Guarapuava/PR, 2007
Temos uma grande facilidade em admitir que outrem saiba algo que não
sabemos, mas temos, por outro lado, grande dificuldade em dizer que outrem
seja um sábio. Assim ocorre, pois o grau de dissociação entre um conhecimento
e a vida individual pode ser muito grande a depender do tipo de conhecimento.
Um sujeito pode, por exemplo, compreender a ciência física perfeitamente, mas,
nos demais campos da vida, ser desonesto, imbecil. É desta concepção abstrata
de sábio que surge todo um movimento filosófico na Grécia. A filosofia surge
como uma tentativa, uma busca, para encontrar os meios de atingir esta
sabedoria. Se o objetivo não estiver claro, os meios pelos quais se tenta atingi-lo
também não serão claros.
Esta idéia de objetivos e meios, aliás, também é uma das notas ou dimensões da
idéia de sábio. O que é um excelente nadador, que seria um sophos da natação
entre os gregos? É o sujeito que sabe perfeitamente qual o propósito daquela
atividade, seu objetivo, e que conhece e possui os meios para exercê-lo. A idéia
de subordinar uma série de atos a um único propósito total está incluída na
idéia de qualquer técnica. Este propósito, nas técnicas, serve como princípio
primeiro. Se não se sabe qual é o propósito último de determinada técnica, não
se terá a idéia do que se faz, de como se faz. Este propósito tem dois aspectos:
um aspecto concreto, que é aquele que o sujeito pretende realizar
concretamente, no caso do nadador, vencer as competições, ou do mecânico,
fazer um carro funcionar, e outro aspecto, que é a idéia geral do propósito. Na
mente do mecânico, por exemplo, existe uma noção do carro em perfeita
operação. Existe, em sua mente, como que uma imagem estrutural de todas as
transmissões e mudanças de energia desde o combustível ao andar do carro. Ele
tem conhecimento de todo este processo e sabe que, se o carro quebra, alguma
daquelas etapas componentes do carro falhou. Esta idéia do carro em perfeita
operação é o princípio primeiro da arte da mecânica; o propósito da arte da
mecânica só pode ser alcançado quando um sujeito faz com que um
determinado carro concreto seja uma imagem fiel desta imagem estrutural que
ele tem na mente. Entender uma técnica é, assim, entender duas coisas:
primeiro, é entender a idéia que é o princípio primeiro de determinada arte e,
em segundo, compreender os meios pelo qual aquela idéia realiza-se
completamente, compreendendo, deste modo, os propósitos daquela arte. Isto
foi feito, de certo modo, pelos primeiros filósofos gregos, quando chegaram à
conclusão de que um sábio é o sujeito que compreende, em primeiro lugar, duas
coisas: qual o primeiro princípio da vida humana e, segundo, qual o seu
propósito. Uma vez compreendido o primeiro princípio e o propósito, o
indivíduo deve aprender quais são as acções concretas que conduzem à
realização deste propósito.
- A cosmovisão grega
Os gregos, assim como todos os povos normais, tinham na sua cosmovisão uma
característica: a realidade dividia-se em dois planos. Existia o plano dos deuses
e o plano dos homens, mesma noção presente na quase totalidade dos povos
humanos ao longo da História. Para a imensa maior parte das pessoas de nossa
cultura, existem dois planos na realidade, a saber, o Paraíso e a Terra, a vida no
Paraíso e a vida na Terra. Apensar de não termos os mesmos deuses que os
gregos, temos a mesma noção da realidade transcendente. A maioria dos povos
explica que a realidade é composta de dois tipos de coisas. Segundo os gregos, a
vida dos deuses era perfeita e nunca problemática, ao contrário da vida humana.
Como todos os povos, os gregos também possuíam meios de ligar as duas
realidades, através dos ritos. Fazer uma cerca, por exemplo, requeria uma
maneira correta, ritual, de fazê-la, de acordo com o deus da cerca, que faria com
que, de fato, a cerca protegesse o quintal, atingisse sua finalidade.
Por fim, chegam dois pensadores que expressam, de modo mais claro, o seu
pensamento acerca o princípio primeiro, e eles não cunham um novo termo,
mas passam a usar um termo conhecido em um outro sentido. Estes dois
pensadores são Parmênides e Heráclito, que serão os avôs, os patriarcas, da
filosofia tal qual a conhecemos. Ambos tinham em comum o fato de terem
ambos, dito que o princípio de todas as coisas seria o ser. Eles pegaram uma
palavra, cujo sentido é muito geral, e deram a ela um significado puramente
abstrato. O primeiro termo abstrato da filosofia é ser. O problema é que ambos
tinham uma visão completamente opostas a respeito do que seria este ser Ao
descrever este princípio primeiro, ambos descreviam o contrário do que o outro
descrevia, cujo ponto central é a imutabilidade e mutabilidade do ser,
respectivamente. Estes dois pensadores eram extremamente radicais nas suas
concepções. Tudo o que existia, para eles, reduzia-se, em última análise àqueles
princípios por eles defendidos. A idéia que ocorreu a eles é a idéia que permite a
existência da filosofia, tal qual a conhecemos.
