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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PIAUÍ

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E LETRAS


MESTRADO EM ANTROPOLOGIA

GILMARA CANTANHEDE GOMES

SOBRE O SABER, O FAZER E O TRANÇAR: arte, técnica e recorrência


do trançado de fibras do Estado do Piauí

TERESINA – PI.

2015
GILMARA CANTANHEDE GOMES

SOBRE O SABER, O FAZER E O TRANÇAR: arte, técnica e recorrência


do trançado de fibras do Estado do Piauí

Dissertação apresentada, ao Mestrado de


Antropologia da Universidade Federal do
Piauí, como requisito para obtenção do título
de Mestra em Antropologia.
Orientador: Prof. Dr. Flávio Rizzi Calippo

TERESINA – PI.

2015
FICHA CATALOGRÁFICA
Universidade Federal do Piauí
Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas e Letras
Serviço de Processamento Técnico

G633s Gomes, Gilmara Cantanhede.


Sobre o saber, o fazer e o trançar: arte, técnica e
recorrência do trançado de fibras do Estado do Piauí / Gilmara
Cantanhede Gomes. – 2015.
155 f. : il.

Dissertação (Mestrado em Antropologia) –


Universidade Federal do Piauí, 2015.
Orientação: Prof. Dr. Flávio Rizzi Calippo.

1. Trançado de Fibras. Patrimônio. Cadeia Operatória.


I. Título.

CDD 677.54
GILMARA CANTANHÊDE GOMES

SOBRE O SABER, O FAZER E O TRANÇAR: arte, técnica e recorrência


do trançado de fibras do Estado do Piauí

Dissertação apresentada ao Mestrado de Antropologia da Universidade Federal do Piauí,


como requisito parcial para obtenção do título de Mestra em Antropologia.

Aprovada em de de 2015.

Prof. Dr. Flávio Rizzi Calippo


UFPI/PPGANT/Mestrado em Antropologia

Profa. Dra. Fabrícia de Oliveira Santos


UFS/Departamento de Geografia

Profa. Dra. Andrea Lourdes Scabello


UFPI/PPGEO/Mestrado em Geografia

Prof. Dra. Márcia Leila


UFPI/PPGANT/Mestrado em Antropologia
A Antônio Gomes (In memoriam),
Maria Antônia Cantanhêde e minha família,

Meu porto seguro.


AGRADECIMENTOS

“Minhas lágrimas explicam o que as minhas palavras são incapazes de concluir”.

Talvez estas não consigam explicar a vastidão de dificuldades enfrentadas para prosseguir
com um sonho, lutando contra o monstro de um mal silencioso que consome o fôlego da
existência, no decorrer do cotidiano em que cada passo tinha uma pedra maior que a outra e
muitas vezes a irritação e o cansaço que atrapalhava na vontade de prosseguir.

Posso dizer que sempre estive amparada por três sóis quase imperceptíveis: Deus, o autor e
condutor da minha existência, no qual me refugio nos maiores momentos de dificuldades, a
minha luz de fé na escuridão das dificuldades, meu avô querido, do qual me despedi há oito
anos, mas é presença constante na minha saudade, nos meus sonhos e nos momentos em que o
desespero me sufoca e pareço escutar sua voz suave a me dizer: minha fia, isso vai passar.
Agradeço com oração e alegria em meu coração a minha avó- mãe, que mesmo com todos os
problemas que enfrenta, reza por mim, me incentiva e alegra os meus dias.

Agradeço ao trançado de fibras que me motiva a entender sua importância como patrimônio e
como um elo que liga as pessoas no mundo dos vivo e dos “mortos”.

À minha família agradeço e dedico este trabalho: à minha mãe Luiza, incentivadora da leitura
e dos bons exemplos, no qual vem trilhando seus caminhos na literatura e também muito me
orgulho porque não ter medo de amar; ao meu pai Gomes, que parece mais “um filho” que
diariamente cuido e que também me incentiva à sua maneira, mesmo sem compreender a
importância do que representa este momento na minha vida; Aos meus irmãos, irmã,
sobrinhas, e todos que convivem em casa, à minha tia Mariinha, que também é uma mãe com
quem posso contar e o meu Henri Victor, que aos oito anos já trilha os caminhos do
conhecimento de maneira brilhante.

Agradeço também aos amigos e amigas que pacientemente me “suportam” e que entendem a
minha ausência neste momento de dissertar: Primeiramente eu poderia dedicar uma página
com milhares de OBRIGADA! para ela e sua família, que sempre me acolhe em sua casa com
alegria e incentivo, que me leva pacientemente pelos bairro de Altos, e que na sua
simplicidade diz coisas que precisamos ouvir e praticar- SUIANNY, que Deus te abençoe e te
de felicidades, muito obrigada por tudo, este trabalho também é seu!!
Agradeço também à Ana Flávia, uma irmã que tive a felicidade de escolher, que me incentiva,
que puxa as orelhas ou apenas pacientemente me escuta, e muitas vezes ela nem imagina que
uma única frase que ela me diz, corresponde a uma injeção de animo naqueles momentos
mais tenebrosos: Vai dar certo, Gil! Obrigada...

Agradeço também ao TEG-Técia- Elayne-Gilmara, três irmãs- amigas que desde a pré-
história de 1998, vem solidificando uma amizade que já se tornou “familiar”- elas me dão
tudo: alegrias, incentivos, no consolo e a capacidade de acreditar na força e no poder do
perdão, assim como agradeço à sua família que também é minha: Tia (Mamis) Tania, tio
Chico, Jamil, Marte (meu querido marmota), a “bolota” (minha canis-amiga) e o Lorenzo
Pietro, meu “filho” do coração e afilhado que tanto amo, assim como os amigos Clécio e
Jesus.

Agradeço também ao Manoel Junior, pessoa íntegra, correta e que durante estes três anos,
entre idas e vindas, demonstrou ser um amigo fiel e verdadeiro, que sempre me incentivou e
me ajudou nos momentos que mais precisei, muito Obrigada!

Agradeço aos amigos arqueólogos que permaneceram comigo: Aline, Carla Veranna,
Zafenathy, que de uma forma ou outra estão presentes em minha vida. Agradeço aos amigos
geógrafos, dos quais não perdi os laços e que o mundo virtual nos une: amiga Monica, Arrais,
Gesa, Kleyson e Rosana, parceira de muitos trabalhos em dupla, obrigada!!

Agradeço ainda aos amigos Jackson e Karla pelo apoio e pela paciência, por estar sempre me
incentivando nos momentos difíceis e por me aceitar como eu sou, amigos que aprendi a
gostar e admirar, obrigada!!

Agradeço a todos os outros amigos que não são menos importantes, que torcem
verdadeiramente por mim e meu sucesso, obrigada!

Agradeço primeiramente à minha ex- orientadora Profa. Dra. Fabrícia Oliveira, que ainda na
graduação me orientou e me incentivou a prosseguir estudando as tranças que encantam, e q ue
mesmo de longe me apóia e me incentiva, saudades e obrigada!!

Agradeço ao meu orientador, Dr. Flá vio Calippo, pela paciência, que mesmo, com todos os
problemas, segurou minha orientação, e me incentivou a prosseguir para chegar até aqui.
Obrigada!!
Aos coordenadores do Mestrado de Antropologia, que me auxiliaram, cada um à sua maneira
e do qual eu agradeço imensamente: Profa. Andrea, que lutou por minha matrícula, à Profa.
Francisca Verônica, que na fase mais difícil me incentivou a prosseguir ao Prof. A lejandro
Laballe, que bravamente lutou para que eu permanecesse e agora para que eu conclua meu
mestrado, Obrigada!!

Agradeço ao corpo docente da graduação em Arqueologia, assim como as profas Gisele


Daltrine e Fátima Luz (in memoriam), por ter possibilitado o aprendizado em campo e na
vida, obrigada!!

Agradeço a todo o corpo docente do mestrado de Antropologia, também à profa. Joina, pelo
estágio, e ao Natanael, que possui uma competência e gentileza impar. Agradeço, por fim à
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pela o incentivo da
bolsa e à Universidade Federal do Piauí (UFPI) pela minha educação superior, obrigada!

A quem mais interessar, meus sinceros agradecimentos!!


A eternidade é um relógio sem ponteiros (Autor Desconhecido)

O que é, já foi e o que há de ser, também já foi (Autor Desconhecido)


RESUMO

Desde a antiguidade, o trançado de fibras persiste ultrapassando as barreiras do


tempo, e pode ser observado nos lugares, saberes, fazeres e usos das populações
indígenas, também tradicionais urbanas e rurais, perpetuado através das memórias, e
quando possível, dos elementos culturais específicos que impregnam os grupos aos
quais pertencem. A partir de tais considerações a presente pesquisa tem por objetivo
identificar como se processa a cadeia operatória do jacá, do quibano e da peneira,
produzidos por artesãos da cidade de Altos/PI através de parâmetros como a tecnologia,
a técnica de execução, matéria-prima, forma, função entre outros aspectos. A
problemática consiste em entender quais escolhas tecnológicas influenciam na
elaboração destes tipos de trançados, buscando identificar as singularidades e
regularidades presentes nas tradicionais e atuais. As pesquisas de campo realizaram-se
mais efetivamente a partir de novembro de 2014, reiniciando em janeiro de 2015 até a
segunda quinzena de outubro de 2015, semanalmente ou quinzenalmente, na cidade de
Altos e por três vezes no mercado central, que proporcionou a observação dos modos de
saber, fazer e usos dos trançados presentes no cotidiano desses grupos. O embasamento
teórico- metodológico está relacionado à discussão sobre patrimônio, etnoarqueologia e
conceitos, características e análises sobre o trançado de fibras, sob a perspectiva lançada
por Ribeiro (1985) e Silva (2000) além de outros aspectos antropológicos, culturais,
arqueológicos que possam enriquecer estas discussões. Sobre o Patrimônio, o objetivo é
ressaltar a importância do trançado de fibras como indicador cultural de grupos
humanos tanto em sepultamentos indígenas quanto em trançados produzidos por grupos
tradicionais urbanos e rurais como os artesãos de Altos/PI e que deve ser valorizado por
ainda estar presente no cotidiano de diversas sociedades. A etnoarqueologia surge
como uma “ponte” que permite analogias etnográficas como suporte para a
interpretação de dados provenientes de contextos arqueológicos através dos estudos dos
padrões, das relações sociais, da utilização do espaço de forma hierarquizada, entre
outros. Neste caso, os dados arqueológicos estão presentes na revisão bibliográfica
realizada para identificar trançados de fibras presentes em sítios arqueológicos do
Nordeste do Brasil, sendo que estes são identificados desde a pré-história em
sepultamentos, seja através da cultura material, seja através de dados etnográficos,
presentes em relatos de cronistas. A justificativa principal é que o trabalho pretende dar
a devida valoração e valorização ao trançado de fibras do Estado do Piauí.

Palavras- Chave : Trançado de fibras. Patrimônio. Cadeia Operatória.


ABSTRACT

Since ancient times, the twisted fibers persists surpassing the barriers of time,
and can be observed in places, knowledge, doings and practices of indigenous peoples,
also urban and rural traditional, perpetuated through the memories, and when possible,
the specific cultural elements that permeate the groups they belong to. From these
considerations this research aims to identify how it handles the operational chain of
Jaca, the quibano and sieve produced by artisans of the city of Altos /PI by parameters
such as technology, performance technique, raw material, form, function and so on. The
issue is to understand which technological choices influence the development of these
types of twisted, trying to identify the singularities and regularities present in traditional
and current. Field trials were carried out more effectively from November 2014,
resuming in January 2015 until the second half of October 2015, weekly or fortnightly
in the town of Altos and three times in the central market, which provided notice ways
of knowing, doing and uses of twisted present in the daily life of these groups. The
theoretical- methodological foundation is related to the discussion of equity,
ethnoarchaeology and concepts, features and analysis on the twisted fibers from the
perspective launched by Ribeiro (1985) and Silva (2000), in addition to other
anthropological, cultural, archaeological aspects that could enrich these discussions.
About Heritage, the goal is to highlight the importance of braided fibers as a cultural
indicator of human groups in both indigenous burials as twisted-produced by urban and
rural traditional groups such as artisans Altos / IP and that should be valued by still
being present the daily life of many societies. The ethnoarchaeology emerges as a
"bridge" that allows ethnographic analogies as support for the interpretation of data
from archaeological contexts through the study of patterns of social relations, the use of
hierarchical form of space, among others. In this case, the archaeological data is present
in the literature review to identify fiber braided found in archaeological sites in
northeastern Brazil, and these are identified from pre-history in burials, either through
material culture, either through ethnographic data present in chroniclers reports. The
main reason is that the work aims to give proper valuation and appreciation to the State
of Piauí braided fibers.

Key-words : fiber braid. Equity. Operative chain.


LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Artesão no Egito


Antigo.................................................................................................. 24
Figura 2 – Cesto em Miniatura............................................................................ 27
Figura 3 – Cesto do Quilombo......................................................................... 29
Figura 4 – Cofos provenientes de Caxias
.............................................................................................................
............................................................................................................ 31
Figura 5 – Cofo do meio....................................................................................
32
Figura 6 – Vestígios de trançado Furna do Estrago...........................................
........................................................................................................... 51
Figura 7 – Enterramento n. “06”- FUNDHAM ............................................ 55
Figura 8 – Enterramento n. “07”- FUNDHAM ............................................... 55
Figura 9 – Loc. do sítio Toca do Enoque.......................................................... 56
Figura 10 – Enterramento coletivo sitio Toca do
Enoque.............................................................................................. 56
Figura 11 – Localização do sítio Toca do Alto do Capim...................................
.......................................................................................................... 58
Figura 12 – Esqueleto de criança- sítio Toca do Alto do Capim......................... 58
Figura 13 – Enterramento sobre esteira- sítio P. Serra da Cangalha................... 61
Figura 14 – Mapa de Localização de Altos........................................................ 79
Figura 15 – Centro de Artesanato de Altos........... ............................................ 79
Figura 16 – Jacás no Mercado de Altos.................. .......................................... 80
Figura 17 – Primeira visita mercado de Altos/PI ................................................ 83
Figura 18 – Mercado Central em 2011............................................................... 83
Figura 19 – Parte superior artesanato Mercado Central.................................. 84
Figura 20 – Miniaturas de Barra do Corda
(MA)....................................................................................... 85
Figura 21 – Trançados comercializados loja 01............................................... 84
Figura 22 – Minicesto ....................................................................................... 85
Figura 23 – Bolsas Indígenas de Barra do Corda (MA)................................... 85
Figura 24 – Trajeto do Trançado Mercado Central de
Teresina............................................................................................ 87
Figura 25 – Jacás, peneiras, quibanos e outros .............................................. 89
Figura 26 – Aplicação de questionário com o senhor Antonio em
Altos............................................................................................ 89
Figura 27 – D. Florisa.................................................................................... 91
Figura 28 – Fundo de uma cesta ........................... ................................... 92
Figura 29 – Processo de
LAVRAR.......................................................................................... 93
Figura 30 – Taboca com “gurgui”........................................................ ............ 94
Figura 31 – Trajeto do trançado de Altos.......... ............................................ 95
Figura 32 – Cesto dos índios de Barra do Corda .............................................. 97
Figura 33 – Matéria- prima de embira de tucum ............................................... 98
Figura 34 – Base da trama e urdidura................................ ................................ 99
Figura 35 – Trançado cruzado xadrezado ......................................................... 99
Figura 36 – Trançado cruzado
arqueado....................................................................................... 100
Figura 37– Trançado “espinha- de- peixe”..................................................... 100
Figura 38 – Fundo do quibano............................................................................. 109
Figura 39 – Resultado de uma minipeneira.............................................. 110
Figura 40 – Técnica do quibano........................................................................ 111
Figura 41 – Modelo de trançado “espinha- de – peixe”..................................... 111
Figura 42 – Trançado “casa de abelha” modelo,................................................ 112
Figura 43 – Localidade “zundão”................................................................ 112
Figura 44 – Terreiro da casa de D. Florisa .................................................. 112
Figura 45 – Local de armazenamento da taboca............................................. 114
Figura 46 – Ferramentas: facão e faca............................................................... 114
Figura 47- Tala escolhida................................................................................... 115
Figura 48- Início do Processo de Lavrar........................................................... 115
Figura 49- Retirada do “nó”.............................................................................. 115
Figura 50- Corte parte inferior taboca.............................................................. 116
116
Figura 51- Afinando tala lavrada......................................................................
117
Figura 53- Inicio da etapa de tecer...................................................................
117
Figura 54- Processo de “inharcar”....................................................................
117
Figura 55- Pano ou fundo do quibano.............................................................
118
Figura 57- Arrumação das Talas...................................................................... 119
Figura 58- inicio da peneira............................................................................. 119
Figura 59- Tecnica de “casa de abelha”.......................................................... 119
Figura 60- Terceira carreira peneira............................................................... 120
Figura 61- Pano ou fundo da Peneira............................................................. 120
Figura 62- Formação da rodeira........................................................................ 121
Figura 63- Estrutura da rodeira........................................................................ 121
Figura 64- Rodeira e Pano................................................................................ 122
Figura 65- Rodeira e Pano Peneira.................................................................. 122
Figura 66- Acabamento da peneira................................................................. 123
Figura 67- Peneira acabamento.................................................................... 123
Figura 68- Peneira acabamento.................................................................... 124
Figura 69- Peneira acabamento.................................................................... 124
125
Figura 70- Acabamento com embira de tucum........................................... 126
Figura 71- Trançado jacá.......................................................................... 126
Figura 72- Trançado cruzado quadriculado xadrezado............................. 126
Figura 73- Cesto gameliforme.................................................................... 126
126
Figura 74- Matéria- prima.......................................................................... 128
Figura 75- Processo de laxar.................................................................... 128
Figura 76- Processo de Lixar.................................................................... 128
Figura 77- Grade do fundo....................................................................... 129
Figura 78- Ferramenta................................................................................ 129
129
Figura 79- Técnica de confecção da grade.............................................. 130
Figura 80- Documentação em video.......................................................... 130
Figuras 81 e 82- Preparo da grade parte 01.................................................... 130
Figuras 83 e 84- Preparo da grade parte 02................................................ 131
Figura 85- boca da grade........................................................................... 131
131
Figura 86- amarração da grade da boca...................................................... 132
Figura 87- amarração da grade das bordas...................................................... 132
Figura 88- Estrutura pronta....................................................................... 133
133
Figura 89- Inicio da confecção do jacá...................................................... 134
Figura 90- Uso de ferramentas.................................................................... 134
Figura 91- Técnica utilizando os pés............................................................. 134
Figura 92- Retirada da grade...................................................................... 135
Figura 93- Mais da metade do jacá................................................................... 135
135
Figura 94- finalizando o jacá..................................................................... 135
Figura 95- acabamento do jacá.................................................................... 135
Figura 96- jacá pronto................................................................................ 139
Figura 97 e 98-Trançado cruzado sarjado................................................. 140
Figura 99 e 100-.Trançado cruzado sarjado................................................. 140
141
Figura 101 e 102-Cestas bonaliformes...................................................... 141
Figura 103 e 104-Vestígios enterramento 6................................................. 141
Figura 105 e 106-Vestígios enterramento 7................................................ 142
Figura 107 e 108-Vestígios Sitio Toca do Enoque....................................... 142
Figura 109 e 110-Vestígio de Esteira Trançada............................................. 142
144
Figura 111- Motivos geométricos trançados..................................................
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO............................................................................................................. 16
2 CAPÍTULO 1 – O TRANÇADO DE FIBRAS: história, memória e Patrimônio... 21
1.1 A origem do Trançado de fibras ................................................................................. 21
1.2 As tranças de fibras- que enfeita, que encanta e se reinventa..................................... 25
1.3 O trançado em contexto- nota introdutória sobre memória e patrimônio.................. 34
3 CAPÍTULO 2 - O TRANÇADO DE FIBRAS E OS RITUAIS FUNERÁRIOS
NO BRASIL.................................................................................................................. 40
2.1 O Trançado de fibras- os rituais funerários e reverencia aos mortos....................... 41
2.2 Os passos do Trançado de fibras no Nordeste do Brasil- mobiliário, contexto e
patrimônio arqueológico........................................................................................... 49
2.3 O Trançado de fibras indígena e o contexto
colonial.............................................................................................................................. 63
4 CAPÍTULO 3 – O TRANÇADO DE FIBRAS NO COTIDIANO: sobre Saber, o
Fazer e o Fazer trançar.............................................................................................. 76
3.1 Sobre o Lugar- um olhar sobre Altos/PI.....................................................................
.......................................................................................................................................... 77
3.2 Sobre o Saber- um olhar etnográfico sobre o Trançado de Fibras.............................. 81
3.3 Berta e as tranças de fibras: proposta de classificação do Trançado indígena............. 97
5 CAPITULO 4- TECNICAS, TIPOS E RECORREÊNCIAS- uma análise da
cadeia operatória do trançado de fibras do Piauí......................................................... 103
4.1- Sobre a técnica: conceitos e parâmetros para a análise da cadeia operatória do
trançado de fibras............................................................................................................... 104
4.2- Sobre o fazer: as tecnologias artesanais do trançado de fibras do Piauí.................... 107
4.2.1- Quibano e Peneira: o trançar das mulheres de Altos/PI.......................................... 109
Das técnicas do quibano e da peneira................................................................................ 110
Dos locais de coleta e produção do quibano...................................................................... 112
4.2.1.1- Cadeia Operatória do quibano e da peneira (manufatura, preparação da
matéria-prima, acabamento).............................................................................................. 113
4.2.1.2- Cadeia Operatória do jacá (manufatura, preparação da matéria- prima,
acabamento)........................................................................................................... 127
4.2.3- O contexto social da confecção do trançado de Altos/PI...................................... 136
4.3- O trançado de fibras no Piauí- algumas recorrências............................................... 138
6 CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................... 143
REFERÊNCIAS.............................................................................................................. 146
INTRODUÇÃO

Um jacá, um cofo, um quibano, uma peneira, podem ser apenas elementos


comuns dentro do cotidiano das cozinhas, sejam do interior do Piauí, ou ainda como
apetrecho decorativo de alguma parede de uma casa sofisticada em Teresina, reúnem
elementos culturais (materiais e imateriais) que dizem muito sobre as sociedades que os
produzem.
As sociedades que teoricamente não possuem escrita podem, através dos
aspéctos da sua cultura material, possibilitar ao estudioso do seu passado, identificar
elementos importantes que permitam compreender seus costumes, tradições, e outras
características que as traduzem.
Neste contexto, o papel da Arqueologia é de suma importância, em seus
diversos campos de atuação teóricos- metodológicos- prático, ao facilitar o acesso as
informações sobre a cultura material e imaterial supostamente “perdidas” de grupos
humanos pretéritos, e também, variáveis culturais e simbólicas, como por exemplo, uma
multiplicidade de elementos da cultura material identificados em rituais funerários que
podem tanto confundir, quanto aumentar o cabedal interpretativo em aspectos
simbólicos, recorrentes, regulares e singulares dos artefatos, assim como outras feições
imateriais presentes nos contextos arqueológicos.
Assim como a Arqueologia, a Antropologia constitui peça importante neste
trabalho, pois tem a função de lançar “um olhar” para as caracter ísticas culturais
presentes no trançado de fibras, a partir de sua diversidade, tipos, formas, matérias-
primas, dentre outras, observadas através da arte, da técnica de fabricação, das
recorrências, a partir das particularidades do grupo que a fabricam.
O trançado de fibras está presente no contexto arqueológico, especialmente
identificados nos sítios contendo rituais funerários no Nordeste do Brasil, como o Sítio
Alcobaça (PE), Furna do Estrago (PE), Toca do Congo I (PI) e Toca do Enoque (PI),
entre outros. Mesmo como artefato arqueológico, a grande dificuldade de se estudar este
material se dá tanto pela fácil decomposição, quanto provavelmente pela pouca
visibilidade que os faz parecer um artefato “despercebido”, porém, por estar carregado
de de elementos culturais que se traduzem em traços daqueles que os produziram, pode
inferir interpretações importantes sobre aspectos culturais destes.
17

Assim também o trançado de fibras atual está presente no cotidiano, sendo


produzido tanto por grupos indígenas, quanto por populações tradicionais urbanas e
rurais, artesãos e lojas especializadas neste tipo de artesanato, que atualmente é utilizado
como mobiliário, transporte, decoração, de uso ritual, como utensílio doméstico, entre
outras funções, e que tem sua importâ ncia por facilitar o acesso a variáveis importantes
como: a retirada da matéria-prima, a confecção, a comercialização, e mais uma gama
distinta de informações que permitem compreender a diversidade deste.
Com a escolha do trançado de fibras como objeto deste estudo, pretende-se
analisar a cadeia operatória de três tipos de trançados produzidos por artesãos/artesãs da
cidade de Altos/PI: o jacá, o quibano e a peneira considerando alguns parâmetros como
a tecnologia, a técnica de execução, a matéria-prima utilizada, os tipos de
entretrançamentos, a forma e a função do objeto. A escolha se deu principalmente pela
representatividade dos tipos de trançados pesquisados, no cotidiano da nossa sociedade,
das cidades do entorno, pelo seu aspecto de patrimônio histórico, arqueológico e
cultural e por seu caráter tradicional entre as populações indígenas, assim como as
urbanas e rurais do Estado do Piauí.
Segundo a lógica de Ribeiro (1985, p. 95), estes tipos de trançados, não
necessitam de uma classificação tipológica e taxonômica por sua função, por
provavelmente considerar os termos elencados abaixo, como genéricos, e, portanto não
precisam de definições mais específicas:
Se fôssemos estudar os trançados da cultura popular, não indígenas, talvez
não houvesse necessidade de uma classificação t ipológica e ta xonô mica à
base da morfologia e função desses objetos. Embora variem bastante em
forma e função, os termos canastra, balaio, paneiro, cofo, esteira, peneira,
tipiti, covo, seriam suficientes para definir diversas variantes.

Entretanto, observou-se em campo que o jacá, o quibano e a peneira contém


técnicas tradicionais, assim como novas técnicas, além da diversidade de usos, que
através de seus atributos singulares e regulares são passíveis de uma análise
aprofundada de sua cadeia operatória e futuramente proposta de classificação para o
trançado do Estado do Piauí. Como problemática apresentou-se o seguinte
questionamento:
Quais as principais escolhas tecnológicas observadas em campo, a partir dos
modos de saber, fazer e usos do jacá, do quibano e da peneira, diante de suas
singularidades e regularidades, podem ser identificadas, na análise da cadeia operatória
nestes trançados produzidos por artesãos/artesãs da c idade de Altos/PI?
18

Isto implica em dois fatores: primeiramente ao considerarem-se os principais


predicados como técnicas, formas, tipos, funções, usos, entre outros, destacam-se a
diversidade a partir das singularidades e das regularidades presentes nesta cultura
material, ou seja, se entre o jacá, o quibano e a peneira, existem semelhanças e
diferenças que lhe atribuem tais características e que podem ser passíveis de
identificação na cadeia operatória e de uma classificação futura.
O outro fator está nas discussões relativas aos problemas que envolvem a
visibilidade e o reconhecimento do trançado de fibras como importante patrimônio
arqueológico cultural, uma vez que estes estão presentes tanto em contexto
arqueológico, relacionados, por exemplo, a rituais funerários, assim como no material
produzido por artesãos (ãs) de Altos/ PI e dos indígenas (MA), através de seus saberes,
fazeres e usos, tradicionalmente recorrentes.
Como justificativa, ressalta-se a importância do trançado de fibras como
indicador cultural de grupos, ou seja, um conjunto de elementos materiais e imateriais
que persistem ao longo do tempo mesmo com as mudanças impostas pela
contemporaneidade, por retratar a memória atrelada ao patrimônio cultural, bem como
valorizar o saber e o fazer do artesão trançador (ora) e dar (re)conhecimento diante da
academia, sociedade e comunidade deste importante elemento da cultura mate rial e
imaterial da nossa realidade.
A escolha do jacá, do quibano e da peneira, dos artesãos e a cidade de Altos, tem
como justificativas: primeiro esse tipo de trançado ser bem recorrente em Teresina e
regiões próximas; segundo, está na proximidade geográfica e de acesso com Teresina e
por fim, por conta de um trabalho preliminar com os artesãos durante o TCC, que foi o
principal incentivo a prosseguir com a pesquisa sobre o trançado, conhecendo o modo
artesanal, a técnica e a recorrência deste.
Como objetivo principal, busca-se Analisar a cadeia operatória do jacá, do
quibano e da peneira produzidos por artesãos (ãs) de Altos/ PI, através de seus saberes,
fazeres e usos, tradicionalmente recorrentes, considerando parâmetros de tecnologia os
atributos como a técnica de execução, a matéria-prima utilizada, os tipos de
entretrançamentos, forma, a função e uso do objeto.
Os objetivos específicos relacionados foram: Identificar alguns elementos do
trançado de fibras quer representam aspectos culturais singulares e regulares como
representantes do patrimônio cultural; Promover uma discussão sobre a importância do
trançado de fibras como patrimônio que deve ser valorizado em seus aspéctos materiais
19

e imateriais, Analisar a cadeia operatória, considerando desde a retirada da matéria-


prima e confecção, comercialização, usos, entre outras inferências com objetivo de
identificar as tecnologias e os parâmetros supracitados.
Para inserir as principais discussões, toma-se por embasamento teórico-
metodológico, alguns temas relacionados à discussão sobre patrimônio, etnoarqueologia
e conceitos, características e análises sobre o trançado de fibras, sob a perspectiva
lançada por Ribeiro (1985) e Silva (2000), e outros autores, além dos aportes
antropológicos, culturais, arqueológicos que possam enriquecer estas discussões.
Neste sentido, entende-se a etnoarqueologia como uma “ponte” que permite
analogias etnográficas que dá suporte para a interpretação dos dados provenientes de
contextos arqueológicos através dos estudos dos padrões, das relações sociais, da
utilização do espaço de forma hierarquizada, entre outros.
No presente estudo, os dados arqueológicos estão presentes na revisão
bibliográfica realizada para identificar trançados de fibras presente em sítios
arqueológicos do Nordeste do Brasil, sendo que este é identificados desde a pré-história
em sepultamentos, seja através da cultura material, ou através de dados etnográficos,
presentes em relatos de cronistas.
Por não ser possível realizar levantame nto de campo entre as grupos antigos que
utilizaram os trançados de fibras em seus sepultamentos, partiu-se de uma estratégia
metodológica com objetivo de acessar minimamente os saberes envolvidos na
elaboração de alguns trançados na contemporaneidade, observando se existem padrões,
e se estes apresentam uma regularidade, ou se são singulares.
A revisão bibliográfica permitiu identificar, se analogicamente os trançados de
fibras possuem características, que possam ser comparadas com os trançados
produzidos por grupos indígenas do passado e identificados em sítios arqueológicos, ou
ainda em relatos de cronistas do Brasil Colonial.
O trabalho de campo realizou-se mais efetivamente a partir de novembro de
2014, reiniciando em janeiro de 2015 até a segunda quinzena de outubro de 2015,
semanalmente ou quinzenalmente, na cidade de Altos e por três vezes no Mercado
Central de Terersina, que proporcionou a observação dos modos de saber, fazer e usos
dos trançados presentes no cotidiano desses grupos.
Diante do exposto, primeiro capítulo, de caráter introdutório, busca demonstrar
como se deu o processo histórico da origem e evolução do trançado de fibras ao longo
20

do tempo em diversos espaços como o Brasil, por exemplo, como foram se definindo
em sua diversidade e como pode ser considerado um patrimônio cultural.
O segundo capítulo destaca a importância da relação entre os rituais funerários e
a pré-história com a produção de vestígios entre eles, o mobiliário funerário como um
dos traços mais recorrentes deixados por sociedades pretéritas, considerando o
aparecimento do trançado em contexto arqueológico, assim como sua presença no
contexto colonial brasileiro.
O terceiro capítulo busca contextualizar o lugar, o saber e o trançar dos artesãos,
as memórias e histórias dos trançados de fibras presentes nas falas destes, destacando
ainda os contextos onde são produzidos, as gentes que os produzem e o resultado da
pesquisa de campo, bem como analisar o trançado arqueológico e atual identificando
suas singularidades e regularidades.
E por fim, o quarto capítulo tem por objetivo analisar a cadeia operatória do
jacá, do quibano e da peneira, seguindo os parâmetros supramencio nados anteriormente,
assim como comparar as singularidades e regularidades do entre o trançado atual e o
arqueológico. Este trabalho pretende dar a devida valoração e valorização ao trançado
de fibras do Estado do Piauí.
21

CAPÍTULO 1

O TRANÇADO DE FIBRAS – HISTÓRIA, MEMÓRIA E PATRIMÔNIO

“A cultura é uma necessidade imprescindível de toda uma vida, é uma


dimensão constitutiva da existência humana, como as mãos são um atributo
do homem” (José Ortega y Gasset- O livro das missões)

O trançar, a arte que dedilha o passado através da memória dos grupos que o
produz perpetuando-o no tempo e no espaço, se transpõe através destes a partir de sua
arte, sua técnica e sua recorrência. Como uma cápsula das memórias, se mostra e
demonstra sob a égide de mãos hábeis que criam as tramas e entretramas, que fazem
surgir os cestos que falam, os jacás que contam Histórias (estórias), esteiras que
choram, redes que andam sob a batuta da cultura, a grande maestrina do que somos e do
que acreditamos ser.
Com sua (oni) presença dentro das diversas sociedades, desde a bolsa que guarda
a arma mortífera para a caça entre os índios Canelas de Barra do Corda (MA), passando
pelos jacás expostos nas feiras ou pelos cofos que guardam as galinhas chocas ou seus
ovos no interior de Altos e ainda nos quibanos de catar arroz, feijão nas cozinhas de
alguma dona de casa de Teresina, não há como negar a diversidade que engloba os
tipos, formas, matérias- primas e as particularidades que cada artesão (ã) emprega na
confecção do trançado de fibras.
Considerando estas nuances o presente capítulo visa demonstrar os caminhos do
trançado de fibras desde sua origem na antiguidade, sua evolução histórica, sua
importância como indicador cultural de grupos, patrimônio arqueológico e integrante de
uma memória repassada ao longo dos tempos em diversas culturas, a partir de alguns
conceitos, tipos, características e memória.

A origem do Trançado de Fibras


22

O cofo é um objeto que a gente faz pra guardar uma qualquer mercadoria, ne
? Qualquer coisa (seu Cinzento, morador de Porto Baixo-MA, 75 anos)1

O trançado de fibras vem percorrendo um longo caminho desde a antiguidade,


juntamente com artefatos como os líticos, a cerâmica, as estatuetas, os amuletos, e se
tornaram presentes em diversos contextos do cotidiano desses grupos e sociedades
através de rituais, de transporte, do artesanato, da utilidade e são recorrentes em todo o
mundo. Soares e Lourenço (1985, p. 7)2 argumentam que:
A arte do trançado é uma das mais antigas que a humanidade conheceu. Não
obstante a obsolescência das artes manuais; apesar da progressiva destruição
das matérias- primas vegetais de que se serve o artesão cesteiro, ela ainda
ocupa lugar proeminente na cultura de povos tecnologicamente desenvolvidos
como os japoneses e chineses.

