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Admita que, sendo já solicitador(a), é contactado(a) por João Leva Cruz,

casado com Catarina Raios sem convenção antenupcial desde 2008, com
quem tem 8 filhos, e que lhe expõe a seguinte situação:

Em janeiro de 1997, por acordo verbal com Rui e Josefa Safados Pintas,
residentes em Bragança, casados entre si no regime de comunhão de
adquiridos desde 2000, João comprou a Rui uma vivenda com terreno, sito
na freguesia de Freixo de Espada à Cinta, que na presente data tem um valor
patrimonial tributável de 100.000 euros.

João conhecia este casal desde infância e até à data do negócio eram amigos
muito chegados. Por isso, foi com surpresa que há 6 meses atrás soube que
o casal se encontrava em grandes dificuldades económicas, por viverem
muito acima das suas possibilidades e acumulando avultadas dívidas.

João lembrou-se, então, de pedir uma certidão de registo predial referente


ao prédio que adquiriu a Rui, tendo sido confrontado com o facto de o
mesmo se encontrar ainda registado em nome daquele.

Até à presente data João estava convicto de que o imóvel se encontrava


registado em seu nome, até porque sempre efetuou o pagamento de todos
os impostos referentes ao mesmo e sempre o utilizou para habitação própria
e permanente, sendo através do cultivo de mirtilos e tomates no logradouro
da casa que retira a sua única fonte de rendimentos.

De imediato, João contactou Rui no sentido de regularizar esta situação, o


que este desde logo recusou. Invoca, designadamente, que nem se recorda
de lhe ter vendido o que quer que seja.

Ao ouvir isto, João sofreu um colapso nervoso e ficou incapacitado para o


trabalho por um período de 15 dias.
Por tal motivo, deixou de poder trabalhar, o que resultou na perda de toda
a cultura de tomates, que secaram por falta de rega.

João não se conforma com esta situação, pretendendo que o ajude a resolver
estas questões, designadamente quanto ao registo predial, a seu favor, da
aquisição do terreno em causa, bem como o ressarcimento pelos danos que
sofreu na sequência do seu colapso nervoso, e que se traduziram no prejuízo
de 4.800 euros pela perda da cultura de tomates.

Na reunião tida para o efeito, João entrega-lhe os únicos documentos que


tem em seu poder quanto ao contrato de compra e venda do imóvel e que
são o recibo da quantia que pagou no valor de 50.000 euros, bem como a
caderneta predial que Rui na altura lhe entregou.

1.ª ETAPA:

a) Admitindo que, na sequência do contacto de João, Rui e Josefa


ponderam melhor e prontificam-se a colaborar na resolução deste
assunto, identifique e descreva o meio e os trâmites adequados ao
registo de aquisição do terreno a favor do seu cliente.
Todos os dias no nosso país se formalizam contratos de compra e venda, quer seja de
bens moveis sujeitos a registo ou não, ou bens imoveis. Quer em uma situação ou outra,
tem que ser celebrado um contrato, pelo que difere quando à formalidade do mesmo,
sendo reduzidos a escrito no caso de por exemplo bens imoveis ou moveis sujeitos a
registo, ou forma verbal no caso de bens moveis.
No presente caso, estamos perante uma situação em que há uma compra e venda de
um bem imóvel, estando este negocio jurídico obrigado à sua celebração sob uma forma
mais solene (redução a escrito). Havendo acordo das partes para a titulação de tal ato,
devemos basearmo-nos na lei civil, mais concretamente nos artigos 874º e seguintes do
CC. Com base no artigo atras referenciado, a compra e venda é um negocio jurídico
através do qual se transmite a propriedade de uma coisa mediante um preço. Contudo,
tal como já referimos, uma vez que há transmissão de um imóvel, este tem que
respeitar o disposto no artigo 875º CC, sendo que o contrato tem que ser celebrado
mediante Escritura Publica ou DPA, para que seja considerado valido, não se aplicando
a liberdade de forma preceituado no artigo 219º CC. O presente contrato é um contrato
oneroso que se insere no disposto do artigo 408º, nº1 CC, tratando-se então de uma
transferência de um direito real sobre uma coisa determinada (imóvel), por mero efeito
do contrato. Se o contrato não for reduzido a escrito, está vigente um vicio de forma,
sendo o mesmo considerado invalido perante a lei.
Por fim, relativamente à questão de tal caso ser patrocinado por um Solicitador, trata-
se de um dos atos de competência dos Advogados e dos Solicitadores, pelo que ao abrigo
do artigo 24º do DL 116/2008 de 4 de julho , o ato pode ser titulado por um Solicitador
devendo ser feito por DPA, devendo respeitar a legalidade do referido documento,
sendo a sua redação conjugada com o artigo atras referenciado e as disposições do
código de notariado, mais concretamente no artigo 150º e seguintes do código de
notariado.
Deste modo, o DPA é exarado e assinado pelas partes, pelo que o Solicitador poderá ou
não o exarar. Contudo é aconselhável que na qualidade de profissional sensível e
habilitado, exerça a sua função de técnico-jurídico pelo que o correto será este redigir
o documento, explicando o seu conteúdo no final às partes, de modo a que elas
confiram se expressa a sua vontade e posteriormente procedam a sua assinatura.
Podemos então concluir que o solicitador pode titular na qualidade de profissional
habilitado para tal, titular tal ato.