Esta idéia de que se tem como princípio supremo, o ser, e como meio a reflexão
humana, não será colocada em xeque por quase 1800 anos. Somente no começo
do séc. XIV, final do séc. XIII, é que esta relação entre o refletir e o princípio
supremo é posta
em dúvida. Durante os primeiros 1600 anos, toda a filosofia é movida pela
paridade entre o ser e a inteligência, ou e possibilidade de comunicação entre o
ser e a inteligência.
Mas até então, até que os filósofos tenham chegado a uma conclusão acerca do
princípio supremo que orienta a filosofia, isso não era, ainda, suficiente para
fazer, da filosofia, uma forma de vida comunicável, visto que os primeiros
filósofos, como Parmênides e Heráclito, tinham hábitos, viviam de uma forma
mais similar à dos antigos místicos da Antigüidade, o que os diferenciava muito
da vida comum grega, dos modos de uma vida trivial naquele período. E nessa
época, enquanto os grandes filósofos eram indivíduos com uma vida
maximamente estranha, a filosofia não poderia tornar-se um movimento que
tivesse uma influência concreta sobre a sociedade como um todo. A atividade, o
pensamento destes antigos filósofos influenciava a vida de seus discípulos
imediatos, mas ela não modificava em nada as estruturas da sociedade grega.
Por exemplo, Parmênides nunca fundou uma instituição educacional. As
pessoas iam até ele para aprender e dialogar. Nenhum deles pensou em fundar
uma escola para que eles ensinassem. O primeiro a fazer isto na História da
Filosofia é Platão, e isto se dá porque, entre Parmênides e Platão, existe
Sócrates, o qual foi o pai da Filosofia. O rumo da Filosofia só iria mudar – e
quase completamente - a partir da pessoa de Sócrates.
Poder-se-ia aqui dizer que a Escola Pitagórica fosse uma escola, mas o
pitagorismo era mais uma mística do que uma filosofia era muito mais uma
associação esotérica do que uma escola filosófica. O trabalho dos pitagóricos e
suas crenças influenciaram muito o platonismo e entraram na História da
Filosofia, como a conhecemos, por intermédio deste, embora, segundo a
tradição, tenha sido Pitágoras que cunhou o termo filósofo. Mesmo assim, os
modos da associação pitagórica assemelhavam-se muito mais às associações
místicas cristãs e islâmicas. A escola pitagórica era muito mais parecida com um
mosteiro ou uma tariqa que com uma faculdade. A diferença primordial entre a
escola pitagórica e as instituições de ensino posteriores a Sócrates é que as
escolas filosóficas estavam abertas para todos, ao contrário das associações
místicas, que não estão abertas para todos. Para um indivíduo tornar-se neófito
pitagórico, este deveria passar por uma série de provas que duravam anos.
Então, por um lado, Pitágoras foi um dos primeiros filósofos, porque Pitágoras
dizia que o princípio de todas as coisas era o número. Talvez tenha ele sido o
primeiro a utilizar um simbolismo abstrato para se referir ao plano da perfeição.
Vejamos que dizer que o primeiro princípio é o número ou a unidade é muito
diferente de dizer que é como a água. Mas eles ainda assim tinham seus ritos, os
quais, dado o seu hermetismo, relatos sobre estes não nos chegaram. E nisto é
muito diferente a escola pitagórica em relação às escolas filosóficas após
Sócrates. Neste sentido, a Academia de Platão foi a primeira na História.
Aula 1, Parte II
Sócrates é mais uma vida que uma doutrina. A essência de sua doutrina reduz-
se a isto: a idéia da reflexão teorética sobre a vida até chegar ao que é mais
fundamentado e, logo em seguida, realizar, na própria vida prática, ao máximo,
aquilo que é mais fundamentado. O exame constante do plano teorético e, após,
o exame do plano prático, à luz do teorético, é a doutrina de Sócrates.
Entretanto, ele não chamava a isso sabedoria, pois isso pressupõe uma
ignorância a respeito das coisas. Quando Sócrates se surpreende com o oráculo,
é porque ele tem um conceito muito elevado de sabedoria. O conceito dele sobre
sabedoria é quase idêntico ao nosso conceito de onisciência, e é por isso que ele
se espanta. No fim da vida, ele percebe que, quem possui uma sabedoria, possui
uma sabedoria humana, que é, por sinal, a pior possível. Temos então estes dois
elementos: a dialética e a vida examinada. Platão e Aristóteles dedicar-se-ão a
reproduzi-los ao máximo nas suas próprias vidas. Podemos, inclusive, entender
ambos como resultados desta educação, mais sistemática, que se inicia na
Grécia após Sócrates, para que os talentos se destacassem.
Para que surja um outro Sócrates, esse alguém deveria receber uma educação
que o prepare para seus talentos e o acorde para eles. Esse é um conceito que
surge claramente em Platão, quando diz que não é raro talentos como o de
Sócrates, mas sim que o possuidor deste consiga aproveitá-lo sem a educação
adequada. Sócrates é excepcional, diz Platão, porque, sem receber nenhuma
educação para tornar-se filósofo, tornou-se, o que revela a naturalidade*² destes
talentos.
