O FEITIÇO DA CURA
Histórias do povo de santo, feiticeiras e curandeiros da Bahia.
(1930-1960)
SALVADOR
2014
2
O FEITIÇO DA CURA
Histórias do povo de santo, feiticeiras e curandeiros da
Bahia (1930-1960)
SALVADOR/BAHIA
2014
3
CDD – 398.3561
4
O FEITIÇO DA CURA
Histórias do povo de santo, feiticeiras e curandeiros da
Bahia (1930-1960)
Banca examinadora
____________________________________________________
Cláudio Luiz Pereira
Doutor em Antropologia – UNICAMP-SP
Universidade Federal da Bahia
___________________________________________________
Gabriela Sampaio
Doutorado em História - UNICAMP-SP
Universidade Federal da Bahia
_______________________________________________________
Luis Nicolau Parés (Orientador)
PhD School of Oriental and African Studies - University of London
Universidade Federal da Bahia
_______________________________________________________
Mundicarmo Maria Rocha Ferretti
Doutorado em Antropologia Social - USP
Universidade Federal do Maranhão
_______________________________________________________
Wlamyra Albuquerque
Doutorado em História - UNICAMP-SP
Universidade Federal da Bahia
5
AGRADECIMENTOS
Isabel Freitas me mostrou que as coisas podem ser leves e belas, enquanto
Daniela Galdino trouxe pra minha vida a possibilidade de “voar fora da asa”. (Manoel
de Barros)
Tiago Sampaio, Carolina Ruiz, Vilbégina Monteiro e Patrícia Araújo me
acolheram na chegada a Coité; os vinhos, pizzas e papos foram fundamentais para a
minha adaptação. No momento em que precisei subir uma ladeira pude contar com seus
ombros, colos e ouvidos.
Tia Nanci torceu, rezou e consolou. Saber que posso contar com ela sempre é
um grande alívio. Tia Márcia em muitos momentos suspendeu a distância espacial para
ouvir lamúrias, novidades e preocupações. Vibrou junto a cada passo, sem me deixar
esquecer a responsabilidade de contar a nossa história. Elas me apoiaram o tempo
inteiro, transmitindo uma força que me fez perceber que “quem parte berrando avante
pode cair, mas não volta!” (Siba)
A meu pai (Gilmar) devo o incentivo primeiro a duas grandes paixões: livros e
discos!
Elzinete Carneiro com muita atenção e cuidado, me ajudou a olhar para os
passos traçados, em momentos que só enxergava problemas e incompletudes. Mãe
Marlene com sua força e acolhida me convenceu de que “eu não ando só”.
Tatiana Farias, Fabrício Mota, Igor Trabuco, Robério Souza, Edivania
Alexandre, Soraia Bispo e Marla Atahyde ofereceram o acalento das amizades
consolidadas, especialmente quando tudo se traduzia em obrigações e demandas. Além
disso, os momentos de descontração foram fundamentais para recomeçar as tarefas no
dia seguinte sem despirocar. (Apanhador Só)
João Lucas, Djeli, Iasmin, Maurício, Ian, Pedro e Beatriz: os êres da minha
vida... Acabou chorare, agora posso ser tia de verdade!
Por diversos momentos precisei me ausentar para buscar fontes ou simplesmente
para respirar fora d´água, só pude fazer isso porque nesses instantes meu rebento estava
bem amparado. Mainha (Kátia), Karina, Geisa, Tiago, Priscila: muito do que pude fazer
foi porque vocês ofereceram porto seguro e me lembraram o tempo inteiro, que “cada
um sabe o preço do papel que tem e de onde vem...” (Criolo)
Rosane Vieira com dedicação, companheirismo e carinho me fez entender que:
“Perder-se também é caminho” (Clarice Lispector)
Meu filho foi um parceiro em cada passo dado. Nos últimos meses, Luango
repetia sistematicamente a pergunta: “Mãe, o que você vai fazer quando colocar o
8
último ponto na tese?” Achava graça, e não sabia responder. Agora sei. No dia em que
coloquei o último ponto fui até o seu quarto e te beijei, como em tantos outros dias...
