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- GUI A D E L E I TU R A -

PA R A O P R O F E S S O R

O fio de Ariadne
Javier Sobrino
Ilustrações Elena Odriozola
Tradução Paloma Vidal
Faixa etária a partir de 8 anos
32 páginas

TEMAS Fantasia e imaginação / Mitologia /


Medo x coragem / Relação pai-filha

O autor Javier Sobrino nasceu nas Astúrias, À primeira vista, O fio de Ariadne é um livro bastante simples.
Espanha, em 1960. Escritor e professor de A história é contada em poucas palavras e as ilustrações seguem
educação infantil, desenvolve trabalho na
área da literatura infantil, desde a criação até o mesmo ritmo econômico. No entanto, o leitor que se detiver
a promoção da leitura. Vinculado há mais de neste álbum perceberá que se trata de algo bem mais sofisticado
vinte anos ao coletivo Peonza e à revista de do que parece.
literatura infantil e juvenil publicada por eles,
recebeu, entre outras importantes distinções, A ação – narrada e ilustrada – é banal. Uma garotinha sai
o prêmio internacional da Biblioteca Insular aborrecida de casa e começa a brincar com um novelo que
de Gran Canaria (Ilhas Canárias, Espanha) na carregava no bolso. Dando asas à fantasia, ela se balança ao
categoria Álbum Ilustrado por Nilo y Zanzíbar
(2006) e duas menções honrosas no concurso vento, equilibra-se em uma corda, pesca um peixe estranho
internacional da mesma instituição, também que voa (ou vira nuvem?), protege-se da chuva, brinca com as
na categoria Álbum Ilustrado, por Lleno de amigas. Por fim, mesmo receosa, volta para casa e “enfrenta”
dudas (2006) e Adanya del sur (2008).
o pai, que havia brigado com ela.
Mais informações: http://sobrinojavier.blogspot.com
O que há por trás dessa situação? O nome da personagem
A ilustradora Elena Odriozola nasceu em San Se-
bástian, País Basco (Espanha), em 1967. Ilustradora já fornece uma pista: a referência ao mito grego de Teseu. Na
de livros desde 1998, trabalhou com publicidade história clássica, Ariadne é a princesa que se apaixona pelo
por oito anos antes de dedicar-se exclusivamente ao herói e o ajuda a escapar do labirinto onde vive o terrível
desenho, paixão que já acalentava na infância. De
lá para cá, ilustrou mais de cinquenta títulos, vários Minotauro, seguindo o fio de um novelo. No livro, além do
deles premiados, como Aplastamiento de las gotas, nome da protagonista, outros elementos essenciais do mito
que venceu o prêmio literário Euskadi, do governo são encontrados: fio, labirinto/cidade, Minotauro/pai. Pode-se
basco, em 2009, e Atxiki sekretua, selecionado para
a lista de honra do International Board on Books for dizer que a história reinventa o mito clássico de um modo que
Young People (IBBY), em 2006. faz sentido para o leitor infantil.
Mais informações: http://www.pencil-ilustradores. Uma característica interessante da obra é obrigar o leitor a
com/ilustrador.php?id=000000001y preencher lacunas. Afinal, sabe-se que o pai brigou com Ariadne,
O fio de Ariadne • Javier Sobrino

mas não em que circunstâncias. O que se vê é a menina sair de


casa sofrendo e recorrer à fantasia (brincadeiras com o fio) na
tentativa de superar sua dor. Só então ela consegue retornar e
resolver o problema com o pai. O leitor infantil pode facilmente
se identificar com a personagem e imaginar inúmeras situações
com base na própria vivência.
Outro aspecto fundamental do livro são as ilustrações.
Elena Odriozola opta por acompanhar o minimalismo de
Javier Sobrino e explora com grande propriedade o espaço
em branco do papel, constituindo uma narrativa não apenas
paralela, mas sobretudo complementar ao texto. Assim, o
tempo todo há apenas a pequena Ariadne e o fio, que percorre
todas as páginas, de certo modo “amarrando-as”, dando-lhes
unidade. O resultado é um estilo sóbrio e intimista, porém tre-
mendamente expressivo. O pequeno leitor tem toda a atenção
centrada na personagem e em sua angústia e, com ela, segue
o fio que leva à reconciliação.