Notas:
O conjunto de papéis sócias não serve senão como oportunidade material para a
realização do indivíduo, ele mesmo não é capaz de dar esta individualidade ao
ser humano. A sociedade está para o edifício como o conjunto dos materiais de
construção. É impossível que um conjunto de materiais se transforme por si
mesmo, por mais rico e completo que seja, numa construção. Para tanto, é
necessário a intervenção de um outro princípio que não seja, ele mesmo,
material. É preciso o esforço deliberado do indivíduo humano. A sociedade
fornece ao indivíduo uma série de fórmulas para solucionar problemas básicos,
sem o qual, ele não terá tempo para pensar na própria individualidade Se cada
um de nós tivesse de resolve todos os problemas materiais da existência humana
(exemplo: buscar comida e roupa na infância), seria terrível. O que caracteriza a
sociedade humana é justamente cercar o indivíduo de oportunidades ou
possibilidades materiais que torne possível que ele tenha algum tempo e meios
para investir na realização dele mesmo No entanto, ela não pode, não têm os
meios, de fazer um indivíduo avançar um milímetro sequer na sua realização
individual. A realização individual consiste no sujeito tornar a vida dele
significativa.
Temos, então, dois lados, na Educação liberal: 1. Dar ao sujeito as técnicas para
utilizar o discurso. 2. Fornecer para ele discursos de qualidade suficiente. É
preciso dar para o sujeito os discursos com a máxima qualidade, tanto em
forma, quanto em conteúdo, para que ela estabeleça uma escala de valores Se
dermos para o sujeito um texto composto de expressões não significativas, ele
nunca compreenderá para o que serve a linguagem humana. Se dermos a ele,
por outro lado, um texto composto de palavras escolhidas para expressar
pensamento, ele entenderá. Existem duas maneiras de estabelecer um discurso:
Pode-se rememorar na mente uma síntese de palavras que expõe
resumidamente o que se entende por um assunto. No entanto, estas palavras
não serão significativas para os receptores, pois estas são instrumentos de
rememoração de entendimentos e experiências que o interlocutor, ele só, já
teve. Ele terá, assim, de relembrar as experiências e os entendimentos e
procurar palavras específicas que expressem cada um destes objetos de
entendimento ou desta experiência. Exemplo: Se pegarmos um artigo do jornal,
a maior parte destes artigos não expõem pensamentos concretos do autor, mas
somente coleções de expressões pré-existentes no ambiente, como, por exemplo,
a expressão ‘qualidade de vida’. Cada leitor dá uma opinião diferente sobre o
que entende por qualidade de vida, não havendo a possibilidade de
conhecimento. Assim, o autor não está transmitindo experiências ou
entendimentos, mas somente está despertando, no receptor, suas idéias pré-
existentes sobre o assunto - no caso, a qualidade de vida. Pode, à primeira vista,
haver um engano aqui. Utilizemos outro exemplo para elucidar este pretenso
engano: a palavra ‘mesa’, por exemplo, é compreendida pelo aparelho cognitivo
dos receptores de forma igual, com o mesmo conceito. O pretenso engano está
na confusão que o leitor pode elaborar confundindo visualização, imaginação,
com a inteligência. Visualizar ou imaginar é um processo que se dá na
imaginação, não na inteligência. Quando se fala mesa, cada um pensa em uma
imagem diferente que traz da sua experiência; se todos os que têm uma
experiência em comum de mesa, a experiência do receptor no caso corresponde
a do interlocutor, e, portanto, o objeto corresponde efetivamente àquele ao qual
a noção do interlocutor corresponde; mas no caso de objetos mais complexos,
ou de experiências muito díspares, o objeto poderá não corresponder entre
receptor e interlocutor. O receptor, outrossim, acessa as noções que recebe por
meio das mensagens mais diversas. Exemplo: Se falarmos mesa para um cego, a
imaginação da mesa por ele será completamente diferente da do interlocutor,
mas a noção intelectual será a mesma; o conceito é o mesmo. Mas o meio
imaginativo pelo qual ele acessa esta noção é diferente daquele do interlocutor.
Quando falamos, voltando, em ‘qualidade de vida’, cada qual terá uma
visualização imaginativa diferente que conduz a uma noção intelectiva que não
tende a ser a mesma noção que o interlocutor acessou. Explica-se, portanto, que
a expressão ‘qualidade de vida’, não foi criada para comunicar um objeto. Ela
não tem significado. Ela não é uma palavra humana. É claro que como ato
solipsista, qualidade de vida significa algo. Quando se pensa em qualidade de
vida, vem à mente alguma noção, mas utilizando a comunicação para transmiti-
la, não será possível faze-lo. Será necessário utilizar outras palavras para tanto.