Agora teremos mais tempo, e “eu quero passar a tarde estourando plástico bolha...”
com vc. (Karina Buhr)
9
RESUMO
A tese teve como objetivo, a análise do universo religioso afro-brasileiro na Bahia entre
1930 e 1960, a partir dos indícios de práticas religiosas identificadas nos processos
criminais e jornais que envolveram supostos curandeiros, adeptos do candomblé e
feiticeiros. Buscando diversificar as práticas religiosas analisadas, o estudo contemplou
casos que ocorreram em Salvador, Vitória da Conquista e no sul do Estado, com
destaque para a documentação coletada na cidade de Itabuna. A problematização das
fontes permitiu reunir indícios acerca das práticas religiosas afro-brasileiras, assim
como trazer à tona o cotidiano dos réus e de pessoas que o cercavam, vinculando as
crenças e rituais ao contexto dos envolvidos nos processos. Os pressupostos da História
Social da Cultura são utilizados como referência na análise, que primou por visibilizar
experiências culturais, cujos significados foram atrelados ao contexto dos sujeitos
envolvidos.
OLIVEIRA, Iris Verena Santos de. The cure sorcery: histories of the povo de santo,
sorceress and curandeiros of the Bahia (1930-1960). Thesis of doctorate in Ethnic and
African Studies – Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas Universidade Federal da
Bahia, Salvador, 2014.
ABSTRACT
The thesis analyzes the african-Brazilian religious universe in Bahia between 1930 and
1960, from the evidence of religious practices identified in criminal processes and
newspapers reports that involve alleged curandeiro and followers of Candomblé and
sorcerers. From the analysis of various religious practices, the study included cases that
occurred in Salvador, Vitória da Conquista and south of the state, especially the
documentation collected in Itabuna city. The problematization of fonts allowed to gather
evidence about the african-Brazilian religious practices, as well as bringing up the daily
lives of defendants and the people around him, linking beliefs and rituals to the context
of the processes involved. The assumptions of the Social History of Culture are used as
reference in the analysis, which was objective by visualizing cultural experiences whose
meanings were tied to the context of the subjects involved.
SUMÁRIO
Lista de abreviaturas 12
Lista de imagens 13
Introdução: Que História é essa? 14
LISTA DE ABREVIATURAS
LISTA DE IMAGENS
.
15
INTRODUÇÃO:
QUE HISTÓRIA É ESSA?
“Trago a pessoa amada em três dias ou o seu dinheiro de volta!” “Cura para
embriaguez, solução para problemas de saúde!” “Filhos problemáticos? Problemas com
drogas? Falta de dinheiro?” As frases acima são comumente utilizadas como estratégia
de propaganda por pessoas que divulgam os seus serviços religiosos em diversas
cidades brasileiras.
A solução para problemas cotidianos da população é anunciada constantemente
em programas de rádio, através de cartazes em paradas de ônibus, distribuição de
panfletos em locais de grande movimentação, e mais recentemente, na internet.
Geralmente nas regiões centrais das cidades é possível encontrar soluções rápidas para
impasses que se apresentam em diversas fases da vida. A despeito da grande
popularidade que gozam entre o público alvo, os protagonistas desses serviços
religiosos ainda não contam com a atenção dos acadêmicos em relação as suas práticas.
Até mesmo os pesquisadores que estudam religiões afro-brasileiras podem
considerar um sacrilégio fazer referência a pessoas que prestam serviços religiosos
explicitamente em troca de dinheiro. Especialmente, no contexto atual em que diversos
candomblés no Brasil vivem momentos de reconhecimento público de sua atuação para
diversificação da cultura brasileira. Um exemplo disso é o tombamento de diversos
terreiros em Salvador, como patrimônio imaterial. Também é ilustrativa a escolha da
ialorixá do Axé Opô Afonjá, Maria Stella Azevedo Santos para ocupar uma cadeira na
Associação Baiana de Letras, a mesma sacerdotisa que recebeu há alguns anos o título
de Doutor Honoris Causa da Universidade do Estado da Bahia (UNEB).
Na atualidade, as notícias nem sempre são positivas. Ás vezes, as práticas
religiosas chegam pela mídia, em casos espetaculares, como ocorreu em dezembro de
2009, quando a imprensa baiana e, posteriormente, o noticiário nacional tratou com
grande alarde o caso do “menino das agulhas”. O sensacionalismo que caracteriza a
grande mídia brasileira desrespeitou até mesmo o Estatuto da Criança e do Adolescente
16
internas e externas que envolviam o uso de determinados termos, nas religiões afro-
brasileiras.
