não existe em nenhum outro lugar. Tem...
mas não igualzinho o nosso. Isso é um acordo nosso entre o porto e a gente.

Entrevistador: Mas a lei atual permite isso?

Entreivstado1: Permite?

Entrevistado2: Permite.

Entrevistador: Por negociação coletiva.

Entrevistado1: Sim, mas não tá no papel.

Entrevistado2: Tá no papel.
132

O que aqueles entrevistados nos dizem é que as regras principais que definem o rumo
da organização do trabalho, da definição do perfil desejado - com cursos de qualificação
exigidos para o trabalho -, para a multifuncionalidade não são autoaplicáveis. Eles precisam
passar pela negociação e acordos coletivos.
Esse relato aponta para um trabalho de ofício em processo de reinvenção. A força da
solidariedade e as pressões para enquadrarem-se a essa realidade os direcionaram para
impasses sobre o futuro de seus trabalhos. Novas relações de trabalho surgiram no rescaldo
das ofensivas contra seu mercado de trabalho. Há também incertezas quanto a legalidade dos
processos de trabalho que vem sendo assumidas.
Esses profissionais estão sujeitos também a restrição a novos trabalhos,
principalmente se estiverem associados ao uso parcial da multifuncionalidade, fruto da
flexibilização e despeito ao sistema de rodizio. Porém, por outro lado, o trabalho tem sido
marcado pela solidariedade que emerge da noção de que “às sobras de trabalho dos outros
sindicatos é uma situação que ao menos permite alguma fonte de renda”, impulsionando-os a
refletir mais a fundo sobre novas formas de agir coletivamente em prol de emprego e
dignidade (estivador, 41 anos).
O ataque à estiva, fruto da pouca demanda por esse trabalho, revelou o que
chamamos de “transição fechada” para outras modalidades de trabalho portuário. Ela é
fechada porque somente aqueles que investiram simbolicamente em formações
complementares conseguiram manter-se empregados. De outro lado, essa transição somente
ocorreu porque os sindicatos que detêm domínio sobre determinada função conseguiram uma
contrapartida na função dos outros sindicatos.
Em síntese, vimos até aqui que as experiências de trabalho fora do porto público
foram determinadas pela inconstância e precariedade do trabalho que eles buscam
transformar. Nesse processo, o trabalho portuário é tensionado pelas pressões que são
colocadas dentro do porto. Não deixa de ser possível, contudo, que eles possam intervir, no
sentido de transformar essa situação, trazendo outros sindicatos e o OGMO como aliados.
133

4. SINDICALISMO PORTUÁRIO E NOVAS ESTRATÉGIAS DE AÇÃO


COLETIVA

4.1. História do sindicalismo portuário

No começo desta tese, anunciamos que no contexto da liberalização do mercado


portuário, com a descentralização dos mecanismos de representação dos trabalhadores e do
capital, tornou-se pertinente o debate sobre a contribuição dos atores sociais para as políticas
que se seguiram às reformas portuárias. Nossa ênfase parte, como temos discutido, das
dinâmicas desde os anos 2000, com o foco para os anos que antecederam e logo após a
legislação nº12.815/13.
A história do trabalho portuário enfatiza as peculiaridades de trabalhadores manuais,
com as lutas para terem acesso ao mercado de trabalho. A prática de levantar a mão e revelar-
se demandante de trabalho, na “parede”, termo que designa o lugar de chamada dos
trabalhadores, estivera colado com a experiência de incerteza e de conflitos para o acesso a
renda. O conflito nesses espaços aponta para um tipo de representação da vida portuária feita
de amizades, da cultura do corpo masculino e da valentia. Arantes (2007) aponta a
necessidade de superar uma visão restritiva dos sindicatos portuários, que viriam em defesa
dos interesses de seus trabalhadores, fechados às demandas e conflitos mais amplos que se
dão nos portos.
A variedade de experiências nacionais, no período da formação desses sindicatos,
não pode ser correlacionadaa com as posturas ideológicas (especialmente o anarquismo) e a
predominância de determinado setor econômico. Por exemplo, em Santos haveria um
sindicalismo combativo entre os portuários em razão do processo de industrialização mais
acentuado e do predomínio de um sindicato revolucionário; no porto do Rio de Janeiro, em
razão da predominância de anarquistas, por outro lado, haveria um sindicalismo pouco
combativo. Para Cruz (1998), essas divisões escondem a vivacidade do fazer-se enquanto
classe portuária.
Dessa forma, vemos nos primeiros sindicatos que se formaram em Itajaí uma
tentativa de responder a essa situação de precariedade e, consolidando-se progressivamente
em direção a um dos principais exemplos do movimento operário catarinense, no início do
século XX. Entre suas principais conquistas reivindicadas está o “Closed Shop” – sistema de
sindicato fechado aos sindicalizados, que teriam ampla preferência na disputa pelo trabalho.
134

O desejo de autonomia e fechamento desse mercado foi uma luta comum aos
portuários do mundo inteiro, mas isso não significa que alcançaram todos esses objetivos,
como nos casos de closed shop consolidados (Londres, Portland, Marsey, Nova York). Para
Cruz (1998) o questionamento é saber como esse sistema pode ter se estruturado no Rio de
Janeiro, se não existia as mesmas condições que Santos. Ela aponta que o fechamento de
sindicatos portuários em Santos não aconteceu antes do que naquela cidade. E, além disso,
aponta para o fato de mesmo no Rio de Janeiro não haver uma tradição forte com a ideologia
revolucionária nos portos, a pressão dos trabalhadores se fez sentida o suficiente para impor
as condições que predominam num closed shop.
O ponto aqui inaugurado é que a luta pelo trabalho nos portos se dava em direção a
sua exclusividade àqueles que estavam vinculados a um sindicato. O foco da analise está em
saber se a luta de sindicatos concorrentes, os conflitos por acesso ao trabalho, e a pressão do
empresariado em fazer valer uma situação de grande precariedade resultaria em desunião,
impedido a formação de uma classe minimamente operante e capaz de fazer valer seus
interesses.
A organização desses sindicatos, para Arantes (2007), reflete um processo de luta
constante e da solidariedade decorrente da experiência do trabalho. Para ela as pequenas
paralizações e a luta por ganhos aparentemente ínfimos - como impor um ritmo mais lento na
jornada, agregar mais gente nos sindicatos e torná-lo viável frente ao empresariado, apoiar as
greves que por ventura aparecessem - era essencial para a constituição dessa classe.
Especialmente, chamamos a atenção para a demanda do empresariado em cortar
custos e impor formas de flexibilização, que, de outro modo, não foi efetiva em ultrapassar a
barreira desse tipo de sindicalismo. Sua vitalidade aparece nas discussões que seguem o
estudo de Cruz (1998) que enfatiza no sindicalismo portuário uma força impar contra os
processos de flexibilização, ao socializar esses trabalhadores contra as ameaças que surgem
nos portos.
Ao mesmo tempo, com Sarti (1981), fica claro que esse processo de fechamento
criou, senão dois mercados coexistindo no mesmo espaço e competindo por trabalho, ao
menos os bagrinhos, categoria excluída dos sindicatos, que viriam amortecer a oferta de
trabalho nos portos. O trabalho mal remunerado ou em condição de subemprego era dos
bagrinhos, que teriam que se contentar com as tarefas dispensadas pelos sindicalizados a
competição brutal fora dos sindicatos fechados.
135

Complementa-se atualmente a discussão de Sarti (1981) com a análise de Cruz


(1998) sobre novas formas de organização do trabalho e da importância das instituições que
foram construídas após a institucionalização do closed-shop.
Nesse sentido, a questão do trabalho suplente foi progressivamente normatizada pela
Justiça do Trabalho, e, com a nova legislação foi consolidado esse entendimento e destacada a
dimensão dos acordos coletivos como mecanismos que podem promover ou não a
solidariedade dessas classes portuárias.
A luta portuária sofreu imensos reveses durante os anos 2000. Porém, em todo esse
período, os sindicatos apostaram que o fechamento do mercado de trabalho passaria pela
estrutura de representação construída pela legislação 8.630/93. Em muitos sentidos, essa
estrutura se assemelhava ao sistema do corporativismo desde os governos de Getúlio em
diante (RODRIGUES, 1990). A noção de sistema corporativista reitera canais
institucionalizados de interlocução, mas também de uma rigidez associada às relações de
classe e capital. Reitera o papel do Estado no controle dessas relações via a mediação da
Justiça do trabalho, que define as contrapartidas aos trabalhadores para poderem executar suas
funções via sindicato.
O Closed-shop, ou seja, o controle sindical da mão de obra, era o elemento central da
cultura do trabalho porque permitia terem autonomia em relação ao patrão, e exercer seus
ofícios mediante preceitos estabelecidos por eles mesmos. O sindicato refletia essa cultura do
trabalho, com forte ênfase na autonomia e liberdade dos trabalhadores, porque como diz
Diéguez (109, 2014) “a ele cabia administrar as regras do jogo”.

4.2. Sindicato na periferia do sistema nacional portuário

Precisamos fazer algumas considerações sobre o panorama do sindicalismo portuário


no século XXI, apresentado por Diéguez (2014). A autora traz a hipótese da perda da
identificação do trabalhador com sua entidade sindical, uma vez que documentamos a perda
do monopólio da gestão da mão de obra a um órgão gestor, o OGMO. O discurso sobre o
declino dos sindicatos explicaria essa hipótese (RODRIGUES, 2002). Nesse sentido, os
trabalhadores que entrevistamos também corroboraram essa visão e acreditavam
profundamente que haveria um enfraquecimento e posterior fim das entidades sindicais com o
aprofundamento da reforma portuária.
136

A posição combativa clássica, com um repertório conhecido pelos portuários de ação


coletiva, contudo, permitiu um tensionamento nas expectativas iniciais dos sindicatos
portuários que agiram em direção ao centro, com pautas voltadas para a defesa salarial e de
greves na medida e somente quando legitimadas pela Justiça do Trabalho (DIÉGUEZ, 2014).
Não significa que não foram combativos, nem que houve uma renovação da ação
sindical. Em razão das poucas, mas boas respostas conjuntas ao ambiente de crise do qual se
encontravam, novas respostas foram dadas aos trabalhadores que vieram a estreitar os laços
uns com os outros e se tornar mais solidários, seja para a revisão dos processos laborais -
como por exemplo, agir em socorro mútuo contra a precarização. O caso exemplar, para esse
trabalho, foi a plenária de 2016.
Antes de discorrermos o sobre o potencial e interesse dos trabalhadores de Itajaí em
agirem sobre um terreno mais precário das relações laborais, remetemos aos limites do
sistema corporativista na perspectiva de Leôncio Martins (2002). Para este autor existe
primeiro um limite à ação mais contestatória na barreira que se coloca a ideologia do
corporativismo, que tem a crítica ao autoritarismo, anti-individualismo e paternalismo como
elementos que habilitam tanto a luta dos trabalhadores como da crítica aos mesmos.
Por exemplo, a ideia de que os trabalhadores seriam cooptados por lideranças pelegas
ou que a relação com a Justiça do trabalho seria de subserviência fazem parte da crítica. Se
essas críticas procedem, o que não acreditamos que seja o caso, chamamos para a ideia do
autor de que as opções realmente transformadoras de ação sindical teriam pouca diferença se
os sindicatos conseguissem, momentaneamente subtrair suas diferenças e avançar com pautas
conjuntas.
Nesse sentido, para Barros (2017), a aproximação da Força Sindical (FS) com o
sindicato dos estivadores de Santos representa a permanência de uma estrutura enrijecida de
representação, pouco afeita às lutas mais amplas que se acometeram aos portos. O autor
discorre sobre a aproximação de Paulinho da FS no momento em que se tornou força com o
processo de discussão e depois da aprovação da Medida Provisória (MP) 595/2012 que dispõe
sobre a exploração direta e indireta dos portos pela União.
Paulinho da FS havia participado da ocupação de um navio no Porto de Santos com
os trabalhadores da estiva e capatazia no terminal da EMBRAPORT, durante o conflito entre
o sindicato e a empresa em relação ao trabalho por vínculo. Chamamos atenção sobre as
pautas que esse sindicalista defendeu: defesa do porto organizado, Cia Docas e contra a
contratação por tempo indeterminado. Portanto, indo de encontro as demandas de todos os
137

trabalhadores portuários. Para Barros (2017), ele se constituiu em um representante dos


trabalhadores portuários no congresso nacional.
Barros (2017) documenta que Paulinho foi um dos principais apoiadores da
aprovação da PL 4330 em 2015 e de outras reformas que precariza mais ainda as condições de
trabalho. Portanto, como os trabalhadores portuários aceitaram esse representante na defesa de
seus interesses?
No caso dos trabalhadores portuários, para além de ter prejudicado a unidade do
sindicato em Santos, nesse momento as preocupações avançaram sobre a potencial ameaça de
a defesa do cadastro dos trabalhadores ser posta em questão, e toda a legislação 12.815/2013
ser posta em xeque nesse processo. Nesse sentido, Diéguez (2014) documenta que na primeira
década dos anos 2000, a criação de fóruns intersindicais conseguiu barrar a implementação da
multifuncionalidade, que já estava prescrita em Lei nº 8.630/93 e graças a combatividade
conseguiu-se obstaculizar a precarização do trabalho decorrente do uso de formas flexíveis de
trabalho.
Contudo, a promulgação de um novo marco regulatório portuário em 2013, lei
12.815, buscou intensificar ainda mais o processo de entrega de áreas portuárias dentro dos
portos e, consigo, arrastou os trabalhadores avulsos rumo à precarização que pôs em risco a
estrutura de representação desses trabalhadores. Como aponta Barros (2017, p.150),

através da diminuição das requisições de trabalhadores avulsos e a contratação de


trabalhadores vinculados pelos terminais portuários se intensifica um processo de
aproximação de lideranças do SINDESTIVA com lideranças [...] ligadas ao capital e
ao sindicalismo de resultados. No caso, podemos citar as figuras políticas como Beto
Mansur, Paulinho da “Farsa” e o próprio prefeito da cidade de Santos, Paulo
Alexandre Barbosa do PSDB.

O que Barros (2017) nos chama atenção é para uma agenda em aberto sobre ação
sindical portuária com a nova legislação, existindo dois problemas que precisam ser
respondidos pelos trabalhadores: 1) a constante ameaça que vem de uma baixa interlocução
entre os sindicatos frente a privatização dos portos, 2) de uma a baixa adesão dos
trabalhadores as propostas mais combativas dos sindicatos na resolução das pautas salariais.
Como uma resposta a esses desafios, a CUT legitima-se nesse período em relação ao
sindicalismo do centro do sistema portuário e também em sua periferia, no porto de Itajaí.
Isso nos permitirá discorrer sobre as poucas, mas relevantes conquistas efetuadas entre o
período de 2001 a 2008 quanto aos reajustes salariais e aumento do recurso a greves –
respaldadas pela Justiça do Trabalho – como um chamado a solidariedade sindical.
Segundo a CUT (2006. p.3),
138

Com o transcorrer do tempo, um conjunto de fatores socioeconômicos aliados com


as características peculiares do trabalho portuário, fizeram com que as operações
portuárias fossem realizadas, exclusivamente, por determinada categoria de
trabalhadores que, mais tarde, foi reconhecida e normatizada, dando origem à
categoria do Trabalhador Portuário Avulso (TPA). Com a instituição da Lei
8.630/93, conhecida como “Lei de Modernização Portuária, as atividades de
operação portuária foram sendo gradualmente transferidas, por intermédio de
contratos de arrendamento de áreas às empresas do setor privado, constituídas para
atuar sob a forma de Terminais Portuários Privativos, trazendo, como consequência
natural, mudança no modelo de gestão das relações do trabalho portuário.

Vemos aqui uma postura de naturalização do trabalho portuário avulso por parte
dessa central. Qual era a intenção dessa central em fazer esse tipo de afirmação? Primeiro,
entendemos que o enunciado de fala da CUT faz parte de um contexto onde pautas mais
abrangentes começam a surgir nos portos brasileiros entre os trabalhadores, no caso a
contratação de trabalhadores vinculados51, mas também sobre a ameaça crescente dos portos
privados e da intensa privatização dos portos públicos em curso. Argumentamos que essa
situação apontou para, progressivamente, demandas comuns entre os trabalhadores portuários
de Itajaí.
As negociações diretas, fato comum entre os portuários e suas categorias de origem
é o início desse processo. A negociação direta revela níveis de tensão e dificuldades que
podem ou não evoluir para o conflito aberto, com greves e paralizações. As negociações
diretas relatadas refletem um contexto inicial onde, em nível nacional, inúmeros outros
setores alcançaram vitórias expressivas durante a primeira década dos anos 2000 - após
período de grande retrocesso nos anos 1990 (CARDOSO, 2003).
Exemplo disso, como já relatamos, é a experiência de diversos Fóruns de
interlocução, que também ocorreram no setor portuário, os quais trouxeram a expectativa de
avanço nas relações capital trabalho (RAMALHO, 2006). Em Itajaí, com o Pacto de
Transição Negociada em 2001, questões mais abrangentes à empresa, com os investimentos
no porto público, tributação e política industrial, foram destacadas. Assim, a pauta desses
trabalhadores sugere uma afinidade com uma postura mais conciliatória apregoada pela CUT
e setores que se alinharam ao governo Lula, com um modo de ação sindical que retoma
provisoriamente, mas eficazmente, às instituições do corporativismo.
Nesse cenário, a preocupação dos trabalhadores era manutenção de seus empregos,
que, como temos relatado sofrera grande ofensiva em razão de um aprofundamento dos
mecanismos de contratação, dispensa e uso flexível da força de trabalho (KRAIN, 2008). É

51
Trabalho por tempo indeterminado e subordinado a empresa portuária.
139

nesse sentido que os sindicatos portuários de Itajaí, acompanhando de perto a gravidade de


sua situação e de outros portos cria a expectativa dos trabalhadores em aplicar formas mais
horizontais de organização do trabalho. Como nos diz um estivador: “a multifuncionalidade
tem que servir a gente e não ao patrão” (estivador, 40 anos).
É nesse sentido que buscamos nos aproximar mais de Rodrigues (2002), que entende
que as diferenças ideológicas tem um limite com o corporativismo, mas sua estrutura de
representação se apresenta como um canal de intermediação de interesses capaz de apresentar
soluções para os problemas mais pungentes da realidade portuária.

4.3. No início de tudo, coalização local contra a precarização do trabalho portuário


avulso

Se olharmos para alguns anos, antes da experiência de desalento da classe


trabalhadora portuária nos idos de 2000 a 2008, veremos que existiu um contexto de euforia
sobre as promessas de renda com as cargas de armadores internacionais, que estavam
desembarcando no litoral catarinense, em especial, em Itajaí no início dos anos 2000.
Desejamos apontar como esses primeiros anos de euforia portuária favoreceram a
formação de uma coalização de interesses entre autoridade portuária e trabalhadores, que
viera em benefício também a estes. Esperamos depois disso demostrar que os trabalhadores
foram estimulados a reverem suas estratégias em razão tanto das mudanças na legislação
sobre o trabalho, como de uma estrutura de oportunidades única para reivindicarem melhores
condições de trabalho e remuneração.
Registramos que a proposta do governo federal era de normalizar a situação de
portos privados em situação de ilegalidade, como a Portonave (SC) e Embraporto (SP) que
estavam localizados em área de porto organizado (BNDES, 2012, p .40). Assim, com esses
portos a política do governo se deu fora de uma política nacional integrada, com os efeitos
esperados de descoordenação gerados por uma política de privatização dos portos
(DIÉGUEZ, 2014; TURNBULL, 2012). Nesse momento, o mesmo foi dito para os portos que
detinham concessões públicas, eles esperavam o prolongamento dos prazos para operarem nos
portos públicos.
Acreditamos que esse cenário aponta para uma estrutura de oportunidade política
aberta aos trabalhadores de Itajaí, que serve de resposta às tendências mais abrangentes nos
portos nacionais (DIEESE, 2013). Essas tendências se materializaram, por exemplo, nas
140

disputas entre o governo de Lula e Dilma Rousseff e o empresariado. As cartas foram


expostas por esses governos a estes últimos, afirmando que deveria haver isonomia no
tratamento dos portos. A intenção desses governos, portanto, era de barganhar os
investimentos que precisavam continuar, mantendo com a defesa do total acesso dos
trabalhadores nos portos privados dentro do Porto Organizado.
Para o governo Dilma, a questão principal era que precisava-se corrigir os preços
cobrados entre os portos público e privados. Nossa resposta retorna a Heloisa Souza Martins
(1979) no sentido de entender que as políticas econômicas dependiam das políticas salarias
adotadas, especificamente para cada setor econômico e mercado de trabalho.
É nesse sentido que os sindicatos foram atores importantes para a política de
reformas do setor portuário. A perspectiva das entidades estatais em nível federal e local, e
também dos sindicatos, foi direcionado as disputas sobre as políticas de privatização em
curso. Elas nos trazem lições importantes nesse sentido.
Perguntamo-nos: em que momento e como a ANTAQ braço do Ministerio dos
Transportes – criada em 2001 - se apresentou como um aliado da autoridade portuária agir
sobre os processos de enquadramento das demandas portuárias (taxação, fiscalização e
controle das infraestruturas terrestres e aquaviárias)? O que justificaria sua abstenção frente à
ofensiva, que apresentaremos adiante, do Ministério dos Transportes – como vimos com as
cartas trocadas pela GEMPO, que é subordinada diretamente aquela entidade - contra a
autoridade portuária de Itajaí?
A privatização quase total dos portos públicos estava já consumada. Porém os
conflitos retornaram a esse porto na medida em que os problemas com a precarização do
trabalho e com o porto privado se somaram e interferiram na área de jurisdição pública.
Para Sampaio (2013, p. 80), o resultado dessa política de privatização alterou o
entendimento corrente do papel dos agentes econômicos num mesmo mercado marcadamente
de monopólio natural52, como dos portos; e que por longo período favoreceu a entrada de
competidores, que raramente comprovaram que essa entrada em espaço público traria
benefícios a coletividade53.