Não é possível, assim, nenhuma análise da realidade com quaisquer destas
expressões vazias de sentido Ao contrário, o interlocutor irá travar o aparelho
cognitivo do receptor, por onde somente as suas emoções e sentimentos
ativarão. Ao final de um discurso feito de expressões não-significativas, cada um
terá recriado o discurso dentro de sua própria mente, através de seus
sentimentos e emoções ativados sobre ele, e pensar que tudo compreendeu
quando, pelo contrário, não aprendeu, não partilhou de experiência qualquer,
de nenhum entendimento sobre qualquer objeto que seja.
Aula 2, Parte IV
Quais as notas incluídas no conceito de mesa? Todas as mesas são planas, todas
têm pé (um componente qualquer que a coloque acima do chão), em todas as
mesas o plano é horizontal, toda mesa tem uma função. Qual a função que
caracteriza universalmente as mesas? Enfim, poderíamos descobrir muitos
outros pontos específicos e caracterizadores das mesas, até o ponto em que
concluiríamos que a mesa é qualquer plano horizontal sólido elevado em relação
ao solo no qual se coloca objetos que se tornam acessíveis ao uso. Esta é uma
definição universal, que abarca todas as mesas atuais possíveis, que as
caracterizam. Existem, ainda, extensões deste conceito, como, por exemplo, a
palavra ‘balcão’. O conceito de balcão está contido no conceito de mesa, pois é
preciso somente acrescentar algumas notas ao conceito de mesa, e não retirá-
las. A extensão do conceito balcão aplica-se a alguns dos objetos aos quais se
aplica o conceito de mesa, mas não a todos. No sentido lógico, então, balcão é
uma espécie de mesa. Na idéia de balcão estão contidas as notas que definem
mesa, mas não todas, assim como mesa é uma espécie de plano horizontal
elevado em relação ao solo. Para balcão ser balcão, ele precisa ter, em si, todas
as características de mesa. Para entender o que é balcão, pé preciso entender o
que é mesa. O balcão tem uma nota distintiva a mais. O conceito de mesa aplica-
se, então, a mais objetos que o conceito de balcão.
Quando tentamos realizar um esforço para conceituar ou balcão ou mesa, o foco
mental de cada um voltou-se ao objeto era claro e definido, como, atrás, o
conceito de felicidade, para dar um exemplo abstrato de objeto. Para conceituar
qualidade de vida, realizando este esforço mental, até descobriremos alguns
pontos deste pretenso objeto, como, por exemplo, a satisfação material do
indivíduo No entanto, ainda que cada um ache inúmeros destes pontos,
descobriremos que estes pontos, por si só, representam objetos reais e que a
expressão qualidade de vida, ainda que possa envolver um ou outro destes,
indicar alguns destes, ela pode envolver qualquer outra coisa, e é isto que
caracteriza uma expressão não-significativa. Quando um objeto não é passível
de assimilação imediata, existe um exercício dialético para compreendê-lo eu
consiste em encontrar o seu contrário. Utilizemo-lo. O que é não ter qualidade
de vida? Pode-se dizer que é a vida miserável, mas todos concordarão com ela?
Será difícil. Então, para que serve a qualidade de vida? Pode-se dizer que é para
o bem-viver. Aí qualidade de vida seria um instrumento para este fim. Mas o
que é o bem-viver? Veremos, aqui, que todos se voltarão ao objeto prazer, ao
objeto satisfação. Ou seja, quando uma palavra tem um núcleo, todos se voltam
a ele. Quando falamos em qualidade de vida, todas as pessoas, a mente delas,
tende a voltar-se para uma expressão real. Cada vez que se encontra um sentido
para uma expressão não-significativa, este sentido é o sentido de um objeto real.
Quando falamos em qualidade de vida, citar-se-á uma série de coisas que se
deseja para estarem presentes na vida. O nome genérico disso são os objetos de
desejo humanos. É claro que cada pessoa pensa em algo quando se pensa em
qualidade de vida, mas não há qualquer garantia de que o outro com quem se
dialoga está pensando no mesmo objeto. Não há qualquer garantia de que o
interlocutor com quem se fala está pensando na mesma coisa, no mesmo objeto.
Isso dá a impressão de que se estabelece um diálogo, mas não. Ambos estão
realizando, cada um, um monólogo, diálogos independentes. Como a expressão
não tem um significado unívoco acerca do qual podemos dialogar, não podemos
chegar a qualquer conclusão sobre uma questão que envolva esta expressão.
Exemplificaremos comparando um diálogo com o objetivo de melhorar a
qualidade de vida e o prazer da população. Somente na questão que envolva esta
última expressão palavra é que estabeleceremos um diálogo, mesmo que não se
chegue a um consenso sobre uma questão qualquer que a envolva; quanto
àquela, jamais estabeleceremos um diálogo coerente, criando um muro entre
quem fala e quem ouve.
Aula 2, Parte V
Esses quatro bens explicam, para a gente – e muito – o que é o bem-viver, onde,
anteriormente, pode-se achar que era este o núcleo do que pretende ser a
‘qualidade de vida’. Todos estes quatro bens são actos vitais, não são qualidades.
Obter o máximo destes 4 bens é o propósito fundamental da existência humana,
e que toda vez que sofremos, sofremos por privação de um ou mais destes bens.