A flexibilidade do conceito de religião fez-se necessária para abarcar as diversas
práticas categorizadas pelos sujeitos como candomblé. Os protagonistas da pesquisa
apresentaram nos processos criminais e jornais aspectos rituais tratados na lógica da sua
crença. Para alguns o ritual de iniciação foi considerado desnecessário, o sacerdote
nasceu pronto! Outros expressaram pertencimento a nação kêtu, mas dispensavam a
raspagem dos cabelos da iaô, só para citar alguns exemplos.
Com o objetivo de visibilizar práticas e rituais de pessoas como Zé Preto,
Francisquinha, Alexandre e Maria da Glória os seus posicionamentos sobre a sua crença
foram ressaltados e tomados como indícios de diversas experiências com o sagrado.
Nesse exercício foi possível perceber que na Bahia cantada em verso e prosa pela sua
relação com os orixás, caboclos e encantados também reinaram. Em muitos terreiros os
búzios não chegaram, mas as práticas de adivinhação ocorriam em mesinhas com o
copo d’água. Para diversos baianos os problemas do cotidiano eram resolvidos com o
auxílio de guias, que não falavam iorubá.
Para quem frequentou sambas, comeu carurus de sete meninos, viu crianças
serem rezadas do mal do vento, presenciou rituais de cura que usavam passes e
sacudimentos, os indícios apresentados pelas fontes não constituem novidade.
Entretanto, os estudos afro-brasileiros, na Bahia, em diversos momentos apontaram para
a existência dessa dimensão religiosa sem enfrentá-la, o que constitui um dos desafios
dessa análise.
É esse universo religioso plural da Bahia que constitui o objeto de estudo dessa
tese, nele destacam-se feiticeiros, curandeiras e candomblezeiros que viveram na Bahia
entre as décadas de 1930 e 1960. Neste texto vou indicar através dos processos
criminais e jornais, fontes de pesquisa privilegiadas, centelhas de experiências religiosas
dissonantes dos grandes clássicos da antropologia brasileira sobre as religiões afro-
baianas. Evidenciando possibilidades de tratar as práticas religiosas como objeto de
estudo da História, ao tempo em que busco visibilizar outras formas de crenças e rituais
vivenciadas no estado.
Para compreender os significados atribuídos pelos sujeitos as suas crenças e
ritos, entendendo o contexto em que estavam inseridos e os conflitos que lhe envolviam
utilizei como fontes as etnografias realizadas em Salvador nas décadas de 1930 e 1940,
jornais publicados em Salvador e em Itabuna, teses e livros publicados por médicos
19
tratando das religiões mediúnicas e processos criminais em que os réus foram julgados
pelos crimes de curandeirismo, feitiçaria e exercício ilegal da medicina, delitos que
envolveram os Códigos penais de 1890 e 1940, assim como a Lei de contravenções
penais de 1941.
Nos processos criminais que analisei pais, mães e filhos de santo foram tratados
como criminosos, a despeito das limitações impostas por encontrar os protagonistas no
banco dos réus, essa fonte histórica oferece a oportunidade de escancarar práticas e
rituais. Ela abriu a porta dos terreiros e, por vezes, apresentou a fala dos envolvidos,
tratada aqui como indício da experiência de vida de pessoas, que de outra maneira
talvez não pudessem ser protagonistas da história. Em alguns casos, os processos
tinham em anexo cartas escritas pelos réus, correspondências e fotografias, exploradas
em busca de uma aproximação maior com o cotidiano dos envolvidos.
Tratarei processos criminais que se desenrolaram algumas regiões da Bahia, com
destaque para Salvador, Vitória da Conquista e Itabuna, no sul do estado. Tais fontes
lançaram luz sobre a diversidade das práticas religiosas, que podem se esconder com a
utilização de um único termo, como candomblé. A documentação analisada indicou que
na capital e no interior, feiticeiros e sacerdotes faziam parte do cotidiano da população,
por isso, através de suas crenças é possível acessar aspectos importantes do dia a dia
desses sujeitos.
O caminho escolhido foi o diálogo direto com as fontes evidenciando as
possibilidades para análise de práticas de cura, feitiçaria e candomblé na primeira
metade do século XX, lidas a partir dos processos de continuidade e mudança que
permeavam rituais vinculados a matrizes de diferentes regiões do continente africano.