TESEU, O GRANDE HERÓI


DE ATENAS

Cansado de tentar, em vão, ter um filho com as sucessivas es-


posas, Egeu, rei de Atenas, resolve ir a Delfos consultar o deus
Apolo. Como resposta, Pítia (sacerdotisa do templo dedicado
ao deus grego, também chamada de Pitonisa) profere um orá-
culo obscuro, proibindo-lhe “desatar a boca do odre antes de
chegar a Atenas”. Sem entender o sentido da advertência, Egeu
parte rumo a Trezena, cidade onde reina o sábio Piteu, que
imediatamente compreende o sentido do oráculo (segundo
algumas interpretações, Apolo estaria proibindo Egeu de ter
qualquer contato sexual antes de voltar a sua cidade). Piteu
então embriaga o hóspede e o põe para dormir com sua filha,
Etra. Na mesma noite, porém, a princesa é possuída, em sonho,
pelo deus Posídon1 e vem a gerar Teseu, que o rei de Atenas
acreditará ser seu filho legítimo.

1  Os nomes dos personagens gregos foram padronizados pelo autor


deste guia conforme o uso que o Junito de Souza Brandão fez em sua
coleção Mitologia grega (3 volumes), Rio de Janeiro, Vozes, 1986-7.

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O fio de Ariadne • Javier Sobrino

Depois do nascimento de Teseu, Egeu, temendo que os


sobrinhos lhe tomem o trono, decide retornar a sua cidade e
confia a guarda do filho a Piteu. Antes de partir, porém, esconde
uma espada e um par de sandálias sob um imenso rochedo e
diz a Etra que só revele a Teseu a identidade do pai quando
ele for forte o bastante para levantar a rocha e pegar os objetos
ali escondidos, devendo procurá-lo em Atenas.
Teseu cresce e se torna um adolescente forte, cheio de
vigor. Etra então lhe conta a verdade sobre o pai e lhe mostra
onde os objetos estão escondidos. O rapaz levanta facilmente
o rochedo e se apossa dos objetos. Está pronto para ir ao en-
contro de Egeu.
A jornada até Atenas é longa, e o jovem tem de enfren-
tar inúmeras batalhas e derrotar monstros pelo caminho.
Quando chega ao destino, seus feitos já são conhecidos, mas,
disfarçado, ele consegue entrar na sede de seu futuro reino
sem ser notado.
As coisas andam atribuladas na cidade. A feiticeira Medeia,
depois de matar os filhos para se vingar do ex-marido, Jasão,
mudou-se para Atenas e se casou com Egeu, prometendo-lhe
muitos filhos. Astuta, acabou tomando as rédeas do reino.
Medeia logo descobre a identidade de Teseu, mas nada diz
ao rei. Ao contrário, convence o marido de que o forasteiro
representa uma ameaça ao reinado e que o melhor a fazer é
matá-lo. Durante um banquete oferecido ao jovem, Medeia
envenena o vinho dele. Teseu, porém, querendo logo revelar
sua identidade, puxa a espada e é imediatamente reconhecido
por Egeu, que evita que o filho beba do copo envenenado e o
abraça. Medeia, mais uma vez, é execrada publicamente e exilada
para a Cólquida.