52
Registramos que os mercados de infraestrutura – portos, ferrovias, telecomunicações – é marcado por
obstáculos naturais à promoção da concorrência, especialmente pelos altos investimentos necessários para sua
promoção. O princípio de justificação econômico está na ideia de que em monopólios naturais não se poderia
ofertar um bem ou serviço para um mercado inteiro a um custo menor do que ocorreria se duas ou mais firmas
ofertassem tal serviço ou bem.
53
Normalmente, num monopólio normal, novos entrantes o fazem mais competitivo. Já no monopólio natural,
os novos entrantes não podem atingir o mesmo custo baixo que os monopolistas desfrutam porque, após sua
entrada, cada firma teria uma parcela menor do mercado (SAMPAIO, 2013, p. 80).
141

A única garantia oferecida pelo Estado era de que ele poderia ou não favorecer o
pleito dos portos ou dos trabalhadores, seja em área pública ou privada. E, para isso, a
intervenção estatal para assegurar “padrões mínimos de normalidade, evitando práticas
contrárias a ordem e ao desenvolvimento nacional, foi essencial (MARTINS, 1969, p.100).
Nesse sentido, Sampaio (2013) entende que a liberdade irrestrita de entrada e saída
de empresas que seguiu com a intensificação da privatização dos portos, com a determinação
de preços e qualidade de serviços associadas as demandas imediatas dos armadores, foram
prejudiciais aos portos públicos.
Por outro lado, refletimos com Sampaio (2013), que existiu uma espécie de
compensação do Estado aos atores locais, com o enraizamento das estruturas políticas e
corporativistas, como o CAPS e OGMO, que podem ser vistas do lado do consumo das
cargas. Se o armador tinha tanto poder de barganha como Agripino (2008) entende, o Estado
atuou em momentos precisos para não desestimular o padrão de crescimento sustentado por
sua política de exportações.
Logo, se o argumento procede, os portos não ficaram totalmente à mercê da sanha
empresarial com o andar da privatização, que por todo os anos 1990 e início dos anos 2000 de
fato levou muitos portos a quase destruição de suas antigas instituições (DIÉGUEZ, 2014).
Por isso, reiteramos a pertinência do caso de Itajaí. Essas estruturas corporativistas foram a
própria alavanca, disputada pelos empresários e trabalhadores para avançarem com suas
demandas, que ora convergiam, mas dificilmente alcançara-se a paz social (RODRIGUES,
1990).
Essa alavanca se retrata, no período de nossa analise, nas opções dos portos de as
usarem a seu favor ou contra. Por exemplo, vimos como a ameaça comum de armadores
poderem ter a opção do uso de um porto em detrimento de outro tem resultado na perda de
carga do porto público para o porto privado (Portonave), sem o benefício prometido ao Estado
brasileiro de que mais cargas próprias viriam.
Essa a situação avançara para um crescente impasse materializado com a Antaq , que
inicialmente não entrara com pareceres para reforçar a posição das empresas e portos já
estabelecidos nos portos públicos. A lógica, reiteramos, é de privatização dos portos.
Especialmente, chamamos atenção para como esses impasses são sempre no sentido
das vantagens decorrentes da intensa privatização dos portos públicos. Exemplo disso é que a
legislação não permitia que portos privados operassem em porto público a não ser que
tivessem carga própria (DIEESE, 2013). Esse não foi o caso do porto privado (Portonave).
142

E mesmo nessa situação de aparente desvantagem para o porto público, os relatos


que acumulamos são que esses conflitos já estavam marcados por interesses mais amplos de
grupos econômicos, recentemente formados, no setor portuário. Exemplo disso é o armador
Maersk, que é a arrendatária do porto de Itajaí.
O relato de um gestor portuário, (40 anos, Portonave), revela-nos como entende seu
papel econômico e político na região. Diz o entrevistado:

[...] pegue o exemplo do Rio de Janeiro, 5 milhões de pessoas, o Porto não é a


principal atividade. Em Itajaí são 200 mil pessoas, e a vocação da cidade é o porto.
Por causa do porto que grandes empresas, muito maiores que o Porto vieram para cá
com o intuito de escoar sua produção. É o caso da BRF está atualmente sediada, JBS
que esteve sediada aqui... então, você realmente atrai empresas exportadoras e toda
uma gama de empresas que estão envolvidas como despacho, tradings etc. com o
negócio portuário

O entrevistado ainda acrescenta, no que toca à tendência à verticalização,

[...] houve uma perda de 2/3 das paradas de navios em vista da abertura da
Portonave, que fica a 300 metros daqui. Você acha como que sobrevivemos? A
vocação da cidade é o porto. Mas também eu poderia dizer que Itajaí é um
quarteirão com 5 padarias. Nós oferecemos o melhor produto, somos a padaria,
confeitaria e tudo mais. Mas você precisa pagar. O que acontece do outro lado: eles
não pagam nenhum imposto, não contratam via sindicato. É óbvio que temos um
problema aqui. O que colocamos aqui é que a cidade tem tudo isso por causa de nós.
Ainda esperamos que os termos da legislação alterem esse estado deplorável, onde
não sabemos se podemos fazer mais investimentos

A mesma entrevista prossegue “[...] eles [trabalhadores e cidade] deveriam estar


gratos com nossa presença. Quanto gastamos com creches, salas de esporte e impostos?
Podemos ir embora no momento que desejarmos” (diretor, 43 anos, APM terminals). A
justificativa para a precarização do trabalho, como contrapartida de suas promessas de
investimentos para o porto de Itajaí deveriam estar, a seu ver, garantidas a despeito das
ameaças que se colocam para a preservação dos investimentos e do acesso público ou mais
democrático a esse porto54.
A razão desse armador de permanecer no do Porto público de Itajaí fica evidenciada
pelo tipo de controle que almeja sobre esse porto. Primeiro, refletimos que eles poderiam
buscar outros meios de escoar essas mercadorias, em razão do custo do trabalho ou de
impostos cobrados.
Na fala da entrevistada, gerente (40 anos, Porto de Itajaí)

54
Porque, obviamente se trata de uma empresa privada, mas que seu status e sua existência se fundamenta
nisso: manipula cargas de terceiros, e não somente de uma ou duas companhias.
143

Em Imbituba, a Maersk, que é dona deste porto possui 30 por cento de Market share,
isso permite-nos deslocar o que perderíamos aqui para lá. Eles não são obrigados a
receber aquelas cargas, porém o custo de não carregá-las naquele momento supera as
restrições com os custos que eles ganham do outro lado do rio. A mesma coisa é
com o Porto de Itapoá, temos 30 por cento também. Ainda por cima, não temos
certeza do como nossos investimentos aqui vão ter um retorno, e, óbvio que não
podemos colocar mais nada aqui em termos de equipamentos, melhorias no cais etc.
sem saber se teremos prorrogação na concessão.

Mas, na medida em que a entrevistada avançava, fazendo-nos entender que existem


outras motivações para defender uma total liberalização desse mercado: “a carga não é deles
[Portonave], eles não podem operar sem contratar trabalhadores do porto público”. Ou seja,
além de eles não deslocarem a carga para os outros portos, eles intensificaram suas demandas
a autoridade portuária por maior concessão em impostos como contrapartida das cargas, que
são da Maersk, irem para o porto concorrente que ocupa a área do porto público de forma
ilegal
É nesse contexto que a expansão do complexo portuário se deu: com o porto público
comprando a briga dos trabalhadores no sentido de fazer o porto privado assumir o ônus de
uma política de precarização já há muito tempo em andamento no porto de Itajaí.
Contudo, com os risco de perderem suas posições econômicas imediatas, sem saber
ao certo qual seria a posição do governo federal sobre sua política de concessões, a única
alternativa dos portos públicos eram transferir a pressão para os agentes da autoridade
portuária e legitimar o pleito dos trabalhadores para a contratação por prazo indeterminado –
o que não feria os interesses imediatos de sua política salarial 55.
Nesse sentido, o estudo de Neil Fligstein (2002) sobre as organizações
multidivisionais em empresas americanas, é útil para nossa pesquisa. Para este autor, as
razões para as empresas adotarem novas formas organizacionais raramente acontecem quando
o campo organizacional está estável. Essa hipótese condiz com a afirmação do Ministro dos
Transportes Heder Barbalho, de “[...] que os portos do Sul e Sudeste já alcançaram seu limite
estrutural”. Para ele, os espaços vitais para o manuseio de cargas já estão consolidados,
restando melhorias em infraestruturas e manutenção de dragagens, portanto defendendo a
manutenção do modelo Landlord (porto de arrendamento). O que justificaria, portanto, para
ele direcionar a retomada dos controles estatais, mediante a nova leva de concessões em 2008
como promotor do desenvolvimento socioeconômico.

55
Como vimos no capítulo anterior, a flexibilização no porto de Itajaí alcançara um limite que não mais os
trabalhadores estavam dispostos a aceitar, e pressionava os portos privados para adequarem as taxas cobradas.
144

Vejamos os riscos que se abriam a esse mercado e como uma brecha importante aos
trabalhadores seguiu e foi aproveitada. No início dos anos 2000, a ANTAQ enfatizava que
uma maior autonomia das entidades regulatórias era indispensável porque elas estavam: “[...]
bastante determinadas a agir sobre estes problemas, em vista de ainda não haver mecanismos
que permitam a formação de preços na cobrança de serviços para a liberalização de
contêineres” (SAMPAIO, 2013, p. 210). Contudo, na fala do conselheiro Luiz Carlos
Delorme Prado,

[...] a questão concorrencial que tal situação acarreta só pode ser superada ou pela
proibição de cobrança desses serviços aos terminais retro portuários, ou pela
regulamentação, isto é, pelo estabelecimento de preço máximo homologado pela
autoridade reguladora (SAMPAIO, 2013, p. 220).

Para a autoridade portuária de Itajaí, com a privatização dos portos e a tendência a


concentração capitalista, a contrapartida as ameaças que estavam surgindo seria a de uma
situação ideal. Essa situação ideal era a de uma única firma deter o controle e monopólio das
atividades portuárias dentro do porto organizado. Contudo, em nosso relato vimos que o porto
de Itajaí não poderia assim admitir sem ter de justificar os preços cobrados pela taxação dos
espaços, mas também de taxações que o porto privado [Portonave, concorrente direto] é
obrigado a pagar porque o mesmo está inserido em mesma jurisdição do porto público.
Portanto, a legislação e sua normatização buscaram se adequar a essa situação. Nesse
sentido, com Fligstein (2002) sabemos que os atores dominantes se colocaram,
historicamente, menos preocupados com novos entrantes. O que se comprova com essa
situação para os anos seguintes são as formas escusas, pouco institucionalizadas de
mecanismos de controle sobre os preços, sobre o impacto das infraestruturas sem a
contrapartida de um avanço.
Progressivamente a balança pende a favor do porto público e conseguimos ver que,
concomitantemente, a ANTAQ, nesse sentido, passara a agir a posteriore dos conflitos que
permeavam as relações no mercado do trabalho e do mercado de fretes. Não mais cobrindo
práticas que não se encaixassem com as necessidades e particularidades do desafiador, o porto
privado [Portonave].
Juntamente com esse processo, haveria, de fato, transformações do trabalho que
foram afetadas pelas transformações tecnológicas e pelas opções de desenvolvimento que a
autoridade portuária efetuou?
Precisamos avançar com a análise desse cenário político e social, mas antes disso,
apontamos em seguida como o porto público se encaminhou para a compreensão de sua
145

situação atualmente, enquanto portador dos interesses da coletividade para o manuseio de


cargas e do impacto que esse entendimento deteve no trabalho.

4.4. A autoridade portuária em defesa dos trabalhadores e de sua autonomia contra


o governo federal

Apresentaremos nesse trajeto de grande crescimento como se deram os conflitos


entre as unidades estatais, federais e locais. Foi nesse sentido, no início do ano 2000, que
surgiu uma denúncia contra a autoridade portuária sobre o trabalho portuário, onde alega que
estaria interferindo de maneira indevida, “fazendo arranjos”, segundo engenheiro
administrador do Porto, Almicar Gazanica (GEIPO, ofício 383). Esta acusação ocasionou uma
celeuma que mobilizou governador do Estado de Santa Catarina e deputados, visando criar
um histórico de idoneidade do porto: desde a especificidade técnica-ambiental e social da
estrutura portuária até de convenções coletivas e acordos dos sindicatos com associação dos
operadores portuários.
O sentido da crítica proveniente de representantes do governo federal era de,
claramente, desmobilizar a autoridade portuária de Itajaí, que não se apequenou frente a essa
circunstância e apresentou-se como vítima de um governo federal inescrupuloso e autoritário.
Vejamos, de fato, qual foram esses arranjos efetuados pela autoridade portuária a
favor dos trabalhadores e também da cidade de Itajaí. Apresentamos a ordem dos eventos
colocadas na minuta da reunião com os sindicatos avulsos, a autoridade portuária e o sindicato
dos operadores portuários. Em ofício nº 190, Gempo 56 acusa o porto de desespero “[...] por
iniciar uma reunião que vai contra os interesses do Estado, favorecendo os trabalhadores
indevidamente”. Acusa essa “[...] pressa por querer evitar que entrassem em dissídio coletivo
[...] e pelo fato de o Administrador da autoridade portuária [defender teses absurdas] como:
“A lei não especifica onde deve ser feita a escalação e a escalação ora pode ser feita pelo
OGMO, ora não” (GEMPO, ofício 190).
Esse pequeno detalhe defendido pela autoridade portuária é de suma importância
para as lutas entre capital e trabalho, já que ele se apoia no entendimento corrente, e não

56
Grupo Executivo para Modernização dos Portos, criado e respondendo diretamente ao Ministério dos
Transportes que atuou até 2001 com o intuito de promover as políticas de liberalização dos portos brasileiros.
146

necessariamente da Lei no 8.630/93, de que ao OGMO cabe o papel de intermediador e não de


controlador da força de trabalho (PACHECO, 2007, p. 15).
Não demorou para que a preocupação do governo federal fosse com os próprios
trabalhadores. A preocupação, ao que tudo indica, era de uma participação excessiva dos
trabalhadores no Conselho de Autoridade Portuária (CAP). O Estado buscava esvaziar suas
competências. Os trabalhadores e a autoridade portuária precisaram agir às “margens do
Estado”, criando novas respostas à violência da espoliação portuária.
A resposta da Autoridade Portuária ao GEMPO foi afirmando sua isenção e “[...] que
não participa do SINDOPI” (Sindicato dos Operadores Portuários) em caráter deliberativo,
somente consultivo, nos encontros que ocorreram por todo o ano de 1999 e que culminara
com o Pacto de Transição Negociado (PTN, 2000).
A autoridade portuária respondeu ao ataque que sofreu com o ofício nº 190, e
afirmou que suas ações se referem a “[...] preocupações sobre o desenvolvimento portuário na
cidade de Itajaí, compreendidas não somente [aquelas] que visam a atracação de navios e
cargas, mas também aquelas concernentes a qualidade e ao preço dos serviços”. Como parte
menos favorecida, o trabalhador, cabe à

[...] autoridade portuária ser o agente fiscalizador e promotor da ideia de que todos
sejam contemplados seus direitos, o de materializado na convenção 145 da OIT que
diz respeito aos benefícios oriundos do avanço técnico nos portos para os
trabalhadores. (GEIPO, ofício 190).

É nesse sentido, vago ainda, que autoridade portuária vê na proposta dos armadores
de redução da renda do trabalhador não somente um ataque à renda de todos, mas “[...] uma
oportunidade para agir em conjunto e promover a industrialização e modernização do porto,
com o crescimento resultante” (ofício n. 72, direcionado ao Ministério dos Transportes, e em
cópia ao GEMPO).
Podemos ver já de antemão, a partir dos argumentos de Doctor (2017, p. 100), que,
além dos conflitos com a burocracia estatal, a autoridade local defendeu intensamente o
enraizamento dos instrumentos normativos de regulação desse mercado, tanto em defesa dos
trabalhadores como da promoção ampla do desenvolvimento (COLLYER, 2007).
A profusão de protocolos que surgiram para a regulação do porto organizado, nesse
sentido, viera em razão da intensificação da política de privatização em curso, que demandou
da autoridade portuária ampliar seu leque de intervenções sobre o território portuário. Nesse
relatório podemos depreender que sua postura foi de conciliar - em sua perspectiva - uma
147

estratégia de defesa dos interesses comerciais do porto de Itajaí, assim como de respeito aos
direitos e interesses dos trabalhadores.
A aliança entre autoridade portuária e os trabalhadores portuários se deduz também
pela promoção do Pacto de Transição Negociado (PTN) o qual ela encabeçou. Referência
nacional em razão de ser o primeiro “fórum do qual o empresariado participara e quisera
negociar”, nas palavras de Adalberto Fernandes, antigo diretor da Federação Nacional dos
Estivadores (ata sindicato dos estivadores, março de 2003). Para a autoridade portuária, uma
razão a mais para agir era de que usuários do porto e a cidade “[...] se negavam ver diante de
si mesmos a ingerência estatal que permite a destruição das infraestruturas hidroviárias,
ameaça a viabilidade do porto público” (fiscal portuário, 40 anos).
Contudo, essa posição de agente promotor de uma governança local é assumida pela
autarquia municipal de maneira relativa. Por exemplo, ela tem se justificado em termos
financeiros que para responder as demandas do porto para o crescimento econômico, as
consequências da restrição impostas aos pequenos exportadores na área pública não é sua
culpa (oficio, 90, autoridade portuária). Essa situação é um dos resultados que vieram com o
sucesso do porto por todos os anos 2000. O que nos chama atenção é o fato, simples, sem
rodeios, de que o porto é público e ele tem que oferecer esse serviço obrigatoriamente
(BRASIL, 1993).
O relatório (ofício n. 72, GEIPO) nos diz que, em seguida, no mês de agosto de 2001,
“[...] realiza-se reunião com representantes dos armadores, P&O, Nedloyd, CSAV, Hamburg-
Sud e com as diretorias dos sindicatos de avulsos, e a presença da ADHOC”. Foi registrado
que, na ocasião, a Intersindical, que congrega os sindicatos avulsos e tinha acabado de ser
criada, estava presente, a qual “[...] colocou como condição para concessão de descontos57 da
mão de obra a reabertura das negociações das Convenções Coletivas, suspensas desde a
instauração de dissídio coletivo”.
Podemos ver aqui que esse espaço funcionou como alavanca para os sindicatos, que
se viram, de maneira inédita, pressionados a não somente dar descontos – fato recorrente
desde então a partir da análise das convenções coletivas nesse período – mas a ser
reinventarem no sentido de repensar o papel enquanto coletividade inscrita no que eles, os
portos e os usuários destes chamam de “comunidade portuária”.