b) Diga se, na sequência dos atos identificados na alínea anterior, há


lugar ao cumprimento de obrigações fiscais e, em caso afirmativo, por
quem e em que prazo devem as mesmas ser cumpridas.

A celebração de um contrato de compra e venda de um imóvel acarretam o pagamento


de impostos resultantes do negocio jurídico em causa. Os impostos a aplicar seria o
imposto de selo e o imposto municipal sobre transmissões onerosas de imoveis.

O imposto de selo incide sobre o valor que consta no contrato, ou sobre o valor
patrimonial tributário, ou seja, 100000€, consoante aquele que for maior. No caso de
a aquisição ser onerosa (o que se verifica) aplica-se a taxa de 0.8% sobre o valor. O
mesmo verificar-se-ia se fosse uma doação. No caso de aquisição gratuita de bens, como
por exemplo usucapião, aplica-se a taxa de 10% sobre o valor.

O IMT incide sobre as transmissões a título oneroso, do direito de propriedade sobre


imoveis como o próprio nome indica. O IMT é também calculado sobre o valor que
consta no contrato ou sobre o VPT, consoante aquele for maior.

O imposto a pagar no presente caso irá ser:

-Imposto de selo:

O código de IS (Lei 150/99 de 11 de setembro), no seu artigo 1º, nº1 vem a regular que
o referido imposto se aplica a todos os atos, documentos, títulos, papeis e outros facto
ou situação jurídica previsto na tabela geral, ou seja, o contrato de compra e venda. O
valor tributável do imóvel vai ser aferido com respeito pelo disposto no artigo 13º, nº4
CIS, observando-se as regras previstas no CIMT para as transmissões onerosas. Para
determinação da taxa de imposto0 a aplicar, com base no artigo 22º, nº1 CIS, aplicamos
a taxa constante na tabela geral. Com base na tabela geral, iremos aplicar a verba 1.1,
ou seja, a taxa de 0.8% que irá incidir sobre os 100000€ respeitantes ao VPT que ascende
à quantia de 800€. Neste caso ira ser sujeito passivo de imposto o Notário ou a entidade
autenticadora (solicitador) do DPA, artigo 2º, nº1, a) CIS. O encargo do imposto diz
respeito aquele que tem interesse económico, ou seja, João, artigo 3º, nº1 CIS.

-IMT

Tal como já referimos há ainda lugar ao pagamento de IMT. O IMT incide sobre as
transmissões a título oneroso, do direito de propriedade ou figuras parcelares desse
direito, sobre bens imoveis legalizados a nível nacional, artigo 2º, nº1 CIMT. À
semelhança de que se verifica no IS, o valor tributável do IMT irá ser o valor contante
do contrato ou do VPT consoante aquele que for maior, artigo 12º, nº1 CIMT. O IMT irá
ser devido por João, pois ao abrigo do artigo 4º, nº1 vem a regular que o imposto é
devido pelo adquirente pelo que é devido a partir do momento em que se verificar a
transmissão do imóvel, artigo 5º, nº2 CIMT.

Para calculo do valor a pagar, temos que ter em conta que o imóvel em causa se destina
à habitação própria e permanente, aplicando-se então o artigo 17º, nº1, a) CIMT, sendo
devido a taxa marginal de 2 a media de 0,5379 pois o valor do imóvel está entre 92407
e 126403(100000€) o que ascende à quantia de 151,86€. Se o valor do imóvel fosse
92607€ ou inferior, gozava da isenção prevista no artigo 9º CIMT. João deveria proceder
à liquidação do imposto, sendo da sua iniciativa, devendo apresentar em qualquer
serviço das finanças ou online e respetiva declaração, devidamente preenchidas, artigo
19º, nº1 CIMT.