Toda a questão sobre a Justiça, assim, consiste em quando é legítimo, devido,
privar um indivíduo humano de um destes quatro bens. Quando é justo, assim,
tirar a vida biológica, o prazer, a liberdade ou o saber de um indivíduo? é um
lado da Justiça. A segunda metade da Justiça é: Quando se deve oferecer a um
indivíduo estes três atributos humanos?
Aula 2, parte VI
Uma Educação Liberal é uma educação que ensina quando, como e por que se
deve obter estes bens universais. A busca e obtenção destes bens é o núcleo da
vida humana, a força motriz de todos os actos humanos. A Justiça, assim, só
deve ser analisada à luz destes 4 bens universais.
A primeira esfera é a esfera da acção sobre a matéria Nesta esfera se avalia num
indivíduo a capacidade para a sobrevivência biológica. Como se avalia a saúde
de alguém? Ora, é observando se o corpo deste alguém é ou não capaz de agir
sobre a matéria. Se não, este alguém está doente. A segunda esfera é a esfera do
desejo e da necessidade. Esta esfera corresponde ao prazer. A terceira esfera é o
corpo dos outros indivíduos, o corpo humano. É nesta esfera que está a
liberdade. A quarta esfera é a esfera dos conhecimentos, sentimentos e crenças.
É a esfera da inteligência.
O que é o bem para a sociedade como um todo, o que é melhor para aquela
sociedade? É que se aproveite o bem que cada uma destas reacções pode
oferecer. O que é devido a cada um destes quatro tipos? O que é devido a eles é
proporcionar aquilo que eles oferecem. O justo é, como vimos, o que é devido.
Como eles oferecem bens diferentes, o que é devido a eles pelos outros
indivíduos também é diferente. A característica dos indivíduos que se
classificam de acordo com a primeira reacção diferencia-se pouco das atitudes
de uma criança Suas reacções mal resolvem o seu próprio problema Ele só
obterá algum bem se os outros oferecerem para ele. E o que eles podem dar em
troca? Ora, somente a sua força física. Destes 4 tipos, cada qual pode oferecer
algum bem fundamental para os outros, pois cada qual tem, em abundância, um
destes bens. O primeiro tipo tem somente a sua própria força, não dispõe dos
outros bens, ou seja, ele pode somente cooperar com a acção dos outros. Ele, por
exemplo, não disporia de seu corpo para prender os bandidos, mas pode
cooperar com o trabalho dos que vão fazendo, construindo, uma cadeia, por
exemplo, um fosso que sirva de cadeia. Este sujeito não está capacitado, por seu
próprio arbítrio, realizar nenhum destes bens, mas pode, pelo arbítrio de quem
os possua, cooperar na distribuição destes bens. O sujeito do segundo tipo de
reacção garantiu, por sua vez, garantiu os bens econômicos, que é a garantia
fundamental dos bens para a aquisição do prazer. Ele possui o instinto natural
para a obtenção dos bens econômicos. Ele analisou a situação e descobriu a
possibilidade de garantir bens matérias diante daquela adversidade. È claro que,
quanto mais pessoas houver, em uma sociedade, deste tipo, mais rica esta
sociedade será. Mesmo ante as mais difíceis condições, ele consegue garantir os
bens materiais. O terceiro tipo, por sua vez, ofereceu que tipo de bem? Ele
garantiu a justiça nas relações, que é o fundamento da liberdade. Quanto mais
pessoas houver, deste tipo, em uma sociedade, mais justa ela será. E o quarto
tipo de sujeito, que tipo de bem ele ofereceu? O juízo sobre isso, ele ofereceu os
meios de antecipar que numa sociedade é necessário que existam indivíduos,
em cada função diferente, com tais atributos, para que esta sociedade seja
melhor, não rua, não entre
em colapso. Ele oferece a justificativa última de cada um dos tipos. Por exemplo:
os fortes, os que têm como objeto de atenção principal a liberdade, por que eles
não se revoltam contra os próprios colegas aldeões, unindo-se aos bandidos?
Ora, não o fazem, pois no campo das suas crenças, idéias e sentimentos existe a
noção de que eles não devem fazer isso. Certamente, quem incute estas noções
em suas mentes são os indivíduos do quarto tipo, pois a eles cabe a educação
dos aldeões. Este papel, na sociedade brasileira, não possui um enquadramento
social. Assim, ele acaba sendo preenchido pelos atores, músicos e jornalistas.
Eles acabam sendo os sacerdotes da nossa religião.
Todos estes quatro tipos são fundamentais para a subsistência humana, pois os
quatro bens representados por eles são necessários para a existência individual.
É possível retirar de uma sociedade as instituições que formalizam este papel,
mas jamais retirar este papel, esta função, já que toda sociedade se organiza em
torno de crenças e convicções. E o que define uma sociedade humana é o
conjunto de crenças e convicções acerca do justo e do injusto. Toda e qualquer
sociedade humana é exemplificado por isso. Se estas convicções forem mal
fundamentadas, esta sociedade não será boa.