57
Prática comum nos portos onde a expectativa anual da entrada de cargas é negociada entre os sindicatos na
proporção de carga esperada para o ano seguinte. O desconto é dado sobre o resultado final da produção mensal,
e não sobre a cota que cabe a cada trabalhador.
148

4.5. Um balanço da tormenta: portos públicos e coalização local para o


desenvolvimento

Nossa participação numa assembleia para a análise da situação de concorrência no


porto de Itajaí foi surpreendente. Primeiro, concluímos algo que é a pedra-de-toque dos
argumentos e conflitos expostos nesse espaço: uma tendência comum de culpabilizar os
trabalhadores pelo insucesso das políticas para o setor portuário não vinga mais. Isso porque
essa tendência esconde os processos de tomada de decisão e os reais riscos que são postos em
jogo pelo governo local ao enfrentar as demandas desses empresários marítimos e das
ameaças que se colocam sobre a infraestrutura portuária, com perigos reais para a sua
sustentação e preservação.
A diferença daquele momento para o atual é que agora a autoridade local conseguiu
formar uma sólida coalização que favorece seus pleitos para as mudanças de operadores
portuários, a definição de tarifas e a contratação de trabalhadores avulsos, antes prejudicados
por intensa flexibilização do trabalho.
Aqui remetemos a uma audiência, em 2016, para apresentar as razões técnicas a
respeito de futura ocupação de berços públicos, e do impacto possível associado à
movimentação de cargas a granel. De um lado, a operadora privada (APM terminals) do
terminal público, com interesses já estabelecidos no porto de Itajaí, precisa dizer que os
planos para o desenvolvimento – “a todo custo” – seria um equívoco, que não somente
atrasaria os investimentos, como obstaculizaria as atividades correntes, e, também as
passadas. Isso porque, conforme relato de uma autoridade portuária nessa audiência pública,
poria “[...] em risco os investimentos no canal de navegação, dos investimentos em
processamento de cargas e das expectativas de manuseamento de cargas futuras com
contêineres, nosso principal enfoque” (BRASIL, 2016, p. 4).
Em outro momento, Marcelo Salles (diretor geral da autoridade portuária) retomou o
mesmo problema e disse que o porto “[...] possui licenciamento ambiental para todo tipo de
carga” e lembrou que o terminal já operou com cargas a granel. Reiterou a necessidade de
ampliar a operação de contêineres, com o acréscimo de 300 mil metros quadrados de área
primária. A operação do porto também foi destacada, “[...] afirmando que entende ser rara a
atracação simultânea de dois navios full contêineres em Itajaí, devido ao grande número de
armadores concorrentes, a diminuição de linhas e ao excesso de portos” (BRASIL, 2016, p.
4).
149

Portanto, a operação do governo local no porto público se fez não contra a


concorrência, mas regulando-a. E isso se fez num processo de divulgação das ações
consideradas pela autoridade portuária como “indispensáveis” para a viabilidade de suas
ações. Primeiro, para isso ser possível, “[...] navios full contêineres terão atração prioritária no
berço público, porém outros tipos de carga serão bem-vindas, como o granel, madeira e
bobinas de aço” (diretor, autoridade portuária).
Assim, Marcelo Salles não nega o pedido do empresário com proeminência no setor,
mas diz que na área do porto público “[...] faltam investimentos, e que não permite o
atracamento simultâneo de dois navios”. Por essa razão, o único critério que ele está
embasando sua análise é a falta de espaço no berço dos navios que obstaculizaria o melhor
fluxo das mercadorias.
A audiência não se fez sem a participação da APM [multinacional arrendatária do
porto público], que ocupava os berços 1 e 2, interessada na prorrogação do prazo de
concessão e que deixava explícito na sua fala que os investimentos planejados estavam
condicionados à explanação de Salles. A empresa planejava a aquisição de dois novos
portaineres58 e a extensão dos que já existiam, além da substituição de equipamentos no cais.
Além disso, ressaltou-se a importância do armador MaerskLine [dona da APM, porto
público de Itajaí], um dos principais do mundo, que concentrava a maior parte de suas frotas
em Itajaí, e não mais em Navegantes. Portanto, um ciclo de disputas entre este porto reitera
categoricamente os interesses de ambos esses portos em instrumentalizarem as estruturas
estatais para maiores concessões do Estado brasileiro.
Após quase uma década de crise do setor na cidade de Itajaí, com intensa fuga de
cargas e especulação sobre o território aquaviário, vemos como os investimentos no complexo
portuário fizeram que as cargas não voltassem a seu nível normal, com a perda de quase 4/5
da carga em 2010 para a metade do seu melhor desempenho, que foi em 2006. A ameaça foi
e continua real com a posição da comunidade contribuindo para rever os desafios, ameaças e
os conflitos que marcaram a vida da cidade e dos trabalhadores portuários.
O caso da abertura de licitação pública para novos operadores portuários - motivo
dessa assembleia que apresentamos - destaca o papel das comunidades locais na defesa do
interesse público e, em parte, também da instrumentalização pela autoridade portuária de um
entendimento construído sobre que tipo de investimento deveria ser efetuado na região.

58
Guindaste automático e consegue movimentar dois contêineres tipo TEU (Unidade Equivalente a 20 pés) por
vez, suportando carga de 65 toneladas. “A supressão de trabalho é imensa com esse aparelho, tínhamos 8
trabalhadores agora com o Porteiner temos 3” (estivador, 38 anos).
150

Portanto, podemos ver aqui como as declarações sobre investimentos e sua


contrapartida política, bem como das cargas que agora não estão mais em Navegantes, foram
indispensáveis para o clima de tensão, críticas e justificativas que se seguiram.
Para APM não haveria restrição em operar qualquer carga, mas “[...] sim
preocupação com a recuperação da movimentação de cargas de contêineres, que são mais
limpas, com maior valor agregado por tonelada e conta com todo o trade local preparado para
atendimento” (BRASIL, 2016, p. 3).
A população, na audiência pública do dia, demostrou sua indignação com a possível
movimentação do novo empresário. Um participante da assembleia disse que tiveram de se
acostumar com o tráfego dos contêineres, só que elas “[...] já estão estreitas e já
congestionadas, agora, os problemas de logística para manusear essas cargas soltas que vocês
querem trazer, a sujeira e ratos, mau cheiro, o baixo valor agregado foram, não dá para
suportar” (BRASIL, 2016, p. 4).
Sobre as receitas que viriam dessas cargas, a autoridade se mostrou contente já que a
dívida mensal do porto era de 1 milhão de reais, “[...] não responderei exatamente quanto à
operação com soja renderia ao município”. “Somos favoráveis à diversificação de cargas, por
que precisamos botar os ovos em todas as cestas disponíveis”, num gesto de prudência auto
declaratória (BRASIL, 2016, p. 5).
O representante do OGMO ponderou e respondeu que o navio utilizado para essa
operação, o “[...] Panamax, que tem no mínimo 294 metros de comprimento, não se sabe de
sua viabilidade técnica”. Para um diretor, não dá pra arrendar para dois armadores, fica difícil
operar e organizar, mas essa foi a decisão – que para ele é política – no momento que
municipalizaram o porto. De todo modo, o que nossas entrevistas indicam, tanto no caráter
público - ao menos naquilo que aparenta ser –, quanto em seu contrário – aquilo que não é
visto -, é que o intenso trabalho de regulação desse mercado e de fiscalização de práticas
ilegais e predatórias é reconhecido pela população.
Entre esses dois polos, em meio a críticas abertas e vaias da população, “[...]
membros da mesa solicitaram que levassem à frente Parlamentar a solicitação para renovação
de contrato” (BRASIL, 2016, p. 4).
Da mesma forma, um advogado presente na seção diz que o porto deve parar de ser
subsidiado pela iniciativa privada, logo, reiterando seu caráter parasitário no máximo, e no
mínimo, burocrático, acrescentando pouco ou nada às demandas por modernização.
Caminhoneiros estavam presentes, alguns com máscara de oxigênio,
performatizando a poluição que viria com essas cargas, e trazendo a questão de quanto a
151

categoria seria penalizada com fretes mais baratos. Trabalhadores portuários fizeram-se
presentes e acusam o prefeito de conluio político com a empresa licitante.
Um portuário da capatazia nesse momento sobe no púlpito e diz que não aceitarão
serem enganados. “Precisamos ter uma renda digna, somos parceiros, mas não aceitaremos
mais ser enganados”. Aqui é interessante olharmos como a presença desse e outros da
categoria, imbuídos de uma desconfiança com o político, dá o tom de suas críticas e da
importância de uma politica salarial que defenda os interesses dos trabalhadores e da cidade
de Itajaí
Representantes do OGMO reiteraram a utilidade dessa audiência para tornar visíveis
para os trabalhadores as demandas futuras por qualificação e que os contratos “devem ser
muito bem vistos”, já que são eles que irão botar a mão nessas cargas. Acrescentam, contudo,
que as cargas conteinerizadas são as mais importantes para a cidade, e que os investimentos
futuros da APM poderão trazer 90% da carga de contêiner do Estado, fato que pode reverter o
cenário atual do mercado, e consequentemente, do porto de Itajaí, que poderia voltar a ser o
segundo do país.
É interessante notar como esses cenários são todos colocados no mesmo plano da
possível fuga de investimentos, do uso impróprio do território e do uso interno do porto
público. Essas preocupações são corroboradas pelo OGMO, que emenda que o compromisso
da empresa é “com o crescimento do Porto e da cidade de Itajaí”.
Saiu alguém mais prejudicado do que os próprios portos nesse processo de
reestruturação do trabalho e modernização das infraestruturas? A lei dos portos tinha a
intenção original de privatizar a autoridade portuária e nem mesmo a Lei no 12.815/ 2013, que
intensifica o processo de privatização, foi categórica nesse entendimento, deixando espaço à
discricionariedade do Estado em conferir ou não a delegação local de poder, por prazo
determinado, às autoridades portuárias.
Como desfecho dessa audiência concluímos que uma solida aliança entre autoridade
portuária e os trabalhadores responde por boa parte da anuência da comunidade e empresários
locais para aceitarem a política local de intervenção no porto público. Fica claro que posição
do empresariado reflete a situação apontada por Doctor (2017, p. 69), de que o Estado
basicamente usou os CAPS em vez dos OGMOS para discutir as relações entre
capital/trabalho porque agora a legislação enfatizava que o porto ao lado, principal
concorrente, deveria justificar que suas cargas eram realmente suas.
152

Portanto, a autoridade portuária, respaldada pelo interesse local, detém autonomia


para agir como previsto na lei de 8.630 e lei 12.815 e responder ao contexto das ameaças que
típicas que tem enfrentado (DOCTOR, 2017, p. 142-143).
Reiteramos que a Lei no 8630/93 não definiu um programa de implementação para a
reforma, criando a impressão equivocada que não precisava de mais regulação do setor.
Poucos se deram conta que suas provisões precisavam de negociações detalhadas entre as
partes envolvidas. Paradoxalmente, o prolongado impasse entre capital e trabalho nos CAPS e
depois nos OGMOs foi uma estratégia que deu bastante resultado para o programa de
privatização do Estado.
Em Itajaí, especificamente, esse cenário deu espaço de manobra para os
trabalhadores e autoridade portuária, em Itajaí, para criarem novas formas de agir
coletivamente em prol de direitos e dignidade no trabalho e dos interesses locais para o
desenvolvimento.
Os impasses atrasaram a reforma, mas como nos diz um diretor da autoridade
portuária (55 anos, engenheiro),

[...] foram indispensáveis para que pudéssemos agir sobre o porto, investir e
recuperar os danos causados pelo tanto pelo porto privado que atacara diretamente
nossos interesses, como por outras causas que implicaram no atraso dos recursos
para o financiamento dessa estrutura.

Portanto, o argumento da defesa “pública do porto” utilizado pela autoridade


portuária, empresários e comunidade não significou romper com a estratégia de defesa de
monopólio natural que o governo federal instrumentalizou para avançar sua pauta de
concessões.
Esta audiência pública marca, contudo, o retorno dos sindicatos portuários e sua
representatividade no porto de Itajaí.
As consequências para os trabalhadores avulsos desse cenário foram de um intenso
aprendizado para alavancar sua situação assumindo essas disputas como pauta para a defesa
de direitos. Os sindicatos agiram de maneira racional ao interpretarem essa situação como
falta de informação dos usuários dos portos, da atuação ambivalente de armadores no que toca
à cobrança de sobre estadia de seus equipamentos, e da demanda de terminais privados pela
equivalência das taxas cobradas como estratégia para cobrarem um tratamento mais digno nos
portos públicos. As lideranças sindicais aprenderam que esse cenário era multicausal, e não
uma oposição somente entre armador/porto contra trabalhadores.
153

Desejamos demostrar para a seguinte seção como o porto privado respondeu ao


contexto dessa pressão, que se estende desde 2011 com uma ação civil pública que demanda a
contratação de trabalhadores do porto público. Apresentaremos como a política salarial
adotada pelo porto privado e público se extenuou, fruto do contexto político do qual faz parte.
Demostramos como o contexto político especifico que o porto privado estava
posicionado favoreceu os trabalhadores do porto público a pressionarem novas por novas
pautas, especialmente contra a forma de contratação por tempo indeterminado. Além disso, os
resultados da luta sindical se estendem como exemplo e farol para outros portos de um poder
negocial que foi retomado pelos trabalhadores avulsos progressivamente como tentamos
demostrar até o momento.

4.6. Direitos sociais e o trabalho portuário no contexto da reforma

Heloisa Souza Martins (1979) enfatiza relevância do sistema corporativista para


promoção das políticas salariais e como estas são acopladas a promoção de pautas e políticas
econômicas, que o governo brasileiro vem adotando desde 1950. A autora reitera o papel dos
trabalhadores para superarem uma estrutura sindical que impede um sindicalismo mais
autônomo, mas ao mesmo tempo os limites que o mesmo confere para o capital avançar com a
intensificação da exploração sobre os trabalhadores.
Se reconhece também os esforços do Estado em restringir, via Justiça do Trabalho e
decretos legislativos, do potencial reivindicatório dos trabalhadores. Durante todo o período
que a autora trabalha, inúmeras vezes passou-se decretos no sentido de restringir os
trabalhadores, justificando-se uma necessidade de produzir mais por hora, mais por menos.
Assim, os trabalhadores compensariam o “fato” de “deterem muitos direitos” (SOUZA
MARTINS, 1978, p.85)
A justiça do trabalho coloca-se, portanto, como uma arena política disputada. Nela,
para o setor portuário, mesmo com inúmeras ofensivas do empresariado, nunca se questionou
três conquistas que fundamentam essa estrutura política do trabalho, qual sejam: da
produtividade/hora para os trabalhadores dos portos públicos, do salário base, e, atualmente,
da prioridade do trabalho avulso em jurisdição do porto organizado (BARROS, 2017;
DIÉGUEZ,2014).
Num contexto de crise e depois de crescimento nos portos, no contexto de expansão
da economia brasileira no início dos anos 2000, seria de se esperar que o motivo das greves
154

acompanhasse uma transição, respectivamente de recuo para uma ação mais propositiva e/ou
combativa.
Houve um crescimento do recurso a greve, no ano de 2004 - quando vistas pela
média de reajustes salariais e paralizações que seguiram as negociações diretas entre patrão e
trabalhador, que demostra para Pessanha (2013) a importância de se refletir sobre esse novo
contexto político e social. A discussão que a autora promove é de ver com a média de
reajustes estável e acima dos custos de vida, além de revelar a principal demanda dos
trabalhadores, demonstra o potencial das negociações diretas como instrumento de regulação
das relações capital trabalho.
Logo, após um período onde os dissídios estavam quase não sendo aceitos pela
Justiça do Trabalho, durante os anos 1990, essas médias mais favoráveis sugerem-nos que os
trabalhadores se encontravam num novo cenário de lutas políticas para a defesa do trabalho
(CARDOSO, 2003). Os trabalhadores progressivamente se viram moralmente e tecnicamente
legitimados a lutar por seus direitos no país, comprovando-se pelo aumento do recurso a greve
para o ano de 2008, com 873 casos registrados59. Sobre as greves registramos que a Justiça do
trabalho entendeu que, para o ano 2012, de 509 casos, 43 foram consideradas ilegais.
Portanto, o sucesso das mesmas é a marca desse período (PESSANHA, 2013, p.15)
Contudo, existe uma distinção entre os dissídios coletivos de natureza econômica e
dissídios de natureza jurídica que é relevante para aprofundarmos os argumentos da autora.
Em 2004, coincide que o governo Lula promoveu uma intervenção maior na Justiça do
Trabalho, no sentido de restringir a prática de dissídios e seus desdobramentos.
Especialmente, os dissídios coletivos de natureza econômica passam a ser utilizados somente
se ambas as partes envolvidas no conflito trabalhista concordarem em fazê-lo.
Essa situação dificulta enormemente a luta, no sentido das pautas salariais conjuntas
entre as categorias laborais nos portos, o que a autora pede que se correlacione essas
tentativas com as ações dos sindicatos visando negociações diretas (PESSANHA, 2013).
Estas negociações diretas a Justiça do Trabalho pode ou não intervir no sentido de legitimar o
uso das greves ou ameaças de paralizações como recursos para as lutas por direitos (DIEESE,
2013).
Nesse quesito, quanto a incidência de greves no porto de Itajaí, restrita a 3 episódios
entre 2001 e 2007, as quais, além disso, nenhuma referente a aumento salarial poderia-nos

59
Diéguez (2014) aponta que desde 1999 até 2006 somente no porto de Santos ocorreram 40 paralizações e
greves.
155

sugerir um movimento de trabalhadores pouco combativo (Convenção Coletiva dos


estivadores, 2004 - 2010).
Podemos ver que os poucos dissídios econômicos que surgiram, por exemplo, no
total de 2 para os estivadores até 2014, pouco mobilizaram a ação conjunta dos trabalhadores
nos portos por que a legislação portuária dificultava ou obstruía a utilização do trabalho de
suplência60 portuário.
Em nosso entendimento, as pauta, estratégias e representações dos sindicatos
portuários transformaram-se na medida em que não se solucionaram as questões envolvendo a
ocupação ilegal dos portos privados e da não contratação dos mesmos no porto organizado
(Porto de Itajaí) (CARSOSO, SILVIA, 2015). A intensificação da exploração do trabalho e do
uso de formas flexíveis de organização do trabalho é o motivo e fim dessa fase final da
campanha local por direitos e dignidade. Avancemos, portanto.
De um lado, os empresários justificavam que os trabalhadores não respeitavam a
legislação ao contrariar a posição dos portos em contratar a partir do critério de preferência61
os trabalhadores avulsos (BARROS, 2017). De outro, o contexto político apontou para o fato
de que um conflito sem soluções poderia ser alçado aos portos nacionais, com a ampliação do
uso de estratégias de flexibilização e subcontratação como forma predominante não somente
para os empresários minarem o poder de barganha dos sindicatos, mas aprofundarem a crise
aguda que se dispõem sobre os portos públicos62 (DIÉGUEZ, 2014).
Foi preciso que instrumentos, como vimos nos capítulos anteriores, fruto de
jurisprudência do direito do trabalho acumulado nos anos 2000, habilitassem os trabalhadores
para a produção de dissídios em caráter jurídico, ou seja, que justificassem suas posições no
sentido da legitimidade de suas paralizações, greves e denúncias.
Portanto, justificamos nosso argumento de que após a “febre do ouro” que se
acometera sobre os trabalhadores em Itajaí, com a política de expansão dos governos petistas,
60
Não se trata somente da perda da autonomia sindical em negociar com os patrões e impor suas demandas
como sindicato fechado (DIÉGUEZ, 2014). Trata-se também das formas precárias que surgiram no rastro da
privatização dos portos que dificulta o controle interno dos sindicatos sobre seus quadros. . O exemplo do
sindicato dos conferentes, assim como do sindicato da capatazia em convenção coletiva do trabalho (2010) diz
“que a remuneração e forma de contratação não valem para outros sindicatos, a não ser o que se refere a direitos
sociais”. Essa situação se repete para todas as convenções do sindicato dos estivadores desde os anos 2000 até
2012.
61
O que mina e, por fim, inviabiliza completamente o sistema de distribuição do trabalho portuário (SARTI,
1981). Os trabalhadores, acertadamente defendem o critério de exclusividade, o qual não impediu de formas
mais flexíveis de contratação e adaptação desse sistema surgissem, como vimos detidamente no capítulo anterior
dessa tese.
62
Estes também desejam concessões e amparo do governo federal, seja contra os portos privados, como para
fazer pressão aos operadores do direito a favor de suas demandas para a flexibilização do trabalho (BARROS
2017; DIÉGUEZ, 2014).
156

uma posição mais conciliatória das classes dos trabalhadores avulsos não se sustentaria muito
mais. Somente no momento em que os trabalhadores portuários de Itajaí viram que a
flexibilização do trabalho atingiu a todos indistintamente que eles agiram em conjunto,
promovendo ações contestatórias que analisaremos em seguida, e que tiveram como resultado
principal a produção de novas pautas salarias e em defesa de direitos
Assim, nos perguntamos: como os trabalhadores mobilizaram a Justiça do Trabalho e
a autoridade portuária local de Itajaí no sentido de legitimar suas demandas, que nos anos
seguintes se avolumavam contra a precarização do trabalho?