Sem perder de vista o objetivo de historicizar as experiências religiosas de pais, mães e
filhos de santo, por entender que suas formas de ver e atuar no mundo se transformaram
continuamente no tempo, mesmo quando falamos de tradições religiosas que podem
falsamente aparentar uma estrutura que resistiria às vicissitudes do tempo.
Os processos criminais que envolviam pessoas supostamente ligadas às religiões
afro-brasileiras abrem diversos caminhos para a investigação histórica. Geralmente,
essas fontes apresentavam leituras de supostos adeptos do candomblé acerca dos seus
rituais, ainda que a adversa situação de réu provavelmente tenha levado muitos
acusados a falsear a verdade, a fim de evitar a condenação. Mesmo assim, os indícios de
suas práticas religiosas, que eram discutidos, disfarçados e analisados como crime,
podem, obviamente, se analisados por outra perspectiva, apresentar centelhas daquele
20
1
O termo está sendo utilizada na acepção atribuída por Eric Hobsbawm, segundo ele: “O termo ‘tradição
inventada’ é utilizado num sentido amplo, mas nunca indefinido. Inclui tanto as ‘tradições’ realmente
inventadas, construídas e formalmente institucionalizadas, quanto as que surgiram de maneira mais difícil
de localizar num período limitado e determinado de tempo – às vezes, coisa de poucos anos apenas – e se
estabeleceram com enorme rapidez” (HOBSBAWM, 2012, p. 7)
21
estrangeiros e nacionais, por isso algumas etnografias escritas nesse momento foram
tomadas como fonte para análise.
Nos anos 30 destaca-se mobilização de sacerdotes afro-brasileiros em torno da
legitimação de suas práticas, ao tempo em que buscam se diferenciar daqueles que não
apresentam elementos escolhidos como símbolos de legitimidade.
Um dos fatores que contribuíram para o estabelecimento do recorte temporal foi
o tratamento dado pela imprensa as religiões afro-brasileiras, ou melhor, as
transformações que esse tratamento sofreu com o tempo. Situação semelhante foi
encontrada nos periódicos de Salvador e Itabuna.
No início da década de 1930 predominavam as matérias que criminalizavam o
candomblé, as práticas de cura e a feitiçaria. Por volta de 1936, os jornais
soteropolitanos, principalmente o Estado da Bahia, começam a publicar reportagens
que diferenciavam o candomblé, de práticas de feitiçaria e cura. Estes últimos agentes
eram referidos como charlatães e exploradores.
Em Itabuna durante toda a década de 1930 as notícias não estabeleciam
diferenças. Em todos os casos publicados, os sacerdotes são acusados de exercício ilegal
da medicina, em muitos deles a Sociedade Médica e Cirúrgica de Itabuna é referida
como um dos órgãos responsáveis para a repressão dessas práticas, e, diferente de
Salvador, algumas reportagens renderam direitos de resposta aos citados, apresentando a
versão dos acusados sobre suas crenças. Ao longo das décadas as matérias foram se
tornando mais raras, deixando de citar diretamente os sacerdotes até deixarem de ser
pauta dos jornais.
Ao longo das décadas, culminando com a de 1960 o tratamento dado às religiões
afro-brasileiras foi sofrendo transformações. Desapareceram as queixas sobre o barulho
dos atabaques ou o ataque direto as práticas religiosas. Em Salvador, as matérias
passaram a veicular apenas casos de crimes ligados aos cultos, e foi aumentando um
número de reportagens que tratavam a religião como uma prática cultural que
caracterizava a Bahia. Não é por acaso que a Bahiatursa foi criada em 1968,
incrementando o turismo na cidade, tendo o candomblé como um de seus símbolos.