Cálculo IMT:

100000x0.02-1848.14(percentagem a abater na tabela) = 151.86€

2.ª ETAPA:
Tendo em conta a situação descrita e agora a falta de colaboração de Rui na
resolução desta situação quanto ao registo de aquisição do terreno a favor
de João, como o aconselharia a atuar, considerando todas as hipóteses de
resolução, por via judicial e extrajudicial.
Descreva a tramitação e os documentos necessários à implementação das
soluções que propõem.
No presente caso, está vigente uma implicação para uma celebração do negocio jurídico de uma
forma mais solene, devendo este ser reduzido a escrito, artigo 875º CC, pelo que se não
respeitar tal requisito, ira estar presente um vicio de forma, sendo tal ato considerado nulo nos
termos do artigo 220º do código civil.
João adquire o imóvel em causa em 1997 pelo que este passa a ser considerado possuidor do
imóvel, tal como preceituado no artigo 251º CC. A posso pode ser titulado ou não titulada, de
boa ou má fé, pacifica ou violenta, publica ou oculta, artigo 1258º CC. Com base nos dados
fornecidos, a posse de João é consensualmente uma posse titulada, de boa fé, pacifica e
pública. É uma posse titulada porque se trata de uma posse fundada em qualquer modo legitimo
de adquirir; de boa fé porque não era do conhecimento de João que lesava um direito de um
terceiro, artigo 1260º CC, nº1 e por fim publica, uma vez que foi exercida de modo a poder ser
do conhecimento de todos os possíveis interessados, artigo 1262º CC.
João adquires a posse mediante pratica reiterada, com publicidade, doas atos materiais
correspondentes ao exercício do direito pela tradição material da coisa, efetuada pelo anterior
possuidor (Rui), artigo 1263º, al. A) e B) do CC. A posse presume-se a partir da data do acordo
verbal estabelecido entre as partes, ou seja, 1997, tal como previsto no artigo 1254º, nº2 CC.
Dado que João já detém a posse há 15 anos, é lícito admitir que este pode adquirir o bem com
recurso à figura da usucapião, artigo 1296º CC, uma vez que se trata de posse de boa fé. Está
então presente o dito animus donandi, uma vez que João agiu como se fosse o proprietário, o
que ao abrigo do artigo 1287º CC, faculta ao possuidor a aquisição do direito a cujo exercício
corresponde a sua atuação, sendo denominado de usucapião. Pode-se obter de duas formas,
por via judicial, ou via extrajudicial.
Através da via extrajudicial, João, dispunha de duas alternativas: justificação relativas ao trato
sucessivo, preceituada no artigo 116º e seguintes do CRP; ou através da justificação notarial
regulada no Código de Notariado (CN). A primeira opção trata-se de um processo de justificação
que decorre na conservatória do registo predial, tratando-se de uma justificação de direitos. O
seu pedido é feito nos termos do artigo 117º B, pelo que terá que respeitar todos os requisitos
legais preceituados até ao artigo 117º H do CRPredial. Ainda relativamente à resolução do
problema através dos meios extrajudiciais, podíamos ainda tal como já referimos recorrer à
justificação notarial prevista no artigo 89º e seguintes do CN. Para o prosseguimento de tal
justificação, teria que ser respeitado o nº de declarantes previstos no artigo 96º CN, bem como
que ser feita a juncão dos documentos do artigo 98º CN.
Quanto à resolução de tal situação com recurso a via judicial, aquilo que podia João optar seria
pela instauração de uma Acão declarativa contra Rui e o seu cônjuge. Com base no artigo 10º
do CPCivil, uma vez que o objetivo é verificar-se uma mudança na ordem jurídica de um
determinado bem, a ação a instaurar seria uma Acão declarativa constitutiva, artigo 10º, nº3,
al. E) do CPC. A referida ação seguira a forma de processo comum, nos termos do artigo 546º,
nº1 CPC, uma vez que a situação em concreto não se insere em nenhuma das situações do artigo
878º e 986º CPC. Uma vez que o caso em apreciação exige que tal ação seja proposta não só
contra Rui, mas também contra o seu cônjuge, pelo que estes figuram como interessados, o
processo teria que ser intentado em litisconsórcio necessário, nos termos do artigo 33º, nº1 do
CPC. É consensual admitir que tal ação teria como finalidade a aquisição do direito de
propriedade por usucapião, provocando uma clara extinção do direito de propriedade de Rui e
Josefa, que inicialmente lhes pertencia.
Se eventualmente for instaurada ação contra João, este pode defender-se mediante invocação
de exceção perentória nos termos do artigo 576º, nº3 CPC, pois João irá invocar factos que
extinguem o efeito jurídico invocado pelo autor, com base na conjugação com o artigo 792º,
nº1 CPC.
Podemos então concluir que João dispunha de duas formas distintas de resolução de tal
situação, cabendo-lhe a si a decisão do recurso aos tribunais ou não. Contudo, quer uma
situação, quer em outra há lugar ao pagamento de Imposto de Selo, pelo que, não obstante de
se tratar de uma aquisição originaria fundada em usucapião, é devido o respetivo imposto com
base no artigo 1º, nº3 CIS, devendo ser liquidado pelo titular do interesse económico, ou seja,
João, artigo 3º, nº1 CIS. O IS irá ter o valor de 10000€, com base na aplicação da taxa de 10%
regulada na verba 1.2 da Tabela Geral do IS.