Uma educação liberal é uma educação voltada para estas duas funções últimas,
a saber, a terceira e a quarta. Uma educação liberal é uma educação voltada para
ensinar os sujeitos do terceiro e quarto tipo.
Terceira aula, Parte I
Tudo que nós conhecemos da existência humana, está registrado em pouco mais
de 6000 anos de história. Durante esse período até a Europa de 600 anos atrás,
todas as civilizações e sociedades apresentavam alguns traços comuns que eram
quase que constantes, ainda que pudessem variar
em forma. A única exceção é nossa sociedade atual, nossa civilização atual, e
estes traços díspares estavam igualmente presentes na sociedade grega na
época do surgimento da Filosofia A crise de alguns desses elementos é a ocasião
que dá surgimento á filosofia, mas mesmo em crise, estes elementos ainda
determinavam muito da vida comum.
Os povos tinham pouco contato entre uns e outros e evidentemente, como esta
ligação com a origem era preservada pela demarcação simbólica do território, o
modo de recordar-se desta origem e manter-se fiel a ela é dependente do
território. Como o território em que cada povo vive é diferente do outro, cada
povo humano parecia mais ou menos anômalo em relação ao outro. Assim,
ainda em relação aos outros povos, não se tratava de reconhecer se eles eram ou
não herdeiros de uma origem transcendental, mas de uma aceitação de que
estes poderiam ser também herdeiros dos deuses, mesmo que disso não pudesse
haver garantias. De si próprio cada povo tinha esta idéia muito clara, porque,
primeiramente, em toda história oral e depois escrita dele, os grandes exemplos
humanos que se libertaram das mais terríveis situações sempre foram os mais
categóricos em afirmar esta relação com o transcendente, o divino. Em todos os
momentos cruciais da vida individual ou coletiva, eram justamente as pessoas
que se recordavam desta ligação as que conduziam o povo a uma direção que
tirasse ou os desviasse do caminho de uma destruição.
A aplicação, o exercício do poder pela mera força física ou pela manipulação são
duas possibilidades que estão excluídas da origem da Humanidade. Para que se
imponha sobre a força, é necessário que haja uma disparidade muito grande
entre aquele que deseja se impor e o restante médio dos homens daquela
sociedade, o que não era possível nas sociedades arcaicas, o que também se dá
quanto à manipulação. O exercício do poder por uma minoria, ou por um só, nas
sociedades tradicionais, sempre derivava da autoridade moral e espiritual que
este sujeito possuía em relação aos outros. Até hoje, nas tribos sul-americanas, o
chefe não é o que melhor caça ou o que melhor fala, é aquele que as pessoas
acham que é melhor do que elas; o sujeito que dá os melhores conselhos, que,
nos momentos de crise, diz qual a melhor opção a ser tomada, o que fazer, ou
mesmo que dispõe de seus bens para distribuir às pessoas em momentos
difíceis, etc. Este é um dos fatores que servia de prova, para cada povo, da sua
origem divina: o fato de que o homem não se impunha ante os seus iguais por
meios infra-humanos, mas sempre por meios sobre-humanos, por meio do que
havia de melhor nele. Isso era uma evidência muito grande de que existia um
princípio sobre-humano se operando ali. Atualmente, na nossa sociedade, é fácil
dizer que um homem é quase um animal, porque é normal, na sociedade
moderna, que o homem se imponha ante os seus iguais por meios infra-
humanos, pela força bruta, pelo engano. Mas, isso não foi sempre possível e,
mesmo quando o foi, não aconteceu, até 600 anos atrás, pela convicção íntima
que cada um desses povos tradicionais tinha de serem herdeiros de uma
dimensão superior à humana, de saber que a medida do comportamento
humano é uma medida divina, e não humana. O uso sistemático de meios infra-
humanos de dominação de outros seres humanos deriva, em primeiro lugar, da
perda desta noção original que deve ser preservada, da herança do divino. Sem
isso, resta ao ser humano um pedaço do mundo, que nunca é suficiente, pois
para ser feliz, o ser humano precisa deste pedaço de mundo assim como,
necessariamente, de uma participação consciente nesta herança divina. Há 600
anos atrás, alguém surgiu com a idéia de que isso era bobagem, que o nosso
deus seria este princípio de ordenação interna dentro de cada um de nós. O ser
humano tem a capacidade de reordenar a ordem do mundo. Desta forma que se
inventam e se produzem coisas. Esta capacidade é a de observar um objeto, de
dividir os seus componentes e reordená-los segundo os componentes de outro
objeto para gerar uma outra coisa, que é denominada Razão. Há 600 anos atrás
ela foi elevada à categoria de divindade. Entretanto, ao destronar Deus e colocar
em seu lugar a razão, destrona-se instantaneamente a própria Razão por algo
pior, e assim destrona-se isto por algo pior ainda e assim por diante. Nestes
poucos séculos em que decidimos abdicar da idéia de uma origem divina,
perdemos muito mais coisas do que aquilo que perdemos no ato primeiro da
destituição desta idéia.