No ponto inicial da jornada as religiões afro-brasileiras eram referidas como
símbolo do atraso de Salvador, por remeter a elementos africanos, ao longo da década
de 1960 intensificou-se a “invenção da baianidade”, na qual diversos símbolos da Bahia
ligavam-se diretamente ao vínculo com o continente africano. (MARIANO, 2009)
22
Vovó Nagô e Papai Branco. O livro apresentou duras críticas aos estudiosos que
buscaram estabelecer vínculos diretos entre os terreiros de candomblé e a África,
deixando de lado as dinâmicas vivenciadas no contexto brasileiro. Uma das críticas
mais severas refere-se a compreensão do modelo “nagô puro” como uma continuidade
de instituições africanas, que teriam sido transplantadas, negando toda a dinâmica
vivenciada no Brasil. (DANTAS, 1988, p. 21)
Dantas trouxe à tona o sistema de legitimação sustentado por diversos
candomblés e referendado pela academia, apontando autores como Roger Bastide como
responsáveis pela busca da pureza, associada à traços supostamente africanos. Ao
entender a cultura como uma arena de disputas, Dantas enfatiza a relação entre o povo
de santo e academia no agenciamento do discurso da ‘pureza nagô’. A crítica que se
apresenta em consonância com o pensamento de pesquisadores, que não por acaso estão
fora da Bahia, como Peter Fry, Ivonne Maggie e, mais tarde retomada por Stefania
Capone tem o mérito de dar visibilidade à “pureza nagô” como “invenção da tradição”.
(CAPONE, 2004; MAGGIE, 1988, 2001; FRY, 1982) Esses autores salientaram os
diferentes papéis ocupados por estudiosos e adeptos, ainda que possam caminhar juntos
na pauta política ou compartilhar a fé em orixás, inquices, voduns e/ou caboclos os
critérios de legitimação que vigoram na roça, precisam diferir daqueles utilizados para
análise na academia. Se para os fiéis um terreiro pode ser acusado de degeneração, para
a pesquisa cabe compreender os caminhos que levaram as transformações nos costumes,
e especialmente, como sacerdotes e filhos de santo legitimam as mudanças em meio a
tradição.
O debate sobre pureza iniciado pelos pesquisadores na década de 1980
(DANTAS, 1988; SERRA, 1995) abriu espaço para problematizar de forma mais
profunda as relações entre o povo de santo, trazendo à tona práticas, deuses e rituais que
não foram tratados pelos estudos afro-brasileiros, que hierarquizaram saberes e
experiências com um crivo semelhante ao que vigora nos terreiros tidos como
tradicionais na Bahia. Nesse momento, cabe deixar os manuais e manuscritos, um pouco
de lado e abrir as possibilidades para a identificar diversas formas de cultuar e crer na
Bahia, destacando a dinâmica histórica das práticas culturais.
Estudos recentes têm retomado a dinâmica que envolve o Brasil e determinadas
regiões da África em relação aos candomblés, em outra perspectiva. Não se trata de
identificar nos elementos dos rituais afro-brasileiros transposições africanas, e sim, de
problematizar as construções e ressignificações ocorridas no Brasil, a partir da matriz
24
Diante disso, cabe uma leitura das fontes utilizadas na pesquisa com a seguinte
questão em mente: como as pessoas compreendem suas práticas? É possível perguntar
como Goldman: “O que os fetichistas têm a dizer?” ou como as práticas religiosas são
postas em funcionamento no contexto delas? Para os objetivos desse texto interessa
indagar como os sujeitos estão lendo o tempo e a tradição, seguindo a proposição de
Goldman este poderia ser o caminho para desestabilizar a compreensão sobre
determinados grupos.
O debate sobre o tempo e a tradição aproxima a abordagem antropológica, da
histórica e dessa forma o tema que foi cantado em verso e prosa, na invenção da
baianidade será abordado, com um olhar voltado para a tessitura da história,
questionando o lugar do tempo nas práticas religiosas afro-brasileiras, o que pode
provocar um debate sobre o fazer historiográfico, problematizando a maneira de
desenrolar os fios de Ariadne.
Interessa especialmente buscar caminhos na história que deem conta da
discussão de cultura. Nessa abordagem, as estratégias adotadas pela história social da
cultura preocupam-se com os significados das práticas, a partir do contexto em que
estão inseridas, ou seja, interessam os significados compreendidos em seu tempo, o que
pode ocorrer ao evidenciar a pluralidade de práticas heterodoxas homogeneizadas em
termos genéricos como “candomblé”.
O intuito é evidenciar os significados desses termos para os sujeitos envolvidos
nos rituais e, principalmente enfatizar a conotação que eles recebem em seus contextos.
Ao assumir a multiplicidade de práticas que lhes envolvem, assumo a perspectiva do
costume como uma arena de disputas, como defende E. P. Thompson:
sentido. Proponho bagunçar a imagem pronta que costuma vir a mente quando falamos
em candomblé, para compreendê-lo no contexto em que estava inserido.
