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PODER JUDICIÁRIO

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

Registro: 2019.0000201457

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº


1020471-35.2017.8.26.0451, da Comarca de Piracicaba, em que é apelante MARIA
ELISABETE ROSSI DE OLIVEIRA (JUSTIÇA GRATUITA), é apelado BANCO BMG
S/A.

ACORDAM, em sessão permanente e virtual da 17ª Câmara de Direito Privado


do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: Negaram provimento ao
recurso. V. U., de conformidade com o voto do relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Desembargadores IRINEU FAVA


(Presidente sem voto), PAULO PASTORE FILHO E JOÃO BATISTA VILHENA.

São Paulo, 20 de março de 2019.

Afonso Bráz
Relator
Assinatura Eletrônica
PODER JUDICIÁRIO
TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

VOTO Nº 27595
APELAÇÃO Nº 1020471-35.2017.8.26.0451 (PROCESSO DIGITAL)
APELANTE: MARIA ELISABETE ROSSI DE OLIVEIRA (Assistência Judiciária)
APELADO: BANCO BMG S/A
COMARCA: PIRACICABA 2ª V. CÍVEL
JUIZ: DR. MARCOS DOUGLAS VELOSO BALBINO DA SILVA

DECLARATÓRIA C.C. REPETIÇÃO DE INDÉBITO E


INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. Cartão de crédito
consignado. Autorização para constituição de reserva de margem
consignável em benefício previdenciário, para pagamento do valor
mínimo da fatura mensal do cartão. Comprovada a utilização do
cartão para realização de saque. Regularidade dos descontos
efetuados no benefício previdenciário da autora, diante da
existência de saldo devedor. Quitação do valor integral do débito
não comprovada. Exigibilidade reconhecida. Ausência de
ilegalidade na conduta da instituição financeira. Descabida a
restituição de valores e indenização por dano moral indevida.
Sentença mantida. RECURSO DESPROVIDO.

A r. sentença de fls. 396/398, de relatório adotado, julgou improcedente a


ação declaratória de quitação de débito c.c. repetição de indébito e indenização por dano
moral ajuizada por MARIA ELISABETE ROSSI DE OLIVEIRA contra BANCO BMG
S/A, com fundamento no artigo 487, inc. I, do Código de Processo Civil. Condenou a
autora ao pagamento das custas, despesas processuais e dos honorários advocatícios
fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa, observado o benefício da assistência
judiciária.

Apela a autora (fls. 401/414) onde alega abusividade do negócio, pois


não recebeu informações devidas sobre o contrato, que é de adesão, e não indica que os
descontos mensais em seu benefício previdenciário cobrem apenas os encargos mensais do
cartão, o que inviabiliza o pagamento do débito. Argumenta quanto à aplicabilidade do
Código de Defesa do Consumidor. Sustenta a falha na prestação do serviço e violação às
regras que regulam o empréstimo consignado. Por fim, pleiteia a repetição do indébito, em

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dobro, além de indenização por dano moral. Requer a reforma da sentença.

Recurso regularmente processado, com apresentação das contrarrazões às


fls. 418/424.

É o relatório.

O recurso não comporta provimento.

Cinge-se a controvérsia na regularidade dos descontos realizados pelo réu diretamente


do benefício previdenciário da autora, sob a rubrica “reserva de margem consignável (RMC)” (fls. 18/20).

Ao contrário do que sustenta a autora, a prova documental carreada aos


autos comprova a existência de relação jurídica pactuada de forma autônoma e
desvinculada de outros contratos celebrados, bem como a regularidade do débito que
ensejou os descontos consignados em seu benefício previdenciário. Ademais, o alegado
vício de consentimento na contratação questionada não restou demonstrado.

O réu acostou aos autos “Termo de Adesão Cartão de Crédito


Consignado Banco BMG e Autorização para Desconto em Folha de Pagamento” (fls.
35/38), devidamente assinados pela demandante em 16/02/2016, que indica expressamente
tratar-se de cartão de crédito, havendo autorização da aderente para o desconto mensal no
importe de R$44,00, em seu benefício previdenciário, para pagamento do valor mínimo das
faturas, com a descrição dos encargos decorrentes da contratação (taxas de juros de 3,36%
a.m. e 49,49% a.a.). Ainda, acostou os documentos pessoais, comprovante de
residência/domicílio e extrato do benefício previdenciário (fls. 39/42), apresentados pela
autora no momento da contratação, as faturas mensais (fls. 43/63) e o comprovante da
transferência eletrônica para a conta corrente do aderente, correspondente ao saque
realizado por meio do cartão de crédito (R$1.077,99 fls. 67).

A recorrrente impugnou a autenticidade da assinatura aposta nos contrado

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apresentado pelo réu, razão pela qual foi realizada prova pericial grafotécnica (laudo de fls.
121/153), onde o Expert judicial concluiu que “as assinaturas questionadas exaradas no
doc. Descrito no capítulo “Peças de Exame”, atribuídas a Sra. Maria Elizabete Rossi
Oliveira, SÃO AUTÊNITICAS, em face das concordâncias gráficas verificadas entre elas e
os padrões gráficos disponíveis, utilizados para confronto” (fls. 140).

Anoto que a contratação de cartão de crédito com reserva de margem


consignável em benefício previdenciário e a utilização com a finalidade de saque por meio
do cartão de crédito, são autorizadas pela Lei nº 10.820/2003, observado o limite de 5%
dos rendimentos da demandante para descontos, conforme determina o artigo art. 6º §, 5º
desta Lei1.