Sobre os mitos, devemos dizer - pois é extremamente útil faze-lo - que quando
dizemos que os povos arcaicos possuíam mitos acerca de sua origem divina, não
estamos dizendo que esta origem é irreal ou falsa. O mito não é um atributo do
objeto de que trata o mito. Mito é uma narrativa, é um jeito de expor um objeto,
de narrar um objeto. Geralmente chega ao nosso conhecimento por meio de
mitos objetos que são indispensáveis para o nosso desenvolvimento e que cuja
compreensão nós não alcançamos ainda. Por exemplo, quando explicamos a
uma criança porque ela deve ser virtuosa, uma pessoa boa, explicamo-na por
meio de mitos, explicamos estas qualidades miticamente, e não porque não
existam, mas porque ela, a criança, não pode ainda compreender a razão mesma
destas qualidades e a real importância delas em sua vida. O mesmo se dá com a
idéia de uma origem divina para a espécie humana. A prova ou o conhecimento
certo e garantido desta origem divina é possível para o se humano, mas
geralmente inacessível. Então, esta origem é expressa de forma mítica. Como o
mito é um tipo de narrativa, existem mitos falsos e verdadeiros, ou seja, que
narram objetos existentes e inexistentes, reais e irreais. Sempre, portanto,
recorremos à narrativa de mitos quando aquele objeto ou realidade é
indispensável para aquele que ouve, e quando este ainda é incapaz de
compreendê-lo. A origem divina da Humanidade é tão complexa e profunda que
não pode ser expressa senão por meio de um mito. É como uma metáfora,
embora o objeto da metáfora seja, ele mesmo, imediatamente acessível, possa
ser narrado literalmente. A metáfora é usada simplesmente como
enriquecimento da narrativa, pra tornar o estilo mais agradável. O mito, por sua
vez, é caracterizado por objetos que estão, em geral, muito acima da
compreensão humana. Entre um mito e uma narrativa mítica propriamente
mítica e um discurso qualquer que possua elementos míticos, existem inúmeros
graus. Na República de Platão, por exemplo, ele insere alguns mitos. É um
discurso dialético no qual existem elementos míticos. Quando um grande mítico
fala conosco sobre suas experiências míticas, ele nos fala necessariamente
deforma mítica, porque nós não partilhamos as suas mesmas experiências. No
entanto, ao falar com outro mítico, ele utiliza outro discurso, pois este já possui
a referência aos objetos. O objeto continua sendo exatamente o mesmo, muda-
se apenas a relação entre o sujeito que ouve o discurso e o objeto. Geralmente,
existem inúmeros mitos que podem ser transformados em discursos dialéticos a
te analíticos Mas existem alguns mitos que não podem transformar-se em
discursos, quando o objeto não pode ser expresso em linguagem humana.
Existem realidades que alguns indivíduos captam que estão para além das
capacidades da própria linguagem humana. Acerca destes objetos, só de pode
falar em linguagem mítica. Um deles é a origem da Humanidade. Quando se fala
que Deus criou Adão e Eva no sexto dia da Criação, isto é um mito. E também,
ao dizer que o ser humano surgiu como espécie por uma evolução gradual a
partir de outras espécies animais, isto também é um mito. Os dois são mitos,
porque a origem da Humanidade é um fato que se deu e não se dará novamente.
A diferença entre estes dois mitos é que o primeiro explica a diferença e a
função específica da espécie humana. O segundo mito identifica a função da
espécie humana com a função de todas as espécies animais, explica por que
existe algo no homem que é animal, porque há tantas semelhanças entre o
homem e os animais, mas não explica por que há as diferenças. Assim, ele conta
somente metade da realidade. Por isso, é um mito falso, sem objeto. Não é um
mito acerca do que é o ser humano, é um mito acerca do que são os animais.
Como mito acerca da existência animal, é perfeitamente válido. E, aliás, não é
novidade, haja vista que um grande número de povos possuía a idéia de que os
animais se originaram na Terra diferenciando-se a partir da própria Terra. Por
isso, não é um mito inovador do século XIX. O que é uma inovação deste século
é a pretensa capacidade deste mito de descrever a origem do ser humano, de
descrever o que é o ser humano é. Existem três características no ser humano
que não são explicadas pelo mito evolutivo: 1. A inteligência objetiva; 2. A
vontade livre; 3. A nobreza de sentimentos. Um mito evolutivo não explica por
que estas coisas estão presentes no ser humano e não ensina nada a respeito
delas. Ou seja, não explica nada, visto que, ao retirar estas capacidades do ser
humano, resta um animal. Deste modo, este mito só explica o que é um animal,
mito que já existia séculos antes do século XIX.