A grande visibilidade dada às religiões afro-brasileiras na música, literatura e
artes plásticas provoca a impressão de que a temática já foi muito discutida. Entretanto,
a reificação dos mesmos símbolos associados às práticas religiosas demonstra como
esse campo carece de aprofundamento nas pesquisas, especialmente aquelas que
avancem para o interior, indo além das “franjas do mar”.
Nos estudos afro-brasileiros alguns temas foram bastante explorados. A
vinculação de elementos presentes nos terreiros com as matrizes africanas
correspondentes, com ênfase nas sobrevivências rituais nos candomblés. (VERGER,
2002; ELBEIN, 1986) A presença da oralidade e suas interações com o texto escrito,
assim como o uso de mitos (CASTILLO, 2010; PRANDI, 2001). A valorização da
tradição nagô (CAPONE, 2004; DANTAS, 1988; FRY, 1982) a perseguição policial
dos candomblés, etnografia e o candomblé na identidade baiana, (BRAGA, 1995)
diversidade de práticas: caboclos, jejês e angola (SANTOS, 1998; PARÉS, 2007;
FERRETTI, 1996; PEREIRA, 1979; AMIM, 2009). Alguns elementos relativos às
narrativas foram tratados em notas de rodapé, como a feitiçaria e a cura.
O uso da feitiçaria e das práticas de cura nos candomblés foi um assunto quase
sempre evitado pelos estudos afro-brasileiros comprometidos com a divulgação positiva
das casas de culto, em um esforço de distanciar os sacerdotes das acusações de falsa
medicina e ilusão da credulidade pública. Essa postura deixou de lado durante muito
tempo uma abordagem complexa dos terreiros, que cultuam os deuses e cuidam dos
caminhos religiosos dos adeptos, mas também apresentam uma grande preocupação
com o corpo.
A ênfase na perspectiva do candomblé como uma religião tradicional deixou de
lado os efeitos do tempo sobre suas práticas. Para muitos a “tradição” foi tomada como
algo imutável, junte-se a isso a busca pelas raízes africanas, que ajudaram a legitimar a
religião pelos seus vínculos com os países estrangeiros do continente africano. Por isso,
muitos estudos enfatizam a repetição dos rituais durante séculos, marcando o candomblé
como uma religião da diáspora, negligenciando os aspectos que evidenciavam a
dinâmica temporal.
Ao negligenciar a dimensão temporal algumas situações deixam de ser
analisadas. Um exemplo disso é a transformação do tratamento dado ao candomblé na
Bahia entre 1930 e 1960. De religião perseguida a propagandeada: como se deu esse
30
Mesmo com a limitação imposta pela análise das fontes, a perspectiva de história
proposta aqui não se resume a uma sucessão de devires, ela está calcada na experiência
de sujeitos que praticam as religiões afro-brasileiras e intenta compreender suas formas
de atuar no mundo, a partir dos significados que atribuem as suas práticas. Para tanto,
proponho abrir uma fresta em um dos elementos que compõem a identidade baiana, já
que para investigar os significados atribuídos pelos sujeitos é preciso abandonar
imagens consolidadas pela repetição, em diversas linguagens.
O posicionamento definido em relação a perspectiva historiográfica ganha força
no diálogo com antropologia, algo que não é novidade entre os historiadores, como
evidenciou Lilia Schwarcz:
Tudo nos leva a crer que o Jarê, como candomblé de caboclo que é,
vem mantendo as suas ‘raízes africanas’, cada vez de forma mais
contemplativa, à medida que os encantados ‘brasileiros’ aumentam o
seu prestígio nos terreiros, pela crescente familiarização dos seus
responsáveis e frequentadores com estes, dentro da prática constante
da instrumentalização do sagrado pelos seus agentes e adeptos. À
medida que os orixás se afastam dos processos operacionais do jarê,
vão sendo colocados em um panteão mais distante, como convém a
divindades maiores na formação das grandes religiões e assim
acontece (SENNA, 1998, p. 117).
Trata-se de reconhecer a baianidade como uma narrativa sobre o estado, que pode ser
realizada sob outras óticas. A que se propõe aqui está mais atenta as semelhanças que
lhe aproximam de outros estados nordestinos, que a países do continente africano, lido
muitas vezes de forma simplista, na acepção da Mãe África. Nos vestígios de práticas
encontradas nas fontes, por vezes, elementos da feitiçaria europeia despontaram com
mais força, do que os africanismos tão destacados nos estudos afro-brasileiros.