4.7. A ofensiva dos trabalhadores sobre o terminal privado Portonave

Fizemos, nesta seção, uma analise da ação civil pública contra o porto privado
(Portonave) visando de demonstrar que os trabalhadores retomaram seu poder de negociação -
já que foram os principais interlocutores de uma pendência que atingiu todos,
irremediavelmente.
Os resultados dos inúmeros pareceres da Justiça do Trabalho, e da nova orientação
da Antaq na defesa dos interesses dos trabalhadores faz parte de nossa discussão desses
espaços como arenas politicas mobilizadas pelos trabalhadores na defesa de seus interesses e
da coletividade próxima a eles
Foram os trabalhadores que negociaram os termos e como se daria a contratação de
novos trabalhadores no porto privado, tornando o OGMO63 em um aliado e sinalizando o
potencial de transformação que a ação sindical pode deter. Portanto, comprovando que
elementos do corporativismo portuário, como esboçamos no início deste capitulo, se fazem
ainda presentes.
Em Itajaí, a partir de 2011, documentamos que pautas salariais mais incisivas
surgiram e foram seguidas de paralizaçõeo que atingiram o porto privado e se alastraram para
o porto público em razão daquele terminal querer contratar trabalhadores por fora do sistema
OGMO.
É nesse momento que os trabalhadores avançam suas pautas, a partir do recurso de
uma ação civil pública capitaneada pela Intersindical dos Trabalhadores Portuários contra a

63
Por extensão, fora da estrutura oficial, agindo em diversas frentes ora sendo espontâneos, exigindo mais e
melhores condições, ora programáticos com pautas que solidificam os interesses da categoria como um todo. Ver
Martins (1969, cap4).
157

Portonave (TRT, 2008). A forma que se deu a resposta dos trabalhadores à luta contra o porto
privado nos ajuda a entender como isso se deu. A estrutura de oportunidade que se abriu
permitiu aos sindicatos retomar alguma autonomia perdida com os processos subcontratação e
flexibilização.
Vemos desde o início como a estrutura de oportunidades aberta se coloca definindo
os limites da ação do porto privado. Podemos ver como se dá isso no contrato de autorização
para aquele operar. Nesse contrato estão duas condições que precisam ser preenchidas.
Primeiro a referência ao artigo 4, inciso 2 da lei nº 8.630/93. Nesta diz que: “de autorização
do Ministério competente, quando se tratar de terminal de uso privativo, desde que fora da
área do porto organizado, ou quando o interessado for titular do domínio útil do terreno,
mesmo que situado dentro da área do porto organizado”. Segue com os seguintes artigos da
mesma lei, que a autorização para o porto privado operar se dá:

Art. 43. A autorização aplica-se segundo as diretrizes estabelecidas nos arts. 13 e 14


e apresenta as seguintes características:
I - Independe de licitação; II - é exercida em liberdade de preços dos serviços,
tarifas e fretes, e em ambiente de livre e aberta competição; III - não prevê prazo de
vigência ou termo final, extinguindo-se pela sua plena eficácia, por renúncia,
anulação ou cassação.

Art. 44. A autorização será disciplinada em regulamento próprio pela Agência e


será outorgada mediante termo que indicará:
I - O objeto da autorização; II - as condições para sua adequação às
finalidades de atendimento ao interesse público, à segurança das populações e à
preservação do meio ambiente; III - as condições para anulação ou cassação; IV - as
condições para a transferência de sua titularidade, segundo o disposto no art. 30.

Assim, nos termos da autorização para operação, parágrafo 8, temos que a


“Autorizada não terá direito adquirido à permanência das condições vigentes na data desta
outorga ou do início de suas atividades, devendo observar as novas condições impostas por lei
e pela regulamentação, que lhe fixará prazo suficiente para adaptação”. Portanto, apesar de ter
sido autorizada operar em área de porto organizado, o terminal privado deveria respeitar todas
as condições elencadas nessa legislação sob penalidade de finalização de seu contrato
Em ação civil contra o Portonave, os trabalhadores em conjunto foram à luta contra a
ocupação considerada ilegal desse terminal em área pública. Nessa ação se manifestaram
também Autoridade Portuária e Federação Nacional dos Estivadores (FNE) e Federação
Nacional dos Portuários (FNP). O objetivo principal dessa ação refere-se a o interesse de
todos os sindicatos portuários de Itajaí pela contratação de trabalhadores do porto público, que
estavam sofrendo com a falta de emprego.
158

Na ação consta: “decorrem dos Atos administrativos [...] mencionados, cujas cópias
estão em anexo, que a Ré foi autorizada a explorar o serviço público federal como terminal
privativo de movimentação de carga mista, ou seja, deverá movimentar, principalmente carga
própria e subsidiariamente carga de terceiros” (TRT, 2008)
Em seguida, afirmam que a autorizada a operar o terminal portuário em Porto
Organizado, é uma Operadora Portuária. Essa qualificação implica, como dito na citação, que
precisa manusear majoritariamente cargas próprias,

dissipando qualquer controvérsia que ainda poderia existir, a ANTAQ, em processo


administrativo, tombando sob n. 50300.001984/2007-1, declara, no que interessa,
que a outorga realizada “pelo Termo de Autorização n º 096-ANTAQ equipara e
habilita a Portonave como o operador portuário do seu terminal de uso privativo
(letra c do Acórdão n. -002-2008/ANTAQ).

Tal situação é de suma importância, porquanto diante disso “a Ré foi meramente


autorizada por meio do [...] Ato administrativo, a explorar terminal privativo, que seria a
rigor, apenas para movimentação de carga própria”. Portanto, exatamente como consta no
inciso II do art. 4 da Lei 8.630.
A ANTAQ se mostra aliada dos trabalhadores, mesmo tendo sido ela, formalmente
que tenha autorizado a operação Mas isso não quer dizer que seja um engano seu parecer a
favor dos trabalhadores na medida em que essa legislação nº 8.630/93 e a 12.815 conferia
plena autonomia ao Executivo para autorizar ou não as concessões das quais se propunha.
Essa situação é plenamente de conhecimento dos trabalhadores, do caráter consultivo
que a ANTAQ detém nesse momento das lutas operárias, mas mesmo assim não deixa de se
apresentar como um aliado. Esse conhecimento se coloca porque “caso tivesse pretendido
explorar Porto Público seria necessária a formulação de contrato de concessão, com todos os
rigores naturais dali decorrentes, além de outros, inclusive atinentes a sua forma e constituição
societária” (Acórdão n. -002-2008/ANTAQ).
Como consta no 1 art. da lei nº8.630/93, a forma do contrato de autorização releva a
intenção da demandante a operar esse tipo de serviço econômico, regulado pelo Estado, a
despeito do mesmo defini-lo como um sistema duplo de concorrência: público e privado64.
O que os trabalhadores desejam visibilizar a Justiça do Trabalho para avançarem
suas pautas é o fato de que esse terminal é um Operador Portuária de carga mista. Portanto,
ele precisa manusear majoritariamente cargas próprias, e que, por outro lado, os portos

64
Ou seja, trata-se da permanência – ou não - do próprio “modelo de arrendamento” (LandLord) que discutimos
amplamente na tese.
159

públicos deteriam a função de manusear cargas de terceiros, ou seja, de toda a população


interessada em acessar seus serviços.
Vemos que essa conjuntura do uso irrestrito do manuseio de cargas se apresentava
como uma clara ameaça contra o porto público. “Não podíamos aceitar isso né, se eles
contratassem sem o OGMO simplesmente acabaria o porto público. Portanto, a Portonave está
em área de porto organizado e tem que obedecer a legislação vigente sobre sua situação”
(estivador 39 anos). Contudo, o que nos interessa é demostrar como cada ator entendia e como
agiu no sentido de mobilizar as estruturas estatais para avançar seus pleitos.
Nesse momento, os trabalhadores e Autoridade Portuária alegam que a ANTAQ
detém competências para atuar nessa ação civil. Esse fato é questionado pelo terminal privado
Portonave. De outra parte, os trabalhadores lembram quais são as funções da ANTAQ: desde
favorecer as políticas do Ministério dos Transportes no que toca a reforma portuária, até ser a
fiel depositaria das ações de fiscalização e “regulação necessárias a manutenção da ordem
econômica” (ação fiscal, p5).
As lutas portuárias nacionais coincidem com o exemplo do complexo portuário de
Itajaí, que se destacou em razão dos privilégios que o porto privado (Portonave) detinha em
relação aquele porto público. Os registros foram constantes de aquele terminal privado não
pagou as taxas devidas para o acesso as infraestruturas portuárias, como também não
contrataram trabalhadores vinculados ao OGMO por longo período de tempo (OGMO, 2016).
Podemos refletir como as relações de trabalho, com esse contexto em vista, estavam
longe de serem pacificadas porque a legislação nº 8.630/93 deixa em aberto, ao Estado, o
entendimento de qual determinada instalação portuária é útil, relevante para “o
desenvolvimento econômico e paz social” (MARTINS, 1979, p.80).
Nesse sentido, vale a pena a citação da ação civil, seguindo os argumentos expostos
pelos trabalhadores que “há áreas da Ré que se sobrepõem à área do Porto Organizado de
Itajaí [..] as operações portuárias (da Portonave) de transbordo de mercadorias do navio se
processarão na infraestrutura aquaviária mantida pelo referido porto público, a qual integra a
sua área de porto organizado” (1979)
Mesmo estando sua margem em porto organizado, com os berços onde atracam os
navios em seu porto, que em hipótese alguma ela detém direitos como porto privado fora do
porto organizado. Segue o relatório da Antaq, com Acordão buscando pacificar essa situação,
que “as operações portuárias de transbordo de mercadorias do navio se processarão na
infraestrutura aquaviária mantida pelo referido porto público, a qual integra a sua área de
porto organizado” (Acórdão n. -002-2008/ANTAQ).
160

O terminal privado, primeiro, ataca os trabalhadores portuários de Itajaí, que


solicitavam seu direito ao mercado de trabalho coibido por esse porto. Primeiro, o tom do
ataque se dá contra o porto organizado,

Figura 12: Termo de audiência

Fonte: AUTOS n. 01674-2008-047-12-00-5

Portanto, irremediavelmente esse terminal reconhece que sua situação é de recuo, de


que o poder estatal e os trabalhadores podem lhe incorrer em sérios prejuízos caso um bom
termo com os mesmos não viesse. As razões para esse entendimento vêm do seu próprio
ataque aos trabalhadores por parte desse terminal ao justificar não fazer as contratações pelo
OGMO. A Portonave alega que por não fazer parte – supostamente - do porto organizado
estaria desobrigada “dessa relação contratual” (ação civil, 2011, p.6). O que ele quer dizer
com isso é que o cais de acostagem e toda a área retro portuária estão fora do porto
organizado.
O apelo do porto privado é carregado do imaginário desse momento, compartilhado
pelas elites locais, de que “ a limitação que o autor [os trabalahdores] pretende impor à ré
poderá inviabilizar a sua atividade” (TRT, 2008). Apesar de sua situação – de “estar e não
estar no porto organizado” não está normatizada em legislação, o terminal apela para as
sanções possiveis que a cidade irá receber caso seja penalizada.

[...] a instalação de terminal privativo – cujas regras vem sendo flexibilizadas pela
ANTAQ, ou seja, pelo Governo Federal, visando incentivar a instalação de novos
terminais no país – objetiva atender à crescente demanda na movimentação de
cargas, atrair a iniciativa privada a realizar investimentos no setor portuário, otimizar
a exploração de cargas pela iniciativa privada, redução de custos [...]” etc. e assim
vai (TRT, 2011)

Por fim, conclui que “a ré realizou altíssimos investimentos na construção de seu


terminal e em instalações e equipamentos de última geração, a despeito das regras hoje
161

vigentes que não conferem ao investidor de terminal privativo a necessária segurança


jurídica”.
De todas essas afirmações por parte do porto privado, o que em comum estamos de
acordo é o fato de a insegurança jurídica marcou esse período da política de reforma
portuária. Ademais ela revela-nos uma inconstância no planejamento setorial do setor.
Essa situação, em nosso entendimento, alcançou um limite divisor com o caso da
Portonave (terminal privativo), que colocou, na Antaq, sérios desafios para sua intervenção
com o Estado para as políticas nacionais para o setor (BNDES, 2012; DIÉGUEZ, 2014).
Com o quadro abaixo, vemos que antes (sob a lei nº 8.630/93) tínhamos uma
legislação que favorecia os competidores dos portos públicos, depois - com os pareceres,
resoluções que por fim gerou a lei 12.815/13 - nem tanto:

Tabela20: construção de nova jurisprudência sobre os portos privados


Decreto 6.620/2008 Resolução 1660/2010
Art. 2, inciso IX – Carga própria – aquela Art. 2, inciso IV –carga própria é a carga
pertencente ao autorizado a sua controladora pertencente a autorizada, a sua controladora,
ou a sua controlada, que justifique por si só a sua controlada, ao mesmo grupo
técnica e economicamente a implantação e a econômico ou as empresas consorciadas no
operação da instalação portuária empreendimento cuja movimentação por si
só, justifique técnica e economicamente a
implantação e operação da instalação
portuária objeto de outorga

Comentário: a resolução aparentemente


amplia o escopo de cargas que são
consideradas próprias
Fonte: BNDES (2012)

O que se viu foi a intervenção estatal, sobrepondo os papéis de formulação de


política e planejamento setorial. Os exemplos de outras resoluções, como a 165/ANTAQ, que
inova ao estabelecer que cargas de projetos da SUDAM, SUDENE ou SUDECO poderiam ser
consideradas próprias para a instalação de terminais privativos - o que em tese deveria
depender da definição de uma política de desenvolvimento regional (BNDES, 2012, p20).
Com Itajaí, temos esse caso de sobreposição de jurisdição que acabou sendo
direcionado para a esfera do trabalho.
162

Tabela21: nova legislação novos instrumentos de regulação da relação capital e trabalho


Ano 2008 2013

As leis nº8.630, lei nº 10.2332001 e o A Antaq agora poderá determinar a


Decreto 6.62 não estabelecem nada a autorizada a contratação compulsória
respeito que possibilidade de imposição de mão de obra se identificar a
da contratação aos avulsos. existência de precariza, de conflito
concorrencial.
Comentário: as ações contrárias podem
ser vistas como ato infra legal
constituindo-se em inovações. Portanto,
cada porto nacional estivera sozinho,
dependendo das alianças locais para a
promoção de seus interesses. E do
Estado, via os operadores do direito do
trabalho .
Fonte: BNDES (2012)

Ou seja, existe aqui um conflito que abriu espaço para inovações no âmbito do
trabalho e de concessões que restituiu, em parte, o poder de barganha dos trabalhadores. Esse
espaço à ação sindical se deu nos termos abaixo:

No âmbito do Contrato de adesão MT/DP n098/2001, realizado entre Antaq e


Portonave, e depois materializado em contrato de autorização nº 096 pela mesma
autarquia, fica estipulado que, além de operar no porto organizado, a questão do
trabalho poderia trazer conflitos a interpretação, a qual a agência entende que “o
trabalho portuário realizado a bordo da embarcação que demandar a referida
instalação portuária estará sujeita a requisição ou a contratação com vínculo
empregatício a prazo indeterminado, de trabalhadores portuários avulsos registrados,
das categorias de estiva, bloco e vigilância de embarcações, nos termos do Art26 da
Lei n8.630 de 1993 (Acórdão n. -002-2008/ANTAQ).

Devemos, portanto, comentar que esse entendimento legitimava, inicialmente, o


pleito da operadora portuária Portonave quanto a requisição de trabalhadores somente para o
trabalho a bordo. Ou seja, não seriam chamados todos os trabalhadores avulsos que, “em
razão dessa localização” especifica implicaria na exclusão dos trabalhadores terrestres (ação
civil, p.14).
As consequências desse entendimento, contudo, não são contrárias aos interesses de
todos os trabalhadores avulsos porque as requisições de trabalhadores deveriam mesmo nesse
cenário acontecer pelo sistema OGMO. Caso contrário, “vale explicar: caso se contratasse
livremente no mercado de trabalho, exclusivamente fora do sistema legal (OGMO), permitirá
que haja um incremento do contingente de trabalhadores portuários, porquanto, uma vez
163

admitidos na Ré, passaram a ser considerados, faticamente, como tais” (Ação Civil, 2011,
p10).
A proposta da Portonave sempre foi de tratar com os trabalhadores avulsos como se
fossem trabalhadores iguais aos que ela contratava por fora do OGMO. Contudo, desde o
começo de suas operações e nessa ação civil, ela propõe somente contratar os estivadores,
porque eles operam no navio. E, como a ação civil reconhece essa situação, pelo ponto de
vista da Antaq, haveria aqui um interesse de alcançar um consenso entre os portos e os
regimes de contratação.
De um lado, o porto privado não pôde negar suas obrigações por estar localizado em
porto organizado. De outro, essa mesma situação e o objetivo de alongar-se em pleitos contra
esse porto atesta o potencial de contestação dos trabalhadores avulsos em geral.
Logo, da parte do terminal privado o acordo que seguiu foi uma das estratégias de
contenção da ação organizada do porto público, avaliando o potencial de ação contestatória.
Da mesma forma, o porto enuncia condições que ferem a lógica do trabalho de suplência, ao
querer chamar qualquer trabalhador que deseja ser permanentemente vinculado a Portonave.
O começo dessa mudança de postura veio com a ação da própria autoridade
portuária, com ato administrativo bloqueando a entrada de navios para o atraque na
Portonave, terminal privado. Essa ação trouxe prejuízos incalculáveis, apesar da brevidade de
sua duração de três dias, com prejuízos àquele terminal privado.
Essa ação foi justificada para a autoridade portuária pela não contratação de
trabalhadores a bordo especialmente estivadores. Ela sinaliza um entendimento de que a
cidade está disposta a brigar a favor da manutenção da reserva de mercado dos trabalhadores
avulsos, mas também no sentido de preservar as conquistas até o momento efetuadas com o
crescimento resultante do porto público.
O que essa situação apontou foi que a pretensão de alocar os estivadores para
funções paralelas, aquém de sua posição prescrita por lei, encontraria limites não somente no
sindicato. Concordando com a autoridade portuária, os trabalhadores avulsos justificaram as

consequências catastróficas, caso a referida empresa não respeite as regras que


norteiam a sua concessão bem como a utilização do acesso aquaviario. [...] Ademais,
por não trazer cargas novas para o seu terminal privado, mas sim transportar cargas
que já eram contratadas para o transporte via Porto de Itajaí, a empresa Portonave
não inova e não se utiliza preponderantemente de cargas próprias (o que seria um
pré-requisito para a sua concessão) (intersindical oficio 029/2007).