Assim sendo, conclui-se que o cartão de crédito foi celebrado de forma


isolada e autônoma, sem vinculação ou imposição para a celebração de empréstimo
consignado, o que afasta a alegação de venda casada. Ainda, o termo de adesão firmado
cumpre o disposto no art. 6º, III do Código de Defesa do Consumidor, eis que especifica,
de forma clara e adequada, todos os termos da negociação entabulada.

Não há que se falar em abusividade dos encargos contratados, vez que a


taxa mensal de juros indicada no contrato (3,36% - fls. 35) corresponde ao percentual
máximo permitido para operações de cartão de crédito consignado, à época em que firmado
o ajuste (Portaria INSS nº 623/2015, DOU de 23/05/2012)2.

Diante de tais circunstâncias, não é possível concluir-se que a autora foi

1Art. 6o Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do Regime Geral de Previdência Social poderão autorizar o Instituto
Nacional do Seguro Social - INSS a proceder aos descontos referidos no art. 1o e autorizar, de forma irrevogável e irretratável, que a
instituição financeira na qual recebam seus benefícios retenha, para fins de amortização, valores referentes ao pagamento mensal de
empréstimos, financiamentos, cartões de crédito e operações de arrendamento mercantil por ela concedidos, quando previstos em
contrato, nas condições estabelecidas em regulamento, observadas as normas editadas pelo INSS. (Redação dada pela Lei nº 13.172,
de 2015)

(...) § 5o Os descontos e as retenções mencionados no caput não poderão ultrapassar o limite de 35% (trinta e cinco por cento) do valor
dos benefícios, sendo 5% (cinco por cento) destinados exclusivamente para: (Redação dada pela Lei nº 13.172, de 2015)

I - a amortização de despesas contraídas por meio de cartão de crédito; ou (Incluído pela Lei nº 13.172, de 2015)

II - a utilização com a finalidade de saque por meio do cartão de crédito. (Incluído pela Lei nº 13.172, de 2015)
2 In
http://www.previdencia.gov.br/2012/05/consignado-inss-reduz-juros-para-emprestimos-a-aposentados-e-pensionistas/, acesso em
12/02/2019, às 14h10 hs.

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induzida a erro ao adquirir o cartão de crédito. Assim, permanece válida a contratação


discutida, de modo que, tendo recebido o valor correspondente ao saque, realizado
mediante utilização do cartão de crédito, deve a autora adimplir a contraprestação a que se
obrigou. A presunção de que tenha contratado serviço diverso do entabulado, não tem o
condão de excluir sua obrigação, consistente em saldar o débito que contraiu.

Ademais, eventual declaração de nulidade do contrato questionado


acarretaria no retorno à situação anterior e, nesse caso, caberia à requerente restituir à
instituição financeira o valor, integral e atualizado, da quantia a ela disponibilizado, o que
lhe seria ainda mais desvantajoso.

Ora, em razão do pagamento mínimo do valor da fatura mensal do cartão,


através dos descontos do benefício percebido (fls. 20), a recorrente deveria efetuar o
pagamento do saldo remanescente. Observo que os valores pagos e os encargos,
decorrentes do inadimplemento do valor integral do débito, foram indicados nas faturas do
cartão (fls. 43/63). Ocorre que ela não traz aos autos prova alguma de que tenha quitado o valor integral
das faturas, razão pela qual, diante do pagamento efetuado apenas pelo valor mínimo de cada uma delas,
houve a evolução do saldo devedor.

Assim sendo, não está caracterizada qualquer ilegalidade na contratação


questionada, sendo regulares os descontos realizados diretamente do benefício
previdenciário do recorrente.

A respeito do tema, já decidiu este E. Tribunal:

“APELAÇÃO - CARTÃO DE CRÉDITO CONTRATO FIRMADO


PELAS PARTES ONDE O VALOR MÍNIMO SERIA DEBITADO NA
FOLHA DE PAGAMENTO E O RESTANTE DO VALOR SERIA PAGO
VIA BOLETO BANCÁRIO PAGAMENTO SOMENTE DO VALOR
MÍNIMO DA FATURA SALDO REMANESCENTE ACRESCIDO DE
ENCARGOS COBRANÇA LEGÍTIMA. SENTENÇA REFORMADA
PARCIALMENTE RECURSO PROVIDO.” (Apelação
1000285-45.2016.8.26.0315. Relator Eduardo Siqueira. 38ª Câmara de Direito
Privado. Julgado em 22/03/20117).

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Desse modo, a pretensão de restituição dos valores descontados pelo réu


é descabida, pois decorrem de contratação regular firmada entre as partes.

No tocante ao dano moral, a pretensão indenizatória é indevida, eis que


não há que se falar em ilegalidade praticada pelo banco.

Destarte, a r. sentença deve ser integralmente mantida.

Por fim, majoro os honorários devidos ao patrono do apelado para 15%


sobre o valor atualizado da causa, nos termos do art. 85, §11, do CPC, observado o
benefício da assistência judiciária.

Considerando precedentes dos Tribunais Superiores, que vêm registrando


a necessidade do prequestionamento explícito dos dispositivos legais ou constitucionais
supostamente violados e, a fim de evitar eventuais embargos de declaração, apenas para tal
finalidade, por falta de sua expressa remissão na decisão vergastada, mesmo quando os
tenha examinado implicitamente, dou por prequestionados os dispositivos legais e/ou
constitucionais apontados pela parte.

Por isso, NEGO PROVIMENTO ao recurso.

AFONSO BRÁZ
Relator

Apelação Cível nº 1020471-35.2017.8.26.0451 -Voto nº 6

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