Desde a pré- história, os grupos humanos buscaram se relacionar com o meio


circundante, e em alguns eventos cotidianos ou ritualísticos, esta relação assumia
especificidades, como a escolha do local de enterramento considerando caracteres
geomorfológicos, a posição do defunto, os rituais de inumação e a presença da cultura
material nestes contextos.
Isto implica que ainda no período anterior ao que se denomina Neolítico, os
mortos geralmente eram enterrados em grutas e os ossos salpicados com ocre, entre
outros (BAYARD, 1996, p.57), e provavelmente foram sendo embutidos de apetrechos
materiais, durante essas cerimônias rituais.
Tomando como exemplo os rituais funerários, o objetivo é demonstrar que desde
o início, os grupos humanos se utilizaram da cultura material e imaterial tanto na
utilização dos espaços, quanto nos processos rituais e cotidianos nos quais estavam
inseridos, e nos quais são identificados desde os relatos desses povos até a presença em
sítios arqueológicos, como o trançado de fibras, que dentro dos contextos funerários,
representa não apenas um artefato simbólico, mas também está relacionado a funções
utilitárias, de status social, entre outros.
Dentro do contexto de origem do trançado de fibras, uma figura importante se
destaca, persistindo até a contemporaneidade: o artesão. Em civilizações antigas como o
Egito, possuía status e prestígio social de nobres conforme destaca Brancaglion Junior
(2003, p. 76):
Durante a XVIII dinastia, as tumbas dos mestres escultores e joalheiros se
misturam às da alta sociedade tebana que constituía a sua clientela: só esse

1
Artesão entrevistado por Golça lves; Lima e Figueiredo (2009, p. 21) denominado “Fazedor de Cofo”.
2
Apresentação do livro de Ribeiro (1985).
23

fato já indica a posição social atingida pelos criadores. Mas é preciso não
confundi-los com os cortadores de pedra ou os inúmeros operários presentes
num canteiro de obras.

Em sua análise Brancaglion Junior (2003) destaca ainda que os artesãos foram
considerados também artistas no sentido de que produziam arte conforme as
necessidades administrativas da corte egípcia, durante a construção das grandes obras e
monumentos da época, de forma sistemática e hieraquizada:
A arte é coletiva e, da mesma forma que a religião, ela é uma ramificação da
administração real. As grandes obras que constituirão os templos e as mais
belas tumbas são decididas no ápice da hierarquia. A partir desse instante os
“mestres de obras” estabelecem o programa, o projeto e o conteúdo pictórico
e literário. Operários são enviados para cortar pedras e cavar hipogeus, sob a
direção de contramestres e de especialistas em pedreiras. Desde então, toda
uma considerável infraestrutura é acionada para gerir a distribuição de rações
de comida e o fornecimento de material, de modo a que o canteiro não sofra
nenhum atraso. Escribas hábeis em hieróglifos elegantes e os melhores
desenhistas chegam para realizar as composições. Após as últimas correções,
entalhadores vêm cortar a pedra, e os pintores completam tudo ao aplicar o
revestimento e a decoração. Em cada etapa, o trabalho deve ser dividido entre
a ação do artista mestre – aquele que desenha e dá acabamento à escultura
dos personagens – e a dos auxiliares especializados, como aquele que espalha
o revestimento (BRANCAGLION JUNIOR, 2003, p . 77).

Os primeiros artesãos egípcios a fabricarem cestos de fibras remontam ao início


do Neolítico (10.000 a.C), ao se tornarem sedentários, cultivando a terra e domesticando
animais em pequenos núcleos rurais:
No in icio do Neolítico, cerca de 10.000 a.C., o clima do Egito já era
semelhante ao de hoje. Os grupos humanos tornaram-se mais
sedentários e começaram a domesticar certos animais e a cultivar a
terra, assim como a desenvolver as primeiras técnicas de olaria e
cestaria (BRANCAGLION JUNIOR, 2004, p. 12).

No período pré- dinástico (5.500 a.C.) o desenvolvimento dos pequenos centros


urbanos no Egito, a cestaria torna-se mais elaborada e ganha novas funções: além de
servir como recipientes para armazenar objetos diversos (MORLEY, 1996, p. 28),
adentram ao contexto das práticas funerárias, onde “o morto era enterrado protegido
com peles de animais ou sobre uma esteira de juncos” (BRANCAGLION JUNIOR,
2004, p. 13).
O exemplo do Egito antigo demonstrou que o surgimento do trançado de fibras
está relacionado ao processo de organização social de alguns grupos humanos que
foram se sedentarizando em diversas partes do mundo, especialmente nos continentes
Europeu, Asiatico e Africano. Esses grupos foram adquirindo a necessidade de
armazenar e transportar alimentos, por exemplo, e no caso da cestaria egípcia antiga,
24

possuía alem destas, a função de substituir os moveis (MORLEY, 1996, p. 28), devido à
escassez destes. Existem relatos da origem da cestaria entre os Persas, Chineses, no
período antigo e mais recentemente Portugueses e Espanhóis, dentre outros.
A matéria- prima utilizada na confecção da cestaria antiga constituía-se de
palmeiras, papiros, junco, tamareiras, vime, citando algumas, que formavam materiais
como cestos cargueiros, esteiras, escovas, até charretes de vime (Egito), que
provavelmente tinham a função principal de transporte e armazenamento. Além de
artesãos, as mulheres egípcias, geralmente as camponesas, também fabricavam cestos
(MORLEY, 1996, p. 34), o que indica que era uma técnica dominada por homens e
mulheres na sua fabricação conforme Figura 1.

Figura 1- Fabricante de Cestos


do Egito antigo

Fonte: MORLEY, J. 1996.

Neste ítem toma-se por base a origem da cestaria no Egito antigo, por não
identificar bibliografia e fontes que fazem referencias à sua origem nas outras
sociedades antigas citadas, porém não constitui um intuito meramente didático, mas tem
a finalidade principal de evidenciar a importância da origem deste como um elemento
que ultrapassou as barreiras do tempo e das culturas chegando aos dias atuais.
Desde que constituía um simples objeto de transporte ou armazenamento nas
casas de camponeses durante o Egito faraônico, até compor um artefato carregado de
arte nas feiras luxuosas de decoração de casas na contemporaneidade, este aspécto da
cultura material e imaterial sofreu modificações em seus modos de saber, de fazer e
25

usos, onde os produtos de técnicas repercutem em um indicador cultural de grupos, por


suas regularidades e singularidades, ou seja, por mais semelhança que se encontrem
entre um cesto cargueiro confeccionado por uma camponesa egípcia, os modos de saber,
fazer, a própria matéria- prima utilizada é singular em relação ao cesto produzido por
uma artesã de Altos/PI.
Uma das possibilidades de entender esta natureza material e imaterial consiste
em observar e analisar a presença do artefato trançado em sítios arqueológicos,
especialmente se estes estão associados a rituais funerários, por ser possível reconhecer
elementos regulares como as técnicas empregadas na confecção deste, os tipos, a
própria matéria- prima, que podem ser comparadas, inventariadas e até identificadas
feições singulares que o trançado pode apresentar.
Com objetivo de entender essas transformações e a transposição do trançado de
fibras ao longo do tempo, o ítem seguinte buscou identificar a diversidade de trançados,
apresentando alguns conceitos, suas formas, tipos e como se faz presente na sociedade
brasileira.

As tranças de fibras - o trançado que enfeita, que encanta e que se reinventa

E então! Quando eu me entendi, o cofo era uma coisa de grande utilidade na


historia. Sobre a lavoura ele era um tudo...o cofo serve até para botar
mandioca no carro(...) serve como medida, tantos cofos arranquei mandioca
(...) O cofo serve para tirar massa, empaneirar farinha, ir pro igapó. O
cofo... ele tem varias utilidades, eu nem posso conferir. (Manoel Redondo,
brincante de Bumba-meu-boi, Mirinzal-MA)3

Percorrendo um longo caminho desde a antiguidade, o trançado de fibras foi


aperfeiçoado por cada grupo, cada povo, cada sociedade, sem perder, no entanto, a sua
característica de recorrência, estando presente em diversas temporalidades, desde
enterramentos pré- históricos, até atualmente nas tarefas cotidianas, através do uso
doméstico e artesanal. Um ofício tipicamente manual, que segundo Ribeiro (1985,
p.19): “se faz com material rígido, que prescinde tear, espátula e outros implementos
que a tecelagem de fios não pode prescindir”, embora possua semelhanças com
tecelagem.
Existem estudos considerados clássicos sobre o trançado de fibras no mundo,
onde Ribeiro (1985) destaca alguns autores em seu trabalho sobre o trançado xinguano e

3
Artesão entrevistado por Golça lves; Lima e Figueiredo (2009, p. 21)
26

coleção do Museu Nacional, entre outros: Tuffon Mason (1904), Hélène Balfet (1952),
J. M. Adovásio (1977), e mais alguns, que conceituaram e ratificaram na arte de trançar
a ausência do tear ou de moldura, ou seja, todo o processo de trançar é realizado
basicamente com a matéria-prima e as mãos, sem a necessidade de tear, espátulas,
molduras, agulhas, muito comuns na confecção de redes, por exemplo.
Embora exista uma consonância em conceituar o trançado como um trabalho
tipicamente manual, sem instrumentos mecânicos a priori, existiram divergências
quanto à forma de classificá-los, conforme ressalta Ribeiro (1985, p. 23):
As definições de trançados acima descritas mostram que existe uma
unanimidade quanto à natureza intrínseca dessa arte e suas características
mais gerais. Entretanto, quando se trata de definir a estrutura dos trançados e
classificar suas variantes surgem divergências. Mesmo ao abstraírem-se as
especificidades dos materiais empregados- que variam segundo o ambiente
ecológico de cada grupo; ainda quando não se levam em conta os padrões de
desenho ou costura dos elementos que intervêm na execução dos trançados,
sua análise e descrição raramente alcançam uniformidade e congruência.

Isto implica que por mais elementar que seja considerado um cesto, existem
particularidades estruturais que influenciam no modo como podem ser classificados a
partir de suas variantes contextuais: forma, matéria- prima, estrutura, tipo, técnica de
manufatura, entre outras. O conceito de trançado de fibras adotado nesta pesquisa
consiste na definição apresentada por Ribeiro (1985, p. 21), no qual cita Balfet (1952, p.
260)4:
Hélène Balfet define a cestaria como sendo “um ajuntamento feito à mão de
fibras relativamente longas e ríg idas de grosso calibre, formando superfícies
contínuas, a maior parte das vezes recipientes (p. 260). Acrescenta ainda que
a “...a cestaria se distingue dos tecidos ( trabalhados com fios flexíveis e
ajuda de um dispositivo de tensão dos mesmos), do filet (rede), e de obras de
tranças, com ou sem nós, em que ocorrem superfícies contínuas produzidas
por material flexível” (p. 261).

Neste contexto, o trançado de fibras contém elementos culturais materiais e


imateriais que constituem marcas da presença de um grupo em determinado espaço, e a
forma como é confeccionado diz bastante sobre quem o produz. Um exemplo
conceitual5 do trançado está representado na figura 2 (Cesto em Miniatura do Mercado
São José, Teresina- PI):

4
da referida autora: BALFET, HÉLÈNE. La vannerie: essai de classification. L’Anthropologie 56.
Paris, p. 260-280.
5
Este cesto em miniatura reúne as principais características apresentadas no conceito de Balfet: feito à
mão, material flexível, formando trançado de superfícies contínuas, sem nós, entre outros.
27

Figura 2- Cesto em miniatura


comercializado no mercado Central de
Teresina (São José)

Fonte: SANTOS, F. O, 2011.

No Brasil, a presença do trançado de fibras é bastante antiga, como atestam


algumas pesquisas arqueológicas, estando presente geralmente em rituais funerários
procedentes de enterramentos e sepultamentos 6 no Nordeste do Brasil, por exemplo, e
do qual trataremos em capítulo específico.
A própria transformação do trançado atual, está relacionada principalmente a
caracteres econômicos, o que implica em mudanças não só do ponto de vista da técnica,
mas também de aspectos imateriais:
A tradição de fazer cestos, hoje, continua sendo uma atividade que recupera, a
seu modo, esses fragmentos de um outro tempo, articulando-o

6
Silva (2003, p. 21 e p. 23) apresenta uma diferenciação entre o ato de Enterrar, que é o depo sito do corpo
diretamente sob a terra, direta ou indiretamente, e o sepultamento é o deposito do corpo em covas,
túmulos, gavetas, urnas de cerâmica, não necessariamente sob a terra.
28

principalmente como atividade econômica (comércio da cestaria entre


pessoas fora da comunidade, principalmente). Essa arte, enquanto prática
cultural, reflete as mudanças ocorridas no decorrer do tempo e percebidas na
transformação e renovação de formas materiais, e guarda, em certa medida,
vinculo com o passado, condensando o saber, o fazer e a tradição do grupo
(RUSSI, 2004, p.59).

Atualmente os trançados persistem nas comunidades indígenas, nos territórios


quilombolas, nas populações tradicionais urbanas e rurais em todo o Brasil,
apresentando características, formas, tipos e modos de produção diversos.
Um dos exemplos mais antigos de estudos sobre trançado provenientes de
grupos indígenas foi o trabalho de Berta Ribeiro (1977; 1981; 1985) no Parque indígena
do Xingu entre grupos como Yawalapiti, Kayabi, Txikão, e posteriormente entre os
Tukano e Baniwa (alto tributário do rio Negro), onde coletou, identificou, observou
minuciosamente desde o processo de manufatura até a divisão do trabalho artesanal
nestes grupos, no qual constatou:
O estudo dos trançados xinguanos, embora importante, não é suficiente para
uma visão global desta categoria de artefatos de índios do Brasil, mes mo os
da cultura chamada floresta tropical. Impunha-se o exa me, sob os mesmos
pontos de vista, da cestaria dos índios norte- amazônicos. Nessa área é que a
arte cesteira alcançou o mais alto grau de excelênc ia e maturidade, seja no
que se refere ao virtuosismo da execução, à concepção artística das formas, à
infinita variedade de padrões ornamentais geométricos, propiciados pela
rig idez da matéria- prima com que labora o cesteiro, seja no tocante ao
simbolis mo dos desenhos e à presença da cestaria nas atividades de
subsistência desses grupos (RIBEIRO, 1985, p. 12).

Destaca ainda que os mais eficientes cesteiros da região consistem no grupo


Baniwa com uma variedade grande de motivos geométricos. O resultado da diversidade
deste em capítulo posterior.
O próximo exemplo da presença de trançado de fibras no contexto brasileiro
atual corresponde aos grupos quilombolas, que vem obtendo reconhecimento de seus
territórios através de políticas públicas que buscam reconhecê- los como grupos com
uma identidade cultural e pertencimento destes espaços (SARH; ALVES; TOMASI,
2011, p. 1), no qual estes demonstram que “através de uma ação extensionista realizada
em uma comunidade quilombola (Vale do Ribeira-SP) observou-se o resgate cultural
pela prática artesanal de confecção de cestarias”.
O resultado deste estudo, identificou que as cestarias confeccionadas por este
grupo, ressurgiram de forma espontânea entre as novas gerações (p. 1), a partir de novas
práticas de produção, especialmente cestos que possuem funções diversas não
mencionadas pelos autores, representada pela figura 3.
29

Atualmente existem cinco comunidades pertencentes (são 66 grupos entre


apontados, identificados, registrados e titulados parcialmente como quilombos no
Estado de São Paulo)7 ao Vale do Ribeira correspondendo a pelo menos 16 grupos, que
trabalham com trançado: as comunidades Ivaporunduva e Sapatu que utilizam a palha
da bananeira (Musaceae) para confecção de bolsas, cestos, cintos, almofadas, etc. em
substituição a outras matérias- primas como o cipó, por exemplo; na comunidade
Bomba, são produzidos cestos (de cipós timbopeva e gambé, apá (peneiras fechadas de
catar arroz) e peneiras (para abanar e escolher café e feijão) e pequenos balaios, da
matéria-prima de taquara de lixa e taquara lisa; na comunidade Pilões, são produzidos
cestas, surucas, balaios, peneira, cava de caçar peixe, apa, esteira, vassoura de matérias-
primas como o cipó, a taquara, taboa e palha de milho e por fim a comunidade
Cangume, onde são produzidos cestos, peneiras, apá de taquara de lixa e esteiras para
dormir feitas da taboa e peri. Estas informações foram retiradas dos sites “Quilombos
do Ribeira”8 e “Povos do Ribeira”9 .
10
No dia 25 de junho de 2015, foi publicado o Relatório técnico de identificação
e delimitação (RTDI) do quilombo Cangume, que significa um avanço para que se
possam regularizar as terras pertencentes ao território reivindicado por esta comunidade
como sendo de seus ancestrais, obtidas durante a Guerra do Paraguai.
Figura 3-Cestos produzidos no Quilombo.

Fonte: SARH; ALVES; TOMASI, 2011, p.3.

7
Fonte: Inventário cultural de quilombos do Vale do Ribeira / editores Anna Maria Andrade,
Nilto Tatto. -- São Paulo : Instituto Socioambiental, 2013.
8
Fonte: < http://www.quilombosdoribeira.org.br/ > acesso em agosto de 2015.
9
Fonte: < http://www.povosdoribeira.org.br/ > acesso em agosto de 2015.
10
Fonte: < http://www.incra.gov.br/noticias/sp-incra-publica-relatorio -tecnico-de-comunidade-
quilombola-do-vale-do-ribeira > acesso em agosto de 2015.
30

Há registros de outros grupos tradicionais urbanos e rurais que fabricam o


trançado de fibras atualmente com objetivo não somente de subsistência, mas para
preservar os modos de saber, fazer e usos deste, dos quais destacamos dois grupos.
Na pesquisa desempenhada por Adriana Russi durante sete anos (entre 1993 a
2000), que constituiu a dissertação de mestrado, foi realizada na zona rural do sudeste
de São Paulo, mais precisamente em Ibiúna, teve por objetivo como a mesma expõe: “a
possibilidade de compreender a cestaria como forma de arte enquanto prática cultural de
uma comunidade rural formada por bairros „caipiras” (RUSSI, 2004, p. 53). O
interessante da pesquisa é que levou em consideração a memória cultural presente nos
cesteiros e cesteiras idosas, além de observar as transformações na própria confecção do
trançado produzidos por estes:
O trabalho mais intenso de entrevistas concentrou-se em onze mulheres (sete
artistas e quatro não artistas) 11 e nove homens (quatro artistas e cinco não
artistas em sua maioria agrafos, que têm em comum também a faixa etária:
geração idosa e o espaço onde vivem: os sítios (RUSSI, 2004, p.56)

O resultado desta pesquisa foi uma proposta de classificação sob influencia da


proposta de Ribeiro (1985), que considerou como critérios de análise: localização e
coleta da matéria- prima, processamento, o modo de trançar, a nomenclatura da
comunidade e a memória da comunidade trançadora, entre outros, apresentando como
tipos de trançados cestos de coleta, cestos cargueiros, esteira, abanador, bolsas, balaios e
no qual destaca o percentual condizente com a matéria- prima como critério principal:
De acordo com a matéria-prima, foram encontrados dois grupos de artefatos:
os de tala e os de palha. A tecnologia que emprega taquaras e cipós é
denominada técnica da tala. Do total de artefatos, 63% são confeccionados
empregando-se diferentes gramíneas (taquaras) e apenas 8% são
confeccionados exc lusivamente com diferentes aráceas (cipós). Alem disso
16% dos artefatos podem ser confeccionados tanto com gramíneas quanto
com aráceas. Os demais artefatos, ou seja, os 8% são trançados em palha,
tecnologia que emprega tanto tifáceas (taboa) quanto ciperáceas (junco e
taboa- legítima) (RUSSI, 2004, p. 57).

Assim como no Piauí há o jacá, no Maranhão há o cofo. Em um trabalho


primoroso, uma pesquisa documentada por Jandir Gonçalves, Weeslem Lima e Wilmara
Figueiredo em 2007 e 2008, através da comissão maranhense foi realizado o projeto
denominado Cofo de Segredo12 no qual resultou em inventário do cofos de regiões ( 24

11
Neste artigo Russi trabalha com a perspectiva de que alguns cesteiros da área podem ser considerados
artistas quando produzem artefatos com “alta perfeição técnica” ou ainda “artefatos confeccionados
rapidamente para cumprir uma função imediata”(p. 55).
12
O projeto Cofo de Segredo foi patrocinado pelo Programa BNB de Cultura, a Superintendência do
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional do Maranhão (IPHAN - MA) e do Centro
Nacional de Folclore e Cultura Popular (GONÇALVES; LIMA; FIGUEIREDO, 2009, p. 11).
31

localidades) diversas do Estado do Maranhão com o objetivo de “´(...) documentar


nomenclaturas e formatos de cofo encontrados em solo maranhense, de modo a registrar
as técnicas de trançado e matérias- primas empregadas na sua confecção”
(GONÇALVES; LIMA; FIGUEIREDO, 2009, p. 11). Além de documentar, este
trabalho também possibilitou que observassem o modo de vida das pessoas e a própria
valorização do cofo “ como expressão artística e simbólica da cultura maranhense (...)”
(p. 13):
Indispensável na vida das pessoas que trabalham na pesca e na lavoura, o
cofo é um elemento corriqueiro inserido na economia e cultura das regiões
visitadas pela equipe. A dificuldade em formular e xplicações mais
especificas por parte de alguns “fazedores de cofos” nos levou a refletir sobre
a riqueza dos sentidos que o objeto pode adquirir. Vimos que ele varia
“conforme o olho de quem vê”, as experiências e memórias de cada um
(GONÇALVES; LIMA; FIGUEIREDO, 2009, p. 21).

Feito através de entrevistas documentadas, o projeto trouxe como original as


impressões que os fazedores de cofos possuíam do seu trabalho como uma espécie de
“estranhamento” por conta de um objeto tão “comum” (sic). (GONÇALVES; LIMA;
FIGUEIREDO, 2009, p. 13), conforme a figura 4.

Figura 4- Cofos proveniente de Caxias-MA,


comercializado no Mercado São José (Mercado Central
de Teresina)

Fonte: F. O. S. Dezembro/2011.
32

Isto implica que o próprio artesão percebe a “invisibilidade” e a desvalorização


do seu ofício, e segundo os pesquisadores: “(...) que a falta de prestigio do cofo e seus
“fazedores” não se restringia ao circuito de seus usuários e produtores” (GONÇALVES;
LIMA; FIGUEIREDO, 2009, p. 13), mas da necessidade de angariar dados que
pudessem reverter essa situação de desvalorização do cofo. Para a documentação a
metodologia incluiu viagens, relatórios, entrevistas, documentação fotográfica,
perfazendo um total: “1.800 fotografias, 13 relatórios e 76 entrevistas feitas com
homens e mulheres” (GONÇALVES; LIMA; FIGUEIREDO, 2009, p. 15).
Através de entrevistas, os pesquisadores conseguiram apreender alguns critérios
que foram importantes para compreender como se processam as técnicas na confecção
do trançado neste estudo, e do qual destaca-se:
Quanto aos trançados foram apontados quatro principais formas, que são
determinadas conforme a variação de trama (ativo) e urdidura (passivo), e
escolhidas de acordo com a finalidade e uso que pretende dar ao objeto. O
cofo de trama urupi possui o trançado vazado e espaçado, sendo empregado
como um instrumento para lavar e escorrer produtos de diversos gêneros. É
comumente usado para lavar mariscos e para pôr a massa de mandioca de
molho antes da produção da farinha d‟água ou da tapioca, por e xe mplo. O
cofo de trama chamada comum ou normal tem seu trançado desenvolvido na
horizontal e as tramas e urdiduras duplas cobrem entre si. O cofo recebe a
qualificação de urupuá ou urupuama quando a trama segue na horizontal,
sendo formada pelo entrelaçamento de uma tira de palha por outras três ou
quatro. Já o cofo urupuano tem suas fibras organizadas no sentido vertical,
ficando sobrepostas umas às outras e aos pares. Se comparada às demais, é a
técnica menos utilizada (GONÇALVES; LIMA; FIGUEIREDO, 2009, p.
23).

Esta passagem foi significativa pra compreender que a própria manufatura do


cofo, depende não somente da técnica empregada, mas da própria funcionalidade a que
se destina, muito parecido com o quibano produzido em Altos, em que existe diferença
entre o quibano de catar arroz e o de catar feijão, onde o primeiro possui um trançado
mais aberto possibilitando que as “escolhas” do arroz que não forem identificadas
ultrapassem os orifícios deste, ao passo que o quibano de catar feijão possui um
trançado mais fachado, para que outros grãos fiquem visíveis durante o processo de
separação destes.
Além da própria técnica e funcionalidade, o aspécto principal para a confecção
de um bom cofo persiste na matéria- prima, que pode ser folha ou olho de babaçu
(Orbignya spenciosa), caraná, pati ou ariri, pupunha, inajá, carnaúba, ou tucum
(GONÇALVES; LIMA; FIGUEIREDO, 2009, p. 22). Sobre a função servem como
33

transportadores e acondicionadores de peixes, caranguejos, aves, frutas, verduras, entre


outros, conforme figura 5:
Figura 5- Cofo de Meio, transportando
galinha. Feira Central do Maranhão

Fonte: GONÇALVES; LIMA; FIGUEIREDO, 2009, p.


65.

Em pesquisa anterior, identificamos a presença do cofo no Mercado São José


(Central) de Teresina, e como elemento integrante do trançado maranhense, os critérios
de produção, utilização e comercialização são semelhantes aos produzidos aqui. Diante
do que foi demonstrado, se ratifica que o trançado de fibras apesar de sua antiguidade,
persiste em um artefato bastante atual, presente em diversos grupos na sociedade
brasileira, confirmando seu caráter tradicional, mas que vem se modificando, ganhando
novas formas, funções e usos. Uma tentativa de valorizar sua tradição, sua memória e
sua importância para que não desapareça futuramente, pois como enfatizou seu
Benedito Teixeira13: “(...) hoje eles não querem aprender, é só com essa moda de saco”,
sobre os jovens da sua comunidade.
Pensando na valorização do trançado de fibras como Patrimônio de nossas
terras14, o ítem final deste trabalho (re) traz a significativa discussão sobre este elemento
que representa um importante indicador de grupos culturais, não somente em
sepultamentos indígenas, mas também em grupos atuais como os quilombolas, por
exemplo, sua diversidade e recorrências nos contextos apresentados, no qual afirmamos

13
Entrevistado por Gonçalves; Lima; Figueiredo (2009, p. 25). Morador de Porto Rico do Maranhão.
14
Ao utilizar o termo “ nossas terras”, busca-se ressaltar a importância dos grupos que produzem,
comercializam e utilizam o trançado de fib ras, especialmente nos Estados do Maranhão e Piauí.
34

em trabalho anterior: “que as fibras possam ser vistas, e acima de tudo reconhecidas”
(GOMES, 2012, p.70)15.

O trançado em contexto- nota introdutória sobre a memória e o patrimônio


cultural.

Eu procurei aprender (o cofo). Mas no meu tempo... Dessa turma aqui


do meu tempo não tem nenhum que não sabe fazer! Todo mundo
sabe fazer, mas a juventude não quis não (Benedito Teixeira, Porto
Rico do Maranhão)

Ao lançar olhares sobre a origem, confecção e modificações sofridas pelo


trançado de fibras através de seus aportes materiais e imateriais, estes demonstram sua
importância como elemento representativo de diversos contextos culturais tanto em
sítios arqueológicos, quanto produzido por artesãos de grupos tradicionais urbanos e
rurais.
Isto significa que os saberes, os fazeres e usos da capacidade criativa humana
dos artesãos, transmitidos, sobretudo, graças à memória, podem ser observados e
identificados e ainda podem ser preservados por meio de ações diversas, onde se fez
necessária, por exemplo, a criação de instituições aptas a promover a manutenção e
preservação dos bens culturais materiais e imateriais que, no caso brasileiro foi iniciado
formalmente em 1937 com a criação do Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico
Nacional, o qual promoveu algumas boas conseqüências e segundo Froner (1995, p.
291), confirmam que preservar e conservar o patrimônio cultural é mais que essencial
para qualquer nação no mundo:
A criação do Serviço de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional: a
formulação de legislações voltadas aos bens patrimoniais móveis e imóveis: a
fundação de museus e casas históricas; a formação de profissionais que se
dedicam à pesquisas, à veiculação e à conservação de bens patrimoniais
móveis e imóveis; todos esses caminhos confirmam esta hipótese .

Ou seja, a institucionalização das ações de preservação e conservação dos


patrimônios através da legislação, das instituições e pessoas, representou um avanço do
ponto de vista da salvaguarda destes, e teve como ponto de partida as discussões sobre
memória e patrimônio.

15
Ao citar esta frase ressalta-se aqui o compromisso em evitar problemas com (auto) plágio ou outro que
possam prejudicar o entendimento do trabalho, uma vez que o assunto foi abordado na monografia.
35

Entender a memória como elemento significante do patrimônio cultural dos


grupos humanos, implica aceitar que para ser preservada necessita do apoio destas
instituições, pessoas e da sociedade como um todo, porém as ações devem ser
repensadas, quando necessário para deixar de ser somente uma estratégia de
conservação, mas realmente promover atuações concretas de preservação e
conservação, não constituindo apenas um horizonte pra alguns profissionais:
Repensar el patrimonio exige deshacer la red de conceptos en que se halla
envuelto. Los términos con que se acostumbra a asociarlo ;identidad,
tradición, historia, monumentos- delimitan un perfil, un territorio, en el cual
"tiene sentido" su uso. La mayoría de los textos que se ocupan del patrimonio
lo encaran con una estrategia conservacionista, y um respectivo horizonte
profesional: el de los restauradores, los arqueólogos, los historiadores; en
suma, los especialistas en el pasado (CANCLINI, 1999, p. 16).

A memória representa o vínculo estratégico em que os grupos utilizam para


construir e reforçar sua identidade social e de pertencimento a estes grupos, e é utilizada
como categoria de análise em vários campos disciplinares das ciências humanas, e
“hoje, parece que se organiza o esboço de um consenso em torno da noção de que o
lugar da memória é aquele da produção de subjetividades, da construção de
identificações” (VENSON; PEDRO, 2012, p. 125).
Neste aspécto, a história oral tem importante papel como metodologia para se
compreender como são construídas estas memórias do ponto de vista histórico em suas
diversas temporalidades, além dos cuidados com as fontes:
A partir da técnica da entrevista, a história oral se configurou como
metodologia propositora de um novo entendimento acerca da memória como
fonte histórica, mostrou as diversas temporalidades que destroem a linha do
tempo política, colocou em evidência o tempo subjetivo. Não se trata
simplesmente da transcrição da entrevista gravada, nem de uma pretensão
e xclusiva de formar arquivos orais, mas de uma produção de conhecimento
histórico com todos os cuidados dispensados a qualquer outra fonte
(VENSON; PEDRO, 2012, p. 132).

Considerada um campo interdisciplinar por abranger a história, a literatura, a


antropologia, a lingüística, a psicanálise, entre outras, segundo Venson; Pedro (2012, p.
132): “a idéia central no campo da história oral é dotar a memória de historicidade,
mostrar que ela é possível num dado contexto em que é provocada”. Nesta perspectiva,
outro elemento é considerado para se compreender a importância do trançado de fibras:
representa um patrimônio cultural.
A própria noção de patrimônio cultural está atrelada à existência de uma cultura
material expressa por grandes monumentos (pré) Históricos, sítios arqueológicos,
cemitérios e tumbas, artefatos antigos, restos mortais, pinturas rupestres, entre outros, o
36

que muitas vezes restringe a essencialidade de outros elementos que o formam, como,
por exemplo, a cultura imaterial, as artes populares, o artesanato indígena, as expressões
religiosas, culinárias, etc., mas que vem recebendo atualmente atenção por parte das
instituições, mesmo que de maneira bem tímida, que tem o papel de preserva- las.
A realidade, porém, é bastante diversa, pois mesmo que a intenção destas
instituições seja preservar, conservar e proteger, o governo brasileiro não proporciona o
devido suporte como gestor, não oferece oportunidades de investimentos privados, o
que provoca, por exemplo, a perda de bens tombados, a falta de financiamentos para
escavações arqueológicas, desvios de verbas para manutenção de museus e outros,
escassos estudos das coleções arqueológicas etc.
Do ponto de vista conceitual, considera-se neste trabalho, o patrimônio cultural
como um aspecto solidário de bens e práticas que unem as pessoas em um determinado
grupo, no qual Canclini (1999, p.17), ressalta:
El patrimonio cultural e xp resa la solidaridad que une a quienes comparten un
conjunto de bienes y prácticas que los identifica, pero suele ser también un
lugar de complicidad social. Las actividades destinadas adefinirlo,
preservarlo y difundirlo, amparadas por el prestigio histórico y simbólico de
los bienes patrimoniales, incurrien casi siempre en cierta simulación al
pretender que la sociedad no está dividida en clases, etnias y grupos, o al
menos que la grandiosidad y el respeto acumulados por estos bienes
trascienden esas fracturas sociales.

O que significa que apesar de aparentemente apresentar-se como um “conjunto


harmônico” que está acessível e pertencente a todo o grupo que reivindica sua herança
cultural, o patrimônio vem carregado de diversidade que muitas vezes é confundida com
desarmonia, pois mesmo que as Cartas, Instituições, pesquisadores, mecanismos de
proteção apontem que a “herança cultural” é um produto de um grupo, etnia, povo e
assim por diante, a própria hierarquização do capital cultural, diz ao contrario:
Esta diversa capacidad de relacionarse con el patrimonio se origina, primero,
en la desigual participación de los grupos sociales en su fomación. Aun en los
países en que la legislación y los discursos oficiales adoptan la noción
antropológica de cultura, que confiere legitimidad a todas las formas de
organizar y simbolizar la vida social, existe una jerarquía de los capitales
culturales: vale más el arte que las artesanías, la medicina científica que la
popular, la cultura escrita que la oral (CANCLINI, 1999, p.17).

O patrimônio muitas vezes é concebido como uma categoria de pensamento


essencialmente moderna, como um produto de fins do Sec. XVIII, mas como a firma
Gonçalves (2003, p. 22), está presente desde a antiguidade como elemento
indispensável nas sociedades:
37

Muitos são os estudos que afirmam constituir-se essa categoria em


fins do século XVII, juntamente com o processo de formação dos
Estados Nacionais, o que é correto. Omite-se, no entanto, o seu caráter
milenar. Ela não e simplesmente uma invenção moderna. Está
presente no mundo clássico e na Idade Média, sendo que a
modernidade ocidental apenas impõe os contornos semânticos
específicos que, assumidos por ela, podemos dizer que a categoria
“patrimônio” se faz presente nas sociedades tribais.

É uma palavra de grande peso, pois representa qualificações distintas atuando


em diversos fatos da sociedade como a economia, a religião, jurídico, o financeiro, o
histórico, o cultural, entre outros, transitando entre estas fronteiras, mas sempre
ratificando a característica de pertencimento, e por isso necessita de políticas públicas
e/ou privadas de salvaguarda dos patrimônios material e imaterial. Um fator muito
constante nas discussões sobre Patrimônio é a confusão com uma de suas qualificações:
a propriedade, observada inclusive na literatura etno- antropológica:
A noção de patrimônio confunde-se com a propriedade. A literatura
etnográfica está repleta de exe mplos de culturas, nas quais os bens materiais
não são classificados como objetos separados de seus proprietários. Esses
bens, por sua vez, nem sempre possuem atributos estritamente utilitários. Em
muitos casos, servem de propósitos práticos, mas possuem ao mes mo tempo,
significados mágico - religiosos e sociais (GONÇALVES, 2003, p.23)

A realidade brasileira quanto à gestão, políticas de incentivo do Patrimônio, e


16
outras, até meados da década de 1990, não havia, por parte do Estado , por exemplo,
um incentivo do governo com relação à participação social e investimentos maiores da
iniciativa privada no contexto de preservação (FRONER, 1995, 292), o que
conseqüentemente influencia na perda de bens tombados, esbarra na falta de
financiamentos para escavações arqueológicas, tem uma grande demanda de desvios de
verbas para manutenção de museus e outros, escassos estudos das coleções
arqueológicas, todos motivados pela falta de suporte das Superintendências, alem da
ausência de oportunidades de investimentos privados, como ressaltado anteriormente.
O atual conceito de patrimônio cultural brasileiro traz implícita a necessidade de
se preservar e conservar os bens em sua totalidade seja material e imaterial:
Numa perspectiva valorativa, o patrimônio cultural do país foi definido como
conjunto de bens de natureza material e imaterial (tomados individualmente
ou em sua totalidade) portadores de referência à identidade, à ação, à memória
dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira. Entre tais bens se
incluem: as formas de expressão; os modos de criar, fazer e viver; as criações
científicas, artísticas e tecnológicas; as obras, objetos, documentos,
edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;

16
Na Constituição de 1988 (Art. 215 e 216) já prevê o resguardo de todos os aspectos e manifestações
culturais do Brasil, desde os pré- históricos até os atuais, alem da sanção do Decreto n.o 3551/2000 que
trata do Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial”.
38

sítios de valor histórico, urbanístico, paisagístico, artístico, arqueológico,


paleontológico, ecológico e científico (PELEGRINI, 2008, p. 152).