OS REINOS DE ATENAS E CRETA

Com a morte de Androgeu, filho do rei Minos, de Creta, atribuí-


da indiretamente a Egeu – por inveja das vitórias que o jovem
cretense conseguira nos Jogos celebrados em Atenas –, eclodiu
uma sangrenta guerra entre as duas cidades. A esquadra de
Creta era muito poderosa, e logo Minos conseguiu tomar pos-
se de Mégara e chegar a Atenas. Não bastasse a terrível guerra
alongar-se, Minos pediu a Zeus que assolasse a cidade inimiga

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O fio de Ariadne • Javier Sobrino

com uma peste. Apesar de vencedor, o rei de Creta concordou


em se retirar dali sob uma condição: que lhe fossem enviados,
cada nove anos, sete moços e sete moças atenienses para serem
lançados no famoso Labirinto de Cnossos, onde serviriam de
alimento ao terrível Minotauro.
Esse era o drama que vivia Atenas quando Teseu lá chegou
e o herói logo se prontificou a pôr fim à situação.

A FEROCIDADE DO MINOTAURO

Para assumir o trono de Creta, Minos teve de disputar o po-


der com seus irmãos. Segundo ele, a cidade era sua conforme
a vontade dos deuses e, para prová-lo, garantiu que poderia
conseguir deles o que bem entendesse. Pediu então ao deus
dos mares, Posídon, que lhe enviasse um touro, do mar, em
sinal de aprovação a seu reinado, prometendo-lhe sacrificar
o animal em sua homenagem. O pedido foi atendido, livran-
do Minos das contestações dos irmãos. Contudo, encantado
com a imensa beleza do touro, o rei não cumpriu a promessa
e ficou com ele.
Posídon, muito contrariado, enfureceu o animal. A vin-
gança, no entanto, precisava ser maior, e o deus dos mares
fez então com que Pasífae, a esposa de Minos, se apaixonasse
perdidamente pelo touro. Sem saber como se entregar à fera,
ela solicitou ajuda ao engenhoso Dédalo, arquiteto oficial do
reino, que fabricou uma novilha de bronze perfeita, capaz de
enganar o touro, na qual ela entrou, podendo, assim, entre-
gar-se ao amado. Engravidou dele e deu à luz o Minotauro,
ser monstruoso, metade homem, metade touro, que se tornou
muito feroz com o tempo, ávido por carne humana.
Minos encomendou a Dédalo um labirinto para abrigar
o monstro. Assim, foi construído o grandioso palácio de
Cnossos, com um emaranhado de salas e corredores, de onde
ninguém seria capaz de sair, a não ser o próprio construtor.
Nesse labirinto o Minotauro passou a viver, alimentando-se
dos jovens atenienses que ali eram lançados.

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O fio de Ariadne • Javier Sobrino