Nesse mesmo sentido, a associação brasileira de terminais, que representa


exclusivamente portos públicos, entende que a Portonave não tem carga própria e que,
164

portanto, estaria operando de forma ilegal. Ela estaria movimentando em torno de US$ 3
milhões em carga própria por meio da controlada Iceport, uma trading que detém a
propriedade da câmara frigorífica com capacidade estática de armazenagem de 18 mil
toneladas, em terreno vizinho ao terminal (intersindical oficio 029/2007). Portanto, o conflito
atinge agora proporções nacionais e muito havia de ser feito por parte dos lados dessa
pendencia para avançarem com seus interesses, e muito poderia ser perdido.
Em resposta à Antaq, no fim de novembro, a Portonave reconheceu que uma
estimativa de movimentação de cargas da Iceport poderia ter "caráter meramente
especulativo" enquanto as instalações da Iceport não estivessem estruturadas.
Portanto, existiam muitos riscos de a empresa continuar com sua posição de não
contratar trabalhadores do OGMO e esses riscos passaram inicialmente pela sua situação
jurídica, que progressivamente foi sendo relativizada e favorecendo aos pleitos dos
trabalhadores.
A Portonave foi colocada agora sob o signo da lei nº 12815/13, sobre o retorno que
traria para a cidade de Itajaí, porque ela está no porto organizado de Itajaí, e mesmo com as
portarias da Antaq em 2010 que relativizam a noção de carga própria, incorre em riscos sobre
a viabilidade de seu empreendimento.
A nova legislação chama atenção que os investimentos na região têm que,
comprovadamente, trazer benefícios a coletividade e não somente que sem sua presença as
atividades locais incorreriam em prejuízo. Portanto, sugerindo aqui um critério mais
balanceado sobre os riscos que se incorrem sobre os investimentos na região. Como
demostramos extensivamente, entre esses benefícios, razão que a ANTAQ - em nome do
Ministério do Transporte, conferiu a Portonave o direito de operar no porto organizado, era de
que construiria armazéns frigorificados. Isso, contudo, não justifica sua alegação de que
cumpriu a parte do contrato com o governo federal.
Especialmente, a questão da contratação de avulsos poderia ser acionada no sentido
de pressionar a Portonave sobre mais esclarecimentos sobre sua situação financeira, sua
condição como autorizada e dos benefícios que, segundo as alegações dos trabalhadores, não
“acrescentaram nada: eles não trouxeram carga. Eles roubaram as nossas” (estivador, 40
anos). Todos esses cenários, agora, se intensificam no seu potencial contestatório. Portanto, é
muito diferente dos primeiros anos do complexo portuário de Itajaí, onde o governo federal
agiu no sentido de impor suas pautas e interesses para a implementação de uma agenda de
privatizações.
165

É nesse sentido que as negociações diretas entre os trabalhadores com a Portonave


culminaram, após Termo de Audiência Pública do Ministério Público do Trabalho de Itajaí -
numa remuneração de R$ 3.058,13, ante o valor de R$ 4.727,64 solicitado pela Intersindical e
R$ 2.557,96 proposto pela Portonave. Essa proposta foi negada pelos estivadores e o acordo
foi interrompido.
Em síntese, inicialmente, a Portonave se recusa a negociar. Agora mudou de posição.
Isso porque tanto os conflitos sinalizaram que o Estado não garantiria sua situação de
autorizada a operar no porto organizado, como a partir de 2013 - trazendo nesse período
demissões de trabalhadores avulsos nesse porto, houve um agravamento das relações que pôs
algum termo a esse embate.

4.8. A luta avança sobre o terminal privado (Portonave) e retoma para o porto
público (Porto de Itajaí)

É nesse sentido que remetemos a proposta da capatazia com sua pauta de


reivindicações e dos conferentes em novembro de 2011. A capatazia foi o primeiro sindicato,
no ano de 2008, a propor não somente a imediata integração dos trabalhos no porto privado,
mas uma pauta de reivindicações ousada o suficiente para estimular ações similares dos outros
sindicatos.
Sua pauta de reinvindicação, em oficio enviado a Portonave, em 2011, que integraria
a data-base para os próximos anos foi de:

1) Reposição Salarial – 15, 30% (índice de 01/09/2004 e 31/08/2006) + 8,57% (índice


calculado entre 01/09/2006 a presente data) = 23, 87%
2) Garantia de renda Mínima
3) Adicional de 30% quando TPA for obrigado a trabalhar com chuva
4) Adicional noturno de 30%
5) Fundo de reserva para aperfeiçoamento técnico/ compra de equipamentos para
proteção; aposentadoria complementar, pano de saúde e seguro de vida
6) Vale transporte
7) Duração de 2 anos para Convenção Coletiva de Trabalho
166

Direcionando essas demandas a Portonave, terminal privado, a pauta de


reivindicações prossegue referente a jornada de trabalho, composição dos ternos e
remuneração.

a) Jornada de 6 horas por período trabalhador/


b) Pagamento de remuneração de R$ 120,00 por período e por trabalhador portuário
avulso, no horário noturno, este compreendido entre 19:00 até 07:00 do dia seguinte. E
R$96,00, por período e por trabalhador portuário avulso entre as 07:00 e 19:00;
c) Pagamento de produção de R$ 3,50 por unidade, nas operações de contêineres;
d) Seguro de vida e acidentes, considerando-se o risco da atividade, sendo uma forma de
diminuir eventuais futuros dissabores na ocorrência de algum sinistro
e) Terno de 04 trabalhadores portuários avulsos por período
f) Pagamento da remoção nas operações com MHC, que se trata de remuneração de
carga e, desta forma, tem que ser remunerada
g) Infusão de capataz em todas as remunerações
h) Acréscimo de 100% em feriados
i) Pagamento de subvenção patronal em 2%

Precisamos comentar as três primeiras demandas, para abertura de negociações, diz


primeiro que a reposição salarial mantem-se com o que esse sindicato e outros da orla
portuária alcançaram com o porto de Itajaí.
Sobre a garantia de renda mínima e adicional de risco, com o primeiro temos uma
renda mínima demanda pelos trabalhadores com o avanço da privatização dos portos em nível
nacional e adotada pelos trabalhadores como pauta. Com o segundo refletindo, como o nome
diz, os riscos da atividade. Ambos referem-se a cláusulas que atingem toda a classe portuária
permitindo eles ou não prosseguirem com seus trabalhados.
Além disso, a postura desse sindicato revela um interesse de alcançar um
compromisso de contratação de trabalhadores avulsos do porto público pela Portonave.
Podemos ver isso pela proposta desse sindicato de se aproximar da quantidade de
trabalhadores que o terminal se propôs, um número menor de trabalhadores por terno e pelos
valores para movimentação que são um pouco inferiores ao que são cobrados no terminal
público.
O sindicato, ademais, não propõe que seja aplicado a mesma média salarial que está
acostumada com a Portonave. Logo, indicamos que desde esse momento, existiu uma vontade
167

de criar com uma pauta comum com os outros sindicatos prejudicados, como também um
compromisso da solução rápida para essa pendência, que infelizmente se arrastara para os
anos subsequentes com muitos prejuízos para os trabalhadores.
Um sindicalista da estiva, grupo que se mantivera em desacordo com os outros
sindicatos65, elabora sobre essa questão e nos diz que: “é claro a assembleia é soberana para
definir a pauta de reivindicações, mas vimos que não daria certo somente cuidarmos da gente.
Precisamos que todos agissem juntos. Ainda hoje esse é o desafio” (sindicalista capatazia, 38
anos).
Primeiro, contudo, os estivadores partiram da ideia de alcançar uma “média
equivalente ao que é cobrado com o OGMO. Contudo a Intersindical intervém com
argumentos que nos revelam a real chance de efetivarem acordos mais perenes e um desejo de
transformação das relações produtivas em Itajaí. Apresentamos algumas razões para, por falta
de melhor termo, serem acusados de se apequenar frente a imensidão do conflito que estava
exposto, chaga aberta de traumas que o porto privado representava de uma luta que também
se refere ao porto público.
No oficio da Intersindical direcionada a todos os trabalhadores temos as críticas a essa
situação de fragmentação da unidade sindical, e o porquê precisavam diminuir as pretensões
no sentido de um recuo temporário, mas produtivo para a ação sindical coletiva:
1) em razão de uma estatística que a “autoridade portuária criou dizendo que a
capacidade desse porto é de absorver somente 15% do contingente de estivadores, o que daria
entre 30 a 40 trabalhadores” (intersindical oficio 029/2007, p.2).
2) pela “demanda por qualificação do trabalho cobrado pela Portonave, onde todos
detém ensino médio e 209% detém ensino superior. Portanto, temos que defender um sistema
de rodizio abrangente como proposta para o terminal” (intersindical oficio 029/2007, p.2).
Por fim, a Intersindical aponta que “uma solução similar ao dos trabalhadores da
capatazia é ideal nesse momento”, os quais propuseram que metade dos trabalhadores seja
avulso e metade contratado por tempo indeterminado(intersindical oficio 029/2007, p.2).
. Portanto, os trabalhadores estiveram de acordo com a Justiça do Trabalho que buscou
avançar com as negociações para porem um fim nos embates mesmo antes da legislação
12.815/2013.

65
Mesmo esse desacordo foi útil para o avanço da luta coletiva, como veremos em seguida.
168

Contudo, conforme ata do sindicato dos trabalhadores da estiva, de novembro de 2012,


a preocupação dos trabalhadores era de também “alcançar acordos mais favoráveis com a
Portonave”.(ata, sindicato da estiva, 2012)
Nessa ata, em assembleia dos trabalhadores, a pauta de aceitar a proposta da Portonave
– de trabalho por vinculamento - não foi imediatamente aceita, especialmente no que toca a
média salarial, que desejavam que se mantivesse igual ao porto público. Portanto, os
estivadores agindo de forma mais espontânea, em desacordo no início com os outros
sindicatos, contribuíram com a luta conjunta para que se avançasse com melhores propostas
desse terminal.
Apresentamos os benefícios que a ação sindical dos estivadores trouxe com a ação
contra o porto privado e contra a precarização do trabalho. Ao agirem por “fora da estrutura
oficial”, avançaram e contribuíram para a luta coletiva (SOUZA MARTINS, 1978, p. 130). A
contribuição dos estivadores ao agirem de maneira espontânea contra a Portonave,
paradoxalmente, pôs um fim ao que esse sindicato vinha fazendo no próprio porto público. “A
gente não ia fazer o mesmo com a Portonave” (estivador, 40 anos).
Existe uma prática de descontos sobre o valor total repassado dos operadores aos
trabalhadores, que não altera a cota de produtividade/hora cabida a cada trabalhador. Mesmo
com a privatização intensa dos portos esse mecanismo se manteve inquebrantável,
sustentando as relações dentro do sindicato e com o Estado.
Com maior ou menor entrada de cargas, a expectativa é de que houvesse essa relação
entre “dar desconto, mas que não deixe de chamar” (estivador, 50 anos). A preocupação era
claramente com os empregos, que tinham sido alocados de outros sindicatos ou por fora do
sindicato, com a flexibilização do trabalho portuário.
Esses descontos foram assim apresentados ao porto de Itajaí:

1º - 10% sobre o valor das tarifas cobradas para movimentação de operação à bordo
como consta na cláusula 5º do CC (Convenção Coletivo da Estiva 2012-2014).

2º - Nessa mesma Convenção foi dado um desconto de 30% sobre o valor para
movimentação de operação a bordo da Cabotagem, navios que fazem a linha do litoral
brasileiro (Cláusula 5º do Acordo Coletivo). No caso de da Cabotagem, são aplicados 10% da
faina de contêiner + os 30% que são dados aos navios de Cabotagem, somando assim 40% de
desconto para essa operação (Convenção Coletivo da Estiva 2012-2014).
169

O estivador entrevistado (55 anos) relata: “me chamou a atenção que deram ao
trabalho realizado no domingo e feriados um desconto de 50%, sendo que a lei prevê 100% ou
seja o dobro para trabalhos realizados nesses dias, está na Cláusula 6º do Acordo Coletivo”.
A questão é que “esses valores são progressivos, aparentemente parecem poucos, mas
não o são” (estivador, 55 anos). Primeiro com a cabotagem: no dia de semana o desconto fica
em 40% e nos domingos e feriados ficou 90%, sobre o valor bruto. Soma-se a isso, uma
segunda faina, porque temos que ter em vista que “muitas vezes existem múltiplas equipes em
atividades paralelas e mesmo dois navios operando consecutivamente”.
Para o trabalhador, chegamos ao ponto de que: “soma aqui comigo dia de semana 10%
+ 11% de INSS + 6,5% de Contribuição Sindical (são 10% descontados mas 3,5% volta no
mesmo mês), se atingirmos uma remuneração boa vem o LEÃO + 27% de IR, somando tudo
isso chegamos a um valor de 54,5%”. Esse é o valor contabilizado para terno, que se soma
mais a produção do mês e descontos que dá nesse valor.
Assim, ele prossegue:

então, o contêiner é o que mais bota a gente pra trabalhar, mas é o que tem mais
concorrência né. Mas daí tem os outros dias que se somar vão te puxar pra esse
valor. Por exemplo, Dia de semana 40% + 11% de INSS + 6,5% de Contribuição
Sindical (são 10% descontados, mas 3,5% volta no mesmo mês), se atingirmos uma
remuneração boa vem o LEÃO + 27% de IR somando tudo isso chegamos a um
valor de 84,5%. Com Domingos e Feriados 90% + 11% de INSS + 6,5% de
Contribuição Sindical (são 10% descontados, mas 3,5% volta no mesmo mês), se
atingirmos uma remuneração boa vem o LEÃO + 27% de IR somando tudo isso
chegamos a um valor de 134,5%,

O momento que esse estivador relatou, foi marcadamente exasperador para toda a
classe de estivadores porque “não queríamos dar esse desconto”. “Essa conta aí eu penso tanto
na gente, como estivadores, mas também com os conferentes, que estão nessa briga para
garantir seu direito de trabalho e seus salários”. “Se dá desconto para um, eles[empresários]
vão querer de outro também, é sempre assim” (conferente, 36 anos).
Um estivador diz (55 anos): se não aceitássemos o desconto seria feita a contratação,
e se aceitássemos não o faria. A prova disto está na Cláusula 8º onde trata sobre o vínculo
empregatício do Acordo Coletivo”.
A ameaça de contratação de trabalhadores por fora do OGMO era uma grande
questão para os estivadores, que já tinham o quadro de trabalhadores reduzidos e com o
potencial de contratação também diminuído. O entrevistado (estivador 38 anos) diz “se não
me engano de 50 trabalhadores que teriam trabalho no porto privado, mas de que tipo? Eles
170

queriam tirar 50% sobre nosso trabalho com descontos de todo o tipo e o resto dos 232
estivadores ficariam literalmente a ver navios 66.
Portanto, para esses trabalhadores, nesse momento, os descontos que estavam sendo
dados estavam precarizando totalmente sua condição de vida. Como o estivador (55 anos)
expõe: “o desconto pode chegar até 90% dependendo do tipo de operação realizada, o que era
pra ser ao contrário. Assim, eles querem desconto de 50% no guincho, o que acaba com a
gente”.
Outro estivador, em seu blog pessoal (Estivadores Forever, 2017) comenta essa
situação de que os descontos já estavam afligindo muito os trabalhadores e de como eles
entendiam a proposta de reinvindicações para o terminal privado
Ele acrescenta o panorama das reivindicações entre as classes portuárias

é por isso que o trabalhador portuário de qualquer classe tem que apoiar os nossos
companheiros conferentes, e no futuro não ceder como sedemos, pois a única que
está ganhando com todo esse desconto é a APM, pois a mesma reajustou no dia 15
de Janeiro deste ano as suas tarifas, não repassando os desconto aos seus clientes, e
o discurso era o ao contrário, onde a APM vinha discursando para pedir o desconto
que nossos preços deveriam ser mais atrativos, mais competitivos com os demais
portos do Brasil, e a realidade foi outra (Estivadores Forever, 2017)

Portanto, podemos ver aqui como os trabalhadores estavam, até o momento desunidos,
mas agora construindo rapidamente pautas comuns de reinvindicação. As demandas e uma
lógica comum, em ritmos e estratégias que vieram a convergir materializaram-se nas pautas
dos sindicatos da estiva e capatazia. Essas demandas apontam como as relações entre porto
privado e trabalhadores avulsos estava tensionada e quais as soluções que se seguiram67

1) Declaração de nulidade de todas as contratações da ré (Portonave)de todo o


pessoal responsável pela movimentação de carga;
2) Dispensar todos os trabalhadores contratados fora do OGMO;
3) Imposição de pagar por verbas rescisórias decorrentes de distrato laborais
anteriores;
4) Declaração de nulidade das missivas enviadas ao OGMO quanto a proposta de
salários, cargos e jornada de trabalho;
5) Proibição de absorve trabalhadores por fora do OGMO

66
Hoje estão na ativa 150 trabalhadores, que somados aos afastados, doentes e vinculados alcança um patamar
de 200 trabalhadores.
67
E da proposta de uma ação necessariamente conjunta ao porto público
171

Somente o ponto 5 foi mantido, com ressalvas. A vitória para os trabalhadores é


acachapante, mesmo assim: a pretensão da Portonave de contratar trabalhadores contra o
sistema de rodízio não avançou. Com o parecer da Justiça do Trabalho favorável aos
“avulsos”, o terminal privativo teve que contratar imediatamente, após a homologação do
acordo efetuado com a mediação dessa entidade estatal, 50 trabalhadores portuários avulsos
(TPAs), que aceitarem trabalhar com vínculo empregatício 68.
A maioria dos sindicatos avulsos de Itajaí entendeu que essa proposta da Portonave
foi um sucesso. Menos a estiva, mas as ressalvas são importantes dessa entidade até ela vir
aceitar esse acordo.
Para um diretor do sindicato da estiva de Itajaí voltar a mesa de negociações foi

uma medida positiva, com a ressalva de que esperávamos maior número de


contratados e um teto salarial maior. Inicialmente o pessoal não viu assim, sabe. Mas
foi isso, o que tinha para o momento e não quer dizer que não seriam mais
contratados avulsos. Este era o medo do pessoal. Muito pelo contrário (diretor,
sindicato estiva, 60 anos).

Para um entrevistado, comentando sobre a questão salarial: “Então, a proposta de


salário alcançou 3000 reais, que partiam de um valor fixo de 1.700 reais, que somados
encargos e benefícios chegariam a esse valor. Esse valor é para o acordo coletivo que iríamos
assinar, com duração de 2 anos. Não quiseram a base. Paciência” (estivador, sindicalista 45
anos).
Essa rejeição dos estivadores tem algumas explicações. Primeiro porque foram
oferecidas 24 parcelas de R$ 800,00 mensais por trabalhador que aceitasse trabalhar com
vínculo empregatício para a Portonave e nove parcelas de R$ 400,00 para cada TPA do
OGMO não contratado. Este Fundo seria gerido pela Intersindical, que teria a
responsabilidade de repassar as parcelas aos trabalhadores.
Outro entrevistado nos diz: “a principal perda para a categoria é a média salarial que
ficaria achatada” (estivador, 35 anos). Atualmente, como avulsos, os estivadores conseguem
receber em torno de R$ 2, 0 mil por mês69. Daí “tinha isso de que o acordo com a Portonave
coloca para baixo o salário porque era para o avulso assinar a carteira em R$ 1.700,00, mais
30% referente ao adicional de periculosidade, totalizando um piso de R$ 2.200,00. Era para

68
O ponto aqui é que foram oferecidas essas vagas aos registrados e não aos cadastrados. Portanto, não
dilapidando a lógica social do trabalho portuário.
69
Esse é o valor recebido para o ano de 2015. Em 2010 a média era de 1800 reais. Discutimos detalhadamente
como essa média esconde variações profundas nas rendas entre os que mais recém e os que menos recebem. Essa
relação se coloca no acesso ao trabalho, na posição do estivador em razão da idade e qualificação e, acima de
tudo, nas estratégias diversas de flexibilização do trabalho utilizadas pelos portos/ Ver: OGMO (2018)
172

ter isso bom, mas acho que as coisas estavam tão ruim, que a gente não viu no momento”
(estivador, 35 anos).
A proposta da Portonave é vantajosa e uma vitória a despeito da posição inicial
contrária dos estivadores. Segundo a intersindical, “vai de encontro a situação que se encontra
os trabalhadores da Portonave antes de iniciarem a ação no Ministério Público, com mais de
500 trabalhadores já treinados, os quais não deveriam ser excluídos”, ao contrário da proposta
da estiva. Por conta de mais de 500 trabalhadores terem sido já contratados, a intersindical,
em nome de todos os outros sindicatos do portuários, diz “que o acordo tinha poucas chances
de avançar” (intersindical oficio 029/2007, p.2).
Além disso, acrescenta que os trabalhadores não iriam conseguir avançar com
qualquer acordo de total isonomia entre os portos, mesmo a Portonave estando localizada no
porto organizado. Não haveria um eficaz acordo e bom para todos “porque os sindicatos não
têm representação junto ao MTE abrangendo o município de Navegantes” (intersindical oficio
029/2007, p.3).
Ainda segundo a intersindical: “portanto, aceitar o acordo é bom para todos por que
tem-se um padrão comum, e não uma prática que quebra o sindicato avulso” (intersindical
oficio 029/2007, p.3). Ela explora ainda a acusação da estiva de que as Federações dos
avulsos interviriam “de maneira equivocada, sem respeitar a base”. Essa acusação pela
Intersindical “não procede” (intersindical oficio 029/2007, p.3). Um estivador nos relata: “é o
seguinte, a Federação veio e ficou os 30 dias de negociação depois foi embora no auge das
negociações. Daí o pessoal ficou mordido” (estivador, 50 anos).
De todo modo, podemos ver como a ação de cunho mais espontâneo dos estivadores,
no entendimento de um dirigente sindical, para as negociações no ano de 2016 “prometem
porque já faz um bom tempo que temos somente dado e sem retorno. Além disso, agora que
temos mais condições de barganhar com o porto acreditamos que uma média salarial
constante, e sem a pressão para a redução de trabalhadores tem ajudado a gente nas pautas
salarias” (sindicalista, 60 anos estivador).
Nesse sentido, em 2013, a pauta salarial é lançada, com uma demanda de reajuste em
7% para repor perdas com a inflação e regras para a contratação de conferentes com vínculo
empregatício. A maior reivindicação é a garantia de emprego para os 54 conferentes que
trabalham no local, em sistema de trabalho avulso, mediante requisição. "A APM quer contratar 24
conferentes. Queríamos que fosse tomada alguma atitude para garantir o emprego dos outros 30",
afirmou sindicalista (conferente, 50 anos).
173

A resposta da empresa foi, como de costume, de fazer a operação normal de


desembarque e, por isso, solicitou da mão de obra, convocando todas as categorias (estivadores,
arrumadores e bloco). A ação foi vitoriosa na opinião dos trabalhadores, resultando na empresa se
comprometer a não contratar por um prazo de dois anos conferentes com vínculo empregatício.
Contudo, não ficou garantido que haveriam cortes de trabalhadores, o que se destaca com o
desconto de 30% em relação ao que praticavam no ano anterior, sugerindo pressão por redução de
custos.
Isso fica mais evidenciando, na opinião de muitos trabalhadores, de um esgotamento
das relações com o empresariado, no sentido de esperarem que os acordos firmados fossem
respeitados.
Segundo um entrevistado (sindicalista, capatazia, 45 anos), os trabalhadores
entendiam que o fundamento da “parceria com o porto para

[...] qualquer negociação deveria passar pelo conselho supervisor, que é um órgão da
Comissão Paritária do OGMO. Este é acima de todos no porto. Tudo que o porto
lança como alguma regra de trabalho passa por ele, que é composto por um
trabalhador, OGMO e patronal. Foi no conselho de supervisão que fizeram a análise
do meu cadastro para eu entrar como registrado.