O fato é que as instituições existem, a própria legislação brasileira nesta área é


considerada avançada do ponto de vista da proteção e salvaguarda, e também há
pessoas que trabalham diretamente para preservar, conservar e pesquisar sobre essas
memórias diversas do patrimônio cultural, porem sob a problemática da conservação e
preservação da cultura material, uma das soluções seria, por exemplo, incentivos às
áreas de conservação e restauro, especialmente onde existem grandes acervos
(FRONER, 1995, p. 293)17. E ainda como destaca Arantes (2007, p. 9-14):
Nesse sentido, a valorização do patrimônio cultural torna imperiosa a atenção
dos especialistas e gestores de programas de salvaguarda em relação à
sustentação das “condições materiais e ambientais necessárias à reprodução”,
“desenvolvimento” e manutenção do patrimônio, e também o
acompanhamento das “formas costumeiras de transmissão dos
conhecimentos” visando à “formação de novos executantes”, 18

Em 2007, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN),


lançou uma cartilha intitulada: “Patrimônio Cultural Imaterial- para saber mais” na qual
apresenta como objetivo: “[...] divulgar as diretrizes e instrumentos que norteiam e
tornam possíveis as atividades de identificação, registro e salvaguarda do patrimônio
imaterial” (IPHAN, 2007, p.5). Então, neste contexto o trançado é considerado a partir
de seus saberes, fazeres e usos.
A sua materialidade e imaterialidade comprova-se por todos esses aspéctos,
porém não são valorizadas como um patrimônio cultural em vários lugares, a não ser na
função que exerce para o indivíduo, geralmente o artesão, e às vezes para os grupos.
Relembrando Gonçalves; Lima; Figueiredo (2009, p. 24), em trançados como o cofo,
antigamente constituía um elemento de status social:
A importância do cofo antigamente era tamanha que, em alguns depoimentos,
a capacidade de confeccionar o objeto apresentava-se como uma maneira de
qualificar o individuo socialmente. Segundo nos contou José Goulart, seu
Zequinha como é conhecido na localidade, morador da localidade Belo, em
Porto Rico do Maranhão, nos tempos antigos, para saber se um homem era
um bom pretendente, a família da moça cobiçada testava as habilidades dos
rapazes a partir da confecção do objeto.

17
“A idéia de conservação tem como objetivo a busca do prolongamento da vida útil de um material, em
relação a dois fatores: o caráter insubstituível dos objetos culturais e sua “vulnerabilidade cultural”
através dos tempos”.
18
ARANTES, Antônio. O patrimônio imaterial e a sustentabilidade de sua salvaguarda. DaCultura, ano IV, n.
7, pp. 9-14. Disponível em site: http://www.funceb.org.br/revista7/04.pdf. Acesso em ago/2007.
39

Além da desvalorização dos saberes, fazeres e usos, um dos principais


problemas de ordem estrutural do trançado de fibras, corresponde à fragilidade de seu
suporte devido à durabilidade do material que é produzido, com matéria prima-vegetal,
o que implica em efeitos de decomposição ao estado de conservação, e pode se
constituir um empecilho aos estudos mais aprofundados, especialmente de material
procedente de contexto arqueológico, por se tratar de material orgânico. Neste sentido, a
construção de locais para sua conservação ou equipar adequadamente os acervos, de
modo a prolongar sua preservação para posteriores estudos, pode representar uma
solução viável.
Além da presença em diversas temporalidades, O trançado de fibras é
representativo de uma expressão de técnicas e valores, de singularidades e
regularidades, que deve ser valorizada como expressão social, porque segundo o próprio
IPHAN (2007. p. 25):
A ideia é que se construa uma consciência e um respeito por tudo aquilo que
precisa ser preservado para que o bem continue a existir e, ao mes mo tempo,
que se explore o potencial desse bem cultural para o desenvolvimento da
região e para a melhoria da vida das pessoas.

Podem ser considerados como importantes indicadores de traços culturais, por


estarem inseridos em expressões de símbolos, crenças, rituais, uso cotidiano das
populações rurais e urbanas na contemporaneidade, representativos de memórias,
passíveis de identificar intercorrências culturais nos grupos (PASCHOALICK, 2008, p.
22).
Diante do exposto, ressalta-se a importância do trançado de fibras, não somente
como um indicador de traços culturais de grupos, mas essencial para “o
desenvolvimento da cidadania... e para a superação das desigualdades econômicas.. de
uma determinada região” (IPHAN, 2007, p. 25)., no qual veremos a seguir.
40

CAPÍTULO 2

O TRANÇADO DE FIBRAS E OS RITUAIS FUNERÁRIOS NO BRASIL

Nisto erramos: em ver a morte à nossa frente, como um acontecimento


futuro, enquanto grande parte dela já ficou para trás. Cada hora do nosso
passado pertence à morte (Sêneca).

Ao constatar-se a antiguidade do trançado de fibras, buscou-se demonstrar que


se trata de um importante elemento da cultura material de grupos humanos, que por
meio de singularidades, regularidades, recorrências e presença tanto em contexto
arqueológico, quanto nas populações tradicionais urbanas e rurais, demandando
utilidades, reconhecimento de grupos e arte, que deve ser valorizado. Considerando
tais premissas, apresenta-se no Capítulo 2, a presença do trançado nos sítios
arqueológicos do Nordeste do Brasil, assim como revis to nas fontes dos cronistas do
período colonial brasileiro.
Neste sentido, a proposta é analisar o porquê da presença do trançado de fibras
nos contextos estudados de modo a identificar o possível significado para o processo
ritual a que estava inserido e sua conexão com outros artefatos presentes no mobiliário
funerário. A primeira parte constitui-se de uma análise sobre o processo de ritual
funerário desde a antiguidade, os conceitos, os aportes teóricos- metodológicos,
especialmente no campo da arqueologia das práticas mortuárias e a confirmação da
presença do trançado de fibras inserido nestes espaços rituais no mobiliário funerário.
A segunda parte abrangeu a identificação dos sítios arqueológicos,
principalmente no Nordeste do Brasil, que apresenta material ou resquícios de material
de trançado de fibras, relacionado ao seu enxoval funerário. E para encerrar o capítulo,
realizou-se uma revisão etnográfica a partir dos cronistas, da presença do trançado de
fibras no universo indígena, buscando compreender sua relação no cotidiano destes
grupos e em seus rituais. O objetivo deste capítulo é analisar a inserção do trançado de
fibras nestes contextos, bem como reafirmar seu caráter de patrimônio arqueológico
cultural.
41

O trançado de fibras- os rituais funerários e reverência aos mortos

“Certo dia, disse à sua mulher que havia sonhado com o pai, morto havia
muito tempo, e que o velho o chamara para junto dele. - Eu vou – disse ele a
Xiyra. Deitou-se na rede e, em vez de dormir, se fez morrer (Darcy Ribeiro,
em Diários Índios, 1996).

A morte como presença constante na vida dos seres vivos, desde a antiguidade
tornou-se fonte de preocupação para os diversos grupos humanos, o que fez com que
estes organizassem rituais funerários que se constituem em mediadores simbólicos entre
vivos e mortos, que abarca as crenças, os símbolos e os mitos presentes neste contexto.
Fonte de inspiração para poetas e pensadores, fonte de conhecimentos para
cientistas nas mais diversas áreas, fonte de angústia e pesar para moribundos, idosos,
homens, mulheres, crianças, o processo de morrer e de morte consiste tanto em um
aspecto biológico, quanto cultural, que foi cristalizando práticas ritualísticas impressas
na posição do corpo durante o enterramento, na escolha do local da cova, no uso de
flores, que possivelmente teve início com os Neandertais 19, entre outras:
A morte é na maioria das vezes, marcada por uma série de gestos e
comportamentos individuais e coletivos, cuidadosamente ordenada, já que na
concepção de alguns grupos tribais é necessário acalmar o espírito do morto,
evitando que ele regresse sob uma outra forma, podendo causar algum
infortúnio aos que ficaram. Assim, todas essas manifestações sentidas e
e xpressas- tristeza, indiferença, dor, alegria - são atitudes eminentemente
simbólicas, pois dependem, entre outras coisas, do tipo de morte, da posição
social do morto, dos sobreviventes e da relação que mantinham com o morto
(RUFFIÉ, 1987, p. 244)

Fosse por medo à decomposição cadavérica, fosse por um construto social, fosse
por obrigação de manter um status social, os primeiros grupos humanos iniciaram seus
ritos de passagem, através de símbolos e crenças, e os primevos, como não nos legaram
escrita (ou ainda não há descoberto o código secreto desta, quem sabe?) deixaram a
presença desses ritos iniciais em cavernas e grutas espalhadas pelo mundo e também em
seus enterramentos.
No que concerne aos Homo sapiens, o sepultamento mais antigo que se tem
notícias foi encontrado na Caverna de Quafzeh, na Ga liléia. Nesta caverna foi
descoberta a cova de uma mulher jovem com uma criança de seis anos de
idade, cuja datação está em torno de 100.000 anos BP. Também em uma
caverna no Iraque, Shanidar, foram encontrados nove sepultamentos
humanos em níveis deposicionais diferentes, cujo mais antigo continha um

19
Conforme Leite (2011, p. 29) os primeiro enterramento realizados por grupos Neandertais possuem
registro na Europa e Oriente próximo entre 80.000- 60.000 anos BP.
42

sepultamento que foi datado em 70.000 anos BP. Junto com os indivíduos
foram encontradas instrumentos líticos variados, além de micro -vestígios
vegetais, inclusive de espécies de flores (LEITE, 2011, p. 29).

Com as civilizações clássicas, os mitos aliados a elementos da natureza,


transformaram a visão do homem antigo sobre a morte, através do uso de máscaras, ou
da inserção de figuras mitológicas como górgonas, homens- escorpiões, minotauro, e
ainda quando se tornam um produto de um Estado e de um povo, movimentando toda a
sociedade e legando livros, grandes tumbas, técnicas de mumificação, entre outros
(BRANCAGLION JUNIOR, 2004, p. 10).
Isto implica que os rituais funerários, são o norte da história, que propagam a
vida, durante a morte, possuindo estágios diversos, que vão desde os enterramentos até
o próprio sistema de mitos, símbolos e crenças que perfazem o processo ritual, pois
como enfatiza Sene (2007, p.52), a morte é um evento social que faz parte de um “rito
de passagem”.
Se das etapas iniciais dos rituais os enterramentos e sepultamentos constituem o
principal elemento, a preparação do cadáver para esses rituais pode ser considerada a
mais simbólica, pois é através do luto que se faz toda reverencia que o morto necessita:
Quanto ao luto (em Nova Guiné), o autor (STRATHERN, 1981)
descreve que ele começa tão logo a morte seja tornada pública e
termina quando a preparação da comida inicial é completada,
cerca de uma semana. Durante este período, parentes e
associados de todos os tipos trazem alimentos como presentes
para o morto. Cabe aos parentes mais próximos chorar e cantar
sons de lamentos e dentre eles são as mulheres que mais choram
e lamentam, por um prolongado período de tempo (SENE, 2007,
p. 53, grifo nosso).

Essa construção ritualística em torno da morte provavelmente veio de situações


que envolviam medo, onde os homens perceberam que deviam lutar pra sobreviver, que
foram se fortalecendo com a formação em grupos, depois em comunidades, cidades,
entre outras, a partir da criação de regras, leis e condutas, que se transformaram em
normas sociais vigentes na contemporaneidade, e que regem os atuais ritos funerários:
“sem dúvida, nas sociedades avançadas20 os grupos não insistem mais tão
apaixonadamente em que apenas sua crença sobrenatural e seus rituais podem garantir a
seus membros uma vida eterna depois da terrena” (ELIAS, 2001, p.12), o que representa
na atualidade, o nosso medo de lembrar a nossa própria morte (ELIAS, 2001, p. 16).

20
Representa a visão do autor e não a nossa.
43

Mediante a tais premissas, como definir o Ritual? Como um conjunto de gestos


sociais, ou como um conjunto de regras sociais padronizados em crenças, símbolos,
entre outros? Alguns autores se debruçaram sobre esta questão, tal como demonstra
Leite (2011, p. 40):
Para Turner (1977), o ritual pode ser definido como uma seqüência
estereotipada de ações que incluem gestos, palavras e objetos; geralmente
desempenhadas em lugares sagrados e com o intuito de estimular os objetivos
ou interesses dos autores. Sob uma concepção semelhante, Peirano (2006)
define os rituais como ações formais, realizadas através de uma seqüência
padronizada e repetitiva, saturadas de uma carga simbólica que, por
conseguinte, produz e transmite valores, memórias e crenças culturais.

O ritual funerário insere-se então em uma perspectiva de finitude existencial, no


qual os enterramentos se tornam cada vez mais elaborados com a inserção de elementos
da cultura material, como flores, pedras, fogo, além do posicionamento do corpo. Os
ritos seriam a ligação os vivos, os mortos e as práticas que envolvem o ritual funerário e
se concretizam em separação, transição e incorporação (SILVA, 2003, p. 7)21.
Isto implica que a maneira de preparar o morto, os elementos mortuários
associados a eles, os gestos e ações, o local de sepultamento, se entrelaçam para marcar
a relação de ritos entre os que ficaram e seu ente morto, até mesmo num processo de
utilidade, ou seja:
É interessante perceber que o modo como o corpo de um morto é tratado, os
objetos que o acompanham e o local em que é sepultado são aspectos que têm
função escatológica, variando desde o modo como são úteis na separação que
deve marcar vivos e morto, como nos usos e funções deles no além
(RIBEIRO, 2002, p. 42).

A partir dessa ritualidade, os elementos da cultura material, principalmente em


grupos que supostamente não possuíam um sistema de escrita, representados sob a
forma de mobiliário podem ajudar a compreender questões como quando estes foram
relacionados às práticas nos rituais funerários, ou ainda que categorias possam
identificar melhor estas práticas rituais que muitas vezes constituem o único suporte pra
se compreender sociedades que não legaram uma “pedra de roseta” contendo o
significado do seu passado, tudo isso carregado de aspéctos simbólicos:
Fica claro que não são somente corpos e objetos que se enterram, mas são
corpos e objetos carregados de um significado simbólico que faz com que
aquilo que é enterrado seja também uma parte daquela sociedade, o que, ao
mes mo tempo, atualiza as crenças do próprio grupo. É por isso que se pode
perceber que a organização social é expressa no modo pelo qual o morto é

21
Estes três estágios de ritos correspondem ao momento da morte, ao enterro e às homenagens post -
morte.
44

sepultado: com ou sem objetos, ou então com alguns e não com outros,
dependendo de seu status, do gênero, da idade (RIBEIRO, 2002, p.42).

O mobiliário foi sendo construído de acordo com a necessidade dos grupos de


precaver-se contra a ameaça de aniquilação (ELIAS, 2001, p.10), pois em cada
sociedade, havia um sentimento coletivo de considerar seus antepassados, além da
própria experiência com a morte, mesmo que fosse por um impulso de se livrar da
decomposição e o horror ao cadáver que esta imprimia nos viventes, pois como afirma
Ribeiro (2002, p. 43): “[...] desse modo a cultura material, pode ser tomada como um
indicador ou apontador de possibilidade do „quem‟ ou „que‟ envolve um sepultamento”.
O enterramento individual ou coletivo, a presença de ocre, líticos, cerâmica,
ossos pintados, cestarias diversas, fogueiras rituais, pingentes de ossos, múmias, vasos,
entre outros representam só uma ínfima parte do grande mobiliário funerário que
ultrapassa as barreiras do tempo e dos espaços sociais de uma vastidão de grupos
humanos espalhados pelo mundo, e que empoderam o defunto de prestígio social,
basicamente o mesmo que possuía em vida, ou não.
Para entender esse mobiliário e tudo o que envolve o ritual funerário, surge na
década de 1970, o termo “Arqueologia da Morte” nos Estados Unidos e Inglaterra: “ [..]
este termo espalhou-se por diversos países, alcançando uso generalizado no estudo
desse objeto, sobretudo em meados da década de 70 e início da década de 80”
(RIBEIRO, 2007, p. 18), assumindo nomenclatura diferenciada em outros países :
“archaéologie des cemitières” ou “archaéologie funeraire” (França, 1982), “ideologia
funerária” (França, 1982; Brasil, 1993), entre outros.
Apesar de ser bastante difundido, concorda-se com Ribeiro (2007, p. 19) que o
papel da Arqueologia não consiste em estudar a morte do ponto de vista físico, através
da causa mortis, por exemplo, embora possa ser considerado um critério de análise para
o bioarqueólogo, mas ao estudar a cultura material presente nos rituais funerários, está
mais próxima de compreender as práticas envolvidas durante a morte, os funerais, o
mobiliário, simbologia, entre outros, constituindo uma “Arqueologia das Práticas
Mortuárias”.
Embora seja importante compreender o desenvolvimento da Arqueologia das
Práticas Mortuárias como ciência dentro de um processo histórico e científico, vamos
demonstrar aqui somente os períodos denominados de processualismo e pós-
processualismo e suas contribuições teórico- metodológico para os estudos dos rituais
funerários.
45

Em 1960, surge através das figuras de Taylor, Binford e Clarke “ as origens da


Nova Arqueologia” que entre algumas perspectivas estão: a interpretação dos vestígios
arqueológicos, a utilização da Teoria Geral dos Sistemas como suporte teórico-
metodológico conforme destaca Trigger (2004, p. 295):
A Teoria dos Sistemas permitiu aos arqueólogos transcender as limitações
das análises socioantropológicas tradicionais de estruturas estáticas,
estudando não apenas os processos de manutenção como também os
processos de elaboração das estruturas, ou processos morfogenéticos.

Uma das categorias presente nos estudos sobre práticas mortuárias considerado
como embasamento para os estudos processualistas consiste nas regularidades, que
conforme destaca Ribeiro (2007, p. 68): “é nesta perspectiva que se abre a possibilidade
de estudos analógicos entre as culturas, a chamada análise Cross- Cultural”. Isto sugere
que outras categorias também são inseridas no processo de análise como o contexto
cultural, os padrões de assentamentos, análise ambiental, os comportamentos humanos,
a organização social, dentre outros. Por exemplo, no campo dos rituais funerários a
inserção dos estudos paleo-ambientais permitiu a possibilidade de reconstituição de
enfermidades, por exemplo, como exemplifica Ribeiro (2007, p. 70):
Dentro da abordagem do estudo das práticas mortuárias, as contribuições
para as reconstruções de paleo-ambientes se deram a partir da busca por
restos de pólen nas sepulturas e pelos vestígios de alimentos associados aos
objetos mortuários. No sentido oposto, ou seja, na contribuição dos estudos
ecológicos para o estudo das práticas mortuárias, tem-se o levantamento de
hipóteses quanto às possibilidades de observar se os enterramentos variam
conforme a estação do ano, se há uso sazonal do cemitério, a possibilidade de
rastrear restos orgânicos associados a enterramentos (flores, alimentos) e,
juntamente com a análise óssea, a reconstituição de dietas e enfermidades.

Esse mecanismo possibilita a identificação do material trançado associado aos


enterramentos ou sepultamentos, ainda como reconstituir esse material, através da
observação de padrões e sua eficácia no processo ritual. E ainda permite a utilização do
Cross- Cultural- Análysis (análise cruzada de culturas), ou seja, através de analogias
podem-se inferir regularidades entre as culturas, através da formulação de hipóteses
gerais sobre o comportamento dos grupos humanos (RIBEIRO, 2007, p. 71).
Um conceito bastante utilizado pra quem se habilita a estudar as práticas
mortuárias contidas nos rituais funerários foi introduzido por Hertz (1907) e Van
Gennep (1908), é o de persona social do morto que representa “a leitura dos diferentes
tipos de vestígios mortuários como conseqüência de diferenças sociais baseadas em
sexo, idade, status social e filiações nas unidades sociais (RIBEIRO, 2007, p. 73):
46

As análises22 concentram-se em reconstituir as camadas sociais a partir do


status dos mortos, em que o valor dos objetos, o tratamento dado ao corpo
e/ou energia gasta para a elaboração do sepultamento (hipótese de Tainter
(1978) tratada mais abaixo) se relacionam à posição do morto no grupo
(RIBEIRO, 2007, p.73).

Isto implica, do ponto de vista do processualismo, a Arqueologia das Práticas


Mortuárias atinge todas estas categorias buscando especialmente identificar as
identidades sociais do morto ritualizado, no que tange aos seus papeis sociais, e sua
função dentro da sociedade, de acordo com a idade, sexo, status social, pois “é nesse
sentido que os mortos falariam sobre os vivos, gerando a possibilidade de reconstruir a
organização social dos vivos, baseada nos status sociais deduzidos do contexto
funerário” (RIBEIRO, 2007, p. 74)
Do ponto de vista metodológico, os túmulos passaram a representar um
manancial de leitura para os estudiosos das práticas mortuárias de onde emerge “um
complexo de representações, partilhando de todo o sistema social das representações”
(RIBEIRO, 2007, p. 83). As bases Pós- Processualistas, bem embasadas por Hodder
(1987), no qual “seu paradigma é reconhecido como a principal contestação e o rival
mais importante da arqueologia processual” (TRIGGER, 2004, p. 338). Ao apresentar
sua tese sobre a importância de se compreender o contexto cultural, este afirma que:
A cultura material não é um mero reflexo da adaptação ecológica ou da
organização sociopolítica; Também constitui um elemento ativo nas relações
entre grupos, elemento que tanto pode ser usado para disfarçar relações
sociais como para refletir (TRIGGER, 2004, p. 338).

Esta perspectiva teórica- metodológica tem como suportes de categorias o


indivíduo, as contextualizações históricas, o diacronismo, rompimento com leis
comportamentais de padrões sociais, entre outros: “[...] uma das questões centrais da
Arqueologia Pós- Processual é compreender o papel do individuo e ressaltá- lo no
contexto arqueológico” (RIBEIRO, 2007, p. 92). A importância do contexto
arqueológico apresenta a perspectiva de se compreender a cultura material no tempo e
espaço diacrônico, ou seja:
A compreensão do contexto em que se encontra o objeto abre a perspectiva
de estudar as mudanças de sentido que a circulação espaço- temporal dá à
cultura material, de modo que o uso dos objetos deslocados no tempo e em
diferentes funções altera completamente o valor do significado cultural desse
objeto. É o que ocorre, por exemplo, com o uso de rodas de carroça de

22
Segundo Ribeiro (2007, p. 73-74), o estudos das práticas mortuárias a partir da perspectiva da persona
social do morto, envolve pelo menos três categorias que correspondem à identidade social( função social),
as relações de identidades( papeis do individuo relacionado ao grupo durante toda a sua vida) e a persona
social ( conjunto de identidades sociais de acordo com as convenções impostas).
47

madeira (usada em sua função primordial no campo há décadas) como mesas


de centro em casas numa cidade atual: não há que duvidar que o sentido
atribuído a estas, pelo contexto em que se encontram e pelas associações
com outros objetos é fundamentalmente diferente nos dois casos. O mesmo
ocorre com a presença de um objeto no mobiliário funerário, local em que
sua deposição é carregada de significados que podem não ter correspondência
necessária com o significado do objeto em outros contextos. Nesse sentido, a
Arqueologia Pós- Processual viu, no estudo das práticas mortuárias, o local
por exce lência para estudar as representações devido ao seu caráter altamente
simbólico (RIBEIRO, 2007, p. 96).

O olhar pós- processualista que se volta para o estudo das práticas mortuárias
elege como categorias de análise o próprio ritual, as representações e a simbologia
impressas, além da intenção de uso por grupos visando sua influencia em relações de
poder, pois segundo Trigger (2004, p. 338):
A tese de Hodder de que a cultura material é usada como um elemento ativo
na interação social contradiz os argumentos cuidadosamente desenvolvidos
por arqueólogos processuais no sentido de que o grau de elaboração relativa
dos túmulos em uma dada sociedade reflete com e xat idão o grau de
diferenciação social.

A principal contribuição do contextualismo para o estudo das práticas mortuárias


encontra-se na interação com outros aspéctos do contexto arqueológico, como por
exemplo, os padrões de assentamento, examinando todos os elementos possíveis
presentes no sítio arqueológico. Trigger (2004, p. 338-339) chama atenção para tais
nuances:
Em algumas sociedades, sepultamentos simples refletem um ideal social de
igualitaris mo que não é efetivamente posto em prática na vida cotidiana
(Huntingtonn & Metcalf, 1979: 122). Dessa forma, para determinar o
significado social dos costumes funerários, os arqueólogos têm de exa minar
outros aspectos do registro arqueológico, como padrões de assentamento. Em
conseqüência de uma tal pesquisa, pode-se mostrar em breve tempo que uma
dada sociedade com costumes funerários simples não era igualitária na
prática, e isso, por sua vez, pode revelar o status ideológico desses costumes.

As outras categorias bases servem para reconstituir o ritual, conforme Ribeiro


(2007, p. 97): “na Arqueologia Pós- Processual, os objetos, a orientação do corpo, o
tratamento escolhido serão os objetos de estudo para a reconstituição do ritual e de seu
significado”.
Uma das linhas que analogicamente podem ser relacionadas à presença do
trançado de fibras no mobiliário funerário, envolvendo práticas mortuárias, consiste na
Teoria da Cultura Material (HODDER- 1982; APPADURAI, 1986, etc.) na qual tenta
se reconstruir a biografia dos objetos perante o ritual, “ou seja, acompanhamento da
vida dos objetos desde de sua feitura até a sua deposição final/abandono/destruição”
(RIBEIRO, 2007, p. 115).
48

Em linhas gerais, a busca pela reconstrução dos objetos nesses espaços implica
em identificar seus saberes, fazeres, usos, procura, descarte, estocagem, transporte,
entre outros, de acordo com suas funções e representações, ou seja, destacar a
importância das tradições culturais:
De resto, Hodder, tal como Childe, sublinha a importância das tradições
culturais como fatores que desempenham um papel importante na
estruturação da mudança cultural. Essas tradições suprem a maioria dos
conhecimentos, crenças e valores que, ao mesmo tempo, in fluenciam a
mudança social e econômica e são por elas remodelados (RIBEIRO, 2007, p.
115).

Assim como Ribeiro (2007), concorda-se que o contexto espacial funerário que
envolve todos os seus aspectos materiais e imateriais, não representa apenas um local de
deposição ou descarte destes aspectos elencados, mas são representativos de
intencionalidade e função para este momento, embora nem sempre represente o
cotidiano das relações sociais presentes nestes grupos, ou seja, “os objetos são
resultados intencional da escolha dos vivos sobre aquilo que se quer pensar sobre o
morto” (RIBEIRO, 2007, p. 118). E para tais análises, existe a Arqueologia das Práticas
Mortuárias.
Neste ínterim a presença do trançado de fibras, vem na ocorrência de sua
inserção durante os rituais, através de este iras, redes, fardos funerários, e que é
identificado na literatura arqueológica brasileira, em sítios do Nordeste do Brasil, dos
quais trataremos a seguir.
O que mobilizou nosso olhar para o material trançado, mediante a ocorrência
nos enterramentos e sepultamentos pré- históricos, embora seja um indicador pouco
considerado na literatura especializada, mas de grande relevância cultural, foi sua
capacidade de conservar elementos culturais mantidos entre sociedades tanto
remanescentes, como os quilombolas, quanto entre não descendentes, como os artesãos
de Altos.
Tem-se consciência de que nem todos os trançados utilizados são para o mesmo
fim ritualístico, mas no cerne das perspectivas , seja antropológica, seja etnográfica e
ainda etnoarqueológica, tem o sentido de identificar e demonstrar a forma como os
trançados perpetuados de saberes, fazeres e usos, representam a capacidade de levantar
discussões sobra a importância destes, como indicador de etnicidade que atravessou a
morte e seus rituais, representativos de herança cultural dos grupos indígenas e dos
grupos tradicionais urbanos e rurais, no tempo/espaço do passado e do presente, mesmo
que uma grande gama dessas sociedades tenham desaparecido para sempre.
49

O ítem seguinte busca demonstrar a presença do trançado de fibras nos contextos


arqueológicos do Nordeste do Brasil e o porquê de sua presença nestes, pautando-nos
pela citação de Rémy Chauvin (2000): “O homem é o único animal que acende fogo e
enterra os mortos”.

Os passos do trançado de fibras no nordeste do Brasil- mobiliário, contexto e


patrimônio arqueológico

Seria interessante fazer um levantamento de todas as crenças que as pessoas


mantiveram ao longo dos séculos para habituar-se ao problema da morte e
sua ameaça incessante a suas vidas; e ao mesmo tempo mostrar tudo o que
fizeram umas às outras em nome de uma crença que prometia que a morte
não era um fim e que os rituais adequados poderiam assegurar-lhes a vida
eterna (ELIAS, 2001, p. 12)

A prática ritual no que concerne ao momento da morte, aparentemente sempre


foi marcada por um caráter material e imaterial em que os mortos e vivos dialogam
entre e para si. Se houvesse uma lupa na qual se pudesse observar todos os aspéctos
simbólicos, intenções e sentimentos presentes nos mais variados rituais funerários,
provavelmente não precisaríamos de sítios arqueológicos, mas como não existe esse
artefato mágico, é através do contexto arqueológico que se pode observar tanto a
manutenção quanto a rupturas dos padrões funerários (RIBEIRO, 2007, p. 144). Isto
implica em analisar de forma abrangente as diversas categorias identificáveis nas
práticas mortuárias que se mantém ou que se rompem nestes espaços, inclusive na
presença e/ou ausência da cultura material.
Como uma reverência à morte, os rituais funerários oriundos dos períodos pré e
pós-contato no Brasil, têm no mobiliário e/ou enxoval funerário uma parte importante
da cultura material para compreender como tais enterramentos e sepultamentos são
ritualizados e se são produtos de construtos sociais únicos dos grupos, além de serem
produtos de contatos entre estes:
Kroeber (1927) considerava as práticas mortuárias como um bom indicador
de contatos culturais: alterações no padrão de enterramentos eram vistas
como indicativos de contatos. Ora, se as práticas mortuárias são também
dentro do próprio grupo, como tomá -las como base de estudos para os
contatos inter- grupais? Que modificações foram feitas e para quem? Haveria
uma sociedade arraigada a seus padrões, impondo-os aos povos com quem
manteve contato, e outras que simples mente trocam de práticas com o
contato? (RIBEIRO, 2007, p. 148).
50

As respostas, ou pelo menos a tentativa delas, está presente tanto nas pesquisas
arqueológicas, quanto nas pesquisas etnográficas em remanescentes ind ígenas,
especialmente na cultura material presente nos enterramentos e sepultamentos, que
constituem o mobiliário funerário, nos quais estão representados por adornos que
podem ser colares, pingentes, flautas, apitos, cachimbos, trançados e cestarias, entre
outros, para a região Nordeste do Brasil:
Resumindo: segundo dados arqueológicos que até agora dispõe a
arqueologia, as populações pré- históricas do Nordeste do Brasil utilizaram-
se de variados rituais funerários de inumação e incineração, com
enterramentos primeiro e secundários, sem que possamos estabelecer
seqüências cronológicas exatas na evolução dos diferentes rituais utilizados,
mas pode-se afirmar que a inumação precedeu a incineração. Como formas
de inumação primária relaciona-se: a) sepulturas em cova individual com
corpo na posição fletida e ausência de mobiliário funebre; b) corpos na
posição lateral fletida, com en xoval funerário consistente em colares de
contas e pingentes de osso, de conchas marinhas, de pedra e de dentes de
animais. Espátulas, apitos e flautas aparecerem também nos enterramentos
masculinos; c) utilização de fibras trançadas, desde datas muito antigas, para
embrulhar os corpos ou forrar a cova onde o morto será depositado, registra-
se o uso de cestas de fibras para enterrar crianças e bolsas de fibras trançadas
como mobiliário, entre outras” (MARTIN, 1997, p. 325).

Alguns destes artefatos foram identificados em diversos sítios, por exemplo, no


sítio Mirador (RN), há registro de coleta de pingentes de conchas. Nos sítios Gruta do
Padre (PE) e Pedra do Alexandre (PE), alguns desses adornos foram confeccionados
com ossos de animais como aves e cervídeos (MARTIN, 1997). Bem mais comuns que
armas, a utilização de adornos e outros elementos feitos de ossos como instrumentos
musicais que reúnem flautas e apitos, alem de colares e pingentes consistem nos
principais elementos presentes na cultura material do mobiliário funerário (MARTIN,
1997, p. 225).
A Gruta do Padre (BA), importante sítio arqueológico do Nordeste do Brasil,
“encontra-se hoje sob o lago artificial de Itaparica, no vale do São Francisco”
(MARTIN; ROCHA; 1990, p. 32), onde as primeiras escavações remontam à década de
1930 com Carlos Estevan, depois Valentim Calderon nos anos de 1960 e por fim por
Gabriela Martin e Jacionira Rocha, a partir de 1982 (MARTIN; ROCHA; 1990, p. 32).
Os tipos de rituais funerários provavelmente eram secundários, possuindo um caráter de
“crematório”:
Na Gruta do Padre, o ritual funerário sempre foi secundário, durante o longo
período de utilização do sítio que pode ter atingido mil anos a partir de 2000
anos BP aproximadamente. Como Carlos Estevan afirmara, a pequena gruta
foi utilizada como um “ossuários” no sentido de ser mais um depósito de
restos de cremação humana do que um lugar de realização ritual. A grande
quantidade de restos ósseos humanos acumulados, misturados a ossos de
animais e pingentes e contas de ossos e concha, dava a impressão de não ter
51

sido depositada com ordem, ultrapassando em alguns pontos do sitio, mais de


um metro de cinzas (MARTIN, 1997, p . 316).

Neste sítio há registro da presença de cestaria de fibras trançadas, tanto em nível


superficial quanto no estrato que as pesquisadoras denominaram de 1B23, conforme
destacam Martin; Rocha (1990, p. 36) “sementes de fibras de caroá (Veoglaziovia
variegata) natural e tecida”.
Outro importante sítio arqueológico do Nordeste do Brasil, provavelmente
também teve sua utilização como cemitério no mesmo período que a Gruta do Padre.
Localizado no município de Brejo da Madre de Deus (PE), a Furna do Estrago foi um
dos sítios escavados durante o Projeto Agreste (1960), sob a responsabilidade de
Gabriela Martin e Alice Aguiar (LIMA, 2012, p. 78), sendo retomada no ano de 1982,
por Janette Lima durante o “Projeto de Pesquisas Arqueológicas no município de Brejo
de Madre Deus”, existe a presença de material trançado demonstrado na figura 7:

O sítio Furna do Estrago (figura 5) foi escolhido para a realização de


escavações sistemáticas, porque, de acordo com Lima (1985, p. 09), “a
sondagem revelou, na superfície, fragmentos de crânios humanos queimados
e, em níveis mais profundos, ossos humanos desarticulados e lascas de síle x,
que indicam tratar-se de um cemitério indígena” (LIMA, 2012, p.79).
Figura 6- Vestígio de Trançado proveniente do
Sítio Furna do Estrago

Fonte: LIMA, 2012, p. 117. Foto: Viviane Castro (2009).