As simbologias A BELA ARIADNE


do labirinto
O labirinto é um símbolo muito antigo,
encontrado em inúmeras culturas do Disposto a interromper o pagamento do trágico tributo humano,
Ocidente e do Oriente. Sua definição é
bastante conhecida: conjunto de percursos Teseu resolve se juntar à terceira leva de jovens que seria entre-
intrincados, projetado justamente com o gue a Minos. Antes de partir, Egeu entrega ao filho dois jogos
objetivo de confundir e desorientar quem de velas para o navio. Caso saísse vitorioso da empreitada, ele
o percorre. Na mitologia, os labirintos são
vistos como locais de iniciação e associa- deveria içar as velas brancas; se fracassasse, as pretas.
dos, com frequência, a grutas e cavernas, Em Creta, Teseu e os treze jovens serão lançados ao labi-
ao mundo subterrâneo e também ao rinto, de onde jamais poderão sair – a não ser com algum tipo
inconsciente.
No caso do Labirinto de Cnossos, em de auxílio. E esse auxílio virá justamente do palácio de Minos:
Creta, uma simbologia possível é que ele uma de suas filhas, a bela Ariadne, está apaixonada pelo
representaria o inconsciente de Minos. herói ateniense. Ela consulta Dédalo sobre o que fazer para
Segundo Junito de Souza Brandão, “pelo
mesmo fato de o Labirinto, em que está ajudar Teseu a encontrar a saída de sua engenhosa construção.
escondido o monstro simbólico, ser o O arquiteto sugere-lhe que dê ao herói um novelo, que ele deve
inconsciente de Minos, este adquire, de desenrolar à medida que penetrar no covil do Minotauro, de
per si, uma significação simbólica: retrata
o ‘homem’ mais ou menos secretamente modo que possa refazer seu caminho e reencontrar a saída. E é
habitado pela tendência perversa da o que faz Ariadne, sob a condição de que, ao sair do labirinto,
dominação”. Assim, até mesmo um ele a despose e a leve para Atenas.
homem sábio e sensato como o rei Minos
pode ceder à tentação dominadora. Teseu segue estritamente as instruções da filha de Minos.
Em outra leitura, o êxito do herói Luta com bravura contra o Minotauro e o mata. Graças ao fio
representaria seu renascimento: o labirinto de Ariadne, consegue escapar das trevas do labirinto e libertar
seria o útero materno; Teseu, o feto; e o
fio de Ariadne, o cordão umbilical, que os outros jovens, que saem ilesos. O herói, então, danifica os
permite a saída para a luz. navios cretenses, para dificultar qualquer perseguição, e veleja
de volta a Atenas, levando consigo Ariadne. A embarcação faz
uma parada na ilha de Naxos, onde passam a noite. Na manhã
seguinte, ao acordar, Ariadne está sozinha: seu amado partira,
deixando-a para trás.
Existem diferentes versões sobre o motivo do abandono da
bela princesa cretense. Alguns afirmam que o herói a deixou
porque amava outra mulher; outros dizem que ele foi obrigado
a se separar da jovem porque o deus Dioniso teria se apaixo-
nado por ela e dado um jeito de retê-la na ilha; outros ainda
interpretam a atitude de Teseu como estratégica, uma forma
de evitar nova guerra entre Creta e Atenas.
Triste pela perda de Ariadne, ou castigando-se por tê-la
abandonado, Teseu não troca as velas do navio, conforme
instruiu seu pai, e se aproxima de Atenas com as pretas,
sinal de luto. Ansioso pelo retorno do filho, Egeu aguarda
a chegada do barco na praia. Ao ver as velas pretas içadas,
vislumbra o fracasso de Teseu e se lança ao mar, dando fim
à própria vida.

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O fio de Ariadne • Javier Sobrino