A partir de 2013 fica bastante evidenciado que a noção de trabalho e modernização


defendida pelos empresários fica restrita aos interesses mais imediatos destes. Ele é usado de
maneira equivocada e ampara-se na ideia de trabalho suplente, que, na prática permitiu uma
série de contratações que atacavam o trabalho dos sindicatos e promovia o uso da
multifuncionalidade.
Os relatos de precarização e a situação totalmente desvantajosa do sindicato dos
conferentes, como de outras categorias, em negociar com o porto e armadores apontam para a
necessidade de transformação das pautas e estratégias sindicais. Assim, quando colocamos em
perspectiva o impacto que alterações da Lei no 12.815/13 trouxe para o sindicalismo, vemos
que precisam estar associadas à posição dos outros sindicatos, no caso, especialmente o
sindicato da estiva, o mais fragilizado em razão da reestruturação produtiva.
Exemplo disso foi a necessidade de superar a falta de trabalho dos estivadores e de
como aos mesmos foram oferecidos o trabalho dos conferentes. A APM terminals, em 2013,
em plena materialização da Nova Lei dos Portos, “[...] selecionou trabalhadores daquela
categoria para exercer a função de conferência, o que demonstra total desrespeito às regras
que sempre nortearam a atividade de nosso porto, qual seja o respeito à lei e as regras
negociadas entre as partes”. (Ofício 55/2011, p. 4).
174

Isso não quer dizer que nesse período os trabalhadores não tenham se unido para
responder a essa situação de ação flexibilização e subcontratação. Os outros sindicatos,
primeiro, sabiam que a estiva estava muito pior que eles em termos de chamadas para
trabalho. É essa situação que impediu que a estiva entrasse em acordo, porque seus cadastros
foram fechados, “[...] de 400 trabalhadores, hoje existe, 150, dos quais 100 estão na ativa 70.
Mesmo estes são uns 50 que pegam forte. Para os outros não tem trabalho” (estivador, 38
anos).
No oficio abaixo, os sindicatos portuários buscam solucionar, em conjunto, os
problemas enfrentados contra o dimensionamento arbitrário de trabalho ainda presente no
Porto de Itajaí, mas agora avançando para uma lógica coletiva de sindicato.
No dia 17 de fevereiro de 2016 todos os sindicatos portuários formularam um ofício,
“motivado pelo convite do sindicato da capatazia [...] que pleiteia a abertura de vagas devido ao
pouco quantitativo que possui e a nova função de transporte interno gerar muitas requisições
podendo chegar até 96 diárias e a falta de engajamento”. (Oficio n15, sindicato da capatazia, 2016)
Nele lemos que o sindicato pleiteia abertura de “vagas devido ao pouco quantitativo que
possui e a nova função de transporte interno gerar muitas requisições, chegando até 96 diárias”.
Aqui chamamos atenção para o fato de que a empresa ainda age no sentido de obstruir o mercado
de trabalho dos avulsos. E isso se deu, em parte pela inserção dos conferentes, até 2013, no
sindicato dos arrumadores/capatazia, que após esse período são separados novamente. Portanto
essa é uma entre as inúmeras vitórias que esses trabalhadores efetivaram a partir da legislação nº
12.815/13.
Agora, a questão das contratações fora do sindicato ficam mais difíceis de serem
sustentadas pelos empresários, em razão das alternativas que se abrem com o uso da
multifuncionalidade pelos próprios sindicatos e de como ela precisa ser negociada. Desse modo, a
chamada para o trabalho no sindicato da capatazia poderia vir ao caso de favorecer o sindicato dos
estivadores, que estiveram até esse momento em falta de trabalho.
A contrapartida exigida pela Justiça do Trabalho, enfatizamos a importância portanto
dessa instituição, segue na perspectiva do “Procurador do Trabalho e o Senhor Luiz Carlos
Rodrigues Ferreira [...] existe no sistema um número de trabalhadores portuários incluindo todas as
atividades que poderiam suprir estas requisições e que uma regra de assiduidade pactuadas entre os
sindicatos seria a melhor forma de resolver o impasse [...]” (intersindical oficio 029/2007). Fica

70
Chamamos a atenção que o ofício55/2011 emitido pela Intersindical, em nome dos portuários, não foi assinado
pela estiva o que sinaliza as animosidades entre os sindicatos que desejamos retratar nessa primeira fase de
ofensivas contra os trabalhadores no Porto de Itajaí.
175

exposto o pacto de assiduidade como alternativa as chamadas de trabalho de um sindicato


transferidas para outro.
A nova legislação permite que os trabalhadores possam tanto propor entre eles mesmos,
quanto redimensionarem sua força de trabalho entre sindicatos. E isso fica exposto na demanda,
pactuada entre todos os sindicatos portuários, de favorecer o pleito dos arrumadores/capatazia para
a abertura de cadastro a seu sindicato, o que supriria sua demanda por trabalhadores.
A discussão avança, com experiências efetuadas entre 2010-2012 de forma provisória.
Mas agora ela busca se institucionalizar. Os trabalhadores alcançam uma vitória que não é perene,
mas ela solidifica seus pleitos se agirem em conjunto. A perda dos empresários foi exatamente
contra tentativas de contratarem por fora do OGMO, com sólida legislação contrária a isso, e as
foram de flexibilização utilizadas até o momento.
176

5. UM BALANÇO PARCIAL DAS OFENSIVAS CONTRA OS TRABALHADORES


E O RETORNO DO SINDICALISMO COMBATIVO: A PRODUÇÃO DE NOVAS
HORIZONTALIDADES
177

Um novo entendimento entre os sindicatos surgiu com toda essa experiência de ação
direta e dos limites que a estrutura corporativista impõe aos sindicatos? Trazemos aqui um
balanço, de nossa experiência etnográfica em palestra que antecedeu a plenária nacional em
18 maio de 2016, sobre os desafios para a implantação de um modelo horizontal de
multifuncionalidade entre os sindicatos.
Essa situação é relevante porque, para um sindicalista da capatazia, “[...] a estiva
tem problemas em ser solidária”. Para esse sindicalista (40 anos, capatazia),

[...] a gente tem um problema que precisa sentar e resolver de maneira mais rápida
possível e junto com todos os sindicatos. Estamos com uma pressão em cima de
tabela e de desconto, e a gente não consegue juntos dar uma resposta para ela. Ela
vem minando o sindicato e no final vai ganhar em cima de nós porque estamos
desorganizados. A ideia é termos uma nova visão do trabalho portuário pra
responder a essa situação.

A resposta da FNP reitera o novo cenário de mobilização e como isso parte primeiro
da organização para renovação dos sindicatos.

Antigamente a gente perguntava: como ficou o terno? E ficamos com medo de falar:
aumentou diminuiu. Perdeu, né. Isso não importa muito hoje. Existe o que você
consegue fazer em cada base dentro da sua condição de força, conjuntura e de união.
O modelo de Vitória, por exemplo, é bem-sucedido e vocês têm se espelhado nisso,
não é? Não quer dizer que vai servir para vocês, mas existem alguns pontos que,
quando toca a negociação, o próprio termo já diz, vocês vão precisar encontrar o
melhor caminho para vocês. (Sindicalista, diretor da FNP)

Para um sindicalista da estiva de Vitória (40 anos), essa situação reflete uma
condição dos portos e do movimento sindical como um todo. Ele diz que

Vocês sabem o que aconteceu com Manaus né? Eles foram lá no porto organizado e
tiraram todos de lá. Acabou tudo. Agora é só trabalhador celetista. Acabou-se o
avulso, a instituição “trabalhador portuário de estiva”. Eles fizeram só acordo com
os conferentes. Pronto E a gente, uns dois, três anos antes disso tudo fomos lá e
dissemos: temos que trabalhar a qualidade da mão de obra. Ela é ruim em si mesma?
Não! Se não trabalhamos a qualidade de mão de obra vamos perder nosso mercado
de trabalho. Todos aqui desejam ter mais controle e autonomia sobre o processo de
trabalho, o que implica não somente ter mais poder, nem mesmo fazer a lei valer.
“Que estória é essa de “será que eu não tenho direito na hora do trabalho por lá e
pagar minha conta de luz. Você não tem esse direito não.

A resposta veio da plateia “Tá certo companheiro, isso é muito bom, mas não foi o
que aconteceu até agora aqui com a gente, né” (estivador, 38 anos, Itajaí). Ele continua: “[...]
a FNE foi lá e negociou em nosso nome com o Portonave”. Ouve-se reclamações no fundo do
auditório. O presidente da FNE discorda e reitera o porquê de ter feito isso, que foi um
consenso entre os sindicatos. Jesus, estivador famoso na cidade por sua eloquência e
militância, retorna triunfante ao palanque, que, ovacionado pelos colegas de trabalho, afirma,
178

[...] eu acredito que a negociação conjunta de todos os sindicatos, a união de todos


os sindicatos, a solidariedade salva. Isso é fundamental. Então vocês fecham
separados!! E o empresário joga e brinca com cada um. Não tem como a liderança
entrar na mesa e não saber o que o outro tá fazendo. Pode ser que você não ganhe a
mesma coisa. Pode ser menos. Não sei. Mas junto é melhor. Desde 1993 fazemos
isso. Temos mais resultado, é mais trabalhosa. Brigamos mais. Mas temos mais
resultado. Brigamos aqui, mas com o patrão tá todo mundo unido.

O estivador surpreende ao reiterar a pauta nacional por um retorno à ação sindical


mais combativa, mas sem perder as esperanças na solidariedade, fruto de intensas negociações
entre eles mesmos antes de apresentarem suas demandas aos empresários. Ele nos diz:

Se Itajaí tiver sucesso, todo o Brasil ganha. Todos perdem, caso contrário. A
unidade é todos. Quando diminuiu terno aqui, vai ter problema lá em Imbituba, não
é companheiro? Eles fazem isso, negociam sabendo que abaixamos aqui o valor da
cota por trabalhadores. O navio é o mesmo. Vai refletir, sim, lá. Tem que ter a
Unidade nacional. Eu conheço todos aqui. Somos irmãos. Fizemos muita coisa
juntos.

O presidente da Federação Nacional dos Portuários discorre sobre o impacto que as


negociações sindicais têm na vida do trabalhador.

[...] tem sindicato que pensa que melhora se negociar. Vou chamar a atenção para o
pessoal da capatazia que tá aqui. Vocês sabem o que tiveram eu enfrentar com o
porto incluindo clausulas que deixa de incluir a exclusividade. Ou seja, antes de ser
aprovado qualquer coisa, eles querem é que vocês aceitem o trabalho vinculado. Daí
depois alegam que não precisam respeitar a lei por que o trabalhador assim desejou.
Então, se agora temos mais direitos quanto a categoria de avulsos, mesmo no porto
privado a gente não sabe como vai ficar com a reforma trabalhista que está vindo.
Pessoal, vocês sabem que eles substituem o trabalhador avulso sem respeitar a lei.
Hoje, o TST condena a terceirização para a atividade fim. Mas esse assunto não tá
pacífico também. Até isso tá sendo questionado.

A crítica dele não é pessoal, lembra que a nova legislação demanda luta conjunta
para poderem manter a reserva de mercado, lembra também dos momentos de intensa pressão
que o sindicato sofrera em 2010, com a perda de inúmeros postos, que retratamos no episódio
da contratação ilegal de conferentes, no capitulo 3, no porto de Itajaí. O que o sindicalista
aponta é a necessidade de ir além, de responder ao empresariado a um momento de intensa
precarização. O sindicalista, líder da FNP, diz: [...] existem duas alternativas, manter-se preso
a luta no singular e confiar que o modelo de negociação irá responder as demandas do
empresariado. Ou rever o que cada sindicato pode contribuir com um acordo coletivo em
conjunto.
O que até esse momento os sindicalistas e trabalhadores entendem é que houve uma
saturação, um fim trágico de desrespeito ao trabalhador à deriva, sem alternativa a não ser
lutar, como dizem Galvão e Marcelino (2017, p. 85), em direção “[...] aos direitos já
179

conquistados, a agenda neoliberal dos anos 1990 voltou com força à cena política” numa nova
roupagem, com todo o aprendizado acumulado de práticas laborais e sindicais a favor dos
trabalhadores, sintetizando as orientações políticas e valores tão discrepantes quanto
peculiares a realidade de cada porto e cada sindicato desse setor.
Vemos nessa afirmação que a luta dos trabalhadores é no singular, com os interesses
de suas categorias postas entre a cruz e a espada da precarização do trabalho. Mas também
vemos aqui a força da estrutura corporativista que se faz valer nesse cenário, permitindo a
atualização das pautas, estratégias e representações sobre a defesa do trabalho (RODRIGUES,
2002).
Um dos debates é informado pela posição do sindicalista da estiva de Vitória, que
afirma o seguinte sobre a organização do trabalho portuário:

[...] homem certo no lugar certo. Realizar uma função é fundamental. É ela que dá
ritmo para outras atividades. Então, aconteceu de: “não tem empilhadeira, usou fora
do sindicato. Nada disso. Não pode outro trabalhador fazer. Então botamos aquele
trabalhador no sindicato. Não podia outro fazer nosso trabalho, a gente tinha que
fazer.

Como vemos nesse relato, o sindicalista dá o tom para muitas das disputas que
ocorreram entre os sindicatos e de alternativas vistas pelos mesmos.
Longe desse retrato, o que vimos nesse encontro é a necessidade de cooperar não de
qualquer maneira, mas que vá além dos limites até o momento tidos como tradicionais ou
dados pelo sindicalismo portuário. Como o ritmo e a adoção de formas flexíveis variam de
porto a porto, mas também dos ciclos produtivos e oscilações do mercado, com a Lei n o
12815/13 o patrão pode aplicar de forma mais constante a multifuncionalidade, que significa
trabalhadores que não se engajem de maneira voluntária, poderão ter sua vaga preenchida por
trabalhadores chamados de outros sindicatos.
Essa é a preocupação principal dos presidentes das Federações e líderes que
palestraram durante dois dias em Itajaí. Essa preocupação, mesmo com a nova legislação,
indica que se em portos, como em Itajaí, existe uma maior abertura para a ação contestatória,
em muitos isso não ocorre. Logo, vemos um esforço de todos os sindicatos e Federações dos
trabalhadores avulsos nessa direção.
Na palestra desse mesmo sindicalista, em maio de 2016, dias antes da Assembleia
Nacional dos portuários, vimos que as acusações se intensificaram entre os sindicatos, com os
terrestres acusando a estiva de resistência em cooperar de maneira mais horizontal. “Somente
25 trabalhadores da estiva querem fazer a multifuncional”, diz um sindicalista da capatazia
apontando o dedo para os sindicalistas da estiva de Itajaí. Ele continua:
180

[...] todos estavam sem emprego até recentemente, os mais prejudicados do porto de
Itajaí. Por que não querem apoiar a gente? Te digo: pra eles é conveniente. Não
precisam entrar em acordo com a gente por que perderam cadastro. Mas a situação
muda companheiros. Agora tá bom para eles. A gente tem que agir juntos. Temos
que fazer um programa de “multifuncionalidade democrática” e não de
multifuncionalidade do patrão.

Contudo, como nos retrata um entrevistado (sindicalista, estivador, 60 anos),

[...] isso é um aprendizado, esse pessoal que vai fazer a multifuncionalidade é turma
nova, eles vão mudar pelo exemplo. Eles já fazem a multifuncionalidade, pensam e
agem diferente. Fazemos já experimentos de um novo sistema de rodizio, ele tem
dado certo. Mas só com o tempo e luta né vamos ter um resultado próximo do que o
movimento pede da gente.

O retrato feito por Jose, da estiva de Santos - que os sindicalistas concordam e se


espelham, é importante para a compreensão dessa situação: “Em Santos, os guincheiros de lá
embarcam, e a empresa tem que ter dois guincheiros pra fazer a operação. Isso não pode
existir. Se a gente quer efetividade na nossa mão de obra. A gente tem que ir lá e fazer nossa
mão de obra”.
Portanto, conseguimos ver que o sindicalista não está defendendo uma noção
qualquer de mérito ou da exclusão daqueles que não conseguem se adequar. A noção passa
pela própria defesa do que o sindicato considera como eficaz para a defesa da coletividade,
contextualizando os desafios para uma boa execução das tarefas. Interessante que essa posição
de salvaguardar cargos mais especializados vai ao encontro de deter maior autonomia sobre o
trabalho e, portanto, conseguir, de fato, operacionalizar uma noção de trabalho em que
viabilize uma solidariedade trans-sindical, indispensável para as negociações coletivas e para
a renovação do senso de identidade comunitária e do ofício que eles defendem. Como ele diz
em sua apresentação (sindicalista, estiva, Vitória),

[...] então, foi o que aconteceu com vocês. Eles antes agiam fora da lei. Agora, com
os portos privados concorrendo sem pegar do OGMO a situação pode ser boa, como
a da gente. Mas pode ser péssima. Lá eles. Não tinham equipe em Vitória. Pego do
Rio de Janeiro. Treinou. Pegou dois cabras que sabem bem. E colocou dentro do
sistema. Não pode o cara da estiva não fazer a operação dele.

O ponto fundamental de sua fala é que “[...] a partir daí começamos a fazer rodízio
de cada função especializada” e da abertura de cadastro entre os sindicatos favorecendo um
controle maior dos processos produtivos.
Seu argumento de que “[...] só entra naquele rodízio quem sabe fazer. Não sabe
fazer, não entra. Sem chance. Não embarca. Nosso câmbio é único, mas tem rodízio, de
181

guincheiro, de empilhadeira, de motorista de caminhão, de tudo”, não necessariamente precisa


ser aplicado por todos os sindicatos no contexto da Lei no 12815/13.
O que importa é reconhecer, como vimos nos capítulos anteriores, que se existem
funções mais especializadas, como no caso de Itajaí que acompanhou à sua maneira dessa
história de sucesso de Vitória, em momentos importantes de falta de emprego outra história de
organização do trabalho era contada pelos trabalhadores que entrevistamos.
O grande risco era com a falta de trabalho, com os acordos prévios não tendo mais
validade e sucumbindo com a organização anterior do trabalho, justamente porque a
legislação anterior não permitia as inovações organizacionais que estamos discorrendo aqui.
Um sindicalista da estiva (60 anos, Itajaí) nos diz, “Quando surgiu o terminal lá, daí
que o cara se assustou. Qual estiva tem trabalhador fora da área organizada? Pouco ou
nenhuma”. De fato, o trabalho da liderança sindical, nesse sentido, é exemplar: o entrevistado
nos conta que “[...] em 10 anos de muita briga com os portos, num contexto de crise,
conseguiram ter acesso aos terminais, pouquíssimas vezes o trabalho era convencer todos os
companheiros. Mas no geral, fomos bem recebidos, e gostam de nosso trabalho”.
Portanto, o que vemos aqui são os desafios de transformar esse modelo de ação
sindical que se ampara as relações semi-corporativistas de emprego, com um lugar garantido
no rodízio, de escolher quando e como trabalhar, adequado ao trabalho com os outros
sindicatos que podem negociar em separado e prejudicar suas situações de penúria singular.
Nesse sentido, o aprendizado que suscita as assembleias e palestras, configurando uma rede
sociopolítica sólida em Itajaí, reflete a posição bem recebida do sindicalista da estiva de
Santos, que diz “Manaus era o último porto que tinha trabalhadores fora do porto organizado.
E o empresário foi lá e tirou”.
Esse retrato não entendemos como uma advertência, mas uma razão para um
discurso mais conciliador que ajuda a direcionar os conflitos escancarados entre visões
diferentes de sindicatos e movimento operário em conversas informais, acesso a atas, e
convenções nacionais e palestras que formalizam uma identidade e destino comum.
Ele prossegue com seu relato, da situação do porto de Vitória:

[...] o sofrimento fez a gente buscar a qualidade. Por que literalmente estávamos
sendo jogados para fora do porto. 1) competência para executar 2) custo adequado.
Por que o avulso é efetivo. Lá é atividade intensiva em mão de obra. Aqui não por
conta do contêiner. Custo adequado, quando um porto é bom: quando ele tem 60%
de utilização e 40% de ociosidade. Pro navio chegar, descarregar e sair.