23
Os vestígios estavam distribuídos da seguinte forma: - Estrato superficial: ossos humanos, ossos de
pequenos animais, restos de cestaria e material lítico; Estrato 1b: ossos e dentes humanos, ossos de micro -
fauna, um fragmento cerâmico, sementes queimadas, restos de fibras vegetais, carvão vegetal e material lít
ico (MARTIN; ROCHA; 1990, p. 36).
52

É um abrigo sob rocha, onde foi comprovada uma alta densidade de esqueletos
identificados, num montante de mais ou menos 80, constituindo adultos e crianças, que
aparentemente foi ocupado como cemitério entre 2000- 1000 anos BP, segundo as
datações. Uma das principais características é a presença do “fardo funerário”
(MARTIN, 1997, p. 317), feito de material trançado:
O envoltório funerário pode ser de 03 tipos: esteira, palha ou trançado, que
podem estar isolados ou em conjunto com outros materiais. Nos indivíduos
adultos, as esteiras e a palha foram utilizadas de forma separada e também
em conjunto; nas crianças, foi constatado o uso predominante de esteiras,
seguido da palha e do trançado. Em nosso estudo, o tipo de envoltório
funerário foi identificado em 25 enterramentos, sendo 09 femininos e 16
masculinos (LIMA, 2012, p. 115).

A presença de esteiras de fibras associadas aos enterramentos mais antigos


demonstra a antiguidade deste material durante os rituais funerários identificados em
sítios arqueológicos do Nordeste do Brasil, remontando pelo menos há 2000 anos BP.
Martin (1997, p. 317) destaca que:
O en xoval consistia em colares e pingentes de pedra, osso, conchas,
sementes, de dentes de animais e espátulas. Fragmentos de ocre junto à nuca e
ao ventre aparecem também em algumas sepulturas. Recém- nascidos foram
sepultados em pequenas cestas de fibras de palmeiras e também embrulhados
em esteiras de ouricuri.

A ocorrência de cestaria ou trançado de fibras nestes contextos funerários


representa uma probabilidade de entender alguns indicadores culturais dos grupos as
quais pertenciam, tipo as regularidades de elementos que sobreviveram até a
contemporaneidade, como, por exemplo, escolha da matéria-prima:
Todo o material vegetal encontrado no sítio Furna do Estrago utilizado para a
confecção de esteiras, bolsas e cestas foi identificado por Lima (1985), como
sendo de palmeira (Attalea) e predominantemente de ouricuri (Syagrus
coronata). Já os cordões foram confeccionados de fibras de caroá
(Neoglaziovia variegata Mez.). O bom estado de alguns exe mplares de
material vegetal possibilitou a identificação de algumas técnicas de confecção
(LIMA, 2012, P. 116).

Outro sítio denominado de Alcobaça (PE), localizado no município de Buíque,


escavado pela equipe da Arqueóloga Ana Nascimento, proporcional vestígios de
trançados de fibras nos cinco os enterramentos. Embora em avançado estado de
degradação, foi possível identificar cordéis, cestarias e cordões de palmeira (SILVA,
2003, p. 59).
E por fim, no vale do Catimbau (PE), o sítio PE 91-Mxa, possuía em seus
enterramentos cestas de fibras que foram depositadas por cima da cabeça dos mortos, o
53

que infere serem estas o único elemento de enxoval funerário e cultura material
associado aos enterramentos (SILVA, 2003, p. 60.).
A presença do trançado de fibras identificado em sítios arqueológicos do Estado
do Piauí, embora de forma aparentemente modesta, tem revelado que a sua presença em
contexto funerário, deve chamar a atenção dos arqueólogos para sua importância como
elemento recorrente e significativo para o estudo dos rituais, como artefato do
mobiliário funerário e que posteriormente necessita receber mais atenção por parte dos
pesquisadores.
O Sítio Toca do Congo, constitui um dos primeiros sítios do Estado onde se
identificou a presença de trançado de fibras no qual se evidenciou cerca de seis
enterramentos entre primários e secundários com uma espécie de fardo: “o fardo
funerário estava composto de um tecido que análises posteriores revelaram se tratar de
uma fibra vegetal provavelmente caroá (Neoglazovia variegata Mez)” (SILVA, 2003, p.
97) que ainda:
Segundo Maranca (1976), seis sepultamentos foram inicialmente retirados da
Toca do Gongo I, quatro diretos e dois em urnas de cerâmica. Em publicação
posterior (Maranca, 1991) a mesma autora informa que um total de nove
sepultamentos, 4 em urnas e 5 diretamente no solo, chegaram a ser retirados
do Gongo (COOK; SOUZA, 2012, p.33).

Algumas evidências durante a pesquisa indicam que este sítio pode ter sido
utilizado como abrigo temporário devido “a presença da cerâmica utilitária, artefatos
líticos lascados e polidos, amendoim, feijão, cabaças e restos de fogões, entre outros
materiais (COOK; SOUZA, 2012, p. 33).
A disposição dos restos mortais segundo as pesquisas de Silvia Maranca (1976.
1991), estava em um mesmo nível arqueológico, em uma depressão orientada à leste,
possivelmente uma única ocupação com diferenciados rituais funerários, que foram
denominados sepultamento 3, sepultamento 1, sepultamento 2, Urna I, sepultamento 4 e
Urna II, respectivamente, nos quais apresentaram: “vasilhames de cerâmica ou cabaças
estavam sobre as cabeças. Junto dos esqueletos havia restos de objetos (bolsas?) feitos
de fibras de caroá (Neoglazovia variegata)” (COOK; SOUZA, 2012, p. 34).
As práticas mortuárias identificadas neste sitio, assim como em outros do
enclave arqueológico Serra da Capivara/ Serra das Confusões sugerem que
provavelmente havia remanejo do ossuário para a deposição de novos enterramentos e
sepultamentos:
54

No estado do Piauí, mais duas publicações feitas pela FUNDHAM


recentemente descrevem condições de enterros perturbados em abrigos. Na
Toca do Serrote das Moendas (Almeida & Neves, 2009), ossos avulsos e
indivíduos muito incompletos podem representar processos antrópicos ou
naturais, ou simplesmente o remanejo para enterros secundários. No sítio
Toca do Enoque (Gu idon & Luz, 2009), um sepultamento coletivo tem ossos
remanejados de posição para a colocação dos enterros subseqüentes, e parte
dos ossos parece ter sido retirada da área funerária. Ainda que datado de
período muito anterior ao Gongo, este achado reforça a hipótese de presença
de práticas funerárias de manipulação dos despojos na região (COOK.
SOUZA, 2012, p. 43).

Ainda com relação ás práticas mortuárias, este sítio apresentou uma diferença
com relação a outros espaços funerários da região, como a ausência de recém- natos até
03 (três) anos, em um local que provavelmente foi bastante utilizado como cemitério, o
que pode implicar em “manejo funerário diferenciado para esta faixa de idade, por
razoes culturais” (COOK; SOUZA; 2012, p. 44). E por fim, conforme elenca Cook;
Souza (2012, p. 45), a própria exumação de sepultamentos antigos podem ser um
elemento das práticas funerárias do grupo pertencente à área próxima do sítio:
Chama atenção, no entanto, que entre 18 indivíduos estimados, apenas seis
estivessem mais completos, ou mostrassem partes em conexão, sendo os
demais representados por apenas alguns poucos ossos ou crânios avulsos. Isto
parece indicar também que a e xu mação de sepultamentos mais antigos e
enterros secundários pudessem fazer parte das práticas funerárias deste grupo.

O sítio Toca da Baixa dos Caboclos, localizado no município de Gervásio de


Oliveira (PI), faz parte do enclave arqueológico da Serra da Capivara (LEITE, 2011, p.
81):
Configurando-se como um abrigo-sob-rocha, orientado no sentido sudoeste-
nordeste, com abertura à sudeste. Possui uma formação em arenito que
intercala-se com níveis conglomeráticos entre 15 e 30 cm de espessura, ricos
Óxido de Ferro e com um arcabouço em Quartzo.

Foram realizadas duas campanhas de escavação, nos quais os enterramentos


foram exumados sob casulos, o que possibilitou a escavação no laboratório da Fundação
Museu do Homem Americano (FUMDHAM), sob a responsabilidade de Cláudia
Oliveira (LEITE, 2011, p. 82). No enterramento no qual Leite (2011, p. 97) denominou
de “enterramento 06”, conforme figura 7, foi identificada a presença do trançado de
fibras:
Além do esqueleto propriamente dito, foram coletados tecidos capilares e
epiteliais. Mas, apesar do seu exímio estado de conservação, o crânio não foi
encontrado. No sedimento do casulo também foram coletados s eixos,
coprólitos, insetos, ossos de microfauna e fib ras vegetais trançadas.
55

Figura 7- Enterramento denominado “06”

Fonte: LIMA, 2011, p. 98. Foto: Acervo da FUMDHAM.

Outro “enterramento denominado de 07” apresentou também fibras vegetais


trançadas, seixos, folhas e gravetos” (LIMA, 2011, p. 99), onde sua datação de 240 +/-
50 anos BP. A presença do material trançado foi constatada nos enterramentos do sexo
masculino idades a partir de 20 anos, de acordo com a Figura 8:

Figura 8- Enterramento denominado “07”.

Fonte: LIMA, 2011, p. 100. Foto: Acervo da FUMDHAM.

Recentemente, os avanços das Pesquisas Arqueológicas na região Sudeste do


Piauí, chegaram ao Parque Nacional Serra das Confusões, dos quais os dois sítios
56

escavados apresentaram vestígios de fibras trançadas. O Sítio toca do Enoque, conforme


localização na figura 9, escavado pela Arqueóloga Fátima Luz (2008- 2009), consiste
em uma fossa funerária onde foram retirados 13 esqueletos em um sepultamento
coletivo, de acordo com a figura 10, e 01(um) outro individual, no qual foi evidenciada
a presença de trançado de fibras:
Restos de uma espécie de rede com grossas fibras vegetais trançadas podem
ter servido de mortalha, estavam bem conservados (em particular no nível dos
corpos nos. 6 e 10) e nos lembra as fibras vegetais comparáveis às
encontradas no sítio funerário de Furna do Estrago, Brejo da Madre de Deus,
em Pernambuco (LIMA, 1985; MARTIN, 2008, pp. 224, figura 60), sítio
também notável pela conservação dos restos orgânicos, contudo muito mais
recente (cerca de 2.000 anos) (FAURE; GUÉRIN; LUZ, 2011, p.295).

Figura 9- Localização do Sítio Toca do Enoque

Fonte: FAURE; GUÉRIN; LUZ; 2011, p. 292. Foto: Acervo da FUMDHAM.

Figura 10: Enterramento coletivo no Sítio Toca do Enoque


(Esqueletos 3, 4, 5, 6, 8, 9 e 10).

Fonte: FAURE; GUÉRIN; LUZ; 2011, p. 292. Foto: Acervo da FUMDHAM.


57

De forma semelhante ao sítio Furna do Estrago, o material trançado no sítio


Toca do Enoque encontrava-se próximo ou junto a duas crianças muito jovens,
conforme destaca Martin (1997, p. 326), que para as populações pré- históricas do
Nordeste do Brasil: “registra-se o uso de cestas de fibras para enterrar crianças e bolsas
de fibras trançadas como mobiliário”. Ainda neste contexto foi identificado trançado de
fibras associado ao esqueleto “8”:
Esqueleto n° 8 (n° 161 846): adulto ou subadulto, incompleto, o crânio e a
caixa torácica estavam em cone xão, os membros não foram encontrados,
devido terem sido remexidos, ulteriormente para dar lugar ao corpo n° 9,
enterrado sobre o local de seus membros inferiores. Fibras vegetais trançadas
estavam bem conservadas e fazem pensar que se trata de uma rede que tenha
servido de mortalha, porque as costelas estavam nitidamente comprimidas
contra a coluna vertebral. Nenhum adorno está associado a esse esqueleto
(FAURE; GUÉRIN; LUZ, 2011, p. 295).

O sítio Toca do Alto do Capim, também localizado no Parque Nacional Serra


das Confusões (PI), a partir da figura 11, foi escavado pela Arqueóloga Gisele Daltrine
(2008- 2009), sob a direção da Dra. Niède Guidon, constitui “uma caverna que mede
aproximadamente 4m de largura por 12m de extensão” (SILVA; FONTES; 2014, p.
102), onde sua particularidade é localizar-se 4 (quatro) m de altura acima da superfície
externa da rocha, nos quais foram identificados vestígios diversos, inclusive um
esqueleto de uma criança, de acordo com a figura 12:
Na segunda e terceira campanha (janeiro a março e junho a agosto de 2009 a
escavação foi ampliada), abarcando aproximadamente 80% da área do sítio
não escavado, tendo como objetivo, a evidenciação de um testemunho para a
visualização do perfil estratigráfico. Nesta campanha foram evidenciadas
grandes quantidades de óxidos de ferro, fragmentos de ossos humanos
associados à madeira, artefatos lít icos, fogueiras, coprólitos, capim e fibras
trançadas. Além do mais, ao longo das escavações foram percebidas 13
estruturas de capim de formas arredondadas e côncavas. Na cova 13 foi
encontrado um esqueleto de uma criança com evidências de que houve uma
preparação do corpo para que o mesmo fosse enterrado (SILVA; FONTES;
2014, p. 103).
58

Figura 11- localização do Sítio Toca do Alto do Capim

Fonte: SILVA; FONTES; 2014, p. 104. Foto: Acervo da FUMDHAM

Figura 12- Esqueleto de uma criança identificada


na cova 13, Sitio Toca do Alto do Capim.

Fonte: SILVA; FONTES; 2014, P. 105. Foto: Acervo da FUMDHAM.


59

Embora seja o início, a pesquisa na Serra das Confusões pressupõe a existência


de uma área cultural, ou seja, os grupos que habitavam ou estavam de passagem na
serra, possuíam, por exemplo, rituais diferenciados dos grupos que habitavam a Serra da
Capivara. No sítio Toca do Enoque, segundo Faure; Guérin; Luz; (2011, p. 308) as
conclusões iniciais sugerem que a população da região era supostamente de caçadores-
coletores, praticando a caça de cervídeos (Mazana) e pequenos canídeos, e ainda
possuíam uma indústria óssea para a confecção de adornos simples, há pelo menos
7.000 anos BP.
Uma das particularidades do ritual funerário é a grande presença de crianças
enterradas, a quantidade do mobiliário funerário e a conservação dos esqueletos e restos
orgânicos, não presenciados, por exemplo, na área da Serra da Capivara:
É a primeira vez que se descobre um conjunto sepulcral associado a um
enxoval fúnebre tão rico no estado do Piauí; nós não conhecemos equivalente
entre as sepulturas descobertas até a presente data na área arqueológica do
Parque Nacional da Serra da Capivara(notadamente a sepultura da Toca do
Paraguaio, que tem mais ou menos a mesma idade), que é seu vizinho,
localizado nos municípios de São Raimundo Nonato e de Coronel José
(FAURE; GUÉRIN; LUZ; 2011, p. 291).

As práticas rituais da Toca do Enoque assemelham-se a alguns sítios do


Nordeste do Brasil24, como por exemplo, Pedra do Alexandre (ocre associado aos
enterramentos de jovens e crianças- FAURE et al. 2011, p. 294), Furna do Estrago
(Presença do Trançado de fibras e cestaria- FAURE et al. 2011, p. 295), e ainda em
outros sítios do Brasil, como em Goiás e Minas Gerais (Técnica de lascamento de
metatarso de cervídeos- FAURE et al. 2011, p. 298), entre outros, o que pode sugerir
um processo de trocas culturais ?
Geralmente, do sul do Piauí, a Pernambuco, até o Rio Grande do Norte e
Sergipe, semelhanças no material funerário de vários conjuntos sepulcrais
testemunham uma difusão cultural, num mes mo território de contato, de
influências, de abastecimento e de trocas, correspondendo à área de difusão
da Tradição Nordeste definida para arte rupestre. 25 (FAURE; GUÉRIN; LUZ,
2011, p. 309).

A Toca do Alto do Capim apresentou resultados também peculiares,


principalmente por encontrar-se em proximidade geográfica com a Toca do Enoque
(mais ou menos 10 km de distancia). Provavelmente há 8.600 anos BP, a prática
funerária registrada para o contexto do sítio seria de um cemitério que não apresentava
24
Ver em Faure; Guérin; Luz, 2011 e Martin (1997).
25
(GUIDON 1991; MARTIN & ASÓN 2000, p. 119, figura 1; MARTIN, 2008, figura 68).
60

atos de incineração, chegando a constituir-se como “crematório” ? somente a partir de


6.330 anos BP, conforme destacam Silva; Fontes (2014, p. 119):
Ao longo de pouco mais de 8.600 anos, datação mais recuada no sítio, temos
indicativos de que a prática funerária não teria tido a utilização do fogo na
incineração óssea, inferência constatada nos fragmentos ósseos encontrados a
partir da decapagem 22 sem marcas de combustão. Em 6.330 anos, seria
provavelmente o período cronológico e de ocupação associados à emergência
e/ou período de manutenção da prática de cremação visto que foram
encontrados as maiores concentrações de ossos fragmentados com marcas de
combustão e os mesmos encontravam-se espalhados pela porção central da
caverna. Essa configuração encontra-se ao nível da decapagem 14.

A Toca do Alto do Capim chama a atenção porque supostamente o padrão ritual


foi sendo trocado gradativamente, por exemplo, saindo de cemitério, para crematório e
vice e versa. Isto implica que ou o local deixou de ser um crematório para virar também
um cemitério26 ou deixou de ser um cemitério para virar um crematório 27? Sem o
significado destas mudanças, não é possível afirmar de forma categórica, por exemplo,
se um grupo expulsou, dominou ou se uniu ao outro, ou ainda se necessariamente os
mortos eram cremados fora do espaço de enterramentos e colocados neste espaço de
forma aleatória, mas comprovadamente houve uma mudança quanto ao padrão de
enterramento e a utilização do espaço, com novas funções que mesmo utilizadas antes
neste contexto, acabou por assumir a forma central de utilização ritual desse sítio, ou
seja, crematório e cemitério.
A diversidade de práticas mortuárias para a região sudeste do Piauí, demonstra
que mesmo com as pesquisas ainda a passos iniciantes (Serra das Confusões, por
exemplo), existe uma variedade de rituais, se considerarmos a proximidade geográfica e
os grupos culturais que habitavam a região que vão desde caçadores- coletores,
horticultores, ceramistas, ou ainda grupos de passagem, considerando o Estado do Piauí
como um corredor entre o Norte e Nordeste do Brasil.
A presença do trançado de fibras, tanto em sepultamentos de infantes, quanto de
adultos revelam a sua importância como elemento intencional do mobiliário funerário
que representa tanto aspectos funcionais (fardo para melhor acondicionar o defunto),
quanto simbólicos (presente no mobiliário como sinal de status social ou não). Somente
com os avanços das pesquisas pode-se realmente confirmar tais hipóteses.
26
Muito semelhando ao que afirma Martin sobre a Gruta do Padre e Furna do Estrago (1997 p. 316): “ o
grupo étnico que utilizou a Gruta do Padre como cemitério queimava os corpos dos seus defuntos fora da
gruta e depois depositava nela sem ordem aparente. Em alguns casos, foi reutilizada para novos
enterramentos.”.
27
“ na fase final de ocupação do abrigo[furna no estrago], houve brusca substituição do rito funerário de
inumação pela cremação.” (MARTIN, 1997, p.319)
61

A região norte do Estado do Piauí necessita ainda de avanços de pesquisas


arqueológicas, no que concerne a efetivação de prospecções, escavações, entre outros.
Uma coleta de superfície no sítio Portal Serra da Cangalha, localizado no município de
Pedro II (PI), no qual o sítio estava bastante remexido, foram retirados vestígios ósseos,
sobre uma esteira de trançado de fibras: “peculiaridade inerente a este sítio está na
posição em que parte dos ossos humanos estavam dispostos sobre uma esteira”
(FERREIRA, 2011, p. 09), conforme Figura 14.

Figura 13- Enterramento sobre esteira de Trançado de


fibras coletado em superfícies no sítio Ponta Serra
da Cangalha (Pedro II-PI).

Fonte: FERREIRA, 2009. Foto: Jóina Freitas, 2006.

Sobre os resultados da pesquisa preliminar, a arqueóloga Carla Veranna Xavier


Ferreira, constatou que no conjunto do ossuário constitui-se em sua maioria por
crianças, e também por dois adultos, em um numero mínimo de pelo menos seis
indivíduos incompletos. O trançado de fibras oriundo da esteira assemelha-se ao modelo
denominado por Ribeiro (1985, p. 48) como “Espinha de Peixe”, do qual será
apresentado durante os capítulos posteriores. Não há como afirmar se estes indivíduos
foram depositados no mesmo período, ou qual grupo pertencia.
Ao lançar olhares para a variedade de sítios com presença de trançado de fibras
pode-se ratificar que são comuns em enterramentos e sepultamentos em contexto
arqueológico no Nordeste do Brasil, às vezes, constituindo o único elemento no
mobiliário funerário, o que implica que é um material que não poderia passar
despercebido das análises das pesquisas.
62

Dos sítios demonstrados, grande parte relata a presença de cestas trançadas de


fibras nos enterramentos de crianças, a que nosso ver, indicaria alguma relação de status
social, ou o intúito de proteger os pequenos na sua passagem para a terra dos
antepassados. Em sítios como a Furna do Estrago que apresenta uma grande variedade
de enterramentos e sepultamentos Lima (2012, p. 116) chama a atenção desta relação
entre status social do indivíduo e a presença do trançado de fibras em contexto
funerário:
O trançado, provavelmente, foi destinado aos indivíduos de maior destaque
no grupo, pois apenas indivíduos masculinos adultos possuíam tal material
associado à sepultura. Já a palha e a esteira foram utilizadas nos
enterramentos femininos e infantis.

A própria estrutura do trançado seria diferenciada neste contexto, onde o


“envoltório vegetal” tem a função de formar o pacote ou fardo funerário para envolver o
morto ou forrar a cova, e o “material vegetal” corresponde às cordas para atar mãos e
pés do defunto, assim como trançado para cestas e bolsas (LIMA, 2012, p.116).
A própria confecção do trançado para os indivíduos da Furna do Estrago pode
ter influenciado em problemas de saúde como abscessos dentários devido à: “prática de
atividades artesanais, confecção de cestas, esteiras de palha ou couro, por exemplo, que
exigem a utilização dos dentes como ferramenta” (LIMA, 2012, p.137).
Outra perspectiva sobre o trançado corresponde aos sítios escavados na Serra das
Confusões, que apresentaram este tipo de material associados a crianças e jovens, assim
também como a presença de uma “rede ou mortalha” bem conservada no esqueleto
adulto (FAURE; GUÉRIN; LUZ, 2011, p. 295), que se assemelha à furna do estrago
tanto no nível de mobiliário, quanto a nível ritual. Uma das particularidades mais
interessantes destes sítios, é que a presença do trançado de fibras, pelo resultado das
datações já publicadas, é muito anterior ao identificado na Furna do Estrago, em torno
de 7.000 anos BP (Enoque) e 4. 250 anos BP (Capim).
Ainda sobre o único (por enquanto) vestígio de trançado arqueológico para o
norte do Estado do Piauí, há que se observar a técnica empregada, muito próxima ao
que identificou Berta Ribeiro (1985) entre os índios do Xingu.
Não há como negar a presença do trançado de fibras, no contexto arqueológico
da pré-história do Nordeste do Brasil, o que a priori ratifica sua importância como
indicador cultural de grupos, que dependendo dos saberes, fazeres e usos, podem ser
identificados de acordo com suas singularidades e regularidades, sendo que atualmente
63

os próprios vestígios arqueológicos em processos de reconhecimento de terras


indígenas, conforme destaca Bezerra (2012, p. 77):
Não obstante essas refle xões, os processos de reivindicação de terras
indígenas envolvendo vestígios arqueológicos são crescentes. Eles se referem
aos sítios arqueológicos como elementos identitários e incorporados pelos
coletivos indígenas, ainda que os dados arqueológicos não indiquem as
relações de ancestralidade. Nas lutas pelos seus direitos o patrimônio
arqueológico é percebido como sinal diacrítico nos processos de auto
representação. As evidências arqueológicas têm constituído uma espécie de
substrato material do universo mítico, mobilizado também como recurso
político legítimo (Bezerra, no prelo).

A utilização do trançado de fibras em rituais funerários da pré-história, por


exemplo, apresenta indícios de que estava diretamente ligada ao contexto de hierarquia
social, onde jovens e crianças eram introduzidas no contexto simbólico-ritual de
persona social às quais o grupo deve render homenagens incluindo-as como parte
integrante da terra dos antepassados. Já os adultos, provavelmente com o
reconhecimento comunitário dos grupos, os trançados aparentemente eram mais
elaborados constituindo elementos tanto de proteção, quanto de status social.
Por fim, embora sua presença seja constante em enterramentos pré-históricos
no Nordeste, atestando uma elevada diversidade de rituais que utilizam trançado de
fibras como mobiliário, Martin (1997, p. 228) nos alerta que é preciso dar mais atenção
ao material trançado, ou seja,“faz-se necessário um estudo detalhado dos tipos de
trançados utilizados na pré- história, a partir dos repertórios etnográficos existentes, para
se identificar o começo da cestaria e do trançado na pré-história brasileira”.
As dificuldades de se promove estudos especializados no campo do trançado
de fibras pode estar, por exemplo, na dificuldade de conservação do material
evidenciado, ou ainda na consideração de que este representa apenas mais um material
orgânico, menos importante que outros elementos da cultura material, “mesmo que
sejam significativos, na medida em que são indicadores culturais da antiguidade do
trançado” (MARTIN, 1997, p. 228)

2.3 O Trançado de Fibras Indígena e o contexto colonial no Brasil.

Há aqueles que comem seus parentes quando estes morrem, como os Sicurus
do lado do Uruba (?), acusando nisso os Brancos de serem inumanos, já que,
dizem, eles deixa m seus parentes ser comidos pelos vermes, quando eles os
64

enterram, e que eles o consomem com maior honra e ternura em suas


entranhas (Martinho de Nantes, 1702) 28

Para compreender os passos do trançado de fibras no contexto do Brasil colonial


há que se identificar como este insere-se no cotidiano dos grupos indígenas, observando
também a relação destes com os missionários, parte-se aqui da abordagem sobre os
principais rituais funerários que foram adquirindo “corpo e forma” nos relatos dos
viajantes, informantes e agentes das metrópoles européias, buscando identificar as
nuances de transformações destes rituais no campo da cultura material e imaterial para
ver se existe uma relação com a utilização do trançado de fibras também nos rituais
funerários.
Um dos elementos bem presentes em enterramentos e sepultamentos,
identificados nos sítios arqueológicos, as fogueiras rituais podem ser bons indicadores
das ocorrências de práticas mortuárias no contexto em que estão localizadas, e teriam a
função de guia e proteção conforme determina Kok (2001, p. 32): “além de afastar os
maus espíritos, cumpria a função de nortear a alma até a terra dos antepassados” e ainda
de afastar animais necrófagos ou como um acesso ao “caminho para o céu”, de acordo
com alguns relatos de grupos indígenas.
Isto pode determinar que assim como o fogo, que é um dos elementos do ritual
funerário, as práticas que o envolvem desde o ato de acender, até a manutenção do fogo
acesso enquanto não se tem a certeza que o defunto está protegido na terra dos
antepassados, representa o grande momento em que os vivos ho menageiam seus mortos
preparando-se para conviver com a sua ausência, no contexto indígena do Brasil
colonial.
Consiste possivelmente nessa passagem carregada de simbologia e práticas
materiais e imateriais que terminam no espaço reservado aos mortos em um contexto
sobrenatural, tendo como figura de centro dessa relação, o xamã29, em alguns grupos
indígenas brasileiro, mas que mantém a ligação com o contexto social em que participou
enquanto vivos, sendo uma espécie de elo entre o mundo dos vivos e mortos:
Ele seria o elo entre o mundo dos vivos e dos mortos. Quando em transe, o
xamã vivencia a separação da alma e do corpo e antecipa, aos olhos de todos,
a e xperiência da morte tornando-a familiar à tribo. [...]Pouco a pouco, o
mundo dos mortos torna-se passível de conhecimento e a própria morte é

28
Em Pompa (2001, p. 260).
29
A grande maioria dos grupos indígenas brasileiros tem na figura do Pajé o representante xa mânico
e xercendo a função de curandeiros, adivinhação, entre outros, segundo Kok, (2001, p.36).
65

valorizada, sobretudo como rito de passagem para um modo de ser espiritual


(KOK, 2001, p.36).
Assim como os grupos mais antigos, no conjunto do Brasil pré e pós-colonial, os
índios Tupis e Tapuias também possuíam seus rituais de enterramentos, sepultamentos e
práticas de antropofagia. Logicamente que existiam nessas práticas especialmente um
caráter sobrenatural, ou seja, os vivos buscavam o recurso dos antepassados, como meio
de proteção especialmente nos períodos de guerras, e mesmo com o avanço do
cristianismo jesuíta, essas práticas rituais tornaram-se um meio de resistência ao sangue
derramado, à cruz e à espada sob a égide dos maracás dos pajés: “o maracá, era,
portanto, o receptáculo por meio do qual as vozes emitiam ao pajé os ensinamentos da
tribo” (KOK, 2001, p. 19), alem de recorrerem aos sonhos como meio de previsão e
concurso dos antepassados tanto nos rituais de guerra, quanto nos rituais funerários.
Um dos grandes receios dos Tupi, por exemplo, consistia nas mortes naturais por
doenças, ou a expectativa de ser enterrado sem uma morte gloriosa, o que influenciou
diretamente nos vários modos de ritualizar os seus funerais, quase sempre a partir de
meios sobrenaturais como guias no cotidiano das guerras, aldeias, missões, entre outros
aspectos, porque segundos Kok (2001, p. 27): “a fibra dos Tupi-Guarani diante da morte
ritual nas mãos dos inimigos arrefecia-se totalmente quando se sentiam próximos da
morte natural”.
Isto pode refletir o medo da sepultura sem honrarias, o medo da decomposição
cadavérica pela voracidade dos vermes, de sentir o peso da terra, abandonados à própria
sorte, promovia nestes grupos o anseio da morte através do ritual de antropofagia ou
canibalismo, “porque dizem que é triste cousa, e ser fedorento e comido dos bichos”
(CARDIM, 1980. p. 96), ou ainda conforme Agnolin (2002, p. 134):
Segundo o comentário a Heródoto do século XVI, o apodrecimento e o
“banquete dos vermes” são tidos como a “má sorte”, tanto temida. O mesmo
ocorre entre os Tupinambá: nas testemunhas dos viajantes no Novo Mundo,
Tommaso Ga rzoni escreve que “os massagetes comiam os próprios parentes
mortos parecendo-lhes mais honesta sepultura o estômago do homem, do que
o dos vermes”

Alguns relatos sobre estes modos de “morrer naturalmente” dos indígenas


beiram à crueldade e ao abandono.
Ao que constam os índios doentes eram tratados geralmente pelos pajés, porem
quando suas moléstias não eram vencidas, estes eram abandonados à própria sorte, para
que morressem mais rapidamente, ou ainda eram enterrados vivos conforme o relato de
Sousa (2001, p. 29) “e tanto é assim que morrem muitos ao desamparo e levam a
66

enterrar outros ainda vivos, porque como a perder a falla dão- no logo por morto”.
Porém quando a morte acometia um dos chefes, esta era bem mais chorada e lamentada
do que a de qualquer doente da tribo, com direito a discursos ressaltando suas
qualidades, e suas contribuições à tribo.
Segundo a historiografia contida nos relatos, as práticas referentes aos rituais
funerário no contexto do Brasil colônia apresentavam diferenças de grupos para grupos.
De acordo com Thevet (1979, p. 107) Os Tupis30 depois de mortos, eram amortalhados
em suas redes como se fosse um fardo e depois colocados em vasos cerâmicos para em
seguida serem enterrados, à semelhança de enterramentos identificados em sítios
arqueológicos do Nordeste demonstrados anteriormente. O mobiliário funerário reunia a
farinha e o fogo ritual, como meio de proteção contra os maus espíritos.
Em Sousa (1938, p. 402) há a descrição de que os Tupis faziam uma espécie de
“câmara funerária” a partir de estacas e rede, como a maneira de evitar que o morto
toque o chão. Sobre o enxoval funerário, são acrescentados seus pertences: arco,
flechas, espada, maracá, e o que mais for necessário, além do fogo ritual. Segundo Kok
(2001, p. 31) Montoya relata que os Guaranis enterravam seus mortos em grandes potes
com um prato na boca, não apresentando mais detalhes sobre a cultura material inserida
e nem as práticas e aspéctos sobrenaturais atinentes a estes grupos, mesmo assim pode
ser observado o caráter de diferenciação ritual de grupo para grupo.
Esse processo de ritualização seguia uma lógica de que não havendo uma morte
gloriosa, através da antropofagia promovida por vingança, “o peso da terra” devia ser
equilibrado com choros, lamentações e práticas mortuárias, equiparáveis ao momento de
busca de conter a dor dos vivos, assim como abrandar os perigos que os defuntos
possam encontrar no caminho para a terra dos antepassados, bem explicitado por D‟
Evreux (2002, p. 166):
Os habitantes do Brasil, nada mais receiam após a morte do que não serem
chorados e lamentados, isto é, para que para eles, na morte, não hajam da
parte de seus parentes, lágrimas e lamentações e outras cerimônias, embora
supersticiosas.

De forma semelhante ao identificado nos sítios arqueológico do Nordeste do


Brasil, a cultura material presente nos enterramentos e sepultamentos contendo crianças,
também apresentavam miçangas e conchas, sendo inclusive bastante lamentadas
conformes os relatos de D‟ Evreux (2002, p. 168): “encontraram o corpo [menino]
30
Ver também MÉTRAUX, Afred. A religião dos Tupinambás, e suas relações com as da demais
tribos tupis- guarani.2ª ed. São Paulo: Editora Nacional e EDUSP, 1979.
67

cercado por muitas velhas... carregado de miçangas, que trazem para aí os franceses, e
de muitos búzios, que usam em seus adornos e enfeites para grandes festas”.
Um dos principais elementos de ritualização funerária presente no Brasil
colonial, quer pelas práticas empregadas, quer pelas conseqüências para ambos os
atores, corresponde à Antropofagia ou Canibalismo, como é usualmente o termo mais
empregado.
Em um contexto que fervilhavam guerras tanto de tribos indígenas entre si,
assim como também contra os portugueses, espanhóis, franceses, holandeses,
principalmente, teoricamente traziam como estopim as vinganças para com os
antepassados mortos, ou seja, “os índios, respondiam, portanto, estar agindo dessa
forma, somente para vingar a morte dos próprios parentes e destacavam que a vingança
de sangue era só e único motivo das próprias expedições guerreiras” (AGNOLIN, 2002,
p. 133).
Nos vários relatos dos cronistas, se descortina o cenário de perseguição de um
homem ou vários com objetivo de vingar a morte dos parentes, isto porque “de fato, boa
parte da vida indígena girava em torno da vingança” (KOK, 2001, p. 18). Em D‟
Abbeville (2002, p. 275) tem-se um relato sobre estas perseguições:
Não fazem guerra para conservar ou estender os limites do seu país,
enriquecerem-se dos despojos e roubos dos seus inimigos, e sim por honra e
vingança somente. Quando ju lgam-se ofendidos pelas outras nações,
próximas ou remotas, quando se recordam que seus parentes foram
aprisionados e comidos noutro tempo por seus inimigos, animam-se uns aos
outros para fazerem guerra, e assim a vingarem a morte de seus semelhantes .