Mitologias grega e latina De acordo com algumas interpretações, apesar de derro-


Depois de dominar o sul da Itália, com a tar o Minotauro, Teseu deixa Creta como um vil traidor: o
queda de Tarento no século III a.C., Roma abandono de Ariadne transforma seu êxito em derrota. Em
acabou por se apossar da cultura grega –
há quem diga que foi a cultura grega que vez de júbilo, a chegada a Atenas é marcada pela dor e pelo
se apossou de Roma. Assim, os deuses luto pela morte do rei.
gregos passaram por um sincretismo (fusão
de diferentes cultos ou doutrinas religiosas,
com reinterpretação de seus elementos),
dando origem às divindades latinas. Em- OS MITOS
bora esses deuses tenham características
diferentes em cada uma das culturas, é
nítida a relação entre eles. Segue uma lista
das principais divindades gregas com seu No Dicionário Houaiss da língua portuguesa, a primeira definição
correspondente latino: para a palavra mito é: “relato fantástico de tradição oral, geralmente
Afrodite ............ Vênus protagonizado por seres que encarnam as forças da natureza e
Apolo ............... Apolo os aspectos gerais da condição humana; lenda”. Segundo Mircea
Ares .................. Marte Eliade, grande estudioso do assunto, “o mito narra como, graças
Ártemis ............ Diana
Atena ................ Minerva às façanhas dos Entes Sobrenaturais, uma realidade passou a exis-
Crono ............... Saturno tir, seja uma realidade total, o Cosmo, ou apenas um fragmento:
Deméter ........... Ceres uma ilha, uma espécie vegetal, um comportamento humano, uma
Eros .................. Cupido
Geia ................. Terra instituição”. Em outras palavras, os mitos sempre narram algum
Hades ............... Dite (Plutão) tipo de “criação”, explicam de que modo certas coisas foram
Hefesto ............. Vulcano produzidas e começaram a existir. “Em suma”, sintetiza Eliade,
Hera ................. Juno
Hermes ............ Mercúrio “os mitos descrevem as diversas, e algumas vezes dramáticas,
Perséfone .......... Prosérpina irrupções do sagrado (ou do ‘sobrenatural’) no Mundo.”
Posídon ............ Netuno Todos os povos, das mais variadas culturas, possuem suas
Reia .................. Cibele
Urano ............... Céu lendas, seus relatos maravilhosos, nos quais acreditaram, durante
Zeus ................. Júpiter algum tempo e em certa medida, em determinado período de sua
história. Por envolverem forças ou seres considerados superiores
aos humanos, na maioria das vezes essas narrativas pertencem ao
domínio da religião. Em geral, os mitos compõem um sistema,
relativamente organizado e coerente, de explicação do mundo –
sistema organizado a posteriori, é preciso dizer, uma vez que os
relatos surgem espontâneos, independentes e em distintas versões.
Cada povo possui símbolos (crenças, costumes, leis, obras
de arte, conhecimento, festas etc.) que ajudam a compor sua
identidade cultural e podem ser compreendidos como marcos da
trajetória da humanidade das trevas rumo à luz, à razão. Dentre
esses símbolos, os mitos se destacam por sua profundidade e
abrangência. Eles apontam determinados modelos do processo
existencial por meio da dimensão imaginária. Por isso, além de
propor padrões de comportamento humano, os mitos funcionam
como referências pelas quais as culturas podem voltar a suas
raízes para se revigorar.

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O fio de Ariadne • Javier Sobrino

Candomblé e orixás MITOLOGIA GREGA


Quando se fala em mitologia, a primeira
referência que vem à mente é a Grécia. No
entanto, inúmeras outras culturas possuem
um repertório de mitos muito rico e ex- Na Grécia antiga, o mito possui as mesmas características e
pressivo. Dentre elas podem-se destacar as funções que em outros lugares: pode-se associar à história,
culturas africanas, cujas tradições vieram justificar títulos de nobreza, desenvolver-se como epopeia,
para o Brasil com o escravismo e se in-
corporaram em nossa tradição de maneira apoiar e explicar crenças e rituais religiosos etc. No entanto, a
muito profunda. Um dos traços mais mar- mitologia grega tem suas peculiaridades. A palavra mythos se
cantes dessa contribuição foi a religiosida- aplica a toda história narrada, seja uma tragédia, uma fábula
de, que aqui resultou no candomblé, com
seus orixás e lendas. ou uma comédia. O mito se apresenta como oposição ao logos,
Cada nação africana cultuava uma única à razão. Essa dicotomia é bem explicada pelo estudioso francês
divindade. Contudo, no Brasil, tendo os Pierre Grimal, em A mitologia grega:
negros escravizados vindo de diferentes
nações, eles se misturaram e reuniram
os cultos aos diversos orixás (africanos Logos e mythos são as duas metades da linguagem, duas
ancestrais divinizados, correspondentes funções igualmente fundamentais da vida do espírito. O lo-
às forças da natureza). Como os deuses
da mitologia grega, os orixás (ou santos, gos, sendo uma argumentação, pretende convencer; implica,
como também são chamados por aqui) no auditor, a necessidade de formular um juízo. O logos é
possuem características próprias que os verdadeiro no caso de ser justo e conforme à “lógica”; é falso
aproximam dos humanos. Entre eles estão
Exu ou Awani (guardião dos templos, quando dissimula alguma burla secreta (um “sofisma”). Mas
das encruzilhadas e das passagens; o “mito” tem por finalidade apenas a si mesmo. Acredita-se
mensageiro divino); Xangô (orixá do fogo ou não nele, conforme a própria vontade, mediante um ato de
e do trovão; protetor da justiça); Yemanjá
(orixá feminino dos mares; mãe de muitos fé, caso pareça “belo” ou verossímil, ou simplesmente porque
orixás); Oxalá (orixá ancião; pai de todos); se quer acreditar.
Nanã (orixá feminino dos pântanos e
da morte; protetora dos idosos e dos
desabrigados); entre muitos outros. É possível então dizer que o mito se liga ao que há de irra-
cional no pensamento humano e, por conseguinte, à criação
artística. É esta, talvez, a característica mais notável do mito
grego: sua integração nas atividades do espírito.
Mas, como ocorre em outras civilizações, tomamos conta-
to com o mito grego apenas por meio da forma escrita e das
composições imóveis da arte figurativa. Portanto, é destituído
de algumas características básicas, apresentando-se em um for-
mato fixo e definitivo. Ora, um de seus fatores de maior riqueza
e força é justamente a existência de variantes de uma mesma
história. Isso porque a mitologia grega é matéria de origens muito
diversas, na qual o sábio e o espontâneo, o vivo e o artificial se
misturam intimamente. Por isso, ao depararmos com a forma
escrita de um mito, é fundamental termos em mente que ela
está distante do momento da narrativa, das circunstâncias e
das condições em que se convertia em uma ação sagrada. É da
essência do mito existir em variantes.