Convido o leitor para pensar as práticas religiosas na Bahia integradas ao
Nordeste. Creio que a diferenciação da Bahia, quando comparada aos outros estados da
região, pela suposta fidelidade maior ao contexto africano, cantada em verso e prosa
como um elemento de superioridade terminou por desfocar a leitura sobre as
experiências religiosas no tempo. Ao deixar de oferecer a Bahia um tratamento especial
convido-os a largar a barras das saias de sapientes e poderosas mães de santo,
conhecidas especialmente na capital. Tal exercício vai proporcionar uma saída da zona
de conforto proporcionado pela sombra de gameleiras centenárias, mas certamente
abrirá possibilidades analíticas virgens, perante as cantilenas de pureza em vigor na
Bahia.
37
CAPÍTULO 1
ESTUDOS AFRO-BRASILEIROS: “E foi inventado o
candomblé...”
“Lá no Rio tem muita gente que pensa que eu sou pai
de santo. (...) Todo esse meu conhecimento é adquirido através
de pesquisa. (...) Livros já esgotados de autores como Artur
Ramos, antropólogo, Nina Rodrigues ... Eu li essa gente toda,
comprei esses livros todos ... Aí eu fiquei com esse
conhecimento todo. Hoje eu me considero realmente... Sou uma
pessoa que conheço a cultura negra, né? Sei de lá pra cá...
Conheço o candomblé também por ler muito.”
Roque Ferreira
inviolabilidade dos candomblés baianos assumindo, portanto, que eles tão passíveis a
dinâmica do tempo, quanto os demais.
Diante do exposto, o propósito desse capítulo é analisar como se operou a
constituição de um campo de práticas religiosas e discursivas na Bahia. A hipótese
sustentada aqui é que os estudos afro-brasileiros elegeram algumas práticas e
invisibilizaram outras, a partir de critérios de pureza e tradição forjados juntamente com
o povo de santo.
Por isso, os textos dos intelectuais são lidos como fontes, entendendo a sua
agência nesse processo e, buscando em seus escritos evidências da atuação do povo-de-
santo no estabelecimento de elementos distintivos em relação aos seus ritos, e os dos
outros. Suponho que em tal operação, rituais de cura e de feitiçaria foram excluídos das
narrativas, já que eram vinculadas a um universo de clandestinidade, por conta da
repressão aos candomblés. Na luta por legitimação social os sacerdotes se
contrapunham aos aspectos mais atacados pela opinião pública: práticas de cura
criminalizadas como falsa medicina e a feitiçaria que fazia parte da experiência dos
brasileiros, desde os tempos coloniais, onde grassavam as mandigas introduzidas pelos
europeus.
Como evidenciou Ivonne Maggie, no século XX a justiça brasileira não somente
acreditava no feitiço, como punia sua prática no Código Penal. Ademais, a associação
entre feitiçaria e credulidade pública também contribuiu para que o povo de santo e os
estudiosos buscassem uma associação apenas com o aspecto festivo; destacando sua
música e dança. Ficava de fora e, atribuídos aos feiticeiros, os rituais que ocorriam
internamente nos candomblés.
Chama atenção como o discurso dos fiéis foi também assumido acriticamente
pelos estudiosos, que defendiam veementemente os grupos que consideravam mais
puros e tradicionais. Na ânsia de construir um modelo coerente e de estabelecer
hierarquias entre os grupos que atuavam em Salvador, os estudiosos acabaram
evidenciando contradições existentes dentro dos grupos, fissuras e tensões, que revelam
o cotidiano vivenciado nos terreiros em sua complexidade, a despeito das tentativas de
esquematizar essas experiências em oposições simples, como na disputa entre
candomblés nagôs e caboclos. (LIMA, 1977)
Por isso, em diversos momentos é no texto do intelectual que visa legitimar a
pureza de um terreiro nagô que identifiquei a presença de culto a caboclos, prática de
curandeirismo e até mesmo, a tão negada feitiçaria. É esse o caminho de análise que
40
Edison Carneiro com sacerdotes e filhos de santo das casas de candomblé nagôs, assim
como a experiência adquirida ao participar de cerimônias nesses terreiros, o conduziu a
uma leitura unilateral das tradições afro-brasileiras. Para ele, predominaria o modelo
jêje-nagô e os demais seriam “reproduções” daqueles cultos. Apesar disso, Carneiro
registrou alguns aspectos dos cultos e dos rituais de outras “nações” de candomblé,
como os bantos, por exemplo. (CARNEIRO, 1981)
Em Candomblés da Bahia, Carneiro ofereceu rica etnografia da liturgia nagô a
partir de suas observações participantes no Terreiro do Engenho Velho, daí emergindo
informações importantes para melhor conhecimento daquele universo religioso.