Aos que escapam destes combates, tornam-se prisioneiros, e ao contrário de ser


maltratados, geralmente eram recebidos com grande festa, cantos e alegria, onde o
cortejo reunia toda a tribo vitoriosa, onde os prisioneiros eram pintados, ornamentados e
exibidos como troféus, também para as aldeias aliadas. No relato de Cardim (1980, p.
96) morrer degustado por um inimigo era sinal de honra para um prisioneiro capturado:
De todas as honras e gostos da vida, nenhum tamanho é para este gentio
como matar e tomar nomes nas cabeças de seus contrários, nem entre elles
há festas que cheguem ás que fazem na morte dos que matão com grandes
ceremonias, as quaes fazem desta maneira. Os que tomados na guerra vivos
são destinados a matar, vêm logo de lá com um signal, que é uma cordinha
delgada ao pescoço, e se é homem que póde fugir traz uma mão atada ao
pescoço debaixo da barba, e antes de entrar nas povoações que há pelo
caminho os enfeitão, depennado-lhes as pestanas e sobrancelhas e barbas,
tosquiando-os ao seu modo, e empennando-os com penas amarelas tão bem
assentadas que lhes não aparece cabelo: as quaes os fazem tão lustrosos
como aos Espanhoes os seus vestidos ricos, e assim vão mostrando sua
victoria por onde quer que passão.
68

O relato acima sobre o cortejo de apresentação do guerreiro prisioneiro


demonstra que este passa a participar do cotidiano da aldeia, geralmente assumindo
novos pertences, constituindo uma nova família, e possivelmente eram obrigados a
limpar a sepultura dos antepassados mortos.
Tinham a liberdade de ir e vir, e talvez por representar uma covardia o ato de
fugir, no qual poderiam ser mortos pelos seus se isso acontecesse, praticamente não
eram vigiados. D‟ Abbeville (2002, p. 277) destaca que os mais velhos eram comidos
bem antes de adoecerem:
E buscam comer os velhos logo antes de emagrecerem e aos rapazes
procuram primeiro alimentá-los a farta, e dando-lhes durante esse tempo suas
filhas e irmãs em casamento. Embora possam fugir, à vista da liberdade de
que gozam, nunca o fazem ainda mesmos convictos de que serão mortos e
comidos em pouco tempo. Se algum prisioneiro porem foge e procura sua
terra, é tido como poltrão e covarde, cauem eum, e será morto pelos seus no
meio de mil e xprobrações de não ter coragem de ser morto pelos inimigos,
como se não fossem vingados pelos seus parentes, que para esse fim têm
muita valentia.

As práticas que envolviam o momento do ritual antropofágico demonstram toda


a orquestração em torno dos preparativos para o grande momentos que implica em
elaborar e ingerir bebidas como cauim, confeccionar adornos como a mussuruna (corda
de algodão para prender o prisioneiro), as borlas de penas de tacape, para abatê- lo, entre
outros, que a priori representa todo o enxoval funerário do prisioneiro. Tem início
também o embate de ambos os guerreiros: carrasco e vítima, e os dois estão
ornamentados para a ocasião, com os motivos os quais os levaram à vingança:
Não sabes que tu e os teus mataram e comeram muitos parentes nossos e
amigos? Va mos tirar agora a desforra, e para vingar essas mortes, nos te
mataremos, assaremos e comeremos(...) Não me importo”, responde o
prisioneiro, “porque não morrerei como vilão e covarde! Sempre fui valente
na guerra, e nunca temerei a morte. Tu me matarás, porem eu já matei muitos
companheiros teus. Se me comerdes, eu já fiz o mes mo” (D‟ABBEVILLE,
2002, p. 278).

Sobre o início do processo de execução existe uma diferença de relatos entre os


cronistas, pois, de acordo com D‟ Abbeville (2002, p. 277) este se inicia dois meses
antes da execução, já Cardim (1980, p. 97) afirma que os preparativos iniciam mais ou
menos um ano antes a partir da confecção da mussuruna: “primeiramente têm eles para
isto uma corda de algodão de arrazoada grossura, não torcidas, se não tecidas de um
certo lavor galante... é de crer que nem em um anno se fazem”. Todas as etapas deste
ritual inicial duravam em média cinco dias.
69

O processo de execução constitui o ápice principal durante, o ritual


antropofágico como demonstrou D‟Abbeville (2002, p. 279), pois : “depois do algoz ter
feito tudo isso quanto já dissemos para assustá-lo, dá- lhe afinal um ou dois golpes atrás
da orelha, quebra-lhe a cabeça e faz- lhe saltar os miolos”.
Neste contexto sobrava às mulheres a função de preparar o defunto, limpando,
separando em partes, e colocando para assar em uma grande grelha de madeira chamada
de buccã, e ainda as vísceras eram limpas e cozidas, para em seguida “quando está tudo
bem cozido e assado, comem tais bárbaros esta carne humana, e com incrível avidez, os
homens como lobos raivosos, as mulheres ainda mais, e as velhas com especialidade, ao
menos na vontade” eis o desfecho de D‟ Abbeville, (2002, p. 279), sobre o ritual de
antropofagia.
No processo de “luto” existia um momento transitório até que se completasse o
período em que o morto adentra a morada dos antepassados, influenciando na conduta
do executor, que depois de exercer sua função, buscava se proteger, mediante o pavor
de ser perseguido pelo morto. Isto implicava em realizar práticas que o tornasse imune
contra a ameaça de vingança da vitima executada:
Isto acabado tem pelo chão lançados certos paus de pilão, sobre quaes elle
está em pé aquelle dia com tanto silencio, como que dera o pasmo nelle, e
levando-lhe ali a apresentar a cabeça do morto, tiram-lhe um olho, e com as
raízes ou nervos dele lhe untão os pulsos, e cortada a boca inteira lha metem
no braço como uma manilha, depois se deita na sua rede como um doente, e
na verdade elle o está de medo, que se não cumprir perfeitamente todas as
ceremonias, o há de matar a alma do morto (CARDIM, 1980, p.100).

Findo o momento de luto, findo o ciclo ritual de vingança e antropofagia, até que
este recomeçasse com novas guerras e outros ou os mesmos grupos, para a honra de
seus antepassados. Ao que indica a trindade fogo, práticas mortuárias e vingança se
entretecem dentro dos rituais funerários tanto na Pré-história, quanto no Brasil colonial
onde as diversas variáveis repercutem um mobiliário funerário rico de aspectos
condizentes com padrão funerário, status e hierarquia social, entre outros.
O fogo ritual significa a proteção e guia para o caminho dos antepassados, as
práticas mortuárias significam a honra ao antepassado morto e o “domínio do medo da
morte” e a vingança a motivação para que, especialmente os rituais de antropofagia,
trouxesse de volta a honra dos guerreiros mortos e comidos em combates.
Esta relação trídua (fogo, práticas e vingança) fica mais evidente nos relatos
sobre os indígenas e suas relações com os portugueses, espanhóis, franceses,
holandeses, e entre grupos adversários, seja por meio do comércio, das guerras, das
70

alianças, através da conduta dos vários grupos indígenas, na busca por vingar a morte
dos seus antepassados, especialmente entre o Tupi-Guarani, e que posteriormente se
transformou em alavanca de resistência contra os colonos e agentes do governo das
metrópoles em busca de riquezas, escravidão e fé.
Diante das práticas mortuárias, o papel do mobiliário funerário atestava a
materialidade que possivelmente constituía algum valor social tanto para o defunto,
quanto para os sobreviventes do grupo, como dispõe D‟Evreux ( 2002, p. 167) :
Faziam depois um buraco fundo e redondo em forma de poço: assentavam o
morto sobre seus calcanhares, conforme era o seu costume, e à cova desciam-
no de mansinho, acomodando ao redor dele a farinha e água, a carne e o
peixe ao lado de sua mão direita, a fim de poder pegar em tudo com
facilidade, e na esquerda arrumavam os machados, as foices, os arcos e as
flechas

Isto pode indicar que ao serem enterrados com colares, conchas, cerâmica,
cestaria, líticos, ocre, fogo, peixe, farinha, arco, flecha, e assim por diante, todo o
mobiliário presente no enxoval funerário, parece de demonstrar o valor social do morto
dentro do espaço simbólico da morada dos antepassados, a partir de um vínculo
sobrenatural entre os grupos e aquele que deixou de existir, assim como indica a
representatividade do status social deste diante do seu grupo, embasado na hipótese de
que estes artefatos significam a exibição de um poder superior associados aos projetos
de vingança, pois segundo Kok (2001, p. 26): “no inventário dos restos mortais dos
inimigos, destacavam-se: as flautas feitas com tíbias dos contrários, os colares de
dentes, as lascas de ossos utilizadas pelos Guarani para serem empregadas na
extremidade das flechas e dos crânios” .
Para o contexto pré- histórico do Nordeste, a cultura material presente no
mobiliário funerário, provavelmente foram confeccionados especialmente para o
momento do ritual de morte, embora não seja possível afirmar, o espaço de tempo de
elaboração destes, por se tratar de adornos que podiam ser feitos em um curto espaço
temporal como os cestos, por exemplo.
Possivelmente também estes elementos estariam inseridos ao cotidiano das
tribos, que na passagem do morto eram ritualizados e enterrados com as suas armas,
suas ferramentas, seus elementos mágicos (maracá), seus vestimentas, por exemplo. Em
Mindlin (2007, p. 124) há o relato de um mito de criação indígena que trata do
mobiliário funerário, que diz: “palop fez o espírito kadoroti, que é quem dá, a pedido de
Palop, tudo que é adorno aos homens e mulheres. As pessoas faziam fila para lhe pedir
71

pulseiras, colares, balaios, arco pequenos para os meninos”. Palop pode ser considerado
um demiurgo, que significa de forma literal “nosso pai”.
Quando o Cristianismo chega ao Brasil, trazido pelos missionários europeus, as
normas religiosas impostas tem um impácto enorme na configuração dos rituais
funerários dos indígenas, nos quais foram modificados ou extintos, para o ritual cristão.
Um dos principais elementos modificadores deste contexto corresponde ao
batismo, que entre outras determinações fez com que a prática antropofágica fosse
proibida no contexto da colônia. Porém, como nem sempre querer proibir, é poder, os
indígenas voltavam às práticas, devido à sua vontade e sua marca identitária, que foi
“batizada” de “inconstância” pelos missionários, conforme explicita mais uma vez Kok
(2001, p. 78):
Após um ano de experiência missionária, uma atitude especifica dos índios
pareceu ter surpreendido e desorientado os agentes da conquista espiritual e
só foi conhecida no cotidiano da catequese: a inconstância. Diante do traço
cultural, os padres ficaram desnorteados, pois os índios ora agiam como
cristãos, ora não .

Esse processo de “inconstância” dos grupos indígenas ao abandonar ou


transformar os seus rituais de morte, a partir da opção e/ ou imposição do batismo
cristão, também se apresenta nas migrações das tribos para outros espaços, como um
recurso para manter suas tradições. Mesmo com a vivência em aldeamentos e missões,
alguns fugiam para “esconder-se dos missionários, a fim de evitar o contato” (KOK,
2001, p. 88).
As mudanças também foram de ordem cultural, do passar de guerra ritual de
vingança, para a substituição por uma guerra de dominação e conquista de portugueses,
espanhóis, franceses, holandeses, entre outros, num processo de sujeição dos índios
mais “hostis e belicosos”, incitação de guerras contra tribos adversárias entre si e contra
as missões, enforcamentos de índios em público, exposição dos mortos, de material
bélico e punições.
Outro meio de resistência consistiu nas alianças entre tribos inimigas formando
confederações tanto no Rio de Janeiro (século XVI) quanto no Maranhão e Pará (século
XVII) que de acordo com Kok (2001, p. 90): “essas confederações foram derrotadas
pelos aborígenes aliados aos portugueses. Desse modo, os agentes da conquista
valeram-se das inimizades estabelecidas pela rede de alianças dos índios para fazer as
guerras”.
72

Como conseqüência da proibição da antropofagia, uma boa parte dos mortos não
foram mais ritualizados como antigamente, a partir do ano de 1558, por ordem de Mem
de Sá (1558 - 1572) que acabou por modificar o hábito de comer a carne inimiga, ate
mesmo extinguindo esta prática:
Ora, de alguma forma os índios entenderam que a agua do batismo interferia
no ritual antropofágico e a recusaram. Talvez porque o prisioneiro fosse
absolvido pelo ritual cristão, após seu arrependimento. Ou ainda porque
supunham que o prisioneiro se tornaria mais débil depois de ter recebido o
primeiro sacramento. Mas fato é que a infiltração de um outro conjunto
simbólico nesse ritual foi muito mal ingerido e digerido: deixava a carne sem
gosto (KOK, 2001, p. 93).

Os embates entre índios e europeus chegaram à esfera espiritual onde os


defuntos que não fossem guerreiros aprisionados por tribos inimigas, eram bem
disputados por pajés e jesuítas. Por exemplo, os jesuítas se apropriavam do momento de
sepultamento para conseguir adeptos para a Igreja, conforme afirma Kok (2001, p. 102):
“o enterro do corpo era precedido de um cortejo fúnebre, que reunia muita gente,
conduzido por um padre com o crucifixo na mão”.
Para manter a tradição do ritual de vingança contra os inimigos, a solução
encontrada foi a profanação dos túmulos destes, feito em silêncio para que os padres
não os descobrissem . Outra conseqüência foi o deslocamento dos locais de
sepultamento saindo do interior das casas e roçados, para áreas contiguas as igrejas ou
no interior destas, com a inserção de cruzes como demarcadores.
No tocante o trançado de fibras, neste período, na base de relatos utilizada como
fontes de pesquisa, não existe uma menção direta ao uso de cestas, esteiras, ou outro
material trançado diretamente nos sepultamentos indígenas, porem os cestos serviam
como local de armazenamento para as partes dos corpos mutilados nos rituais
antropofágicos segundo Agnolin (2002, p. 138) ao fazer uma análise do relato de Staden
(1974), do qual cita-se somente o trecho deste:
Durante isto Cunhambebe tinha à sua frente um grande cesto cheio de carne
humana. Comia de uma perna, segurou-a diante da boca e perguntoume se
também queria comer. Respondi: “Um animal irracional não come um outro
parceiro, e um homem deve devorar um outro homem?”. Mordeua então e
disse : “Jauára ichê”. Sou um jaguar. Está gostoso.

Então as redes de algodão, produzidas naquela época, serviam para dormir, e


principalmente como elemento funerário, devido à sua mobilidade, de acordo com
D‟Abbeville (2002, p. 270):“por móveis, têm redes de algodão, a que chamam ini,
presas pelas extremidades com cordas a pedaços e pau, fincados e propósitos como
73

travessas nas casas”. Os índios coloniais produziam cestarias trançadas como, por
exemplo, os paneiros ou cofos que tinha a função de armários ou guarda-roupas:
Têm também paneiros, a que chamam uru ou caramemo, feitos de folhas de
palmeiras, ou juncozinhos, muito bem tecidos, a que dão o nome de uarua
[...] Nos cofos ou paneiros guardam seus vestidos e penas, com que se
enfeitam nos dias de festa” (D‟ ABBEVILLE, 2002, p.271).

Então para os indígenas, em suas diversas temporalidades, considerando desde a


Pré- História ate os dias atuais, e nas ocorrências regionais, o trançado de fibras
transforma seu uso em funcional adquirindo novas características que os tornam
utensílios para usos domésticos nas tarefas cotidianas, que incluem caça, pesca, local de
armazenamento, demonstrando sua capacidade de ser reinventado e reutilizado ao longo
do tempo em diversos contextos.
Conforme visto, as distintas lutas dos grupos indígenas buscando manter práticas
rituais mediante a imposição religiosa e cultural de ritos funerários cristãos podem ser
comparadas a um conflito de ausência e presença a partir do que era imposto e o que era
preservado, entre o tradicional e o novo, que na análise de Santos (2004, p. 94): “falar
de reconhecimento remete-se às intenções, à repetição e aceitação das práticas culturais,
à constituição de costumes criados e situados em lugares e contextos.”
Isto significa que a suposta “invisibilidade” existente, por exemplo, durante a
profanação dos túmulos, representava uma aliada dos índios, para manter viva a sua
tradição cultural de rituais antropofágicos, ou seja, um pequeno farol a iluminar os
traços culturais dos grupos, no seu caráter ritual-simbólico nos sepultamentos, como
forma de honrar aos antepassados mortos, mesmo que a motivação fosse uma simples
vingança.
Ao considerar os trançados de fibras, a “invisibilidade” acaba por prejudicar o
(re) conhecimento vários aspéctos da simbologia e cultura material impressa na
constituição de um enxoval funerário, por exemplo, que acaba suprimindo a
identificação de traços culturais, as técnicas de manufatura, os usos, entre outros e sua
valorização como patrimônio:
Mas, além destas sociedades podem ser acrescentadas também populações
rurais e algumas minorias urbanas contemporâneas, cujo patrimônio é
silenciado, na maioria das vezes, por não ter visibilidade. Existe assim, uma
outra conotação para o invisível, não apenas relativa a sua característica
inerente de ser intangível, de constituir-se de uma cultura imaterial, mas
também de atribuir a esse invisível, por essa condição, uma ausência de
sentido o que pode obliterar seu valor patrimonial e o considerá-lo pouco
significativo (SANTOS, 2004, p. 96).
74

Então as estruturas de dominação e subjugação dos indígenas, sempre existiram,


que correspondem aos europeus, à religião imposta, as guerras por vinganças, porém se
“tornavam” invisíveis aos olhos dos cronistas, colonizadores e da historiografia, como
uma passagem transitória. Se pensarmos no trançado de fibras, sua existência no
contexto funerário era quase imperceptível, como um espectro a pairar sobre mobiliário
funerário. O nosso papel enquanto pesquisadores é legitimar o (re) conhecimento e dar
visibilidade ao trançado, sendo de qualquer origem, através de suas técnicas e
recorrências e a partir de suas memórias culturais:
Essa legitimidade é decorrente de um reconhecimento de um ou dos vários
sentidos que as referências patrimoniais possam ter para os indivíduos.
Considera-se, portanto, que o surgimento, a manutenção e a preservação
dessas referências têm relação direta com a significação que os vários
indicadores de memória, sejam eles materiais ou imateriais, têm para aqueles
que os reconhecem como importantes e/ou necessários à sua vida
(SANTOS, 2004, p. 94).

Ainda sobre as práticas funerárias, foi demonstrado que a constituição de todo o


mobiliário funerário, de um enxoval contendo adornos, mobílias e ferramentas que se
relacionam aos contextos, seja na paisagem cultural, seja no tempo, nos costumes
repassados ao longo do tempo de grupos para grupos. Alguns traços culturais,
conseqüentemente, desapareceram, foram modificados, incorporados ou readaptados a
partir de novos usos, saberes e fazeres.
Diante do exposto, constitui um fato a presença do trançado de fibras no
mobiliário funerário de enterramentos e sepultamentos indígenas tanto na Pré- Historia,
quanto nos primeiros anos do Brasil colonial, se torna uma referencia cultural que
ultrapassou as barreiras do tempo, se encontrando em recorrências até a
contemporaneidade, prenhe de novas funções no cotidiano das populações indígenas de
norte a sul, de comunidades rurais e populações urbanas tradicionais, no qual demonstra
o IPHAN (2007, p. 14):
Os significados atribuídos aos bens culturais, assim como às práticas a eles
associadas, podem se transformar ao longo do tempo e também podem variar
de uma pessoa para outra, de uma família para outra, de um bairro para outro.
Temos assim, por exe mplo, os diversos grupos que brincam o boi não apenas
no Maranhão, mas também no Piauí e em vários outros estados brasileiros.
Podemos citar também as festas de São João e as tradicionais brincadeiras de
roda e de pião que ocorrem por todo o país e apresentam variações de forma
e significado de um lugar para outro. Independentemente dos mais diversos
significados que possam ser atribuídos a uma manifestação ou bem cultural,
considera-se patrimônio aquele que é reconhecido pelo grupo social como
referência de sua cultura, de sua história, algo que está presente na memória
das pessoas do lugar e que faz parte do seu cotidiano.
75

O objetivo principal deste capítulo foi demonstrar que a apesar da antiguidade


do trançado de fibras, sua presença se efetiva atualmente a partir de dois focos: o
trançado arqueológico e o trançado atual, no contexto do Nordeste do Brasil. O capítulo
3 adentra no universo do trançado de fibras presente nos Estados do Piauí, mostrando
seus lugares, saberes, usos e gentes ratificando sua importância como patrimônio
arqueológico cultural do Brasil.
76

CAPÍTULO 3

O TRANÇADO DE FIBRAS NO COTIDIANO- SOBRE O SABER, O FAZER E


O TRANÇAR

O balaio de palha você faz ele tipo o cofo, mas a boca é redonda, né? Agora,
fazer essa cruzeta, bole com o juízo da gente, viu, para dar certo, pra ficar
tudo assim ó! A gente pega só uma palha e aí puxa pra cá. Ai você vai
puxando todo o tempo, todo o tempo que é pra no fim dar certo, ficar desse
jeito aqui. Pra ficar bonitinho (risos). Esse aqui é de eu guardar coisa. Eu
guardo agulha, boto retalho de pano, eu corto uma coisa, eu jogo o retalho
dentro, sobra um tubo de linha, eu guardo aqui. É... Nele Nossa Senhora
carregou Jesus Cristo sentadinho ai dentro duma cadeira (risos).
Antonia Nascimento, Codó 31

Um cesto que pode ser simples remete um longo processo de ocorrências e


recorrências de saberes, fazeres e usos repassados através das memórias dos grupos
tanto a partir de uma materialidade, quanto de imaterialidade. Seus passos nos capítulos
anteriores demonstraram que apesar da antiguidade, o trançado de fibras persiste
bastante atual, seja em contexto arqueológico, seja produzido nas comunidades
indígenas e/ou tradicionais do interior do Piauí e Maranhão.
Para buscar dimensionar as regularidades e singularidades presentes nestes
trançados de fibras tradicionais contemporâneos do PI, o presente capítulo adentra ao
espaço geográfico- cultural, da cidade, das casas, dos artesãos e artesãs, para
compreender como esses contextos influem direta ou indiretamente nos saberes, fazeres
e usos de jacás, cofos, peneiras, quibanos, cestos, bolsas, entre outros e também
demonstrar como se processa a cadeia operatória da jacá e do quibano com objetivo de
compreender as diferenças e semelhanças durante este processo.
Sobre o lugar, destaca-se a cidade de Altos- PI, demonstrando seus aspéctos
geográficos, econômicos, culturais, entre outros, numa tentativa de compreender os
contextos que perfazem as identidades das pessoas que produzem e utilizam os
trançados de fibras nesses espaços, pois como demonstra Carlos (2007, p. 14): “o que
significa dizer que no lugar se vive, se realiza o cotidiano e é aí que ganha expressão o
mundial. O mundial que existe no local, redefine seu conteúdo, sem todavia anularem-
se as particularidades”.
Sobre o saber, encontram-se as falas, as interpretações, os anseios, as
expectativas, as experiências, a memória dos repasses das técnicas, os usos e o comércio
do trançado de fibras para os artesãos que os produzem, lançado nosso “olhar”

31
Gonçalves; Lima; Figueiredo (2009, p. 53).
77

etnográfico sobre “os mundos” internos e externos dessas pessoas, ou como diz Carlos
(2007, p. 14): “também é possível perceber-se a fragmentação do mundo, na dimensão
do espaço, do individuo, da cultura, etc”.
E por fim, Sobre o Trançar, apresenta a perspectiva do trançado atual analisado
por Berta Ribeiro (1985) no qual apresentou sua proposta de classificação para o
trançado indígena norte- amazônico (Yawalapiti, Kabyabi do Xingú; Tukâno, Baniwa
dos altos Tributários do rio Negro, entre outros) com o objetivo de identificar algumas
técnicas e tipos de trançados que se assemelhe com os trançados analisados nesta
pesquisa.

Sobre o Lugar- um olhar sobre Altos/PI

Isto é, o lugar guarda em si e não fora dele o seu significado e as dimensões


do movimento da vida, possível de ser apreendido pela memória, através dos
sentidos e do corpo. O lugar se produz na articulação contraditória entre o
mundial que se anuncia e a especificidade histórica do particular.
Ana Fani Alessandri Carlos (O Lugar do/no mundo, 2007)

Falar de um lugar é muito mais falar das pessoas, porque é a partir delas que o
lugar se constrói e também é a partir delas que os espaços se modificam, em todas as
suas dimensões: físicas, técnicas, sociais, culturais, econômicas, e assim por diante. E
para entender o lugar das pessoas do trançado de fibras, também necessita de apreender
a dimensão histórica que está inserida, pois como remete Carlos (2007, p. 17):
Há também a dimensão da história que entra e se realiza na prática cotidiana
(estabelecendo um vínculo entre o “de fora” e o “de dentro“), instala-se no
plano do vivido e que produziria o conhecido-reconhecido, isto é, é no lugar
que se desenvolve a vida em todas as suas dimensões. Também significa
pensar a história particular de cada lugar se desenvolvendo ou melhor se
realizando em função de uma cultura/tradição/língua/hábitos que lhe são
próprios, construídos ao longo da história e o que vem de fora , isto é o que se
vai construindo e se impondo como conseqüência do processo de constituição
do mundial.

Buscado e rebuscado especialmente pelos Geógrafos, o conceito de lugar está no


cerne dos debates mais intrinsecamente desde a década de 1920, quando estes buscam
incorporar o aporte teórico da fenomenologia 32 às interpretações conceituais das

32
Segundo Houzer (2003, p. 113): “esta investigação iniciou-se na década de 20 tomando-se mais
dinâmica na década de 60. Considerada esta trajetória, é preciso reflet ir sobre o modo como este aporte
teórico conceitual vem sendo incorporado pelos geógrafos. Ao falarmos de fenomenologia na geografia
devemos nos reportar à obra de Carl Sauer, que já em 1925 se referia à fenomenologia em art igo
intitulado "A Morfologia da Paisagem" (1998 [1925]).
78

relações entre homem e natureza, que persiste influenciando no embates entre a suposta
divisão da geografia humana x geografia cultural:
Essa divisão foi aumentando em suas dimensões ano após ano e ameaça a
levar à formação de um fosso através do qual é impossível manter uma
unidade de interesses. A situação data dos primórdios da geografia moderna,
mas tem se intensificado, sobretudo no século atual. O primeiro grupo
mantém seu interesse preferencial pelo homem, quer dizer, pela relação do
homem com seu meio, habitualmente no sentido de adaptação do homem ao
meio físico. O segundo grupo, se é que se aceita dividir os geógrafos
mediante meras classificações, dirige sua atenção para aqueles elementos da
cultura material que conferem caráter específico à área. Para simplificar,
chamaremos à primeira postura de geografia humana e a segunda de
geografia cultural (SAUER, 1997, p. 1).

Independente dos acalorados debates divisórios, a geografia cultural alimenta


teoricamente não somente os estudos sobre geografia das paisagens, mas também outras
ciências atinentes a este tema como, por exemplo, arqueologia da paisagem exatamente
por seu caráter de se interessar “portanto, pelas obras humanas que se inscrevem na
superfície terrestre e imprimem uma expressão característica” (SAUER, 1997, p. 4).
Neste contexto, a fenomenologia de Sauer busca as relações geográficas a partir do
estudo dos fatos do lugar (HOLZER, 2003).
Então, o conceito de lugar segundo Carlo (2007, p. 17), não está somente no
espaço físico, ou ambiental, mas no que denominou de tríade em que se baseiam os
lugares, e que dá suporte a esta construção conceitual:
O lugar é a base da reprodução da vida e pode ser analisado pela tríade
habitante - identidade - lugar. A cidade, por e xe mplo, produz-se e revela-se
no plano da vida e do indivíduo. Este plano é aquele do local. As relações
que os indivíduos mantêm com os espaços habitados se exprime m todos os
dias nos modos do uso, nas condições mais banais, no secundário, no
acidental. É o espaço passível de ser sentido, pensado, apropriado e vivido
através do corpo.

Muito próxima da antropologia das técnicas corporais ou do corpo, esta noção


incentiva a uma reflexão de que o lugar, muito mais que uma dimensão concreta
material, abstrai uma gama de relações que envolvem costumes, tradições, patrimônios,
ou seja, “a tríade cidadão- identidade- lugar aponta a necessidade de considerar o corpo,
pois é através dele que o homem habita e se apropria do espaço (através dos modos de
uso)” (CARLOS, 2007, p. 18).
O lugar dos trançadores de fibras tem muito desse conceito proposto de que os
espaços são produzidos por/para os homens, repletos de história, culturas, memórias,
monumentos, patrimônios, que se constroem e reconstroem por todos estes aspéctos,
que formam as paisagens:
79

As diversas paisagens das cidades comportam meios de acesso à sua


essência: marcas de ocupação, metamorfoseadas em diversos suportes
materiais e imateriais, definidas por uma lógica de produção do espaço que
decreta ausências e permanências de memórias e de histórias, e fixa m as
imagens que representam as cidades. O acesso a essas marcas pode ser como
um labirinto, ou um complicado “jogo de espelhos” (Ginzburg, 2001: 85)
composto por ruas, becos, praças, monumentos, andarilhos, moradores fixos,
construções as mais diversas, imagens como espelhos que podem revelar ou
confundir o que é cada cidade (SANTOS, 2015, p 355).

Figura 14- Mapa de Localização de


Altos/PI

Neste sentido, o lugar do trançado de fibras para esta


pesquisa corresponde à cidade de Altos/PI situada ao
norte do Piauí, conforme figura 1433, a uma distância de
41 km de Teresina. A escolha deste local foi feita a
partir de dois fatores: o primeiro corresponde à
proximidade com a cidade de Teresina, tanto em termos
de distancia, quanto em termos geográficos; o segundo
fator está no conjunto de artesãos e seus produtos de
material, por ter iniciado o trabalho de pesquisa com
estes ainda na graduação, persistindo até o momento.
Segundo a historiografia, os registros de sua ocupação
datam aproximadamente do ano 1800, a chegada de
João de Paiva Oliveira, vindo do Ceará, que fixou residência em São José dos Altos,
representando importante personalidade histórica, alem do cônego Honório. Em 1891,
chega a São José dos Altos o capitão Francisco Raulino, que instalou a primeira loja de
tecidos nacionais e estrangeiros e outras mercadorias, realizando exportações, conforme
destacam Lima; Junior (2012, p. 3)
No ano de 1800 o casal João de Paiva e Raimunda Oliveira fugindo da seca
que assolava o Ceará, assim como todo o Nordeste se instalaram nessa região
nos locais conhecido como Alto da Casa Nova, Altos Franco e Alto de João
de Paiva (FERREIRA, 1987, não paginado) fixaram moradia dedicando-se a
lavoura e a criação de gado. Aos poucos foram chegando outras famílias
como: Saraiva Barbosa, Raulino da Silva, Soares da Silva, Ferreira de Sousa,
Porto, Viana. Se formando o povoado que mais tarde se constituiria a cidade
de Altos.

Somente em 1938, Altos foi emancipada como cidade, que possuía traços bem
característicos de cidade interiorana, que só iniciou o processo de urbanização a partir

33
Fonte Figura 14: Mapa produzido por Hernandes Brito, 2015.
Figura 15- Centro de Artesanato de Altos 80

de 1950 (LIMA; JUNIOR, 2012). Como uma


cidade que transita entre o antigo e o moderno,
a cidade de Altos ainda apresenta resquícios de
estruturas históricas do início de sua
emancipação conforme figura 1534,
representando o Centro de Artesanato e
Cultura da cidade.
Esta representatividade histórica através da arquitetura se entrelaça com os
aspectos que coadunam para a construção das identidades dos grupos através da
memória que estes monumentos constituem, mesmo com o avanço do presente e todo o
seu arsenal de modernidade, como enfatizou Carlos (1996, p. 48):
As formas que a sociedade produz guarda uma história, pois o tempo implica
duração e continuidade. As formas materiais arquitetônicas guardam uma
certa monumentalidade com seu conteúdo social que a memória ilumina,
torna-o presente e com isso lhe dá espessura (conteúdo ao presente). A
memória articula espaço e tempo, ela se constrói a partir de uma e xperiência
vivida num determinado lugar. Produz-se pela identidade em relação ao lugar,
assim lugar e identidade são indissociáveis. O histórico tem s uas
conseqüências, o diacrônico, o que se passa modificando lugares inscrevendo-
se de outra forma no espaço. O passado deixou traços, inscrições, escritura do
tempo. Mas esse espaço é sempre hoje como outrora um espaço presente dado
como um todo atual com suas ligações e conexões em ato. A memória liga -se
decididamente a um lugar.

Neste sentido, os lugares dos trançadores de Altos/PI, representam três espaços


constitutivos de memória e história, que correspondem respectivamente ao Mercado da
Cidade, ao Bairro Bacurizeiro que representa os “jacazeiros” e o Bairro Carrasco em
que persistem as “Quibaneiras”. Figura 16- Jacás no Mercado de Altos
No Mercado, encontra-se o comércio do
trançado da cidade, com jacás, quibanos, peneiras,
cestos, vassouras, entre outros produtos também. O
Jacá, por exemplo, tanto é comercializado quanto
representa local de armazenamento de legumes frutas,
entre outros conforme figura ao lado (fig. 1735).
No bairro Bacurizeiro, encontram-se os
Trançadores ou “Jacazeiros” que produzem os jacás

34
Fonte Figura 15: SANTOS, F. O./ 2011 .

35
Fonte Figura 16: SANTOS, F. O./2011
81

tanto para comercialização, quanto para uso próprio. Neste espaço trabalhou-se com um
artesão, onde se documentou todo o processo de confecção e retoques finais do jacá,
desde a preparação da matéria- prima até a venda destes, nos quais serão tratados no
capitulo posterior.
No bairro Carrasco encontram-se as trançadoras ou “Quibaneiras”, que
produzem quibanos e peneiras de variados tamanhos e formas, para comércio e uso
próprio. Neste lugar trabalhou-se com uma artesã, que comanda a produção deste tipo
de trançado, no bairro. Foi documentado desde o processo de preparação da matéria-
prima até o acabamento do mesmo, no qual se adquiriu alguns exemplares para coleção,
e serão demonstrados em capitulo posterior.

Sobre o Saber- um olhar etnográfico sobre o trançado de fibras

E esses segredos todos, o artesão guarda em seu trabalho. Não está


registrado, não tem nenhum suporte para além do seu próprio canto que
conserva em si, sua iniciação e seu ofício (Marcos Ferreira Santos- Cultura
Imaterial e Processos Simbólicos, 2004).

A construção dos saberes passa pelos caminhos da memória de quem os edifica


tanto de forma material, quanto imaterial e que requer uma leitura dos acúmulos de
histórias das comunidades que estão representados nas estruturas materiais, nos aspéctos
imateriais, nas alterações do meio, nos ofícios empregados, nas conotações simbólicas
dos objetos, nas edificações assim como nos lugares, entre outros elementos que
deleguem uma legitimidade do sentido dessas coisas, ou seja, “essa legitimidade é
decorrente de um ou de vários sentidos que as referencias patrimoniais possam ter para
os indivíduos” (SANTOS, 2004, p. 94).
Este processo de dar voz ao outro, de escutar suas memórias, de prestar atenção
às entrelinhas dos seus saberes torna tangível a imaterialidade- naquilo que a priori não
tem uma representação significativa, pois para alguns, a cultura material, expressa em
suas técnicas e recorrências planificada em um espaço- tempo – palpável é capaz de
suprir este caráter mais “abstrato”- e justifica-se “por figurarem como portadoras de elos
que permitem o reconhecimento e a preservação da identidade de um povo” (SANTOS,
2004, p. 96).
Observar a oralidade destes grupos também requer um esforço de compreender
“os saberes produzidos fora da matriz mediterrânea” (MARANHÃO; SILVA, 2014, p.
82

115), ou seja, ultrapassar o conceito de que um saber produzido pelo senso comum é
sempre “ingênuo”, e que o saber científico, por seu caráter universal, é geralmente
detentor de uma “verdade paradigmática”, até que surjam outras “verdades” que a
substituam ratificando sua hegemonia de cientificidade:
O que queremos é compreender a possibilidade de que a ciência exista não
como monocultura, mas como parte de uma ecologia mais ampla de saberes,
em que o saber científico possa dialogar com o saber laico, com o saber
popular, com o saber dos indígenas, com o saber das populações urbanas
marginais, com o saber camponês (MARANHÃO; SILVA, 2014, p. 116) .