Poderemos fazer aqui uma breve explicação simbólica do mito de Adão e Eva
para explicar evidenciar como ele descreve as características específicas do
homem. A primeira menção que se faz ao homem neste mito é que Deus fez o
homem à Sua imagem e semelhança e macho e fêmea os criou. Se Deus é um,
por que fez o ser humano ‘macho’ e ‘fêmea’. Se Deus quis o homem à Sua
imagem e semelhança, porque criou duas imagens diferentes? Assim como
existem animais que se reproduzem de maneira assexuada, poderia ser o
homem assim. Ora, isso significa que ‘macho’ e ‘fêmea’, neste mito, representam
duas qualidades que, as duas presentes no mesmo ser, formam imagem e
semelhança da divindade. O mito, aí, mostra que a raiz e semelhança com a
divindade e uma diferença, a de que não se pode descrever a divindade por uma
única qualidade ou por um único modo do ser. É preciso duas qualidades
complementais para que se tenha uma imagem integral da divindade.
Um indivíduo, por sua vez, pode ser compreendido em sua totalidade, porque
compreender um indivíduo é compreender o sentido real que aquela vida pode
ter. Para compreender nós mesmos, precisamos distinguir duas coisas em nós:
1. Os papéis sociais que se cumpre, que é ter alguma idéia das normas e dos
propósitos de cada um desses papéis; 2. Quem é o sujeito que representa esses
papéis. Para isso, é necessário entender a idéia de sujeito humano, de pessoa
humana. Assim, pergunta-se: o que diferencia uma pessoa e uma não-pessoa? O
que, por exemplo, diferencia um homem de uma pedra? Não são as relações
com as coisas ou com a sociedade, haja vista que a pedra tem relações com as
coisas e com as outras pedras em sua sociedade, a sociedade das pedras. A
primeira diferença é que reagimos emocionalmente nas diversas situações em
que nos encontramos, diferentemente das pedras. Outra diferença é que, diante
de uma mesma situação, temos diversos cursos de acção possíveis. Durante uma
aula, por exemplo, tem-se a oportunidade de decidir por fazer inúmeras coisas,
agir de diversas formas. As pedras não têm esta capacidade de multiplicidade de
acções em uma mesma situação. Uma terceira diferença é que além de sentir
alguma coisa e agir ou reagir e um modo ou outro, podemos representar
determina situação em nossa mente, de um modo mais ou menos completo.
Pode-se entender alguma coisa da situação. As pedras, novamente, não têm esta
capacidade, nem qualquer outra coisa. É relevante dizer aqui que um cão, por
exemplo, é pessoa. Não é pessoa humana, mas é pessoa. Para que um ente ou
ser qualquer seja uma pessoa, ele tem de ser um sujeito desse tipo. Esse sujeito
da percepção, tanto no ser humano quanto nos animais, é um sujeito não-
corpóreo. Isso é tudo o que sabemos a respeito do sujeito: ele não é corpóreo,
nem qualquer órgão do corpo – nem mesmo o cérebro. Por enquanto, é só, nada
mais. O que ele é e como ele é, quais são seus atributos, são objetos de
investigação posterior.
Existe uma relação entre estes três atributos pessoais, a saber, os modos pelos
quais correspondemos às coisas emocionalmente, as opções reais de cursos de
acção que surgem em nossa mente diante de uma situação e a nossa capacidade
de entender as situações e os objetos nelas envolvidos, estão ligados a três
daqueles quatro bens fundamentais que mencionamos em aulas anteriores, a
saber, preservação da vida, prazeres, liberdade e conhecimento. Esses 4 bens
fundamentais despertam, todos eles, interesses no indivíduo humano, e por isso
são bens fundamentais. No curso da vida do indivíduo, dá-se uma importância
maior a um ou dois deles e não mais. Não se pode levar uma vida em que se
busca, com a mesma facilidade e intensidade, saúde, prazer, liberdade e
conhecimento. No decorrer do tempo, estiliza-se numa direcção. Algumas
pessoas, por exemplo, percebem uma facilidade e, ao mesmo tempo, um
interesse, na busca do prazer. Outras percebem nelas mesmas uma busca pelo
conhecimento, assim por diante. De acordo com estes predomínios de uns bens
sobre os outros, é que se dá esta estilização, em que o sujeito passa a se
conformar a um tipo impossível para o ser humano. É impossível para o ser
humano que se busque apenas o prazer ou apenas a preservação da vida, mas
podem-se descobrir tipos que vivem fundamentalmente em função de um destes
quatro atributos. São os tipos fundamentais de pessoas. O primeiro passo para
entender uma pessoa é entender qual destes bens explica a maior parte de seu
comportamento. Ao observar uma pessoa com uma maior acuidade, conversar
com ela, conviver com ela e percebe-se qual dos quatro bens fundamentais tem
um predomínio psicológico sobre ela, eis que se começa a entendê-la.
Lembremo-nos das características que diferenciam um bem fundamental e um
bem não-fundamental: não se exige do bem fundamental uma justificação
psicológica. Por exemplo, quando se faz uma coisa em nome a saúde, não se
sente uma necessidade, dentro de si mesmo, a necessidade de se justificar a
busca da saúde, ou mesmo, ao revidar ao ataque de um lobo, esse desejo de
defender-se parece justificado espontaneamente. Se dos bens fundamentais não
se exige uma justificação psicológica, no seu processo de busca e aquisição, o
que existe é uma justificação de como se os utiliza, ao possuí-los, sua finalidade.