Ele prossegue ao contextualizar nossa afirmação da importância da capatazia para a


deflagração de uma solidariedade entre as classes de portuário
182

Ai que você vê que o trabalho de capatazia é fundamental. Porque o navio vai


embora e vocês continuam trabalhando. Há uma tendência mundial da estiva
diminuir e a capatazia sempre ampliando. La em Vitória é o contrário, é intenso em
mão de obra no navio, assim como em Santos. Então, o trabalho avulso se viabiliza
60/40. Como é que o cara vai contratar uma equipe para ficar 40 % do mês parado,
de braço cruzado.

Ele prossegue com novas formas de agir e as estratégia inter sindicatos:

Vimos o seguinte, que essa situação permite a gente contribuir para a melhoria do
porto, mas também pressionar para melhores condições e sinalizar para os outros
sindicatos que nossa situação pode se manter estável para os próximos 5 anos. Essa
avaliação é o que vocês precisam aqui. Essa situação ideal, baseada na
produtividade/homem, esquece que além do berço temos o espaço para poder reter
esses contêineres.

É aqui que entra uma parte mais ampla das lutas sindicais, no sentido que Galvão
(2014) atribui a noção de virada cognitiva do campo sindical, que não são apreciadas porque
elas são de difícil amarração, mas que se colocam agora como indispensáveis no contexto de
nossa análise.
Logo, qual é o risco dos trabalhadores em não criar mecanismos de produção de uma
nova solidariedade nesse cenário? Para José (sindicalista, Vitória), “é não antecipar o
momento em que é viável para o empresário colocar o vínculo empregatício”. Os
trabalhadores deveriam ter controle sobre seu trabalho e isso teria um impacto direto na
intenção recorrente, segundo o sindicalista, de “dificultar as negociações ou entrar em práticas
ilegais”. A lição dele é de adaptarem as estruturas do trabalho e manter com unhas e dentes a
estrutura do sistema de rodizio, única certeza nesses tempos de privatização dos portos.

5.1. A plenária nacional dos trabalhadores portuários de 2016: um breve balanço da


ação sindical em nível nacional.

Avançamos com a lição do sindicalista de Vitória sobre nossa experiencia com a


plenária das Federações dos trabalhadores portuários, que ocorreu em maio de 2016, numa
semana de atividades paralelas com lideranças em seminários durante os dias 20 e 22 daquele
mês. Em Itajaí, as lideranças nacionais traçaram suas análises tanto de conjuntura política
quanto das mudanças do sindicato e do trabalho.
Leremos este evento à luz de uma discussão da apropriação da agenda nacional local
em anos pregressos para a realidade local, especialmente das discussões que antecederam a
183

promulgação da lei 12815/13 no âmbito da “MP dos Portos”. Discutiremos as implicações de


como algumas conquistas de direitos por todo os anos 2000 solidificaram o pleito dos
trabalhadores e dos impasses que surgiram frente a pressão por formas diversas de
flexibilização (KRAIN, 2008). Essa discussão, portanto, faz um balanço da evolução das
pautas e das estratégias dos sindicatos frente a privatização dos portos e intensificação da
reforma.
A FNE, em 2010, antes da Assembleia Nacional, denunciou uma pauta que orientou
para os três anos seguintes as ações dos sindicatos pelo país. Podemos ver aqui o forte
chamado a uma crítica às políticas neoliberais. Segundo a FNE (2010, p. 2),

[...] se queremos um país que vai retomar o rumo das políticas privatistas que
marcaram a década de 1990, em que os projetos aplicados no Brasil estavam
subordinados a um pensamento dominante internacional, que colocava nações como
a brasileira em condição de dependência, em que não havia ênfase em programas
sociais de cunho estruturante e voltados para a inclusão social. Que não pensava em
desenvolvimento econômico, não priorizava boas condições trabalhistas e nem dava
atenção aos portos brasileiros, muito menos aos trabalhadores, que precisam agir em
conjunto.

Ser a favor da proposta “Desenvolvimento para todos”, contudo, não significava


concordar com o governo e nem mesmo alinhar-se com ele. “Um governo que, vale ressaltar
tal especificidade, votou contra a lei portuária (Lei 8.630)” (FNE, 2010, p. 1). Portanto,
indicamos um potencial de união, ao menos momentânea, dessas Federações em defesa de
uma pauta mais abrangente frente a realidade econômica e política que se acometeu nos
portos do país.
Ainda demoraria mais alguns anos para que as diferenças entre as Federações
ficassem mais visíveis para os sindicatos de Itajaí, bem como a importância relativa dos
bastiões do sindicalismo combativo. “Não te disse, mudamos para a CUT, o Paulinho cedeu e
foi contra a gente”, relata um estivador (35 anos, Itajaí) a respeito da posição desse
sindicalista sobre a reforma trabalhista em curso no ano de 2016. No caso, a crise nos portos
para as frações mais prejudicadas incentivou um recuo de políticas mais conciliadoras com o
capital, desde 2010, acometendo-se uma migração de diversos sindicatos para essa Federação.
“Então, ele disse que ia defender a gente, mas foi lá e fechou com o patrão, referindo a uma
política de revisão dos direitos trabalhistas que atingiria em cheio toda a classe trabalhadora”.
No caso da FNE (2010, p. 1), nesse momento de unificação das pautas entre as
Federações e do entendimento do agravamento da condição dos portos públicos, a estratégia
mais premente entre os portuários foi nos seguintes termos:
184

1. Retorno da aposentadoria especial para o trabalhador avulso;


2. Uma Secretaria de Portos mais atuante nos portos públicos;
3. Valorização dos trabalhadores avulsos;
4. Inclusão dos trabalhadores avulsos nos terminais privativos;
5. Aplicação da Convenção 137 da OIT com recomendação da 145.

Nota-se a preocupação com a valorização do trabalho avulso, o que significava a


defesa do sistema de rodízio, posto em xeque pela Lei n o 8630 de 1993. A legislação
12815/13 é ambivalente quanto a esse provimento, mas não o é em relação a força supletiva.
Isso significa que entre os portos onde a precarização do trabalho se intensificou, mesmo ao
ponto de corte brutal da força de trabalho, como no caso de Itajaí com os estivadores, existia
um potencial de responder a essa ameaça indo além de uma definição restritiva do trabalho.
Dessa forma, vemos aqui que o tópico 5, com a aplicação da Convenção 137 da OIT
e sua recomendação, vem como uma entrada para a luta que se dá no interior dos portos, na
organização extensiva do trabalho. Esse cenário de perda da autonomia dos sindicatos se
agudiza durante os anos 2000. Mesmo em um cenário de crescimento econômico e de
aumento da importância dos portos privados, vemos aqui que as prioridades são as mesmas
das outras Federações, como a FNP e a Feconvibb.
Logo, visto pela abordagem das relações de classe e do corporativismo estatal, a
cultura portuária fundamenta efusivamente a ação sindical contemporânea, que atualiza as
relações entre os sindicatos. Porque se utiliza da tradição, da história e dos novos
aprendizados como recurso para novas formas de ação capaz de ir além dos limites de cada
sindicato (CORCUFF, 1991). Exemplo disso é a discussão sobre o destino de inúmeros
trabalhadores em vias de se aposentar. Para os trabalhadores de Itajaí havia sido inicialmente
uma posição vantajosa, de aumento de cargas, mesmo acompanhado de um cenário de
imposição compulsória de aposentadorias. “Mesmo aqui a gente tinha direitos, pra colocar
nossos filhos pro trabalho, participar do sindicato, pegar engate” (estivador, aposentado, 70
anos)
Contudo, a aposentadoria com a nova legislação, nesse novo contexto viera
acompanhada da ameaça de perda de registro dos sindicatos, em síntese, para um sindicato
que tinha 100 trabalhadores, agora permanentemente teria 60 registros. Essa situação foi
retomada especialmente com a pressão que os sindicatos da capatazia e a Federação dos
Portuários trouxe sobre a realidade da Cia Docas de São Paulo e outras cidades. “Lá querem
diminuir a pensão dos aposentados e cobrar mais da ativa. Então parou tudo. Não fecham
185

convenção e acordos, o que tem prejudicado uma ação mais unificada em nível nacional”
(capatazia, 40 anos).
A pressão sobre a multifuncionalidade somado a questão da aposentadoria, afetaram
diretamente as expectativas sobre o destino de seus trabalhos. As disputas iniciaram-se, como
temos afirmado, porque afetara diretamente os interesses dos trabalhadores da capatazia 71.
Com a aprovação da Medida Provisória no 595/12 e de sua consequente promulgação
com a Lei no 12815/13, as Federações enfrentaram um novo cenário político. Aqui vemos
quais questões que o movimento sindical considerava pendentes antes da promulgação da
legislação 12.815/13:

1. do artigo 40 caput, não foi excluído o termo: “nos portos organizados”, não
obstante o nosso trabalho constante, principalmente junto ao Governo e a diversos
parlamentares pela aprovação da Emenda 115 (do Dep. Márcio França) que trata do
assunto (FENCCOVIB/FNP/FNE, 2013).

A questão principal aqui é a da ocupação do Porto Organizado, considerada ilegal


pelo movimento sindical, com inúmeros portos no país em mesma situação.

1. Não foi atendido nosso pleito referente à exclusão, da definição de capatazia, do


termo “dentro do porto”, do inciso I, do artigo 40 ( FENCCOVIB/FNP/FNE, 2013).

A discussão aqui é a noção de trabalho suplementar ainda nos marcos da antiga lei
8630/93, que confere ao operador portuário a possibilidade de uso arbitrário, fora do OGMO,
de trabalhadores terrestres.
Além da garantia de muitos direitos existentes na Lei no 8.630/93, consideram-se:

1. A retirada do Parágrafo Único do artigo 4º que permitia em parte ou em todo,


privatização da Autoridade Portuária.
2. A reincorporação da guarda portuária com uma redação que impede a sua
terceirização
3. A representação paritária da classe empresarial e dos trabalhadores no Conselho
de Autoridade Portuária.
4. A participação de um representante da classe empresarial e outro da classe
trabalhadora no conselho de administração ou órgão equivalente da administração
do porto, quando se tratar de entidade sob controle estatal.
5. Manteve a possibilidade de dispensa da intervenção do OGMO, nas relações entre
capital e trabalho, nos caso em que seja celebrado contrato, acordo ou convenção
coletiva de trabalho entre trabalhadores avulsos e tomadores de serviços (não
operadores portuários) (FENCCOVIB/FNP/FNE, 2013).

Pode-se notar nesse ponto como a luta nacional, mesmo fragmentada e em recuo,
conquistou legitimidade nos pleitos que definem a manutenção dos canais de representação do

71
Reiteramos que essa situação é variável, com portos onde a pressão sobre a mesma categoria tenha se dado
contra o porto público e Cia das Docas, com formas de flexibilização baseado na redução e contra a ampliação
da força de barganha da mesma, decorrente do aumento do contingente que surgiu com a crise dos mesmos
(MONIÉ; VIDAL, 2006).
186

corporativismo estatal no contexto da descentralização das atribuições do Estado. O ganho


para a classe trabalhadora é imenso com essa nova postura. Por um lado, porque enfatiza a
possibilidade de manutenção dos ganhos baseados nos acordos coletivos que permitem uma
revisão radical das formas de regulação do trabalho 72. Por outro lado, porque demanda e
sinaliza que os agentes públicos locais se responsabilizem quanto aos acordos efetuados com
os trabalhadores e operadores portuários.
Reiteramos que até 2008, em atas encontradas e ofícios trocados com entidades
governamentais e a ação civil pública a autoridade portuária interveio no sentido de demandar
uma resposta dos agentes privados e mesmo ameaçar com sanções, justificando-as como
ameaça a ordem do porto organizado (TRT,2008). Essa situação em nosso entendimento parte
da solidificação de uma postura que já vinha ocorrendo no porto de Itajaí, como
documentamos extensivamente no primeiro capítulo desta tese. Porém, agora ela legitima a
necessidade dos atores locais e trabalhadores serem solidários no sentido de responder as
ameaças ao porto público e as práticas de privatização da infraestrutura portuária.
É nesse mesmo movimento que, anteriormente, a pressão dos empresários e OGMO
inviabilizava uma estratégia permanente entre os sindicatos para eles mesmos definirem as
atribuições de cada sindicato numa frente única de negociações e divisões do trabalho. A
situação dos portos no centro do sistema portuário, onde a presença da Cia Docas se faz mais
presente reflete essa postura com a quebra da ação entre as capatazias em nível nacional, uma
vez que “tem porto que não fechou convenção coletiva” (sindicalista, 40 anos, capatazia).
Os pontos positivos prosseguem, demostrando uma confiança nas ações coletivas,
mesmo em tempos de grande ofensiva contra o trabalhador. São eles:

6. Aumentou a responsabilidade solidária do OGMO, incluindo aquela referente “às


indenizações decorrentes de acidente de trabalho”.

7. Foi resolvida a eterna polêmica sobre prescrição quanto ao ingresso dos TPAs à
justiça, ao ficar fixada que ela é quinquenal e não bienal com vinha sendo decidido
pela maioria das instâncias da Justiça do Trabalho.

8. Poderá ficar mais democratizada e participativa a atuação do OGMO, com a


mudança no sentido de que a composição do conselho de supervisão e de sua
diretoria executiva do OGMO, ficará sujeita a regulamentação

9. Foi incluída a “MULTIFUNCIONALIDADE”, como objeto de negociação.

10. Consagrou a garantia nas negociações coletivas de renda mínima prevista na


Convenção n 137 da OIT

72
Além da consolidação do status de avulso, de direitos sociais e da determinação do caráter público do trabalho
dos TPAs em porto organizado, como veremos em seguida.
187

11. Reconhecimento dos trabalhadores de estiva, CAPATAZIA, conferência,


conserto, vigilância e bloco, como integrantes de categoria profissional diferenciada
em qualquer modalidade de contratação (ou seja: como avulsos ou com vínculo
empregatício, dentro ou fora do porto organizado quem negocia são os nossos
sindicatos).

12. Concessão de benefício assistencial mensal, de até um salário mínimo, aos


trabalhadores portuários avulsos, com mais de 60 anos, que não cumprirem os
requisitos para a aquisição das modalidades de aposentadoria previstas nos arts. 42,
48, 52 e 57 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991 e que não possuam meios para
prover a sua subsistência.

13. Possibilidade de solucionar os impasses com relação à concessão, pelo INSS, de


Aposentadoria Especial aos Trabalhadores Portuários Avulsos, através de um
regulamento especifico.

14. A proibição da locação de mão de obra sob o regime de trabalho temporário,


para as atividades de estiva, capatazia, conferência, conserto, vigilância e bloco
(FENCCOVIB/FNP/FNE, 2013).

O rodízio de trabalho é construído progressivamente como uma relação, que gera


autonomia, porque é “imposto”, reforçado pelo compromisso a todos os trabalhadores que
precisam agir em conjunto sobre novos mecanismos de ação sindical.
É nesse contexto que remetemos a plenária das Federações dos trabalhadores
portuários, FNE, FNP e Feconvibb de 2016. Um estivador de Itajaí intervém, logo após a
abertura da plenária: “Tão falando que tem que juntar as categorias para fechar as
convenções”. Ele prossegue e diz,

[...] está aqui o presidente do meu sindicato. Eu sou do sindicato da estiva, entrei em
1994, e vi ele definhar desde então. Não só da estiva. Não tem unicidade. Está aqui o
presidente do sindicato do bloco, do arrumador, dos consertadores, conferentes. Tá
todo mundo aqui. Fecha a convenção aqui, então. O patrão vai quebrar a cara, achas
que eles querem isso? É básico, é desde o império romano, é dividir para conquistar
(estivador-advogado, 40 anos).

O sindicalista busca arrefecer o ânimo da plateia, com um plenário nacional


assustado com a ofensiva sobre o mercado de trabalho. O destino dos portuários era o mais
oscilante possível, com portos vivendo uma situação favorável, mas, no caso de muitos, junto
com a oscilação das rotas marítimas, a pressão para adotar medidas restritivas ao trabalho. O
tema “defesa mercado de trabalho”, apesar de ser o tópico central da plenária, não se restringe
a isso e avança sobre: regulamentação do Porto Organizado, sua defesa em razão da ocupação
ilegal por portos privados, a pressão sofrida pelos empregadores por práticas ilegais de
contratação de trabalhadores por fora do OGMO.
Um murmúrio no fundo da plateia, clamando pelo Jesus (estivador) que há anos pede
por uma ação sindical direta e combativa:
188

A estiva é muito forte no WhatsApp, mas para exercer os direitos nada. [Aplausos e
risos]. No fundo da plateia um sindicalista da estiva de Vitória berra, isso mesmo
lutar é cair no pau [Todos aplaudem]. Então eu chamei a turma para ir lá do outro
lado do rio e a gente parar o terminal. Nada. Assim, acho que falo por todos que
aquele que não exerce os direitos não é digno de tê-los. Quem não luta pelo futuro
que quer tem que aceitar o futuro que vier. Faltou luta.

O presidente da Federação Nacional dos Estivadores, Wilson Ferreira, então diz à


plateia:

[...] uma coisa são as questões internas do sindicato. Tem que ter cuidado, porque
não dá para misturar com nosso tópico central. Não dá para discutir sobre o que não
tínhamos, não tinha acordo, a ação é do Ministério Público junto com a Portonave
[porto privado que retirou metade das cargas da cidade por 7 anos consecutivos], nós
vamos para onde? Estava “em cima do laço”, no limite. Se eu não tivesse assinado
não estaríamos discutindo isso, não.

A preocupação da base de Itajaí e da justificativa do sindicalista reflete primeiro a


ação possível naquele momento de lutas contra o porto privado. Uma ação que durou um mês
de atividades na cidade de Itajaí, e já analisadas nessa tese, com a formação de uma frente
com apoio jurídico, pressão contra a intenção da Portonave em contratar por fora do sindicato
e sistema OGMO.
Para um deles, sindicalista (conferente, 45 anos), “[...] a ideia era de que eles [FNE]
ficassem mais tempo, por 90 dias [refere-se à disputa com a Portonave em 2011], para que
fizessem mais pressão. Eles iam fazer uma contraproposta em trinta dias, mas foram embora”.
Outro sindicalista (estiva, 60 anos) diz: “[...] eu avisei, era para ter pego a oferta, os
trabalhadores iam ainda ficar inscritos pelo OGMO, o cadastro não ia embora. Mas a base não
quis”.
Ainda durante a plenária, o presidente da FNE retorna ao tema e diz sobre a questão
da Portonave; “[...] o ponto é o seguinte: não existe qualquer possibilidade de pedirmos a
unidade nacional da categoria com assuntos internos desse tipo […] que querem emergir
nesse momento”. Aqui ele faz referência à necessidade de retorno a uma posição mais
combativa, que posicione esse e outros problemas que enfrentam os portuários em geral, e não
somente a estiva, para uma nova frente.
Para Mario Teixeira, da Feconvibb, diz:

[...] infelizmente temos que retroceder, temos que voltar para o tempo da caverna. É
porrada. E convido para que a Federação se aproxime da Paranaguá. Porque se
falamos eles acham que estamos fazendo política. Tem que trazer o remédio dor,
mas se ele é amargo, na frente vai ser melhor.
189

O sindicalista avança, dando uma indireta à situação de que eles não terem feito o
suficiente para os trabalhadores de Itajaí:

Essa situação tem que ser lembrada pessoal, porque a CLT define questões mínimas:
jornadas, férias, ela define questões mínimas... e quando eles falam que é sempre a
partir disso, porque você faz negociação para avançar e não retroagir, daí se eles
falam que o negociado tem que ter preferência sobre o legislado. Daí o companheiro
não pode ir lá e negociar com o patrão, falar que a estiva, a capatazia vai dar
desconto, daí a gente tem isso que vocês tão vendo.