A forma adotada para apreender estas vozes dotadas dos saberes repassados na
confecção do trançado de fibras, se constituiu de diálogos informais e formais com os
artesãos (ãs) e comerciantes, que foi documentado através de vídeos, documentação
fotográfica, localização do trajeto dos lugares por GPS, obtenção do trançado produzido
e observação do contexto dos lugares onde são produzidos e comercializados, entre
outras técnicas.
Não se optou por uma entrevista semi- estruturada, onde o modelo se encontra
no anexo, porque estes dados já haviam sido coletados durante o Trabalho de Conclusão
de Curso (TCC) para a graduação em Arqueologia, e como estamos trabalhando co m os
mesmos personagens, optara-se apenas por comparamos tais informações com as
adquiridas recentemente em trabalho de campo realizado atualmente.
A importância de adotar uma relação de dialogo permanente com os jacazeiros e
quibaneiras nos faz questionar diariamente a forma como devemos buscar a apreensão
do caráter simbólico e efetivo do saber, a partir inclusive de sua materialidade conforme
destaca Santos (2004, p. 140):
No espaço e tempo do museu, eu posso encontrar os objetos, todos os
instrumentos de trabalho do ferreiro carregados de sua existência convertidos
em seu aspecto museal – como um belo objeto de exposição – como também
posso, talvez, depreender o seu sentido mais simbólico. Mas, como posso ter
acesso a esse universo de sentidos senão através das pessoas, senão através
daqueles que, de uma certa forma, herdam ainda essa produção cultural, essa
produção simbólica de sentidos?

A conseqüência (benéfica) destes diálogos representa a possibilidade de


compreender não somente o que condiciona a utilização e/ou o significado de um objeto
material, mas também os indicadores quase imperceptíveis quando a fala leva a “tratar
daquilo que nunca se viu: as crenças, a fé, as rezas, a simbologia atribuída aos objetos”
(SANTOS, 2004, p. 98). Por isso, optamos por depoimentos em vez de entrevistas, pois
numa conversa (in) formal, as lembranças e as memórias entrelaçadas são capazes de
83

descortinar panoramas que ultrapassam a simples descrição e abarca o campo das


emoções:
Através da linguagem, sobretudo dos depoimentos, é possível compulsar os
bens intangíveis, percebê-los como fontes de informação imprescindíveis ao
entendimento do processo de ocupação dos lugares. Os depoimentos
geralmente abordam questões ligadas à imaterialidade atribuídas aos objet os,
aos gestos, às histórias de vida dos habitantes permeadas pelas práticas
cotidianas, às celebrações, aos saberes e fazeres (SANTOS, 2004, p. 98

Neste contexto, seguindo a lógica dos agentes dos trançados, as falas


constituídas de saberes destes serão abordadas respectivamente a partir dos
comerciantes do Mercado Central de Teresina, do jacazeiro do bairro Bacurizeiro e da
quibaneira do Bairro Carrasco, por conceber-se que estas são “produtoras de culturas” a
partir de seus lugares de origem como enfatizou Santos (2004, p. 100):
Classificadas como tradicionais, as comunidades cujos saberes e fazeres estão
enraizados no lugar em que vivem, passam a ser vistas como “produtoras de
culturas” e como representativas de formas de assentamento que fazem parte
da história de uma determinada região.
Figura 17- Primeira visita ao
Mercado Central de Teresina em
junho de 2011 As visitas no Mercado Central de Teresina iniciaram
em 18 de junho de 2011, quando ainda estávamos em
processo de elaboração do TCC, no qual participaram
a Dra. Fabrícia Oliveira (orientadora à época) e as
amigas e colegas de turma Carla Veranna e Suianny
Alves, conforme figura 1736
Nesta época os comerciantes e artesãos localizavam-
se na parte inferior do Mercado, no entorno da Praça
da “Bandeira”, Rua Lisandro Nogueira, Rua Barroso
e Rua João Cabral, Figura 18- Mercado Central em 2011.

dividindo espaço
com comerciantes
de outros produtos artesanais como couros, cachaças
e licores, raizeiros, etc, conforme Figura 18.37
Atualmente a parte do Artesanato com trançados
encontra-se na parte superior do Mercado Central
devido à reforma e restauração que vem acontecendo

36
Fonte da figura 17: : SANTOS, F. O./2011.
37
Fonte da Figura 18: GOMES, G. C./2011.
84

desde o ano de 2013, onde se constatou que há um menor espaço para os artesãos/
comerciantes conforme Figuras 1938, onde o material fica muitas vezes amontoado nas
laterais nos quais se encontram os jacás, cestas, chapéus, produtos indígenas, entre
Figura 19: Prancha 1- Parte superior contendo
outros.
artesanato do trançado no Mercado Central.

No campo realizado em junho de


2011, foi identificada a presença do
artesanato dos índios de Barra do
Corda/MA e do Estado do Pará, que
forneciam aos comerciantes produtos
de cestaria e trançado de fibras como
abanos, bolsas, cocares, saias de danças, recipientes para fumo, tipiti, entre outros. Estes
produtos eram fornecidos em consignação, ou Figura 20- Miniaturas de Barra do Corda.

seja, o que não for vendido é devolvido aos seus


produtores. Uma das especialidades dos índios
de Barra do Corda/MA são as miniaturas
conforme figura 2039
Já em processo de confecção da
dissertação do mestrado, foi realizado o primeiro
campo no Mercado Central no dia 08/12/2014,
no local de comércio de artesanato na superior,
no qual se realizou documentação fotográfica,
conversa informal com os comerciantes e
artesãos e aquisição de material para o acervo da proposta de classificação.
Neste espaço existem aproximadamente 15 (quinze) pessoas que trabalham com
trançado de fibras e outros produtos artesanais, deste total pelo menos duas pessoas
produzem cestaria e trançado. Como por exemplo, dona Raimunda Nonato (57 anos)
que há 20 (vinte) anos produz e vende cestas artesanais no Mercado Velho, e conforme
Uchôa (2013, p. 1): “O trabalho com o cipó de vinho faz surgir cestas dos mais variados
tipos e formatos, ofício que também foi passado para os filhos, que contribuem na
produção e venda dos produtos diariamente”.

38
Fonte Figura 19: GOMES, G. C./ 2015.
39
Fonte Figura 21: SANTOS, F. O./2011.
85
Figura 21: Prancha 2- Trançados Comercializados
na Loja 01 do Sr. Moisés.
Foram visitadas todas as lojas neste
dia, porem houve registro de duas lojas no
caderno de campo que foram denominadas
lojas 01 e 02, respectivamente.
Na loja 01 do comerciante M.40,
existe a maior variedade de produtos de
trançado de fibras como jacás, quibanos,
peneiras, chapéus, material indígena (bolsas,
abanos, cocares, etc), cestos com tampa e
sem tampas, miniaturas, cabaças e diversos tipos de artesanatos conforme Figura 2141.
Figura 22- Miniatura
comercializado na Loja 02.
A aquisição do artesanato presente na Loja 01 vem dos
índios de Barra do Corda/MA, dos artesãos de Altos, de José
de Freitas, Teresina, Campo Maior, Caxias, entre outros. A
Loja 02 (Box 6) de propriedade da Dona C., vende
artesanato em geral provenientes de Timon/MA que
correspondem às miniaturas de minijacás, minicestos (etc),
de acordo com figura 2342, produtos de Teresina, Altos, José
de Freitas, entre outros como miniaturas, rendas, chaveiros,
souvenir e ainda material dos índios de Barra do corda de
variados tamanhos (figura 2243).
Figura 23- Bolsas Indigenas de Barra do
Corda/MA.
A grande dificuldade de diálogo com os
comerciantes (artesãos) é devido à
urgência que estes têm de comercializar
seus produtos artesanais e em suas falas
sempre está presente a frase: “não tenho
tempo”. Procuram manter certa
distância, porém com muita “insistência”
e a aquisição do seu material, se

40
Devido à inexistência de autorização para divulgação da identidade dos entrevistados optou -se por
identificar somente com a in icial do nome.
41
Fonte Figura 21: GOMES, G. C., 2014/2015.
42
Fonte Figura 22: SANTOS, F. O /2014.
43
Fonte Figura 23: GOMES, G. C./ 2014.
86

predispõem a deixar documentar seus espaços e produtos, e até respondem de forma


mais espontânea os questionamentos.
Na entrevista informal com o Sr. M. dia 08/12/14 foram feitas as seguintes
perguntas e obtidas as seguintes respostas:
1- Quanto tempo o senhor vende este tipo de artesanato? R- há mais de vinte
anos, mas não lembro da data.

2- Quem são seus fornecedores e se existe algum tipo de contrato com estes? R-
são vários que fornecem, de Altos, Campo Maior, José de Freitas,
Teresina e tem uns índios ai que vem do Maranhão e deixam suas peças
aqui pra eu vender, se não vender, devolve pra eles. Não tem esse
negocio de contrato não, é só pegar a mercadoria e pagar, ou então
pagar depois que vender.

3- O senhor fabrica algum tipo de artesanato, qual ou só comercializa? R- não


sei fabricar, só vender mesmo e sou agregado aqui neste ponto apesar
desse tanto de ano que tou aqui.

4- Quais são os produtos que tem mais saída, e os que vendem menos? R- aqui
tem muita saída os jacás, quibanos, as bolsas dos índios, as cachaças,
cabaças, pilão, os que vende menos são os objetos de madeira.

5- O senhor sabe o que é patrimônio? R- moça eu penso que patrimônio é


uma coisa que tem valor, tipo a minha casa, e também é uma coisa que
vai me lembrar depois que eu morrer, pra mim, meus filhos, a minha
família, isso é patrimônio. Não sei explicar não.

Como observado, o primeiro comerciante procura responder as questões de


forma objetiva e direta, mas o interessante é a resposta sobre patrimônio, pois entende
que este possui um valor material, mas também reconhece o patrimônio na perspectiva
de herança familiar, ou de pertencimento. As mesmas perguntas foram utilizadas na
entrevista com a Dona C., nos quais seguem as respostas:
87

1- Quanto tempo a senhora vende este tipo de artesanato? R- Faz um bom


tempo mia fia, mas ou menos uns quinze anos, não sei precisar data não.

2- Quem são seus fornecedores e se existe algum tipo de contrato com estes? R-
tem uma mulher de Timon que fornece as miniaturas que são esses
cestinhos, jacazinhos, tem outra de Teresina que faz as mesmas coisas,
tem os índios do Maranhão, que acho que é de Barra do Corda. A cada
15 dias elas deixam esses artesanatos aqui, e pago conforme vou
vendendo. As vezes tem encomendas, mas não tem papel assinado não,
esse tal de contrato.

3- A senhora fabrica algum tipo de artesanato, qual ou só comercializa? R- eu


comercializo e fabrico miniaturas, mas como estou sem tempo eu só
pego as mercadorias e vendo.

4- Quais são os produtos que tem mais saída, e os que vendem menos? R- tem
mais saída os cestinhos, os jacazinhos e as bolsas dos índio, aqui quase
tudo tem saída.

5- A senhora sabe ó que é patrimônio? R- patrimônio eu sei o que é, mas num


sei como dizer o que é, mas assim posso dizer que a casa que moro é um
patrimônio, vinheram umas estudante aqui uma vez, e disseram que o
museu ali embaixo é patrimônio, que essa praça da bandeira também é,
eu acho que o patrimônio que a minha casa é, é diferente do patrimônio
da praça, mas num sei dizer não.

Observadas as respostas, a Dona C. tem a noção do que é patrimônio, e


possivelmente com a explicação dessas estudantes reconhece o significado de
patrimônio cultural, mas não consegue expressar em palavras. Outro aspécto
interessante que mesmo produzindo material trançado, prefere somente comercializar
porque, segundo ela, “não tem tempo e dá muito trabalho”.
Também existe uma reclamação destes dois comerciantes com a mudança do
local para a parte superior, pois a clientela se tornou mais específica com pessoas que
88

vão diretamente em busca do artesanato, e quando localizava-se na parte inferior, os


clientes eram mais diversificados.

Figura 24- Trajeto do Trançado no Mercado Central


No dia 04 de março de 2015, realizou-se
o trajeto e a localização dos pontos de
artesanato envolvendo o comercio de
material trançado através do GPS, no
qual gerou-se um mapa de localização
destes pontos na plataforma Google
Earth (figura 2444), iniciando na Av.
Maranhão (PM1), passando pela Praça
da Bandeira (PB), realizando o trajeto na parte superior do mercado onde se encontram
os artesãos/comerciantes (PMA1, PMA2 E PMA3), no entorno e saída pela rua
Lisandro Nogueira (PEA) até a Igreja do Amparo e Praça Rio Branco (PIA E PRB).
O objetivo da demarcação deste trajeto é compreender onde se concentra a
produção e o comércio do trançado no Mercado Central, e as transformações advindas
da mudança destes artesãos/comerciantes da parte inferior para a parte superior. Sobre
este contexto, não existe uma unanimidade com relação à mudança para parte superior,
pois alguns artesãos/comerciantes aprovam e apresentam como benefícios que o lugar
atual representa um ponto específico de produção e comercialização do artesanato,
especialmente de cestarias, trançados em geral, produtos indígenas, material feitos de
madeiras, rendas, bolsas, chapéus, entre outros, mas ao contrário, o ponto negativo
apontado é que o lugar possui um espaço reduzido que chega a amontoar o material dos
artesãos/comerciantes, e a parte inferior próximas das praças e ruas movimentadas seria
um ponto estratégico para “chamar e convencer os clientes”.
Os saberes envolvidos para os trançadores/ trançadoras de Altos/PI, estão
conectados com seus espaços e relatos orais de suas histórias de vida, assim também
como em “contextos mais abrangentes estruturando espaços e acontecimentos”
(SANTOS, 2004, p. 99).
Nas falas dos artesãos que serão reproduzidas a seguir, muito mais que um
“saber fazer” visando somente o lucro, todos ressaltam que produzem seus jacás e
quibanos por “prazer”, porque “gostam”, porque se sentem felizes em produzir uma

44
Fonte: Google Earth, 2015.
89

“arte”. Bem o que identifica Maranhão; Silva (2014, p. 118): “enquanto a forma
capitalista de produção está orientada pelo lucro, o trabalho do artesão é impulsionado
pela satisfação de fazer algo importante que dá visibilidade ao seu saber artíst ico e as
tradições do seu povo”
O primeiro contato com o trançado de Altos/PI ocorreu em novembro de 2011,
numa visita com a Dra. Fabrícia, Carla Veranna, Suianny e Ana Flávia, aos principais
pontos de produção e comercialização de jacás, quibanos, peneiras, abanos, cofos, entre
outros produtos envolvidos. Ainda no Mercado, identificou-se uma significativa
quantidade de jacás, quibanos, peneiras para farinha e feijão, vassouras, além de outros
produtos comercializados na feira da cidade (Figura 2545):
Figura 25: Prancha 3: Jacas, Peneiras, Quibanos e
Ainda neste período foi realizada visita nos Bairros Bacurizeiro e Carrasco, com
Outros Produtos da Feira de Altos/PI em 2011.
objetivo de identificar os produtores dos
jacás, quibanos, peneiras e outros tipos de
trançados, para preenchimento de um
questionário denominado de “Ficha de
Levantamento Etnográfico – Saberes do
Trançado”, nos quais foram identificadas
algumas informações pessoais, identificação
do saber e do tipo de Trançado (figura 26):
A partir deste levantamento
preliminar do TCC, para o projeto de Dissertação foram escolhidos dois artesãos
principais: o Sr. Antonio, único produtor de jacás do bairro Bacurizeiro e D. Florisa,
que congrega as produtoras de quibanos e peneiras no bairro Carrasco. O primeiro
campo efetivo desta etapa teve início dia 21/01/2015.
Figura 26- Aplicação do Questionário com o Sr.
Antonio em 2011
A história do Sr. Antonio como artesão se
conecta com a própria convivência no
bairro Bacurizeiro de onde reside desde
1984, sendo natural do Piauí. O ofício de
“jacazeiro” aprendeu com o pai, ainda na
infância com aproximadamente 11 (onze)
anos de idade. De lá para cá, produz jacás

45
Fonte: SANTOS, F. O, 2011.
90

porque “gosta” assim como para comercialização com comerciantes de Teresina e


principalmente do Estado do Ceará, atualmente a um valor de 3 (três) jacas a R$ 30,00
(Trinta Reais). Segundo ele não sabe produzir quibanos sendo geralmente “um trabalho
das mulheres”. As respostas na integra durante o campo em 2011:
UFPI/CCN/ Bacharelado em Arqueologia e Conservação de Arte Rupestre - Ficha de campo – Saberes do
Trançado – pontes com trançados da Pré-História: identificação de padrões trançados na
contemporaneidade
1. IDENTIFICAÇÃO DO(A) ARTESÃO(Ã)
2. 1. Nome do(a) artesão(ã): SR. ANTONIO

3. Endereço: BAIRRO BACURIZEIRO

4. Sexo: ( ) F ( X ) M
5. Faixa etária:
( ) 10 a 15 ( ) 16 a 20 ( ) 21 a 30
( ) 31 a 40 ( X ) 41 a 50 ( ) 51 a 60
( ) 61 a 70 ( ) 71 a 80 ( ) 81 a 90
2. IDENTIFICAÇÃO DO SABER
6. Com quem aprendeu: (X ) pai ( ) mãe ( ) outros/especificar

7. Idade que iniciou:11 ANOS

8. Já repassou/repassa o saber fazer: ( X ) sim ( ) não OBS: ESPOSA E FILHOS

9. Por que faz: ( X ) meio de vida ( ) distração ( ) manter a tradição/costumes ( X ) outros/especificar

OBS: PORQUE GOSTA DE FAZER

10. Que tipo de peça produz: JACÁ, CESTO

11. Usa o que faz: (X ) sim ( ) não

12. Como utiliza/finalidade: ( X ) no trabalho dentro de casa ( ) na roça ( X ) outros/especificar OBS:

COMERCIALIZA EM CASA

3. IDENTIFICAÇÃO DO TRANÇADO
13. Cada peça elaborada possui um trançado diferente: ( X ) sim ( ) não

14. A finalidade? PARA ARMAZENAR, TRANSPORTAR, USAR NA ROÇA

15. O nome do trançado utilizado em cada peça:GURDAS E ESTACAS

16. Matéria- prima empregada: TABOCA DE MACACO E TABOQUINHA

17. Tem algum cuidado especial na retirada da fibra? Dias específicos, se apenas homens ou mulheres? A FIBRA

É RETIRADA NO PERÍODO DA LUA CRESCENTE PARA “NÃO BICHAR”.

18. Como adquire? Compra, pega na mata? (Extrativismo; as ferramentas utilizadas etc.) R- SÃO RETIRADOS NA

MATA NA CIDADE DE CAXIAS E JOSÉ DE FREITAS

19. O preparo da fibra antes de trançar: PROCESSO DE LAXAR PARA RETIRAR AS TALAS, BATER E LIXAR.

20. Tempo de elaboração: MAIS OU MENOS 50 MIN.

21. Se existe algum trançado que é parte de todas as peças – exemplo “uma cordinha”? SIM

22. É difícil fazer? Por que? SIM, TEM QUE BOTAR FORÇA
91

23. Tem alguma ferramenta que utiliza para medir ou ajustar as “palhas”? MARTELO

24. Como sabe a medição, o ajuste certo para cada trançado? PELO TAMANHO DA TALA

25. Pedir para que desenhe a forma do trançado:

26. Descrição do processo narrado (verso da ficha):

27. Pesquisador: GILMARA

28. Data: NOVEMBRO DE 2011

29. Local:ALTOS/PI

30. Horário: 9:00H

A esposa D. Antonia, também produzia jacás, o que torna interessante tal


observação, porque os próprios artesãos afirmam que este trabalho é “essencialmente
masculino” porque demanda uma quantidade significativa de esforço físico. D. Antonia
relata que não produz mais jacás atualmente “porque a idade e as forças (físicas) não
permitem mais”. Os campos referentes à observação do processo de produção dos jacás
foram realizados quinzenalmente entre janeiro e março de 2015, e finalizado em julho
de 2015.
Figura 27- Dona Florisa, quibaneira mais antiga do
Bairro Carrasco (Altos/PI
Em 02 de fevereiro de 2015 foi realizada a
primeira visita à D. Florisa (Figura 2746),
quibaneira mais antiga do bairro Carrasco
que comanda um total de aproximadamente
oito a dez quibaneiras mais jovens da região.
Aprendeu o ofício ainda na infância,
aproximadamente aos nove anos de idade,
com a mãe, e entre uma de suas principais
funções está a preparação da matéria- prima
para a confecção dos quibanos e peneiras
que é repassada às pupilas para confecção
destes trançados.
Assim como os jacazeiros, ela produz
quibanos porque “gosta”, e também porque as outras artesãs não “sabem preparar a

46
Fonte: GOMES, G. C., 2015.
92

matéria- prima para fazer o quibano ou as peneiras”. O comércio destes é realizado com
compradores do mercado central de Teresina como, por exemplo, o Sr. M, e com alguns
comerciantes do Estado do Ceará, os preços variam de R$ 5,00 (cinco reais) a R$ 40,00
(quarenta reais) de acordo com a peça e sua dificuldade de produção. Os campos foram
realizados a cada quinze dias e foram finalizados em outubro, no qual foi realizado o
preenchimento da mesma ficha que o seu Antonio no mês de outubro de 2015, e a
gravação de um vídeo, onde dona Florisa faz um relato desde a infância até o processo
final de confecção dos quibanos e da Peneiras, conforme demonstrado na íntegra, com
adaptação das questões:
Dona Florisa, mora no Bairro Carrasco em Altos/PI, está na faixa de 61 a 70
anos de idade, e a seguir a perguntas:
-Com quem aprendeu? R- aprendi com minha mãe, e as cestas foi com um
ti(o) meu que aprendi fazer.
-Sobre os Jacás que também sabe fazer: R- o jacá é o mesmo tipo das cestas,
fazendo a cesta, faz tudo. Um dia lá na casa da minha avó o ti (o) tava fazendo
cesta aí pedi ele pra começar uma pra mim e ele disse que num ia começar, ai eu
disse pois então me dê que eu começo, que eu também sei. Ai ele me deu umas
talinhas veia, ai eu fui fazer a cesta, e botei o fundo pra fora, o fundo da cesta ficou
pra fora, quando tirei, não é assim, ai joguei no outro dia, eu fiz direito agora, ma
rapá, eu sei fazer as coisas, ninguém quer me ensinar (Sic.).

Figura 28- Fundo de uma cesta.

-Por que o fundo tem que ficar pra


dentro? R- assim ó, eu vou lhe explicar,
como é o fundo. Aqui é o fundo dele né?
Ai eu peguei e essa parte aqui, essa
TALA que entra pra cá, botei ela foi pra
riba, e ficou toda pra fora. Ai ele olhou
pra mim e disse: menina né assim não.
Ai eu digo: mas também cê não me
ensinou seu diabo. Na figura 2847 pode-se
observar o fundo da cesta e as talas que a D. Florisa deixou para o lado de fora.

47
Fonte: SANTOS, F. O, 2011.
93

- A idade que iniciou: R- Nessa época que eu trabalhei com ele eu tinha na
faixa de uns dez anos. (Eu: dez anos de idade?). Eu cheguei a trabalhar tinha nove
anos de idade, fazia peneira, tudo enquanto, com nove anos de idade né...muito
nova, eu era pequena, eu ia pra roça só pra fazer danação no mei das roça porque
não sabia nem trabaiar.
- Local onde nasceu: R- eu nasci e me criei aqui no (bairro) carrasco, nasci e
me criei aqui, nós tudim no carrasco, quem fundou esse carrasco réi aqui, como diz
o pessoal, foi meu avô e meu pai. Aqui num tinha ninguém, ninguém, ninguém. Só
ia ter gente só daqui lá nos trilhos.
- Já repassou/repassa o saber? R- tudim ensinei, tudim sabe fazer. Não faz
porque não querem, mas de ensinar é filho, sobrinho, é tudo. (irmão diz: até eu sei
fazer) até ele aprendeu fazer. Tem muitos aqui que num sabe... esse outro pessoal
num sabe ocê sabe o que é? É terminar os serviços, fazer tudo eles sabe, mas pra
terminar é poucos. Aqui mesmo nesse meio, aqui trabalho com sete pessoas e eu
que termino o resto tudim, elas num sabe, só sabe fazer o PANO (parte do
trançado, fundo do quibano ou peneira) desta tala que tiraro pra elas, elas num
sabe fazer tudo.
Figura 29- Demonstração do Processo de LAVRAR
a tala do quibano ou peneira.
-Elas não sabem fazer porque não querem ou
porque não se interessam? R- é porque elas num sabe
mesmo, se elas for tirar essa, olhe bem eu to tirando
essa tala. Ta passando bem aqui no nó ne? Elas
num sabe, nem tirar de um gume só elas num sabe.
Elas num sabe LAVRAR (cortar as talas em
pedaços finos) ela assim. Na figura 2948, D. Florisa
mostra como é o processo de Lavrar que foi descrito
na parte que trata da cadeia operatória.

48
Fonte: GOMES, G. C. , 2015.
Figura 30- Taboca com “ gurgui”.
94

Gurgui
- Sobre a matéria- prima
empregada, como faz pra retirar ou
comprar e dias propícios: R- é lá no mato
mesmo (que retira o espinho da taboca),
é porque ela já vem aqui preparada, sem
espinho, se eu andar com estes espinhos,
arrimaria. (sobre o tamanho das tabocas).
Rapaz, conforme o tanto que você queira
até três metros a gente tira ela. Agora sendo esses caboco que tira, so tira mais ou
menos dois, dois metros e meio, esses caras que vende pra gente, mas nós mesmo
tira de três, quatro metro de taboca comprida, né muita, eu trago logo é bem
compridona. Os meninos diz que eu sou doida porque é ruim de tirar de dentro da
mata, ora mas eu gosto é compridona (risos). (porque dá mais material?) dá mais, e a
gente compra ela na rua, só compra ela pequenininha réa, se a gente vai pegar La
na mata (localidade chamada de zundão), um feixim de nada dela, da por três
feixes desse outro porque a gente trás comprido. (sobre os vendedores de taboca).
Eles cortam no meio, de um eles faz dois. Rapaz um milheiro de taboca hoje ta
custando duzentos contos (R$ 200,00), é duzentos conto. Já comprei foi muito.
Olha já comprei taboca de milheiro foi por quanto? De quatrocentos conto (R$
400,00), só porque o cabra tirava ela assim mais ou menos escolhida, ne, ai só um
milheiro era quatrocentos. Tem um cara ai na rua que me vende, agora eu não
pude mais comprar porque as coisas estão mais fraca pra mim comprar taboca de
quatrocentos num dá. (dias propícios). Pode ser qualquer dia, ah mas para tirar na
mata,se tirar na lua nova da “gurgui” (é um bichinho que da na taboca quando é
coletada na lua nova). Conforme figura 3049 , uma taboca com “gurgui”.
- Etapas da cadeira operatória: R- tala, “inharcar” e costurar.
- Por que faz quibano, peneira? R- aqui é o seguinte, as meninas as veiz,
muitas veiz as meninas minha: - mamãe, diacho que a senhora quer ainda com
essas peneiras. – minha fia, foi o que eu trabalhei toda a minha vida para criar
vocês. Eu criei vocês foi trabalhando nisso aqui, foi as roça também, mas a roça
você sabe, a roça você trabalha nela por um ano para poder tirar a comissão e a
taboca toda semana você tem aquele dinheirim pra comprar as coisas. (A senhora

49
Fonte: GOMES, G. C., 2015.
95

gosta de fazer?). eu gosto de fazer porque isso aqui é a coisa que a gente trabalha e
toda semana a gente tem aquele tostãozinho. Eu gosto de trabalhar com minhas
tabocas, e mesmo eu trabalho com muita gente e se por acaso depende de mim, se
eu por acaso deixar isso aqui é muitos que cai porque tem deles que depende de
mim que nem tirar essa tala num sabe.
Foram realizadas outras perguntas, mas sobre o processo da cadeia operatória
que foi tratado no capítulo posterior, porém a Dona Florisa resumiu a importância de se
conhecer sobre o trançado em uma frase: “Por isso que eu digo que aqui é um servicim
que a gente pensa que não é nada e é muita coisa”.

Figura 31- Mapa do Trajeto do trançado de Altos.

Assim como no Mercado


Central, dia 09/02/2015 foi
realizada a delimitação do trajeto
do trançado produzido pelos
jacazeiros e quibaneiras através
da localização por GPS com
inicio na casa da Suianny (PCS),
Parque de Exposição (PMA),
Trajeto do Jacá (TJ 1, 2 e 3),
casa do Jacazeiro (PCJ), Trajeto do quibano (TQ 1, 2 e 3) e casa da quibaneira (PCQ),
no qual foi gerado um mapa de trajeto através da plataforma Google Earth de acordo
com figura 31.
O objetivo de mapeamento do trajeto do trançado de Altos/PI, foi identificar
estes locais do ponto de vista geográfico, assim como demonstrar as singularidades
referentes as várias oposições latentes nos seus aspectos físicos e simbólicos, que
implicam em oposições de localização, de gênero, de distância, e assim por diante.
Nestes campos de outrora e atual, nota-se que os papéis de construção da cultura
material do trançado de fibras estão bem definidos em questão de gêneros, ou seja, os
homens são produtores essenciais dos jacás, assim como as mulheres são produtoras
essênciais dos quibanos e peneiras, porém as mulheres dominam também a técnica de
confecção dos jacás, mas não as utilizam porque são dispendiosas de energia física, ao
contrário dos homens que não dominam a técnica de confecção dos quibanos.
96

Outro caráter mais enfático consiste que no caso dos jacás, sendo seu Antonio o
único produtor do bairro Bacurizeiro, foi constatado que os saberes não estão sendo
repassados nem para os familiares, nem para a comunidade, como este nos relata: “as
pessoas não se interessam por aprender o ofício do jacá atualmente”. Santos (2004, p.
141) demonstram a preocupação de se preservar esses saberes:
No entanto, fica a preocupação em como conservar, como difundir, como
preservar essa cultura que é imaterial. Ela somente continua – e eu somente
tenho acesso a ela – enquanto ela se produz, ou ainda, através de algumas
outras formas de registros de como ela se produz, em seu próprio processo.

Isto implica que documentar os modos de saber e fazer dos jacás faz com que se
registre pelo menos uma ferramenta mínima de “auxílio da memória” para não esquecer
o ofício do jacazeiro. O mesmo se aplica ao quibano e à peneira, pois D. Florisa, como a
“única” detentora da técnica de preparação da matéria- prima para a confecção destes e
do acabamento para a finalização dos quibanos e peneiras, e por ser uma pessoa idosa,
se não houver um interesse por parte das produtoras atuais, ou estas terão que
(re)aprender estas técnicas ou então ela desaparecerá o que conseqüentemente pode
transformar os quibanos, peneiras apenas em objetos de memória da comunidade.
E por fim, registra-se que caracterizar os saberes, as falas, os anseios dessas
pessoas que praticam ou comercializam o trançado de fibras, ou naquilo que Santos
(2004, p. 115) enfatiza ao afirmar que “no saber e no fazer residem particularidades
sobre locais onde ocorrem e sobre seus executantes”, tem de ser um exercício de busca
não apenas pelos modus operandi do ofício destas comunidades, mas um processo de
autoconhecimento que justifique essas jornada na busca de compreender os patrimônios
culturais do “outro” que também são nossos, daí a importância do pesquisa etnográfica
em campo:
A jornada interpretativa é, precisamente, esse momento antropológico em que
eu largo o gabinete, a comodidade, o meu lugar, o meu locus e domus e,
então, viajo. Vou contemplar essa paisagem lá, vou dialogar com as pessoas
concretas lá. E aí então, nessa explosão de sentidos é que se dão as
descobertas da constituição de nossa alteridade, me levam ao caminho de
mim mesmo, ao mais específico de mim, numa reconstituição pessoal de
sentidos (SANTOS, 2004, p. 145).

Considerando estas premissas, o ítem final deste capítulo adentra ao universo da


proposta de classificação de Berta Ribeiro para o trançado indígena do norte do Brasil
na região do Xingu e outros, identificando seus critérios que são fundamentais para
compreender as singularidades e regularidades do trançado atual.
97

3.3- Berta e a tranças de fibras- proposta de classificação do trançado indígena

A flexibilidade, funcionalidade e também a facilidade de renovação sempre


distinguiram os objetos tecidos com matérias vegetais como uma das mais
antigas tecnologias da humanidade, antecedendo-se à cerâmica e fazendo-se
presente da antiguidade ao mundo contemporâneo (Vidal, 1998).

Figura 32- Cesto dos índios de Barra do


Corda/MA- Mercado Central de Teresina.

O trançado indígena atual tem duas


características principais: a primeira insere-se
como arte elaborada a partir de técnicas
artesanais que reúnem elementos materiais e
imateriais representativos da coletividade dos
grupos, mesmo produzidos por um único artesão
ou artesã. Quando observados indicam padrões
de arte, técnica, decoração, uso, entre outros, que
pressupõe utilidade e funcionalidade ao mesmo,
além do caráter de decoração, identificados, por
exemplo, nas cestas indígenas comercializadas no
Mercado Central de Teresina (Figura 3250).
Isto significa que a partir das técnicas e usos dos trançados, a identificação das
regularidades e singularidades representa a base para a análise da cultura material e dos
modos de fazer e saber dos produtores deste.
Considerando estas perspecttivas, Berta Ribeiro (1985) realizou uma proposta de
classificação para o trançado indígena norte- amazônico, através da revisão
bibliográfica sobre o tema e análise da coleção do Museu Nacional (Rio de Janeiro) e
outros e trabalhos de campo observando grupos como os Tukâno e Baniwa, do Alto
Xingú, dentre outros, no qual destaca que: “estudando as regularidades e variações
observadas na confecção dos trançados a partir da consulta bibliográfica, estudo de
campo e, inferencialmente dos próprios cestos, pode-se chegar a uma classificação geral
dos modos de fazer trançados” (RIBEIRO, 1985, p. 19).

50
Fonte: SANTOS, F. O, 2011.
98

Figura 33: Matéria- prima denominada de


embira de tucum, feita de material rígido.

A cestaria51 representa uma das técnicas dos


trançados, englobando ainda as redes, as
vassouras e outros materiais feitos de fibras
vegetais. Neste sentido, o trançado tem como
principal elemento característico a não
utilização de teares para sua confecção,
geralmente feito somente com o concurso das
mãos, ou alguma ferramenta como facão,
martelo, quando exige um esforço físico, e
linha e agulha para o acabamento. Outro
elemento característico corresponde à
matéria- prima que constitui material rígido, de fibras como taboca, tucum, buriti, etc.
de acordo com a figura 3352.
A nível de técnicas, existem pelo menos dois tipos de trançado que corresponde
ao trançado cruzado e o trançado costurado, e segundo Paschoalick (2008, p. 48):
Pela estrutura, é possível dividir diferenciar os trançados em duas
macrodivisões da técnica de trançar: trançados entretrançados, que
compreende as categorias de trançados cruzados, enlaçados e torcidos; e
trançados costurados ou espiralados, que é o envolvimento de elemento
passivo, a urdidura, pelo elemento ativo, trama, em forma espiralada.