3.ª ETAPA:

Considere agora que João pretende também exigir de Rui o valor dos
prejuízos que sofreu na sequência da recusa deste em colaborar na
regularização do registo de aquisição do prédio a seu favor e que, perante o
seu estado de choque face a esta recusa, se traduziu na incapacidade para
o trabalho e, em consequência, na perda de toda a cultura de tomate, cujo
valor ascende a
4.800 euros.

a) Pronuncie-se quanto à viabilidade da pretensão de João.


Com base nos dados fornecidos, a pretensão de João insere-se no artigo 483º CC. O
artigo atras mencionado prevê que aquele que com dolo ou mera culpa, viole
ilicitamente o direito de outrem fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos
resultantes da violação, nº1 do artigo 483º CC. O nº2 do mesmo artigo prevê que só há
obrigação de indemnizar independentemente da culpa, nos casos previstos na lei para
que haja obrigação de indemnizar tem que se verificar:

-Facto voluntario por ação ou omissão;

- Ilicitude;

-Culpa;

-Dano;

- Nexo de causalidade entre o facto e o dano;

No caso em concreto não se verifica o último pressuposto pois o facto que João invoca
não é logico na produção de tais efeitos, pelo que deveria aconselhar-se João no sentido
de não prosseguir como a sua pretensão, pois não há lugar ao pagamento de
indeminização.

A verificar-se a licitude do pagamento de indeminização, a ação teria que ser proposta


no prazo de 3 anos pois findo esse período o direito prescreve, artigo 498º, nº1 CC.

b) Independentemente da resposta dada na alínea anterior, diga se, na


qualidade de solicitador(a), pode patrocinar João na ação a propor e
identifique o tipo de ação a intentar quanto ao fim e quanto à forma
do processo aplicável, qual o pedido e a causa de pedir, quem são as
partes legítimas desta ação e qual o tribunal territorialmente
competente.
Para ser possível ser dada uma resposta relativa à licitude de o patrocínio de um
solicitador em uma determinada ação, temos que verificar desde logo o valor da
mesma, pelo que desde que não exceda a alçada dos Tribunais de 1ª instancia, ou seja,
5000€ não há qualquer impedimento no patrocínio, artigo 44º, nº1 da Lei 62/2013 de
26 de agosto. Uma vez que a ação em causa tem o valor de 4800€, pode ser patrocinada
pelo Solicitador pelo que é obrigatória a constituição de mandatário nos termos do
artigo 40º, nº1, a) CPC, não se enquadrando em nenhuma das situações do artigo
629º.nº2 e 3 CPC, sendo admissível recurso ordinário nos termos do nº1 do artigo atras
citado.
A ação a instaurar nos termos do artigo 10º, nº3, b) CPC, seria uma ação declarativa de
condenação uma vez que se tem em vista exigir a prestação de uma coisa, pressupondo
a violação de uma coisa, pressupondo a violação de um direito, ou seja, a causa de
pedir seria o choque que já sofreu face a recusa de Rui e Josefa comparticipar na
resolução do problema. A forma de processo seria a forma única, regulada no artigo
548º, nº1 CPC.
No presente caso o autor seria João e os réus seriam Rui e o seu cônjuge, pelo que o
Tribunal com competência para tal ação, com base no artigo 71º, nº2 CPC é o tribunal
do domicílio do reu, podendo o autor optar pelo tribunal do lugar em que a obrigação
deveria ser cumprida.

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