O contexto dessa fala reflete uma mudança do perfil do sindicalismo, que Ladosky e
Rodrigues (2015) consideram uma virada na orientação das lutas políticas das entidades
representativas desse campo. De um lado, o consenso promovido entre as Federações sobre
esses novos temas que surgiram na pauta sindical, a despeito de suas filiações políticas,
manteve a defesa dos seus associados em nível nacional, centralizando suas atuações nos
redutos com maior representatividade.
No entanto, com Galvão, Trópia e Marcelino (2013), vemos que em nenhuma central
há uma posição hegemônica contra a unicidade sindical e o fim das contribuições
compulsórias. O apoio unanime à unicidade e ao imposto sindical sugerem às autoras que os
esforços realizados até este momento sejam no sentido de adaptação da ação sindical à
estrutura oficial, e não do seu rompimento.
Uma explicação que, colocada sob o contexto das lutas políticas intersindicais e
governo, refere-se ao apoio da CUT - dominante desse campo, a posição de conciliação do
governo com o capital. Este fato corroborou com a imagem de que haveria uma necessidade
de se contemplar uma “[...] maior mobilização dos trabalhadores na defesa de suas demandas
e, principalmente, deixou de lado uma atividade mais voltada à organização dos trabalhadores
nos locais de trabalho” (LADOWSKY; RODRIGUES, 2015, p. 55). À pergunta dos autores
sobre a possível perda do protagonismo nas ruas sugerimos a ideia de que a resistência
promovida nos moldes do sindicalismo conhecido foi suficiente no contexto de desmonte de
diretos dentro dos portos porque, como vimos ela se adaptou a esse novo contexto. Esse é o
grande ponto de investida do sindicalismo portuário regional pós-Legislação no 12.815/13.
A fala de um sindicalista da FNP corrobora com essa ideia ao afirmar que “[...] o
predomínio do negociado em detrimento até mesmo da legislação de 1993 foi o que aconteceu
até a 12815/13”. Aqui, sua análise é situada no pano de fundo de que

[...] o Estado transferiu sua responsabilidade para iniciativa privada, a alternativa


nossa foi de inovar progressivamente com legislações que se encaminhassem para o
predomínio de acordos coletivos no âmbito privado, a luta de cada um vira um
precedente para ganharmos terreno (Eduardo Guterra, FNP).
190

Para o mesmo sindicalista,

[...] essa situação foi ruim porque o problema de cada um foi resolvido como:
Justiça né. Adiantou? Não, com o nosso pleito com os portos privados, né.
Apresentamos um caminho. Eles aqui são uma coisa, porque pegou o porto
organizado. Mas ele é outra em outros lugares, né, povo.

O ponto final do presidente da FNP é interessante porque ele reafirma que a unidade
não foi perdida:

[...] a aliança entre os sindicatos foi indispensável, a frente aconteceu forte entre
vocês mesmos porque se aqui a estiva melhorou um pouco, recentemente, foi a luta
deles com os irmãos. Foi a estiva de Itajaí amparando o pessoal de Imbituba, foi
Vitória dando apoio para a gestão do trabalho e responder aos desafios impostos
pelos armadores.

Os estivadores de Paranaguá vão ao encontro dessa fala, com o líder da estiva


dizendo que

[...] os problemas são os mesmos em todas as bases, igual em Paranaguá, aqui em


Itajaí e em Rio Grande. Lá em Paranaguá tá faltando responsabilidade [luta]. Se não
chamar a responsabilidade, vamos cair todos juntos. Conseguimos o serviço na
SOSPAR na porrada, é assim que eles nos ouvem. Sabemos que fomos falhos nas
lideranças, teve gente infiltrada lá. Mario, que mentiu para as bases. E se mente para
as bases o trabalhador não sabe. Acha que tá tudo certo na base. E descobrimos um
monte de roubalheira na nossa base (Sindicalista, estivador, Paranaguá).

Esse cenário nos permitiu – por toda a tese - explorar a ideia de que num contexto de
crescimento econômico, como o verificado até 2013, a proximidade entre a cúpula do
movimento sindical e o governo inibiu o confronto sistemático dos interesses das
organizações sindicais e dos trabalhadores por elas representados.
Isso não significou que houve uma perda de protagonismo, já que as frentes que o
sindicalismo enfrentara eram em três âmbitos: desenvolvimentista, renda e social. Vimos
detalhadamente os dois últimos âmbitos neste capítulo. Quanto a dimensão
desenvolvimentista, ela é especialmente enfatizada no que toca um plano programático de
ação sindical, da pactuação com a burguesia e o aprofundamento de uma agenda neoliberal
em termos de pagamento de dívida, o que aprofundou os conflitos com as frações contrárias à
CUT.
Essa situação permite-nos, a partir de a Galvão e Marcelino (2017) defender uma
virada cognitiva no plano sindical, no sentido de uma espécie de intervalo da ação mais
combativa e de seu retorno com a sustentação de estruturas corporativistas adaptadas a
realidade de privatização dos portos.
191

Essa situação nos ajuda a entender como os conflitos que surgem da política
desenvolvimentista estatal e de pacto de uma burguesia produtivista se dissolveu. E nesse
rastro dissipou-se as promessas de inclusão de trabalhadores que viam-se, ao menos
momentaneamente, contemplados com uma política de abertura dos portos e aumento de suas
rendas.
Esse caldo de crise política que marca os anos desde 2013 explica o acirramento do
conflito distributivo que fortaleceu a oposição ao governo e as críticas às políticas socialmente
progressistas por ele implementadas, como de um retorno das pautas críticas ao
neoliberalismo de 1990. No caso, a afinidade de interesses entre as vertentes políticas do
sindicalismo, que marca uma nova fase do sindicalismo nacional portuário, se dá em razão do
apoio da grande maioria do

[...] movimento sindical aos governos petistas; pela crescente participação das
centrais sindicais nas instituições estatais; por conquistas obtidas no plano
econômico; e pela retomada do ativismo grevista. As seis centrais sindicais
oficialmente reconhecidas, entre as quais as mais importantes são CUT e Força
Sindical (FS), apoiaram, até 2013, o governo de Dilma Rousseff. (GALVÃO;
MARCELINO, 2017, p. 87).

Esse quadro não garantiu as demandas dos trabalhadores, tampouco impedia a


implementação de políticas desfavoráveis aos trabalhadores. A complexidade se instala, as
afinidades de interesse escondem um processo novo – que buscamos retratar nesta tese - de
resposta a esse cenário de grande ofensiva contra os trabalhadores. O que não deixa de se
basear num histórico profundo de práticas contrárias às convenções coletivas estabelecidas
por eles e o porto de Itajaí, assim como de um aprendizado sobre as novas formas de ação
sindical.
192
193

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A proposta desta tese foi discutir a trajetória institucional das reformas que
acometeram nos portos brasileiros, com o estudo de caso do porto de Itajaí (SC). O exemplo
desse porto se destaca entre os diversos casos de precarização do trabalho e privatização dos
portos no país.
A reflexão inicialmente pautou-se pela análise da trajetória da reforma portuária nos
anos 1990 com o foco na primeira década dos anos 2000. Vimos como o Estado apresentou-se
como um ator protagonista para a indução de novas formas de regulação do mercado do
trabalho e fretes. Essa posição estatal mostrou-se num cenário de descentralização de suas
incumbências administrativas e executivas e da abertura comercial, o que demandou novos
entendimentos entre capital e trabalho.
O Estado se viu numa situação paradoxal: de um lado, buscou consolidar a natureza
monopolista do setor público. De outro, ao abrir esse mercado progressivamente se viu
emitindo novas legislações, no sentido de não restringir o potencial de investimentos para o
setor. Para que essa situação se prolongasse, fruto da desregulamentação do setor e dos
diversos problemas que acarretam em termos de coordenação das relações produtivas,
constatamos que o Estado buscou criar compensações, essas novas leis, para o empresariado
cooperar com essa agenda.
O protagonismo estatal, portanto, é marcado pela participação enquanto um dos
agentes que definiu uma área de disputas nesse espaço social. O prolongamento de novos
pareceres no campo do trabalho, com a demanda por direitos, respaldou na própria legislação
que regula os portos. Foi importante reconhecer que a relação com a propriedade portuária,
mesmo num contexto de privatização das estruturas públicas, foi marcada por contestações
que resultaram em respostas que inovaram nas relações do trabalho e na gestão dos portos.
Discutimos o impacto sobre as vias aquaviárias, com o caso da ocupação ilegal do
porto privado, Portonave. Sua ação de ocupação em terreno de porto organizado resultou em
penalizações econômicas ao porto público, uma vez que o não pagamento de taxas pelo
primeiro para a manutenção dessa infraestrutura atrasou consideravelmente a entrada de
novos navios em seu recinto. A ocupação ilegal desse espaço resultou também na ocupação
desordenada de áreas adjacentes às cidades de Itajaí e Navegantes e da contaminação de
mananciais e estuários.
194

A noção de privatização aqui discutida parte desse interesse em entender como as


formas de ocupação de portos com estrutura mediana – como Suape (CE), Pecém (CE), Rio
Grande (RS) e Itapoá (SC) - fez com que alcançassem relevância econômica e política sem
precedentes na história recente dos portos nacionais. A expectativa foi, com o exemplo desse
estudo de caso, encontrar ameaças comuns a outros portos e explicar como o destino de
muitos deles está associado as estruturas políticas e econômicas que deles fazem parte. Em
especial, dos trabalhadores que encontrando a oportunidade e os meios para agir podem
responder a altura desses desafios.
Por exemplo, marcamos em nossa narrativa como a pressão por espaço de
armazenamento tensionou as expectativas dos atores econômicos nos portos, com o porto
público agindo ora vezes de maneira ilegal, subtraindo-se de sua obrigação de atender
pequenos proprietários de cargas e tradings locais, ora impedindo cargas de desembarcarem
no porto privado.
Vimos um aprendizado intempestivo nos portos da periferia do sistema nacional. A
autoridade portuária de Itajaí aprendeu rapidamente que contra a lógica em curso de
privatização dos portos, a luta por maior autonomia na gestão dos portos dependeria de suas
alianças com os trabalhadores, os quais não aceitaram esse processo de privatização de
maneira pacífica. Como resultado dessa luta, progressivamente, conferiu-se a esses atores
mecanismos de representação e concentração de seus interesses, estimulando-os a agirem em
múltiplas frentes em defesa do trabalho e do porto de Itajaí.
Ao governo local, em troca dessa postura de defesa aos trabalhadores, pôde construir
melhor sua resposta de contenção a privatização em curso. O aprendizado local de
trabalhadores e autoridade portuária, nesse contexto, envolveu diversas formas de ação: 1)
contra a intensificação da exploração do trabalho e inúmeras formas de subcontratação e
ilegalismo; 2) contra a intensificação da exploração do território portuário, com a área do
porto organizado tornando-se objeto de investimento das lutas políticas em vista de sua
ocupação ilegal e, por fim, 3) a favor de novas formas de estivagem, que refletem a
transformação dos portos e a pressão de áreas adjacentes para o aumento do giro e do uso de
novas formas de trabalho.
Nesse processo complexo de inúmeras perdas, que documentamos nesta tese, as
poucas vitórias que se somaram refletiram contra as rendas que foram capturadas pelo porto
privado, as quais foram contestadas pela autoridade portuária e trabalhadores. Defendemos
que fruto dessas pequenas vitórias que se acumularam, uma resposta singular surgiu em Itajaí:
sua área de influência enquanto porto ampliou-se consideravelmente depois de anos de crise,
195

reavendo um equilíbrio entre ambos os portos em termos de contratação de trabalhadores, de


direitos contra a flexibilização e da definição das obrigações dos portos frente ao Porto
Organizado.
Pomos em tela que as inovações organizacionais estatais surgiram como fruto das
lutas regionais portuárias, as quais dependeram de alianças locais com atores políticos e
econômicos relevantes. Acima de tudo, as mesmas estiveram apoiadas no interesse que os
trabalhadores precisaram ativamente em moldar o sentido das reformas em nível local e
regional. Um resultado disso foi uma mudança na cultura do trabalho e da ação sindical
porque, como discorremos nos capítulos 1, 2 e 3, a Legislação n o 8.630/93 intensificou o
processo de liberalização do mercado de trabalho e pouco acrescentou com as antigas formas
de ação sindical.
Com a reforma portuária avançando no século XXI, um trabalho portuário mais
especializado foi demandado pelo empresariado. O trabalhador, em recuo com os processos
de enxugamento, precisou de bons argumentos para contra-atacar. Estes foram os novos
apoios institucionais, com novas legislações, resoluções e novas jurisprudências construídas
em nível nacional e apropriadas para as lutas locais, regionais e nacionais suscitando a
transformação das estruturas políticas que regem as relações corporativistas portuárias.
O entendimento da nova jurisprudência e dos novos mecanismos de intervenção local
acumulados, nos anos 2000, foi o de realçar os acordos coletivos como meio de legitimar os
pleitos dos sindicatos e as demandas de racionalização da atividade portuária, que somente
foram efetivados pela luta sindical.
Novos incentivos para agir em conjunto, com novos trabalhadores deixados à
margem do processo de modernização, vieram especialmente da capatazia propondo novas
formas de organização do trabalho para os estivadores. É desse modo que registramos uma
alteração na cultura operária portuária por todo o período de nossa análise. Progressivamente,
a principal preocupação do movimento sindical, fragmentado e regionalizado, era da
manutenção da reserva de mercado portuário.
Com os avanços da reforma em nível regional e de seus efeitos analisados, os
sindicatos precisaram se aproximar uns aos outros, acionando a solidariedade e as
experiências acumuladas em direção a novas propostas para a reinvenção do próprio processo
de trabalho e do lugar dos sindicatos na partilha e distribuição do mesmo.
Logo, com as mudanças na lógica de distribuição do trabalho deduzimos todo um
processo de construção de solidariedade intersindical. Esta se mostrou responsiva às
demandas empresariais, portanto, interrompendo a interferência deste ator sobre a
196

organização e autonomia do sindicato. A cultura portuária foi ressignificada nesse processo,


trazendo a combatividade notória para o plano das múltiplas frentes que extrapolam a vida
portuária num contexto de reformas deste setor.
Discutimos detalhadamente como inovações na legislação precisaram ser
incorporadas no plano local, trazendo trabalhadores da capatazia e conferentes - com a
Federação Nacional dos Portuários apoiando-os - como agentes que induziram novos planos
de ação para essa nova realidade política. Alterou-se a lógica do rodízio, incorporando uma
dinâmica mais horizontal aos outros trabalhadores na margem da vida produtiva.
Por fim, sugerimos investigações que avancem com comparações de portos vizinhos,
em suas macrorregiões de origem. Entender como a relação com estruturas políticas mais
descentralizadas podem favorecer a luta dos trabalhadores é indispensável para esse avanço
nas pesquisas do setor. Isto porque inúmeros portos não tiveram tanto sucesso – como em
Itajaí – em termos de instituições mais democráticas e de mecanismos que favorecessem os
trabalhadores, e mesmo assim se apropriaram das lutas nacionais e das vitórias que se situam
em Itajaí para a sua realidade.
197

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de 24 de julho de 1991; revoga as Leis nº 8.630, de 25 de fevereiro de 1993, e 11.610, de 12
de dezembro de 2007, e dispositivos das Leis nº 11.314, de 3 de julho de 2006, e 11.518, de 5
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oficio nº 7/2003. sindicato dos conferentes


206
207

GLOSSÁRIO

Agência Nacional de Transportes Aquaviários (ANTAQ): criada pela Lei n° 10.233, de 5


de junho de 2001. É uma agência reguladora, vinculada ao Ministério dos Transportes. Tem
por finalidade regular, supervisionar e fiscalizar as atividades de prestação de serviços de
transporte e de exploração da infraestrutura portuária e aquaviária.

Armadores: são pessoas físicas ou jurídicas que ofertam embarcações com fins comerciais,
pondo-a em condição de navegabilidade, isso é, dotam a embarcação de tripulação e de
equipamentos necessários à operação. O armador geralmente é o proprietário da embarcação.

Autoridade Portuária: É a administração de um porto exercida diretamente pela União ou


pela entidade concessionária do porto organizado. De acordo com a Lei 8630/93, compete à
Administração do Porto, dentro dos limites da área do porto, entre outros: pré-qualificar os
operadores portuários; fixar os valores e arrecadar a tarifa portuária; fiscalizar a execução ou
executar as obras de construção, reforma, ampliação, melhoramento e conservação das
instalações portuárias, e estabelecer o horário de funcionamento no porto, bem como as
jornadas de trabalho no cais de uso público.

Berço: Ponto de atracação das embarcações no cais.

Bloco: Constituía-se na atividade de limpeza e conservação de embarcações mercantes e de


seus tanques, incluindo batimento de ferrugem44, pintura, reparos de pequena monta e
serviços correlatos. Hoje, essa categoria se encontra inserida no sindicato dos estivadores
executando as mesmas atividades que estes.

Cais: parte do porto onde atracam as embarcações.

Calado: profundidade em que cada navio está submerso na água. Tecnicamente é a distância
da lâmina de água até a quilha do navio.

Canal de acesso: Canal que liga o alto-mar com as instalações portuárias, podendo ser natural
ou artificial.

Capatazia: É a atividade de movimentação de mercadorias nas instalações portuárias,


compreendendo o recebimento, conferência, transporte interno, abertura de volumes para
conferência aduaneira. Profissional que trabalha fora do navio. Faz a lingada (engate da
mercadoria a ser içada pelo guindaste

Conferencia de carga: É a contagem de volumes, anotação de suas características (espécie,


peso, número, marcas e contramarcas), procedência ou destino, a verificação do estado das
mercadorias, assistência à pesagem, conferência do manifesto. Esse sindicato estivera até
recentemente inscrito no sindicato dos arrumadores. E com a lei 12.815 de 2013 retoma sua
autonomia sindical perdida.

Conselho de Autoridade Portuária (CAP): Atua, juntamente com as Autoridades


Portuárias, nas questões de desenvolvimento da atividade, promoção da competição, proteção
do meio ambiente e de formação dos preços dos serviços portuários e seu desempenho. Essa
função reguladora dos CAPs passou a ser exercida com a Lei n° 8.630/93.
208

Estiva: É a atividade de movimentação de mercadorias nos conveses ou nos porões


das embarcações principais ou auxiliares, incluindo o transbordo26, arrumação da
carga, peação e despeação2, bem como o carregamento e a descarga das mesmas,
quando realizadas com equipamentos de bordo. É o trabalho executado nos navios.

Porto organizado: É o porto construído e aparelhado para atender às necessidades da


navegação e da movimentação e armazenagem de mercadorias, concedido ou explorado pela
União, e que está sob a circunscrição de uma autoridade portuária. Além disso, ele
compreende instalações portuárias como ancoradouros , docas , cais , pontes e píer de
atracação, armazéns, edificações e vias de circulação interna, bem como de infraestrutura para
proteção acesso aquaviário como guias-correntes, quebra-mares, eclusas , canais, bacias de
evolução.
209

ANEXO A - ROTEIRO DE ENTREVISTA

1) Pensaram em fechar datas-bases com outros sindicatos da região?


2) O que é um bom acordo coletivo? Quando foi a última data-base? Como vocês avaliam a
produtividade por terno? Existe alguma diferença entre a lista nacional e estrangeira. Entre as
duas qual é mais cobrado para o serviço ser entregue depressa, a despeito de custo, de terno e
taxas?
3) Nesse sentido, existiu alguma mudança com a entrada de novos portos e da ameaça de fuga
de navios?
4) As paralisações desde o ano 2000, 2006 e 2011 surtiram efeito esperado para força o
empregador a negociar?
5) Quais são as diferenças entre os trabalhadores avulsos e vinculados para a organização do
trabalho e ação sindical? Representam vinculados?
6) Vocês proporam alguma alteração no modelo de gestão do sindicato por conta própria para
implementar a multifuncionalidade? Por exemplo, transferência de trabalhadores e do imposto
sindical para o sindicato que cede o trabalho?
7) O que estava na agenda política do sindicato e Federação que representa vocês, entre 2000-
2010? Como ela se aplicava ao cenário de negociação, relação com o governo e estratégia de
luta?
8) Luta pela exclusividade do trabalho deu certo ou vocês utilizam outras formas de
distribuição do trabalho?

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