Os trançados costurados podem ser identificados através do jacá, do quibano e


das peneiras produzidas em Altos, e conforme serão demonstrados na análise da cadeia
operatória. Alguns pesquisadores, apresentaram propostas taxonômicas e tipológicas
para a classificação das técnicas empregadas na confecção do trançado de fibras, como
Héléne Balfet (1952), Marcel Mauss (1967), Adovásio (1977) e Ribeiro (1985).
A proposta de classificação instituída por Ribeiro (1985) permite a observação
da diversidade artística e técnica empregada durante a cadeia operatória da confecção
dos trançados de fibras, que indicam alem dos aportes materiais, os modos de saber,
fazer e usos destes.

51
A cestaria segundo Adovásio (1977), constituem formas entretecidas ou ajuntadas de forma manual,
sem a necessidade de moldura e tear.
52
Fonte: SANTOS, F. O, 2011.
99

Isto implica que ao observar o compasso do trançar das tramas e urdiduras, a


seleção e preparo da matéria- prima, como são moldadas as formas, a utilidade final do
recipiente trançado, e toda a dinâmica de construção dos tipos de trançados a partir dos
Figura 34- A base da trama e urdidura na grade do jacá. seus saberes e fazeres, assim
como, em alguns casos, um
processo ritualístico, onde os
aspéctos materiais e imateriais
revelam uma significância para
entender as nuances da vida
Trama
cotidiana entre as populações que
as produzem e utilizam.
Urdidura Segundo Ribeiro (1985)
existem como categorias os
trançados entretrançados, feitos manualmente, sem qualquer instrumento auxiliar, sendo
confeccionados e os trançados costurados, em que é utilizada agulha ou outro
perfurador para a costura. Como exemplos, desses tipos de trançados têm-se o jacá e o
quibano, respectivamente.
As bases para a confecção do trançado constituem a trama e a urdidura,
conforme figura 3453, formando três tipos de tranças: entrecruzar, entrelaçar e
entretorcer (RIBEIRO, 1985, p. 41).
Embora exista uma variedade na proposta de classificação de Ribeiro (1985)
para os trançados optou-se demonstrar aqui apenas os tipos que se assemelham com as
recorrências destes observadas, por exemplo, no mercado e município de Altos/PI e nos
contextos arqueológicos identificados neste estudo.
Figura 35 - Trançado cruzado xadrezado.

Para o trançado entrecruzado, os subtipos são o


trançado cruzado quadriculado ou xadrezado,
cuja principal característica é que “um elemento
da trama intercepta e transpõe transversalmente
um elemento da urdidura, colocando em posição
vertical, formando ângulos retos e desenhos
quadrangulares” (RIBEIRO, 1985, p. 44), de

53
SANTOS, F. O./2011
100

acordo com a figura 3554. Este tipo de trançado é muito semelhante ao formato do jacá
e da cesta produzidas em Altos.

Figura 36- Trançado Cruzado Arqueado.

Outra categoria do cruzado corresponde ao


trançado cruzado arqueado, apresentando o
mesmo princípio de entrelaçamento do
xadrezado, mas se diferencia pela rigidez da
matéria-prima empregada: “pelo fato da
urdidura ser rígida, de grosso calibre, e a trama
delgada e flexível, o efeito produzido é de uma
série de protuberâncias” (RIBEIRO, 1985, p.
45), de acordo com a figura 3655.
Figura 37- Trançado cruzado sarjado de “espinha – de-
peixe.
O trançado cruzado sarjado
tem como característica um efeito
diagonal provocado pelo
entrelaçamento da trama com duas
ou mais urdiduras. Como exemplo
principal, corresponde ao trançado
conhecido como “espinha- de -
peixe” ou herringbone ou seja:
“espinha-de-peixe" (herringbone) é
o mais corrente padrão ornamental
nos trançados sarjados, tanto naqueles que se emprega a palha (folíolos) como nos que
se usa a tala” (RIBEIRO, 1985, p. 47), disposto na figura 3756. Esta variante de
trançado é muito semelhante tanto com o jacá, quanto com o quibano.
A categoria de trançados cruzados hexagonais são representados em cadeiras,
cestos cargueiros, constituindo três elementos formando conjuntos em direções, tanto
horizontal, quanto vertical e diagonal que cruzam entre s i, variando em trançado
hexagonal reticular, triangular e oblíquo. Já trançado enlaçado, segundo Ribeiro (1985,

54
Fonte: RIBEIRO, 1985, p. 44.
55
Fonte: RIBEIRO, 1985, p, 46.
56
Fonte: RIBEIRO, 1985, p, 48.
101

p. 52) “é pouco comum nos trançados indígenas brasileiros, apresentando poucas


variantes”.
A categoria de trançado costurado ou espiralado está dividida em costurado com
falso nó, costurado com ponto longo, costurado com ponto de nó e costurado
espacejado. A técnica de confecção consiste em:
A classe de trançados costurados admite algumas variantes no caso da
cestaria indígena brasileira. O trabalho se inicia com o preparo de uma base
de fibras, tiras de folhas de palmeira ou outro material compondo um rolo
achatado a partir do qual evolui a espiral formada por uma trama que envolve
o rolo para construir o fundo e as paredes do cesto. Comumente us a-se um
implemento pontiagudo que produz uma abertura na base através da qual é
passada a trama. (RIBEIRO, 1985, p. 56).

Outro fator técnico que não pode ser descartado é a importância da escolha da
matéria-prima, pois apresenta características que influenciam no modo de desenvolver
as formas e as técnicas do trançado, onde materiais flexíveis como a palha, por
exemplo, impossibilitam a elaboração de desenhos geométricos nos trançados.
E por fim, a função dos objetos trançados representa o principal suporte para se
compreender a padronização porque é o que melhor identifica a forma e a técnica, ou
seja: “é o caso dos cestos – cargueiros, muitos dos quais são feitos segundo a técnica de
trançado hexagonal aberto ou gradeado (lattice work) para serem mais leves”
(RIBEIRO, 1985, p. 95).
Como parâmetros para a classificação tipológica dos trançados, utilizou
semelhanças com as categorias para cerâmica que são: borda, beira ou bocal; pescoço,
corpo ou bojo, base, contorno.
A borda geralmente está na parte superior de um cesto e o pescoço localiza-se
entre a borda e a base, com características plana, convexa, côncava, arredondada,
cônica, dentre outras formas. O corpo ou bojo, apresenta um dos principais atributos de
análise do trançado, com aspectos que: “pode ser esférico, cilíndrico, retangular,
quadrado, em forma de cone ou campânula” (RIBEIRO, 1985, p. 98), porém para o jacá
e o quibano, por exemplo, a base constitui o atributo mais importante.
Observadas tais constâncias, pode-se inferir que a utilidade do trançado
provavelmente impulsionou as recorrências, tão presentes em contextos diferenciados
da realidade como em sítios arqueológicos e também no dia-a-dia dos grupos indígenas,
das populações urbanas e rurais dos denominados interiores do Brasil.
Alguns tipos são mais utilizados e estão presentes no cotidiano das populações
como os jacás, abanos, os quibanos, as esteiras, as peneiras, os tipitis, entre outros,
102

assumindo funções diversas, como por exemplo, os abanos, que além de contribuir para
o avivamento do fogo, podem ser usados como tampa, neste sentido Velthem (2007, p.
118) destaca:

Na vida da aldeia, os trançados tanto desempenham corriqueiras funções,


armazenando as miudezas de um indivíduo, como permitem que uma família
possa transportar e processar os alimentos necessários à vida cotidiana.
Ademais, muitos objetos trançados – como cintos, tipóias ou suportes para
ornatos plumários –, contribuem para uma estética corporal que é
determinante na individualização se xual ou etária, estabelecendo por este
meio uma conexão que se prolonga nos rituais funerários ou de iniciação e
intermediando a ação da sociedade sobre os corpos de seus membros .

Diante do exposto, a demonstração de algumas categorias da classificação


proposta por Berta Ribeiro, serviu de embasamento para identificar elementos
pertinentes à observação da cadeia operatória durante o processo de confecção do jacá,
quibano e peneira dos artesãos de Altos/PI, que foram demonstrados no capítulo final
deste estudo.
103

CAPÍTULO 4

TÉCNICAS, TIPOS E RECORRÊNCIAS- uma análise da cadeia operatória do


trançado de fibras do Piauí

O trançado, por exemplo, é uma técnica comum em várias partes do Brasil.


Contudo, cada local, possui aspectos diferenciados, seja na escolha da
matéria- prima e das ferramentas, seja na origem e repasse do ofício, ou
sobre o que representa para as pessoas. Para muitos, o fazer pode estar
associado a um fundador, a um determinado acontecimento, à sobrevivência
econômica da comunidade ou a “satisfação cultural” em desenvolver
determinado costume (SANTOS, 2004, p. 116)

Dentre as muitas categorias que o identificam, o trançado de fibras é considerado


também uma arte, talvez uma das mais antigas da humanidade, e que implica ainda em
elemento que perpassa dimensões diversas da vida cotidiana dos grupos, como por
exemplo, os locais que estão inseridos, pois como enfatizou Santos (2004, p. 115):
“independente das normas escritas os saberes e os fazeres correspondem a um dado a
ser observado como elemento que induz sobre aspectos da ocupação humana do lugar.
Apesar das constantes influências de novidades propagadas, a tradição se mantém”.
Neste sentido, reconhecer os elementos da cultura material como um suporte
para compreender relações representadas em transmissão e preservação de
conhecimentos e construção da alteridade expressa em mensagens de seus modos de
pensar e de viver, de acordo com Silva (2000, p. 20):
Nos diferentes grupos humanos, a cultura material possui uma importância
fundamental na transmissão e preservação de conhecimentos e na orientação
de pessoas em seu ambiente natural e social. Ou seja, ela assume um papel
ativo nas relações dos homens entre si com o meio natural e com o
sobrenatural atuando como “um meio de construção e facilitação do ato de
percepção e aquisição do conhecimento do mundo (Shanks & Tilley,
1987:96). Ao mes mo tempo, a cultura material é um veículo a partir do qual
os grupos sociais constroem sua alteridade e expressam mensagens sobre seu
modo de pensar e de viver tratando-se portanto, “de exteriorização material de
idéias e conceitos que podem ser decodificados, ou me lhor, interpretados
segundo o conceito cultural em que se inserem”.

Um dos elementos para se compreender tais contextos consiste no estudo das


cadeias operatórias que permite observar as tecnologias impressas nos modos de saber,
fazer e usos dos objetos, além de desenvolver sistemas classificatórios, as relações dos
grupos com o meio natural, entre outros.
104

Ressaltando esta importância o presente capítulo tem por objetivo a análise da


cadeia operatória do trançado produzido por artesãos (as) de Altos/PI, buscando
apreender do seu contexto suas dimensões materiais, imateriais, funcionais e simbólicas
para compreender suas influencias na vida social destas comunidades, ou seja, “é a
análise contextual de seus usos e significados” (SILVA, 2000, p. 21).
O primeiro ítem faz um apanhado dos conceitos e parâmetros para se analisar
uma cadeia operatória, baseado especialmente no trabalho de Fabíola Silva (2000) e nas
categorias propostas na classificação de Ribeiro (1985).
O segundo ítem corresponde à análise da cadeia operatória do trançado,
considerando os três tipos mais confeccionados por artesãos de Altos/PI: o jacá, o
quibano e a peneira. E para finalizar, a última abordagem apresenta as recorrências do
trançado de fibras presentes nos contextos arqueoló gico, indígena e das comunidades de
Altos buscando relacionar seus saberes, fazeres e usos com a dimensão histórica,
cultural e econômica dos mesmos.

4.1- Sobre a técnica- conceitos e parâmetros para a análise da cadeia operatória do


trançado de fibras

A técnica do trançado se faz presente no contexto brasileiro desde a antiguidade,


quando os estudos arqueológicos evidenciaram para o mundo a presença de artefatos de
fibras, associados a enterramentos e sepultamentos diversos, conforme demonstrado em
capítulo anterior. Isto significa que os grupos mais antigos já dominavam tais técnicas e
que ao serem repassadas, estas técnicas deixam marcas materiais e imateriais nos
contextos nos quais são identificadas.
O desenvolvimento de tecnologias referentes a trançados e outros objetos
materiais, vai muito além de uma simples coleção de etapas para produzir cultura
material, mas envolve outros caracteres como a dimensão histórica, cultural e simbólica
dos grupos, ou seja:
Dentre os fatores de análise da tecnologia não se pode esquecer de fatores
simbólicos, culturais, sociais, políticos e econômicos que envolvem o
processo, que estão permeados desde a concepção do produto até a esfera do
consumo, havendo no percurso uma atribuição de valores aos artefatos. A
tecnologia é antes de tudo uma construção de saberes a partir de
conhecimentos dos trabalhadores e demais envolvidos no processo produtivo.
Esta apro ximação do artesanato e da tecnologia, quando pouco definida, pode
gerar confusões e imprecisões conceituais e, assim, hierarquizar saberes e
papéis sociais (MENDES, 2011, p. 137)
105

A dimensão histórica possibilita, por exemplo, a identificação de marcas


culturais impressas nas marcas materiais dos diversos artefatos produzidos pelos grupos,
que de acordo com Silva (2000, p. 21), diz que:
A análise dos objetos em termos de sua dimensão histórica possibilita avaliar
os mesmos enquanto testemunhos materiais de uma seqüência de eventos,
nos quais os povos que os produziram estiveram envolvidos e, por outro lado,
como produtos de uma tradição cultural que foi reivindicada através de
gerações. Em suma, como uma marca de identificação cultural.

Uma das implicâncias metodológicas para o estudo das cadeias operatórias foi
proposta por Lemonnier (1992) e pressupõe pelos menos três dimensões distintas que
corresponde às técnicas em si, as técnicas ou conjuntos de técnicas da sociedade e a
relação entre o sistema tecnológico e outros fenômenos culturais e:
Assim, o estudo de um sistema tecnológico deve começar pela descrição e
análise das cadeias operatórias a partir das quais os objetos são produzidos.
Estas por sua vez, compõem-se de um determinado numero de etapas
seqüencialmente ordenadas e constituídas por diferentes elementos e ações
que implicam num determinado resultado (SILVA , 2000, p. 22).

Isto significa que ao estudar as etapas do processo de produção, é possível


identificar as relações intrínsecas entre matéria e objeto, homens e utensílios, e assim
por diante, conforme demonstra Silva (2000, p. 30):
O estudo das seqüências de produtivas é, por esta razão, condição
fundamental para a compreensão do fenômeno tecnológico. Somente a partir
deste é que se pode apreender a natureza das relações que se estabelecem
entre a matéria e os objetos utilizados na sua transformação; entre os
utensílios na medida que há uma hierarquia e a valoração do seu emprego;
entre os homens e os utensílios, principalmente no que se refere ao saber
fazer; entre os indivíduos que participam do processo de produção; entre os
indivíduos e a matéria; entre as diferentes matérias .

Considerando tais objetos, as bases metodológicas adotadas na análise da cadeia


operatória dos jacas, quibanos e peneiras estão dispostas a partir de análise
etnoarqueológica e etnográfica, isto porque os procedimentos metodológicos “inclusive,
a pesquisa etnoarqueológica, desenvolve-se a partir de um conjunto de estratégias que
são de natureza bastante comum tanto para a abordagem processualista, quanto para a
pós- processualista” (SILVA, 2000, p. 42).
No campo da pesquisa etnográfica o objetivo foi identificar como estas
singularidades e regularidades presentes na execução da cadeia operatória do trançado
podem ser identificadas na produção dos itens “descrevendo os processos que vão desde
a obtenção das matérias-primas, passando pela confecção do seu uso final, seu uso,
armazenamento e descarte; sempre atento aos vestígios materiais resultantes de todos
esses processos” (SILVA, 2000, p. 43).
106

Neste caso, o primeiro parâmetro corresponde a descrever, registrar e analisar


como se processa as etapas de produção, espaços utilizados para a produção, usos, re-
usos e descarte, e considerando a base etnoarqueológica o objetivo foi identificar as
relações entre os aspectos materiais e as representações sociais dos artesãos e sua visão
sobre o contexto material que estão inseridos, que foi demonstrado nas entrevistas.
Os critérios adotados para a análise foram adaptados dos trabalhos de Ribeiro
(1985) com a proposta de classificação do trançado e Silva (2000) com os critérios de
análise da cestaria do grupo indígena Xikrin:

Tabela 1- Critérios de Análise da Cadeia Operatória do trançado de Altos


Critérios Etapas Contexto Social
Tecnologias Conceitos e Tipos
Técnicas Tipos
Locais de Produção Capitação, Confecção e Divisão do Trabalho
Descarte
Cadeia Operatória Tempo de execução e Divisão do Trabalho,
Etapas Relações de Gênero e
Repasse das Técnicas
Cadeia Operatória Obtenção, Transporte e Divisão do Trabalho e
Preparação da matéria- Relações de Gênero
prima
Cadeia Operatória Manufatura: preparação, Divisão do Trabalho,
confecção, acabamento, Relações de Gênero e
usos e descarte Repasse das Técnicas
Fonte: Elaborado por GOMES, G. C, 2015.

O primeiro critério corresponde às tecnologias de produção empregadas, que


podem ser de dois tipos: tecnologia de curadoria e tecnologia de expediente, que de
acordo com Silva (2000, p. 128):
Uma tecnologia de curadoria é aquela empregada na produção de itens
materiais cuja manufatura e itens são previamente planejados. Ela implica em
uma manufatura bem elaborada, bem como na antecipação da obtenção do
preparo da matéria- prima- o que resolve problemas relativos à aquisição de
recursos sazonais ou moveis. [...] uma tecnologia de e xped iente, por outro
lado, é aquela empregada na produção de itens materiais cuja manufatura e
usos serão ditados de acordo com a necessidade. Trata-se de uma tecnologia
107

que implica em pouco esforço e tempo de trabalho, inclusive no que se refere


à aquisição da matéria-prima.

Neste caso, para tecnologia de curadoria, no trançado de Altos corresponde tanto


o jacá, quanto o quibano e as peneiras, com ações previamente planejadas, maior
dispêndio na produção e tipos diferenciados de funções. Através da tecnologia de
expediente são elaborados os quibano, as peneiras e as peneirinhas como brindes,
especialmente no período de maior produção e comercialização destes que são nos
meses de maio, junho e julho.
Para a técnica, foi adotado o critério de classificação adotado por Ribeiro (1985,
p. 33), considerando a estrutura de execução e a movimentação da trama, denominada
de técnica estrutural básica, ou seja:
Como não podia deixa r de ser, o critério empregado na presente classificação
diz respeito à estrutura do produto, levando em conta a característica da
urdidura e movimentação da trama, bem como a maior ou menor rigidez da
matéria- prima empregada.

Nesta categoria foi identificado que o trançado de Altos apresenta pelo menos
duas variantes principais: o trançado entrecruzado, sendo que o jacá, quibano e peneira,
apresentam semelhanças com o trançado cruzado em diagonal ou sarjado, e ainda
apresenta outra variante no acabamento que corresponde ao trançado costurado com um
ponto de nó, principalmente os quibanos e as peneiras.
Nos locais de produção foram observados relatos sobre as áreas de capitação, de
onde é retirada a matéria- prima, os locais de produção e descarte do material trançado.
Neste contexto identificamos os papéis dos coletores e dos artesãos quanto à aquisição e
preparação da matéria- prima.
Para a cadeia operatória foram adotados dois critérios principais de análise: o
tempo de execução da preparação e confecção do trançado e o processo de manufatura a
partir de quatro etapas principais: Preparação da matéria- prima, Confecção do trançado,
Acabamento, Usos e descarte.
Em todos esses critérios foram levados em consideração a relação entre estes e o
contexto social dos artesãos a partir da divisão do trabalho, das relações de gênero e do
repasse das técnicas, buscando identificar as manutenções ou mudanças das técnicas e
tecnologias empregadas, e como exposto, o próximo item aborda os modos de fazer do
trançado de fibras do Piauí.

Sobre o fazer- as tecnologias artesanais do trançado de fibras do PI


108

Eu vou no carnaubal tiro os olhos e boto pra secar. Quando ta seco, risco a
palha. Tem que botar tudo certo que é para dar certo no feitio. O tanto é
conforme o tamanho do olho. Porque quando o olho é pequeno a gente bota
até de vinte de cada lado. Ai tece o cofo, assim. A palha é uma por cima de
duas. Aí vai continuando até o anel, faz a trança. Apara ele, coloca dentro do
outro. Bota o fio, ta vendo? Aí...pode usar.
Arlindo Pereira da Silva (SantoAmaro doMaranhão) 57

O fazer tradicional não representa apenas uma coleção de técnicas cotidianas


para produzir cultura material, seja para ritual, seja para comércio, seja para preservar
seus saberes, mas também uma gama de “habilidades e formas de materializar as
necessidades do dia a dia ou dos rituais em diferentes artefatos: a cerâmica, a cestaria,
os instrumentos musicais, os pequenos adornos, a arquitetura e toda a cultura material
dos povos nativos estão carregados de princípios, objetivos, conhecimentos, história e
valores” (SULFIATTI; BERNARDI; DUARTE, 2013, p. 57).
Então, os produtos destes artefatos materiais constituem os traços que
intencionais ou não, expressam a memória e o patrimônio arqueológico cultural das
sociedades que os produzem, sendo (re) ndescobertos, (re)definidos, (re)utilizados,
renovados, abrangendo temporalidades que vão do passado ao futuro dessas
comunidades, especialmente quando se trata do trançado de fibras:
A flexibilidade, funcionalidade e também a facilidade de renovação sempre
distinguiram os objetos tecidos com matérias vegetais como uma das mais
antigas tecnologias da humanidade, antecedendo-se à cerâmica e fazendo-se
presente da antiguidade ao mundo contemporâneo (Vidal, 1998). A arte de
trançar fib ras vegetais representa a mais diversificada das categorias
artesanais indígenas pois revela adaptações ecológicas e expressões culturais
distintas (Ribeiro, 1980, 1985, 1986, 1988; Velthem, 1980; Ricardo, 2000).
Os objetos trançados produzidos possuem ampla distribuição geográfica e se
apresentam segundo uma apreciável variedade de técnicas de confecção, de
elementos decorativos, de formas, que conectam cada objeto a uma função
específica ou a vários usos (VELTHEN, 2007, p. 118).

O trançado indígena, por exemplo, incorpora diversas funções como armazenar,


transportar, comercializar inserido nas práticas cotidianas das tribos, mas ainda tem
outro caráter mais específico a partir de um uso ritual seja de iniciação, seja funerário,
como demonstra Velthen (2007, p. 118):
Ademais, muitos objetos trançados – como cintos, tipóias ou suportes para
ornatos plumários –, contribuem para uma estética corporal que é
determinante na individualização se xual ou etária, estabelecendo por este
meio uma conexão que se prolonga nos rituais funerários ou de iniciação e
intermediando a ação da sociedade sobre os corpos de seus membros.

57
Gonçalves; Lima; Figueiredo (2009, p. 50).
109

Para entender os processos do fazer trançado devem-se considerar tanto as


permanências, quantas a mudanças tecnológicas na produção e uso dos objetos, nos
quais os elementos adotados para a elaboração de um jacá, por exemplo, são
“socialmente apreendida de „como e quais coisas devem ou não ser feitas e utilizadas”
(SILVA, 2013, p. 731).
Muito mais que uma produção meramente material dotada de um saber
imaterial, as tecnologias impressas no campo do artesanato também consignam aspectos
simbólicos que se configuram em memórias capazes de perpetuar os traços materiais e
imateriais presentes nas comunidades e sociedades que o produz:
As tecnologias – para além de suas razões práticas – podem ser entendidas,
ao fim e ao cabo, como um modo de produzir significados e relações ou,
ainda, como uma forma de ação para a (re)criação do mundo material e
simbólico. A sua estabilidade e/ou transformação ocorre pela mediação entre
estrutura → ação ou estrutura → agência. As práticas tecnológicas, portanto,
não se constituem de preceitos estáticos, pois resultam de dinâmicas culturais
e possuem trajetórias históricas (SILVA, 2013, p. 31).

Um aspecto importante para compreender o “fazer trançado”, corresponde ao


processo de ensino/ aprendizagem das técnicas de confecção de cestos, jacás, quibanos,
bolsas, miniaturas, tipitis, entre outros, que geralmente se dá de forma oral, a partir da
observação da produção dos pais, aprendida diariamente, tanto para populações
indígenas, quanto para populações tradicionais urbanas e rurais (SULFATTI;
BERNARDI; DUARTE, 2013).
Não se pode esquecer que também existe uma ameaça à perda desta tradição,
como demonstrado anteriormente, ou seja, geralmente quem produz o trançado já é uma
pessoa idosa “pois as mais novas preferem estudar e trabalhar fora, e não demonstram
interesse em aprender a confeccionar o artesanato” (SULFATTI; BERNARDI;
DUARTE, 2013, p. 83).
Considerando estes apostos, o presente ítem visa demonstrar como são
produzidos três tipos de artefatos trançado de fibras bem comuns no Piauí, que
correspondem ao jacá, ao quibano e a peneira. A partir da observação da cadeia
operatória do jacazeiro e da quibaneira, com o objetivo de analisar e identificar as
singularidades e regularidades presentes nesta, como meio de apreender os processos
tecnológicos e técnicos executados na produção e sua relação com o contexto social e
simbólico do artesãos envolvidos, a partir dos critérios antepostos.

4.2.1- Quibano e Peneira- o trançar das mulheres de Altos/PI


110

Eu gosto de trabalhar com minhas taboca


(D. Florisa, quibaneira de Altos, 2015)

O quibano e a peneira são um tipo de trançado muito comum no estado do Piauí


e possui funções diversas sendo utilizado para catar arroz, feijão, coar, peneirar, usar
nas farinhadas, para secar, e ainda como artesanato quando enfeitado, usado nas danças
típicas do período junino, ou como enfeite. A cadeira operatória destes possui uma
complexidade mediana, mas de muita significância para se compreender as relações
diversas que envolvem seu processo de produção, usos e comercialização, assim como
os saberes e repasses das técnicas das artesãs. Neste sentido, será demonstrada a a nálise
da cadeia operatória do quibano e da peneira de D. Florisa.

 Das Tecnologias do quibano e da peneira


Figura 38- Fundo ou pano do quibano representando
exemplo de tecnologia de curadoria
O quibano e a peneira
produzida em Altos têm uma
peculiaridade com relação ao
tipo de tecnologia, pois tanto
pode ser uma tecnologia de
curadoria, onde possui
atividades prévias planejadas
executadas considerando o
tempo maior de uso e sua
funcionalidade, quanto à
tecnologia de expediente, no
qual representa uma necessidade momentânea e imediata, assim como um descarte
imediato após o uso. Um exemplo do trançado produzido através da tecnologia de
curadoria corresponde ao quibano médio conforme figura 3858, representando o fundo
denominado de PANO do quibano.

58
Fonte: SILVA, S. A., 2015.
Figura 39- Resultado de uma minipeneira formada por 111
tecnologia de expediente.

Para a tecnologia de
expediente, foi
demonstrado o processo de
confecção da minipeneira,
e embora seu descarte não
seja imediato, após o uso,
este trançado apresenta as
outras características, como
a disponibilidade da
matéria- prima onde “não
implica em uma prévia
preparação da mesma” (SILVA, 2000, p. 129), que resulta no trançado conforme a
figura 3959.

 Das técnicas do quibano e da peneira

Figura 40- Técnica do Quibano


semelhante ao trançado cruzado
sarjado.
Conforme anteposto, as técnicas correspondem aos
tipos de trançados observando a composição estrutural
básica, considerando os elementos de trama e urdidura.
O quibano segue a técnica do trançado cruzado em
diagonal ou sarjado, que de acordo com Ribeiro (1985)
representando a figura 40. Este tipo de trançado
“produz um efeito em diagonal ao perpassar dois ou
mais elementos da urdidura, segundo a fórmula 2/2,
3/3, etc., alternando-se em cada carreiras as talas a
serem levantadas” (RIBEIRO, 1985, p. 46).
Figura 41 (prancha 4): modelo do trançado “espinha- de – peixe” e
estrutura da base de um quibano.
Como este tipo de técnica possui
diversas variantes, foi
identificado como semelhante ao
quibano, a variante conhecida

59
Fonte: GOMES, G. C, 2015.
112

como “espinha- de – peixe” que “é obtido pelo entrançamento das malhas, de duas em
duas ou de três em três, de uma vez só formando ângulos obtusos” (RIBEIRO, 1985, p.
47) de acordo com a figura 41 (prancha 460).
Figura 42 (prancha 5): Modelo de trançado denominado “casa de abelha” e
estrutura da base de uma peneira média.
A peneira segue
um padrão
semelhante ao que
Ribeiro (1985, p.
47) denominou de
“casa de abelha”
que é produzido
“pulando-se alternada e sucessivamente, 4 malhas por cima, na primeira carreira, uma
por cima e outra por baixo, 2 por cima, na segunda carreira e 1 por cima, uma por baixo
e 4 por cima na terceira”, demonstrado na figura 42 (prancha 5)61.
A importância de se identificar a técnica implica diretamente no modo como é
preparada a matéria- prima e como são confeccionadas as peças do quibano e da
peneira, nas quais são demonstradas a seguir.

 Dos locais de coleta e produção do quibano e da peneira

Figura 43- Localidade Zundão em Altos/PI.


Os espaços dos trançadores de Altos/PI
geralmente ocorrem nos terreiros ou terraços
das casas, onde ao mesmo tempo encontram-
se as ferramentas, a matéria- prima, um
suporte para sentar, e outros elementos no
entorno. O local de coleta da matéria- prima
para a confecção do quibano e peneira é uma
comunidade denominada de “zundao”, zona
rural de Altos (Figura 43)62, onde é retirada a
taboca conhecida como “taboca de macaco”.

60
Fontes: RIBEIRO, 1985, p. 48; SANTOS, F. O, 2011.
61
Fontes: RIBEIRO, 1985, p. 48; SANTOS, F. O, 2011.
62
Fonte: Disponível em: < http://altosnoticia.com.br/> Acesso em set. de 2015.
113
Figura 44- Terreiro da casa de D. Florisa,
representando o local de produção.
O local de confecção e descarte do quibano e da
peneira é o terraço da casa de D. Florisa, onde se
encontram a matéria-prima amontoada próxima à
parede, um tronco de árvore utilizado como
assento, restos do preparo da matéria- prima e
trançado em construção, as ferramentas
utilizadas, entre outros aspectos (Figura 44).
Neste sentido, o espaço de produção da D.
Florisa é o ambiente familiar da sua casa que em
sua fala no capítulo anterior está repleto de
memórias e identidades, remetendo desde a
infância, quando iniciou os trabalhos com trançado, até a atualidade, quando revela a
proximidade com o grupo de artesãs que confeccionam o trançado com ela. Reside na
simplicidade, assim como são simples os gestos e os modos de saber, fazer e repassar as
técnicas e tecnologias do quibano e da peneira. Para entender as complexidade de
relações existentes neste contexto, passa-se agora à análise da Cadeia Operatória do
quibano e da peneira.

4.2.1.1- Cadeia operatória do quibano e da peneira


 MANUFATURA

O estudo da cadeia operatória do trançado permite observar regularidades e


singularidades presentes nos modos de saber, fazer e usos deste, possibilitando
inferências que identifiquem as construções sociais e os repasses de conhecimentos
destas técnicas, assim como as relações envolvidas entre os agentes e os contextos
materiais e imateriais desses sistemas tecnológicos.
Considerando tais prerrogativas, o presente ítem tem por iniciativa realizar a
análise da cadeia operatória do quibano e peneira considerando quatro etapas seguidas
no processo de produção e comercialização destes, que são:
 Etapa 1- Preparação: nesta etapa são identificadas a coleta e preparação
da taboca para a confecção do material trançado, a partir das
nomenclaturas utilizadas pela artesã em todo o processo de produção.
 Etapa 2- Confecção ou Produção: nesta etapa são consideradas as
técnicas e tecnologias empregadas na confecção do quibano e da peneira,
114

após o preparo da matéria- prima, bem como as ferramentas utilizadas no


processo.
 Etapa 3- Acabamento: nesta etapa foram observados os processo de
finalização da confecção do quibano e peneira, considerando seus tipos e
materiais empregados.
 Etapa final- Usos e descarte: nesta etapa foram demonstradas a
diversidade de usos e descarte para o quibano e a peneira.

 PREPARAÇÃO DA MATÉRIA- PRIMA

O preparo da matéria- prima se inicia durante a coleta desta na comunidade


“zundão”. Esta coleta não tem dia específico para ocorrer, exceto porque não deve ser
realizada no período da lua nova, pois segundo a tradição ela pode “bichar” ou dar o
“gurgui” demonstrado no capítulo anterior, e segundo esta ainda, os melhores dias para
a coleta é no período da lua nova.
A ferramenta utilizada para a coleta é um facão, pois a taboca conhecida na
região como taboca de macaco (Guadua weberbaueri) ou taboquinha, possui um
espinho em suas extremidades, que deve ser retirado ainda durante o processo de coleta.
Este trabalho é realizado por D. Florisa, juntamente com outras pessoas do
bairro, contrariando a informação de que “apenas” os homens vão à mata à caça da da
taboca, pois como ela diz: “os meninos diz que eu sou doida porque é ruim de tirá de
dentro da mata, ora mas eu gosto é compridona” (sic.).
Figura 45- Local de armazenamento da
taboca para a confecção do quibano e da
peneir. Segundo relato desta, as tabocas possuem um
tamanho que ultrapassa três metros de altura, e à
medida que vai “puxando”, os espinhos são
retirados com o facão e organizados em feixes,
onde não especificou a quantidade por feixe. Os
vendedores da matéria- prima fornecem o
milheiro, e as tabocas são cortadas em partes
menores, ou de acordo com a D. Florisa: “eles
cortam no meio. de um eles faz dois” (sic). Após
115

a retirada, as tabocas são amontoadas no chão na Figura 4563, para dar início ao preparo
das talas.
Figura 46 (prancha 6): Facão usado para cortar a taboca ao meio e faca
para afinar as talas.
Para a preparação
da tala são utilizadas
duas ferramentas: o facão
e a faca, na figura 46
(prancha664). O facão
serve para cortar a taboca
em pedaços menores, de acordo com o tamanho do quibano e da peneira que são
produzidas e a faca serve para afinar as talas para a confecção destes e do acabamento.
O processo de afinar as talas D. Florisa denomina de LAVRAR, que consiste em
retirar tiras finas a partir da parte superior até a parte inferior do pedaço da taboca, com
objetivo de retirar o “nó” que é resquício do espinho, nas figuras 47, 48, 49, 50, 51 e 52.
Esta etapa corresponde ao processo de “lixar” do jacá, e dependendo da quantidade de
material tem duração de um dia.
Figura 48- Início do processo de LAVRAR com o
Figura 47- Tala escolhida para ser LAVRADA
corte na parte superior da taboca

Fonte: SILVA, S. A, 2015


Fonte: SILVA, S. A, 2015

63
Fonte: SILVA, S. A, 2015.
64
Fontes: GOMES, G. C., 2015; SILVA , S. A, 2015.
116

Figura 50- Corte na parte inferior da taboca finalizando o


Figura 49- Retirada do “no” do espinho no processo processo de LAVRAR a taboca
de LAVRAR a taboca

Fonte: SILVA, S. A, 2015

Fonte: SILVA, S. A, 2015

Figura 51- Afinando a tala LAVRADA para a Figura 52- Talas preparadas para a confecção do
confecção do quibano ou da peneira quibano ou da peneira

Fonte: SILVA, S. A, 2015

Fonte: SILVA, S. A, 2015


117

Ainda sobre a preparação da matéria- prima, além dos cuidados com a retirada
exata dos “nós” dos espinhos, a taboca não pode pegar sol, pois segundo a D. Florisa ela
“papoca” ou seja, sofre um processo de endurecimento que dificulta tanto o processo de
LAVRAR, quanto o processo de TECER, ( ou trançar) conforme será demonstrado a
seguir.