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O fio de Ariadne • Javier Sobrino

Para saber mais NA SALA DE AULA


Para o aluno:

Livros •  Antes da leitura de O fio de Ariadne, converse com os alunos


• CUNHA, Carolina. Coleção Histórias do sobre mitos e mitologias. Explique que todos os povos têm
Okú Láilái. Vários títulos. São Paulo: Edi- suas lendas, suas histórias fantásticas. Dê alguns exemplos
ções SM, 2007-2014. Resgate do legado
africano na cultura brasileira por meio de
retirados de nosso folclore (saci-pererê, curupira etc.), da
narrativas inspiradas em mitos dos povos mitologia afro-brasileira (Ogum, Eleguá, Yemanjá etc.), ou
Yorubá e Fon. mesmo das crenças de alguns indígenas (por exemplo, o culto
• DIAS, Rosana. Mavutsinim e o Kuarup. ao Sol e à Lua). Peça a eles que contem algumas histórias
São Paulo: Edições SM, 2008. Narrativa
primordial da nação indígena Kamayurá,
desse tipo que conheçam. Estimule-os a conversar sobre o
do Alto Xingu, conta como foi criada a que for sendo relatado.
humanidade e instituído o Kuarup, festa
em homenagem aos mortos.
•  Ainda antes de trabalhar com o livro, discorra um pouco
• HIRATSUKA, Lúcia. Contos da monta-
nha. São Paulo: Edições SM, 2005. Humor,
sobre a Grécia. Mostre sua localização em um mapa-múndi
medo e mistério compõem três mitos do e explique que se trata de uma civilização muito antiga, que
Japão, cujo cenário é a montanha. teve grande importância no passado. Fale, de modo simpli-
• LOBATO, Monteiro. O Minotauro. São ficado, sobre a riqueza da mitologia grega e dê o nome de
Paulo: Globo, 2010. Narizinho e a turma
do Sítio do Picapau Amarelo viajam à Gré-
alguns de seus deuses. Então, conte o mito de Teseu de ma-
cia antiga em busca de Tia Nastácia, que neira compreensível para a turma, destacando os principais
foi sequestrada por “seres fabulosos”, e lá personagens e os símbolos importantes.
encontram filósofos e criaturas mitológicas.
• PRIETO, Heloisa. Divinas aventuras:
histórias da mitologia grega. São Paulo:
•  Depois da leitura, faça uma roda e peça aos alunos que fa-
Companhia das Letrinhas, 1997. A atua- lem sobre o livro. Deixe que eles se manifestem livremente
lidade da mitologia grega revelada em a princípio, expondo suas impressões e o que entenderam
quadrinhos, desenhos animados e filmes
de ação, com destaque para deuses como
da história. Aos poucos, vá dando um rumo mais definido
Apolo, Zeus e Posídon, entre outros. à conversa, aproveitando ao máximo tudo o que disserem.
Proponha uma comparação de elementos da história com os
Site do mito de Teseu: as duas Ariadnes; o papel do fio em cada
• NESTROVSKI, Arthur. Fácil entrar, mas caso; o labirinto e a cidade; o Minotauro e o pai.
impossível sair. Folhinha. Disponível em:
<http://www1.uol.com.br/criancas/report/
fn020801.htm>. Acesso em: 23 jun. 2014.
•  Converse sobre as ilustrações. Peça que eles as descrevam
Elementos que compõem o mito de Teseu, e deem suas opiniões. Pergunte-lhes por que existe tanto
especialmente o Minotauro e o labirinto, espaço em branco em todo o livro e chame sua atenção para
segundo vários pontos de vista.
o fio que percorre todas as páginas. Aqui, o importante é eles
perceberem que, mesmo com poucos elementos e poucas
Para o professor: cores, é possível realizar desenhos com muita expressividade.