 CONFECÇÃO DO QUIBANO E DA PENEIRA DE ALTOS/PI

Após o processo de preparação da tala quando esta foi LAVRADA e depois


afinada de acordo com a estrutura do trançado com talas maiores e mais grossas para o
quibano e com talas mais finas para a peneira, tem início com as artesãs a etapa
denominada de TECER por D. Florisa, a partir do processo de INHARCAR, que
consiste em trançar as talas de acordo com o tipo de objeto.
Optou-se por adotar a nomenclatura da artesã por dois motivos: o primeiro está
na representatividade que estes termos tem para D. Florisa, como um aspécto
identitário do trançado que ela produz. Ao tentar explicar para esta que se tratam de
elementos conhecido como trama e urdidura, ela prontamente responder: “minha fia,
aqui num tem esse negocio ai não, aqui é inharcar a tala e tecer o pano”.
O segundo motivo, é que estes termos podem ser utilizados de forma análoga
com os termos utilizados nas classificações adotadas como parâmetros, enriquecendo
melhor a análise em questão. Neste caso, observa-se a seguir separadamente a
confecção do quibano e da peneira.

O QUIBANO E SEU TRANÇADO FECHADO:

Figura 53- Início da etapa de TECER com a arrumação das talas ou


tramas para o processo de INHARCAR
A etapa de TECER para
produzir o PANO ou fundo
quibano tem INÍCIO com a
ARRUMAÇÃO ou
disposição das talas paralelas
ou URDIDURAS que de
118

acordo com a figura 5365, foi um total de seis urdiduras, onde com a mão direita arruma
e com mão esquerda apóia as talas dispostas nesta arrumação. Observa-se que o local de
produção está forrado com um saco utilizado para armazenar produtos a granel.

Figura 54- Processo de INHARCAR a partir da técnica do


trançado cruzado em diagonal ou sarjado.
Depois de arrumadas as
talas, o processo de INHARCAR
ou tecer com as TRAMAS, é feito
a partir da técnica do trançado
cruzado em diagonal ou sarjado,
em que a tala vai perpassando dois
a dois os elementos da urdidura,
alternando ora por cima, ora por
baixo, de acordo com as figuras
54.
Fonte: SILVA, S. A, 2015

Prosseguido o processo de INHARCAR foi observado que a técnica também


pode ser identificada com a estrutura principal do trançado cruzado quadriculado ou
xadrezado, que de acordo com Ribeiro (1985, p. 45): “em que as palhas que compõem o
trançado são dispostas muito próximas umas das outras. Aqui temos um exemplo de
trançado fechado”. A estrutura do PANO ou fundo assemelha-se ao trançado
denominado “espinha- de- peixe”, conforme figuras 55 e 56:
Figura 55- PANO ou fundo do quibano semelhando ao Figura 56- PANO ou fundo do quibano semelhante ao
trançado cruzado quadriculado trançado conhecido como “espinha- de- peixe”.

Fonte: SILVA, S. A, 2015 Fonte: SILVA, S. A, 2015

65
Fonte: SILVA, S. A, 2015
119

A PENEIRA E SEU TRANÇADO ABERTO

Figura 57- Arrumação das Talas para o início do processo de


INHARCAR,
O processo de confecção da
peneira é semelhante ao quibano, se
diferenciando apenas na técnica de
execução que corresponde a um
trançado quadriculado aberto, que
de acordo com Ribeiro (1985, p.
45): “o quadriculado aberto é
comum na parte central das peneiras
por onde é cernida a farinha”. Assim
como no quibano existe a
ARRUMAÇÃO das Talas ou
urdiduras dispostas de maneira paralelas umas as outras num total de doze. Outro
aspecto diferente com relação à produção do quibano, é que a artesã ao invés de usar
somente as mãos, utiliza o pé como apoio, que segundo ela: “prende melhor as talas e
facilita na hora de INHARCAR”. Na figura 5766 , tem o início da confecção da peneira.

Figura 58- Início da peneira com técnica de “casa de abelha”.


A técnica empregada
na confecção da peneira tem
início com a trama
perpassando duas urdiduras,
na figura 58, por baixo e em
seguida por cima. A segunda
trança perpassa duas por
baixo e uma por cima na
segunda carreira, de acordo
com a figura 59 e quatro por
baixo e uma por cima na

66
Fonte fig. 57 e 58: GOMES, G. C, 2015
120

terceira carreira conforme figura 60, e assim sucessivamente, deixando as aberturas


muito comuns nas peneiras (RIBEIRO, 1985, 47):
Figura 59- Técnica de “casa de abelha” na segunda carreira da
confecção da peneira.

Fonte: GOMES, G. C, 2015

Figura 60-Finalizando a técnica de “casa de abelha” na terceira carreira da


confecção da peneira.

Fonte: GOMES, G. C, 2015


121

Figura 61- PANO ou fundo da peneira

Observa-se que
nesse caso, as técnicas
estão representadas por
duas variantes de trançado,
ou seja, de início, o tecer
constitui um trançado
cruzado sarjado, quando a
trama perpassa a urdidura
começando a partir de uma
por duas, para em seguida
saltar nas carreiras onde
uma carreira apresenta
quatro talas de urdidura, num total de doze, já aparece o aspécto aberto do trançado
cruzado sarjado conhecido como “casa de abelha” onde o resultado se encontra na
figura 6167 denominado de PANO ou fundo da peneira.

 ACABAMENTO DO QUIBANO E DA PENEIRA

Após a finalização do PANO ou fundo do quibano e da peneira, tem início o


acabamento, uma função realizada por D. Florisa, com a confecção e
ENCARCAMENTO da rodeira e o ARREMATE final com a costura da rodeira por
agulha e embira de tucum.
O preparo da rodeira tem início com o processo LAVRAR a taboca, utilizando a
mesma técnica de preparo das talas para confecção do quibano e da peneira: primeiro
retira a tala em uma tira fina, com o tamanho de acordo com o tamanho do PANO, em
seguida enrola a tala como uma roda, ou como denominou D. Florisa, a RODEIRA na
figura 62, sendo duas rodeiras amarradas com a embira de tucum, uma para a parte
superior, e outra para a parte inferior do Pano, de acordo com a figura 63.

67
Fonte: GOMES, G. C, 2015
122
Figura 62- D. Florisa enrola a tala e costura para formar a
RODEIRA ou bojo do quibano e da peneira.

GOMES, G. C, 2015.
Figura 63- Estrutura da RODEIRA ou bojo do quibano e da
peneira.

Fonte: SILVA, S. A, 2015

A etapa seguinte consiste no ENCARCAMENTO ou adaptação das RODEIRAS


no Pano do quibano ou da peneira: primeiro, coloca uma rodeira no chão ou qualquer
outro local que de suporte; Em seguida, o Pano do quibano ou peneira é colocado por
cima da Rodeira da parte inferior, conforme figuras 64 e 65.
123
Figura 64- Rodeiras e Pano do quibano para acabamento.

SILVA, S. A, 2015.

Figura 65- Rodeiras e Pano da peneira para acabamento.

SILVA, S. A, 2015

A ultima etapa do processo de Acabamento do quibano e da peneira, consiste no


processo de ENCARCAR ou unir os anéis da Rodeira e do Pano através da costura com
a embira de tucum e uma agulha, esta etapa é demonstrada nas figuras 66, 67, 68 e 69,
onde a primeira consiste em igualar o fundo com os anéis que vão formar a borda do
quibano, sendo estes são compostos de duas talas de taboca. A segunda etapa
corresponde à junção do fundo do quibano com os anéis no qual devem ficar alinhados,
conforme a terceira etapa, a ultima etapa corresponde à preparação do quibano para os
arremates finais feitos pelas artesãs de D. Florisa.
124

Figura 67- Acabamento Peneira

Nesta etapa, D. Florisa apóia a rodeira da parte


inferior com os pés, nos quais está como suporte
um saco.
Com as mãos segura a rodeira da parte superior e
o Pano da peneira, para iniciar o encaixe.

Fonte: SILVA, S. A, 2015.

Figura 68- Peneira acabamento

Nesta etapa, é realizado o encaixe


da parte inferior da rodeira com o
pano e a parte superior, utilizando
os pés como suporte e as mãos
para o encaixe.

Fonte: SILVA, S. A, 2015


125

Figura 69- Peneira acabamento

Após o encaixe, do pano com


a parte inferior e superior da
rodeira, nesta etapa é realizada
o encaixe final das rodeiras
como, por exemplo, se fosse
uma tampa fechando uma
garrafa.

Fonte: SILVA, S. A, 2015

Figura 70- Acabamento Peneira

Finalizado o processo de
ENCARCAR tem a peneira
ou quibano quase pronto,
que é repassado para as
artesãs realizar a etapa final.

Fonte: SILVA, S. A, 2015


126
Figura 71- Costura do acabamento realizada com embira de
tucum.

O acabamento da
peneira é finalizado com a
costura das Rodeiras ou bojo
com embira de tucum e
agulha para garantir que este
suporte não se desloque do
Pano ou fundo, conforme
figura 70. Os mesmos
procedimentos desta etapa
são realizados com o quibano.

Fonte: SANTOS, F. O, 2011.

E por fim, a ultima etapa da manufatura , corresponde ao uso e funções


principais do quibano e da peneira que servem para peneirar, armazenar, separar grãos
e ainda como artesanato quando são decorados, são utilizados também durante as
danças típicas do período junino, que segundo a D. Florisa é o período de maior
produção e comercialização destes itens.
Quanto ao descarte, tanto de restos da matéria- prima, quanto de quibanos e
peneiras que com defeitos ou outros vai pra o lixo comum.
127

4.2.1.2- Cadeia operatória do jacá

A tecnologia empregada na confecção do jacá consiste é a de curadoria, porque


demanda um planejamento e um tempo de execução médio, em torno de 50 minutos
para a confecção do mesmo. A técnica do trançado do jacá de Altos a partir dos critérios
de Ribeiro (1985) apresenta características semelhantes na forma e na estrutura, ou seja,
a forma corresponde a Gameliforme, e a estrutura de trançado cruzado quadriculado e
xadrezado, conforme Figuras 72, 73 e 74.

Figura 72 - Trançado do Jacá; Figura 73 - Trançado cruzado quadriculado ou xadre zado; Figura 74 -
Cesto Ga meliforme dos índios do Alto Xingú.

Fonte: SANTOS, F. O, 2011. ; Fonte: RIBEIRO, 1985, p. 45 e Fonte: RIBEIRO, 1985, p. 106.

 Dos locais de coleta e produção do jacá

Figura 75- Matéria- prima do jaca: taboca de “macaco”.


Em 2011, a matéria-
prima era adquirida nas
cidades de José de Freitas (PI)
e Caxias (MA), sendo
conhecida popularmente
como “Taboca de Macaco”,
Taboquinha na figura 7568.
Atualmente a matéria- prima
que é a taboca é oriunda do
interior de Altos, na
comunidade “zundão”, e

68
Fonte: GOMES, G. C, 2015.
128

constitui a mesma taboca para o quibano e o jacá. Embora constitua a matéria- prima
específica para a região consta na literatura acadêmica sobre tipos de matérias- primas
de confecção do material trançado, apresenta um variedades de matérias como as palhas
como o ouricuri ou licuri (Syagrus coronata), as fibra de caroá ou croá (Neoglazovia
variegata), taquaras, cipó de guabiroba, palmeira de açaí, inajá, fibra de buriti, tucum,
entre outras, que influenciam em vários aspectos técnicos e tecnológicos em seus tipos,
formas e usos destes trançados.
 MANUFATURA
O processo de confecção de um jacá tem procedimentos mais simples e
elaborados, embora demande um esforço físico bem maior. Também apresenta quatro
etapas que são:
 Etapa 1- Preparação: nesta etapa foram observadas a coleta e
preparação da taboca para a confecção do jacá, utilizando a
nomenclaturas do artesão.
 Etapa 2- Confecção ou Produção: nesta etapa foram documentadas as
técnicas e tecnologias empregadas na confecção e suas ferramentas
utilizadas no processo.
 Etapa 3- Acabamento: nesta etapa foram observados os procedimentos
de acabamento da confecção do jacá.
 Etapa final- Usos e descarte: nesta etapa foi demonstrada a diversidade
de usos do jacá.
E para finalizar este item, foi analisado o contexto social dos artesãos a partir da
divisão do trabalho, das relações de gênero e do repasse ou não das técnicas, buscando
apreender as variabilidades e a recorrência dos comportamentos tecnológicos em seus
usos, reutilização e descarte.

 PREPARAÇÃO DA MATÉRIA- PRIMA

Em 2011, o trabalho de coleta inicial era realizado somente por homens, que
reunidos em grupo, adentravam à mata em busca das tabocas, de onde são retiradas talas
de aproximadamente 2,20m (dois metros e vinte), utilizando como ferramentas de
coleta o facão e um ferro nas cidades de José de Freitas (PI) e Caxias (MA).
Atualmente este trabalho é realizado tanto por homens quanto mulheres que se
dispõem a adentrar a mata em busca de tabocas para a confecção dos jacás, na
129

comunidade “zundão” devido à proximidade. Pela tradição relatada pelos artesãos, essa
coleta da matéria-prima deve ser retirada nos dias em que a lua estiver no período
crescente, provavelmente para esta não “bichar”.

Figura 75- Processo de Laxar.


ETAPA 01: Laxar.

Após a retirada da matéria- prima, a primeira


etapa de preparação da taboca é o processo de
LAXAR, ou seja, a separação das talas que
serão utilizadas para confeccionar o jacá,
utilizando um facão, como está representada
na figura 75 ao lado.

Fonte: SANTOS, F. O, 2011.

Figura 76- Processo de Lixar.

ETAPA 02: Lixar

Ainda persiste a preparação da matéria-


prima, que após o “Laxamento” é batida
e lixada conforme figura 76, utilizando
como ferramentas um machado e uma
faca. Este processo faz com que as talas
adquiram certa flexibilidade para
realizar o trabalho de confecção do jacá.

Embora atualmente seja um trabalho


eminentemente masculino, a demonstração desse
processo foi realizada por D. Antonia para
demonstração.
Fonte: SANTOS, F., O, 2011.
130

ETAPA 03: Preparação do fundo do jacá

O processo efetivo de confecção do jacá tem início com a preparação das grades
que compõem o fundo que de acordo com a técnica representam as GUARDAS (partes
menores para a trama) e as ESTACAS (partes maiores para a urdidura), onde são
utilizadas como ferramentas uma faca, machado e estrutura de made ira, demonstrados
nas figuras 77 (grade) e 78 (ferramentas).

Figura 77 - Grade do fundo apresentando as Figura 78- Ferramentas para


estacas e guardas. fazer a grade.

estacas

guardas

Fonte: SANTOS, F. O, 2011.


Fonte: SANTOS, F. O, 2011

Figura 79- Técnica de confecção da grade que compõe


o fundo do jacá.

A técnica de confecção do fundo é


semelhante ao trançado cruzado
quadriculado xadrezado a partir da
fórmula 2/2, ou seja, a urdidura
perpassa a trama dois a dois, ora por
cima, ora por baixo, muito próximas
uma à outra formando uma grade, de
acordo com a figura 79, ao lado.

Fonte: SANTOS, F. O, 2011

 CONFECÇÃO DO JACÁ DE ALTOS


Figura 80 - Documentação Fotográfica e
em vídeo da produção de um jacá em jan. 131
de 2015.

Dia 22 de janeiro de 2015 realizou-se a


documentação fotográfica e em vídeo (Figura
8069) da confecção de um jacá desde a
preparação da grade até a finalização deste no
qual se observou toda a cadeia operatória que
envolve a produção de um jacá:
No processo de produção do jacá,
existem alem das mãos e pés, duas ferramentas:
um facão e um martelo que servem de suporte
auxiliar no qual o facão corta as talas que ora
são tramas ou urdiduras, e o martelo serve de
“batedor” para encaixe das talas na grade,
conforme vê- se a seguir.

ETAPA 04: Preparação da Grade para o jacá

A preparação da grade é feita com a junção das partes correspondentes às


ESTACAS (urdiduras) em sentido vertical para dar a forma gameliforme do jacá, ou
como um cesto, de acordo com as figuras 81, 82, 83 e 84.

Figuras 81 e 81- Primeira parte de preparação da grade para o jacá.

Com a ajuda dos pés e das


mãos, Sr. Antonio junta as
ESTACAS uma a uma em
sentido vertical para
formar a grade. Esta etapa
exige grande esforço físico
porque não há flexibilidade
devido à largura da taboca.

Fonte: GOMES, G. C, 2015

69
Fonte: GOMES, G. C, 2015.
Figuras 83 e 84- Segunda parte de preparação da grade para o 132
jacá

Depois de juntar
todas as ESTACAS,
a boca é amarrada
com uma borracha
para prender até que
seja colocada a
grade da boca do
jacá, de acordo com
as figuras 83 e 84.

Fonte: GOMES, G. C, 2015

A grade que forma a BOCA do jacá, é feita com quatro pedaços de tabocas em
forma quadrangular presos por um pedaço de borracha. Para finalizar, a grade é
colocada na borda, e retirada a borracha que prende as ESTACAS. A mesma borracha,
vai prender a grade da boca nas ESTACAS, e está preparada a estrutura do jacá, para
realizar o trançado. Esta etapa esta demonstrada nas figuras 85, 86, 87 e 88.
Figura 85- A grade da boca é colocada na Figura 86- a grade é amarrada com a
borda da estrutura do jacá. borracha para manter a borda segura.

Fonte: GOMES, G. C, 2015 Fonte: GOMES, G. C, 2015


133

Figura 87- A grade é amarrada à borda Figura 88- A estrutura da grade pronta
pelos quatro cantos. para a confecção do jacá.

Fonte: GOMES, G. C, 2015 Fonte: GOMES, G. C, 2015

 CONFECÇÃO DO JACÁ DE ALTOS/PI

A confecção do jacá tem complexidade menor se relacionada ao quibano e


peneira, porém requer um esforço físico significativo que representa o principal
argumento para que as mulheres não o confeccionem. Foi observado também que as
cestas são confeccionadas a partir das mesmas técnicas do jacá, porém o acabamento se
difere por conta das alças.
Nesta análise foi adotada a nomenclatura de acordo com o Sr. Antonio, o artesão
que confecciona os jacás de Altos, com GUARDAS constituindo TRAMA e ESTACAS
para a URDIDURA, também pelos mesmos motivos que consideramos a produção de
D. Florisa.

O JACÁ DE ALTOS/PI

O trançado do jacá não tem um nome específico, no qual será tratado neste
estudo como TRANÇAR, e tem início com a técnica de trançar a GUARDA (trama)
perpassa uma a uma as ESTACAS (urdidura) por dentro e por fora, com trajetória em
134

círculo no sentido horizontal, onde GUARDA é “costurada” sempre para dentro do jacá,
conforme será demonstrada nas figuras 89, 90, 91, 92, 93 e 94 a seguir:

Figura 89- Início da confecção do jacá e a técnica do 1/1


guardas e estacas.

A confecção tem início com a


estrutura da grade apoiada
sobre os pés e o perpasse da
GUARDA uma a uma, ora por
dentro ora por fora das
ESTACAS, com o auxílio de
um batedor de ferro.

Fonte: GOMES, G. C, 2015

Figura 90- Confecção do jacá: uso das


ferramentas.

Com o uso do batedor e dos pés


como suporte, facilita o ato de
trançar as guardas, encaixando
melhor umas nas outras. A
batida tem que ser com força
média para não quebrar a
guarda.

Fonte: GOMES, G. C, 2015


Figura 91- A técnica de utilizar os pés como 135
ferramenta.

Os pés, além do apoio, servem


para encaixar melhor a
GUARDA na
ESTACA,
conforme figura ao lado.

Fonte: GOMES, G. C, 2015

Figura 92- Retirada da grade da boca do jacá.

Na 12ª (décima segunda)


guarda, a grade que sustenta
as estacas na borda, é retirada.
Prossegue normalmente o
trançado com a mesma
técnica.

Fonte: GOMES, G. C, 2015

Figura 93- Mais da metade da confecção do jacá.

Com mais da metade do jacá


confeccionado, não é mais
necessário utilizar os pés, nem
como suporte, nem para o
encaixe, conforme figura ao
lado.

Fonte: GOMES, G. C, 2015


136
Figura 94- Finalizando a confecção do jacá.

Com o trançar das últimas


guardas, o dispêndio de força
física diminui. Nesta etapa, já
se configura o final da
confecção do jacá.

Fonte: GOMES, G. C, 2015

 ACABAMENTO DO JACÁ

Todo o processo de confecção do jacá levou aproximadamente 50 minutos de


duração, da etapa de confecção, o acabamento é feito com o auxílio do facão, nas quais
as sobras das ESTACAS são cortadas, deixando pontas nas guardas das quatro laterais
para serem “costuradas” para dentro das GUARDAS paralelas tanto ou à direita, ou à
esquerda, de acordo com as figuras 95 e 96.

Figura 95- Acabamento do jacá Figura 96- Jacá pronto.

Fonte: GOMES, G. C, 2015


Fonte: GOMES, G. C, 2015

No acabamento da boca do jacá, o que sobra da trama é cortada formando ou


novas talas ou é descartada no lixo. Com relação aos usos e funções, o jacá possui
diversas, como armazenamento, transporte de alimentos ou outros, onde são utilizados
especialmente no período de plantação das roças na região.
137

4.2.3- O contexto social da confecção do trançado de Altos/PI

Ao analisar a cadeia operatória dos trançados produzidos em Altos, pode-se


observar que a variação do contexto social de confecção é diversa quando se destacam
as relações de gênero neste contexto, ou seja, ao contrário de grupos indígenas
tradicionais, onde às vezes somente homens ou somente mulheres produzem e dominam
as técnicas e tecnologias de trançar, em Altos estas relações estão pautadas tanto por
estes aspectos, quanto pelas relações com o meio em que vivem.
Os quibanos e peneiras, a priori, são prerrogativas de produção das mulheres,
onde estas dominam a técnica e a tecnologia de produção, e inclusive de coleta da
matéria- prima na mata.
Outro aspecto é que estas técnicas são repassadas em parte por D. Florisa, como
por exemplo, as suas artesãs não dominam o processo de preparação da matéria- prima,
realizando só a confecção e o acabamento do quibano ou da peneira.
Na entrevista, quando questionada sobre isso, ela se limitou a dizer que “elas não
conseguem” aprender esta técnica, porem, o que observamos foi que ao dominar esta,
que para ela é considera principal, existem duas implicâncias: a relação de poder e a
relação econômica.
A relação de poder está diretamente ligada ao fato de que as artesãs só têm
condições de confeccionar o trançado se a matéria- prima estiver preparada, ou seja,
sem preparo não tem quibano, nem peneira, e só há peneiras e quibanos depois da
matéria- prima preparada, com as artesãs confeccionando. Lembra o que Mauss (2003,
p. 201) chama de “vínculo de direito”, ou seja, existe uma troca de dádivas e
retribuições entre as partes quando: “é preciso retribuir a outrem o que na realidade é
parcela de sua natureza, e substancia”.
A relação econômica está pautada pela necessidade de subsistência de ambas as
partes, e a produção depende do trabalho em conjunto das artesãs, onde durante a
semana existe a confecção do trançado para no final de semana ser comercializado, com
o retorno econômico apenas nestes dias.
Ainda remetendo às falas de D. Florisa, a técnica e tecnologia do trançado ela
aprendeu com a mãe, porem a mãe aprendeu com um vizinho antigo, quando esta
chegou ao bairro. Isto implica que embora atualmente estas técnicas de trançar quibanos
e peneiras sejam usufruto das mulheres, os homens também tem conhecimentos, mesmo
que não produzam.
138

O mesmo se aplica ao jacá, como uma função técnica meramente masculina, com
apenas um artesão produzindo e dominando a técnica e a tecnologia no bairro onde
mora, embora a esposa também tenha conhecimento desta. Neste caso, a implicância é
mais de ordem física, ou seja, como o jacá demanda um esforço físico que necessita do
uso da força, em quase todo o processo, a mulher não se dispõe a esta produção de
trançado. Outro fato é que este não domina a técnica de confecção do quibano ou da
peneira, embora a D. Florisa domine a técnica de confecção do jacá, assim como dos
cestos.
Com relação aos usos e funções, ambos utilizam seu material trançado no
cotidiano, especialmente no contexto das produção nas roças, como transporte e
armazenamento do que produzem, durante o período da farinhada, e ainda no dia- a –
dia em tarefas básicas, como na separação de grãos, peneirar, etc.
E por fim, constatou-se que algumas técnicas embora repassadas para os
descendentes dos artesãos, atualmente encontram resistências entre os mais novos no
sentido de prosseguir produzindo e comercializando os trançados e por se tratar de
pessoas idosas ou quase, existe uma preocupação da nossa parte, se o trançado de Altos
será preservado, ou se perdera no tempo quando seus atores desaparecerem, por isso a
importância de se documentar e preservar esta tradição ainda comum nas nossas
populações tradicionais do Piauí.
139

O trançado de fibras no Piauí- algumas recorrências.

Como um artefato recorrente, os trançados de fibras estão presentes em diversas


esferas, diante do que foi demonstrado, e não é raro se deparar com um quibano nas
casas, um cofo e um jacá, abanos, constituindo item que possui uso indispensável,
sobretudo, no cotidiano das populações, sejam urbanas ou rurais do Norte e Nordeste do
Brasil.
Buscando esse sentido, compreender as relações que existentes entre os
trançados de ontem e de hoje, através da analogia, baseada no método etnoarqueológico,
buscou-se apreender as semelhanças e as diferenças que são retratadas na confecção, do
ponto de vista das tecnologias, das técnicas e dos usos e funções destes, considerando as
recorrências dos trançados comercializado no Mercado Central de Teresina, do
produzido em Altos, além do que foi inventariado nas referências arqueológicas.
A escolha da etnoarqueologia como estratégia metodológica desta análise é
porque ela possibilita que se trabalhe com três dimensões de pesquisa: a pesquisa
bibliográfica e museográfica, a pesquisa experimental e a pesquisa de campo
etnográfica. Isto implica também que:
Sendo um tipo peculiar de observação participante esta estratégia não poderia
deixar de empregar alguns dos princípios da prática antropológica, como por
e xe mplo, trabalhar com in formantes e contrapor suas informações, se
esforçar no aprendizado da língua, imergir no cotidiano dos grupos e procura
registrar com detalhamento todas as experiênc ias vividas (SILVA, 2000,
p.43).

Neste contexto de análise, a etnoarqueologia tem como função identificar as


dimensões singulares e regulares de recorrências do trançado arqueológico
demonstrados neste estudo, e se há algum indício de conexão com os tipos de trançados
comercializados no Mercado Central de Teresina e confeccionados em Altos/PI, não
com a perspectiva de que sejam heranças diretas da cultura material dos grupos pré-
históricos, mas com o objetivo de identificar semelhanças de técnicas e tecnologias, no
qual veremos a seguir.
Os tipos de trançados de fibras comercializados no Mercado Central de Teresina
são deixados em consignação pelos índios dos Estados do Maranhão e do Pará,
constituindo abanos, bolsas, cocares, saias de danças, recipientes para fumo, tipiti, entre
outros.
140
Figura 97: Bolsa trançada dos índios de Barra do Corda/MA

Um dos grupos
identificados são os
índios da localidade de
Barra do Corda (MA),
que entre seus trançados
estão principalmente
bolsas nos tamanhos
grande, médio, pequeno e
em miniaturas, de acordo
com figura 97.
Fonte: SANTOS, F. O, 2011.

Neste sentido foram analisadas algumas semelhanças de acordo com a técnica


demonstrada na classificação de Ribeiro (1985). A partir do recurso da analogia com
objetivos de identificar semelhanças, observou-se que entre os padrões geométricos e a
matéria-prima utilizada, existem aspectos similares entre o padrão geométrico do
trançado da bolsa, com o padrão proposto por Ribeiro (1985, p. 84) denominado de
Labirinto, que representa uma variante do trançado cruzado sarjado, demonstrados nas
figuras 97 e 98:

Figura 97- Fundo de uma bolsa indígena comercializada no Mercado Central de Teresina;
Figura 98 - Trançado cruzado sarjado chamado de Labirinto .

Fonte fig. 97: SANTOS, F. O, 2011. Fonte fig. 98: RIBEIRO, 1985, p. 84.
141

Outra variante do trançado cruzado sarjado de quadrados concêntricos,


assemelha-se com a lateral de uma bolsa indígena decorada de Barra do Corda
conforme Figuras 99 e 100, abaixo:

Figura 99 - Bolsa indígena decorada comercializada no Mercado Central de Teresina ; Figura 100 -
Trançado cruzado sarjado de quadrados concêntricos.

Fonte fig. 99: SANTOS, F. O, 2011; Fonte fig. 100: RIBEIRO, 1985, p. 85 .

A bolsa em miniatura dos índios de Barra do Corda (MA) (figura 101),


assemelha-se ao cesto bornaliforme (figura 102). Este apresenta como função principal
armazenar de material para caça, segundo informes dos comerciantes do Mercado
Central:

Figura 101- Bolsa em miniatura dos índios de Barra do Corda (MA); Figura
102- Cesto Bornaliforme dos índios Krahó.

Fonte fig 101: SANTOS, F. O, 2011. ; Fonte fig. 102: RIBEIRO, 1985, p. 111.

No contexto de Altos/PI, as recorrências técnicas semelhantes com a proposta de


Ribeiro (1985) correspondem ao trançado cruzado quadriculado ou xadrezado, trançado
142

cruzado em diagonal ou sarjado, e as variantes conhecidas como “espinha- de- peixe” e


“casa de abelha”, conforme já foi demonstrado anteriormente.
A presença de trançado de fibras em contexto arqueológico em sepultamentos e
enterramentos pré- históricos do Estado do Piauí, quando conservados, implica na
possibilidade de identificar as técnicas e tecnologias presentes na confecção destes
trançados.
Figura 103- Vestígios de trançado enterramento 06;
Figura 104- Trançado de acabamentos decorativos de
trança O sítio Toca da baixa dos
Caboclos, localizado no Parque
Nacional da Serra da Capivara (PI)
apresentou vestígio de material
trançado nos esqueletos denominados
de 06 e 07. No esqueleto 06, o
trançado apresenta características de
acordo com que Ribeiro (1985, p. 73)
denominou de acabamentos
decorativos denominado de trança, de
acordo com as figuras 103 e 104.
Fonte fig. 103: LEITE, 2011, p. 145; Fonte fig. 104:
RIBEIRO, 1985, p. 73.
Figura 105- Vestígios de trançado enterramento 07; Figura
106- Trançado de acabamentos decorativos de trança.

O esqueleto 07 apresenta
a mesma variante de
acabamentos decorativos
denominado de trança, sendo
possível identificar a
similaridade desta técnica com a
proposta de Ribeiro (1985), na
evidencia de uma trança bem
elaborada, conforme visto nas
105 e 106:

Fonte fig. 105: LEITE, 2011, p. 151; Fonte fig. 106:


RIBEIRO, 1985, p. 73.
143
Figura 107- Vestígio de trançado do Sítio Toca do Enoque (PI);
Figura 108- Trançado de acabamentos decorativos de trança
A presença de vestígios
de trançado foi identificada
nos sítios arqueológicos Toca
do Enoque e Toca do Alto do
Capim, na Serra das
Confusões (PI), conforme
disposto no Capitulo 2. A
técnica dos vestígios da Toca
do Enoque assemelha-se
também com o acabamento decorado denominado trança, a partir de Ribeiro (1985),
presente nas figuras 107 e 10870.
E para finalizar a recorrência de vestígios trançados provenientes de contexto
arqueológico no Piauí, no Sítio Ponta Serra da Cangalha (Pedro II/PI), a esteira coletada
remete à técnica de trançado conhecida como “espinha –de –peixe” considerando
Ribeiro (1985), presente nas figuras 109 e 110.
Fig. 109- Esteira de fibra coletada no Sit io Ponta Serra da Cangalha; Figura 110-
Trançado cruzado sarjado denominado “espinha –de -peixe” .

Fonte fig. 109: BORGES, J. F, 2006; Fonte fig. 110: RIBEIRO, 1985, p. 48.

Os trançados adquiridos no Mercado Central de Teresina, por ser de origem de


grupos indígenas, foi o que mais se aproximou tecnicamente dos padrões de trançados
presentes na classificação de Ribeiro (1985). Para o trançado de Altos, o mais próximo
da semelhança é o trançado cruzado, seja quadriculado ou sarjado. E para o trançado

70
Fonte fig. 107- GOMES, G.C, 2009; Fonte fig. 108:
144

arqueológico, a semelhança está expressa em um acabamento decorado denominado de


trança.
Figura 111- Motivos Geomét ricos no trançado
indígena de Barra do Corda (MA).
As singularidades, no
entanto, são bem destacadas:
para os trançados indígenas,
embora apresentando variantes
do trançado cruzado sarjado,
possui como característica
diferencial a decoração que
lembra motivos geométricos,
também semelhantes aos
Padrões de Ribeiro (1985), de
acordo com a figura 111.
Fonte: SANTOS, F. O, 2015.

Para o trançado de Altos, as singularidades estão representadas na forma dos


trançados, ou seja, enquanto o quibano tem um trançado fechado, a peneira e o jacá
apresentam um trançado aberto, o que influencia inclusive nos modos de usos destes.
E para finalizar, as singularidades presentes no trançado arqueológico está
especialmente no uso em diferentes tipos de sepultamentos, entre crianças ou adultos
(semiadultos), tipos diferenciados, variando de redes, casulos e esteiras.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo buscou demonstrar o quão o trançado de fibras constitui um


elemento que persiste a partir de suas singularidades e regularidades, sendo essencial na
vida, na subsistência e na memória daqueles que os confeccionam, comercializam ou
utilizam, e que reafirma a importância deste como patrimônio arqueológico e cultural
pela sua tradição e recorrências até a contemporaneidade.
O primeiro capítulo, ao reportar sua antiguidade ao período clássico da história,
e sua origem cheia de funções e usos, ao perpassar os modos como este vem se (re)
produzindo e reinventando ao longo dos tempos e o reconhecimento do papel da
memória como mediador entre o que já foi e o que ainda é no contexto trançado, ratifica
145

que os passos do trançado de fibras são persistentes no modo de saber, fazer e usos dos
grupos.
O segundo capítulo demonstrou a inserção do trançado de fibras nos rituais
funerários da pré- história do nordeste do Brasil, assim como sua mudança de saberes,
fazeres e usos no contexto do Brasil colonial, e sua presença como artefato no
mobiliário funerário de diversos grupos, dando aval de sua antiguidade em nosso
contexto.
O terceiro capítulo identificou o lugar, os saberes e as tecnologia presentes no
trançado demonstrando a diversidade de tecnologias de fabricação assim como os
padrões que delimitam, por exemplo, as produções artesanais de grupos indígenas que
habitam o Xingu e outros.
E por fim, o capítulo quatro, que adentrou o universo das cadeias operatórias do
jacá, do quibano e da peneira de Altos, observando as técnicas e tecnologias impressas,
e suas relações com o contexto social dos artesãos, assim como apreender os aspectos
de singularidades e regularidades presentes neste tipos de trançados, e sua influencia
nos usos e funções.
Neste sentido, o exposto final ressalta a importância de se realizar futuramente a
proposta de classificação para o trançado de fibras do Estado do Piauí, por todos os
aportes identificados na análise de sua cadeia operatória.
146

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