Livros •  Estimule-os a imaginar o motivo pelo qual Ariadne sai de


• BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia casa chateada. Por que seu pai teria gritado com ela? Liste
grega. Rio de Janeiro: Vozes, 1986-1987. no quadro os motivos que aparecerem e depois proponha
3 v. Obra de fôlego de especialista
uma votação, para ver qual é o preferido da maioria.

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O fio de Ariadne • Javier Sobrino

brasileiro sobre mitologia grega •  Pergunte a eles o que aconteceu entre o momento em que a
essencial, de interesse para estudantes e
pesquisadores do assunto.
personagem saiu chorando de casa e seu retorno. Quando
• CARMO, João Clodomiro do. O que é
ela volta, ainda está chateada ou algo mudou? O que ela fez
candomblé. São Paulo: Brasiliense, 1987. para se tranquilizar? A ideia, aqui, é tentar mostrar que às
Panorama das origens, história e rituais do vezes, diante de um conflito, o melhor é esfriar a cabeça e
candomblé, com análise filosófica e dos
rumos que a religião tomou no Brasil.
refletir. No caso do livro, Ariadne usou o fio para se apazi-
• ELIADE, Mircea. Mito e realidade. São
guar, brincando e dando asas à imaginação.
Paulo: Perspectiva, 1972. Exposição his-
tórica e síntese filosófica do mecanismo, •  Mostre a eles um mapa de ruas da cidade e pergunte-lhes se
função e evolução dos mitos por um dos
mais renomados mitólogos da atualidade.
é parecido com um labirinto. Peça que desenhem de cabeça
• GRIMAL, Pierre. A mitologia grega. São
um pequeno mapa de ruas; pode ser das ruas ao redor da
Paulo: Brasiliense, 1982. Do mesmo autor casa deles ou da escola. O interessante é que tentem fazer
do consagrado Dicionário de mitologia uma representação no papel de uma área ou de algumas
grega e romana, essa obra é um clássico
nos estudos sobre o tema.
ruas que conheçam.
• HARTMANN, Maria-Odile. Ariadne
contra o Minotauro. São Paulo: Edições •  Outra ideia é pedir que eles desenhem um labirinto, usan-
SM, 2006. Além do reconto do mito grego, do régua se necessário. Sugira que “enfeitem” o labirinto
o livro traz mapa histórico, árvore genea-
lógica dos heróis e deuses, dossiê sobre o
usando cores e acrescentando alguns “Minotauros” e outros
mito e suas variantes, releituras de outras elementos em alguns pontos do percurso.
épocas e apropriações nas artes.

Elaboração do guia Adilson Miguel (editor de literatura, com formação


em Filosofia pela USP, e organizador de coletâneas de poesia e contos);
preparação Marcia Menin; revisão Carla Mello Moreira.

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