(CARNEIRO, 2008) As tensões que envolviam a comunidade religiosa são
apresentadas em seu livro, ao explicar as divisões de poder na hierarquia religiosa
durante processo sucessório, em função do falecimento do sacerdote da casa. Carneiro
abordou também as disputas entre terreiros, notadamente entre os ditos nagôs (que se
consideravam tradicionais) e os candomblés de caboclo, alvo privilegiado daqueles.
Nessa contenda religiosa, Carneiro explicitamente se posicionou a favor dos nagôs,
segundo ele: “Os candomblés mais importantes são os de nação queto e, entre estes, os
do Engenho Velho, do Opô Afonjá (da falecida Aninha, atualmente sob a direção de
Senhora), do Gantois (Menininha), do Alaqueto (Dionísia) e do Ogunjá (Procópio).”
(CARNEIRO, 2008, p. 50)
Vale ressaltar um extenso conhecimento empírico de Carneiro sobre as práticas
do candomblé, assim como a rede de relações que ele estabeleceu entre diversos
sacerdotes e sacerdotisas dos anos 30, como indicou Vivaldo da Costa Lima:
O que está concepção de doença revela é uma perspectiva dual, em que somente
a entidade responsável pela incorporação da doença seria capaz de expulsá-la, o que
explica a resistência da população à vacina. Sendo assim, travava-se um confronto de
leituras sobre as epidemias que assolavam o Rio de Janeiro naquele momento. Para
alguns o aparecimento das marcas no corpo revelava uma vinculação ao orixá Omolu, o
que deveria ser tratado com respeito, e não expulso com a vacina. Para outros era um
caso de saúde pública e necessitava da atuação médica.
Um momento importante nas disputas entre leigos e médicos é a primeira
república. Momento em que a medicina adquiriu grande importância, que os
49
Para Stone, no SHM o espiritismo não tinha prestígio e era visto como poluidor
das culturas tradicionais africanas. Ele destaca os esforços em defesa do Xangô, tomado
como uma tradição africana pura, que persistia em bairros pobres de Recife. Ainda que
os intelectuais tenham tido um importante papel ao mediar as relaçãoes do Estado com a
religião afro-brasileira, Stone relativiza a sua atução ao afirmar que o SHM não
estabeleceu um amplo consenso sobre o respeito às práticas religiosas afro-brasileiras, a
represssão continuou a ocorrer, por vezes associando os participantes de seu culto ao
comunismo. Enquanto isso, este o espiritismo representado por suas federações
51
Tendo em vista a descrição acima vale atentar para a versatilidade dessa figura,
dividida entre os papéis de conselheiro, médico e olhador. O que me leva a questionar:
Como os estudiosos categorizavam algumas pessoas como babalaôs e atribuíam a outras
a pecha de charlatães? O que distinguia babalaô de Edison Carneiro em relação a
pessoas que foram acusadas de charlatanismo ao oferecer serviços de adivinhação e cura
na capital baiana? Em 1920, por exemplo, o jornal Diário da Bahia publicou uma
matéria denunciando a ação de um sujeito referido como Preto Nascimento, o título era
o seguinte: “Consultório e Botica ao ar livre. O preto Nascimento cura tudo com folhas,
raízes e banha de jibóia” na reportagem lê-se: “Homem de mais de cinquenta anos,
grisalho, recebe os clientes em mangas de camisa, formula a folha, a raiz, a banha de
jacaré ou de jibóia para enfermo. Cura tudo. É terapêutica para todas as doenças.”
(DIÁRIO DA BAHIA, 26/06/1920, p. 4)
Seria o preto Nascimento babalaô, curandeiro ou charlatão? Qual seria a
fronteira entre estas categorias? A atribuição do título de babalaô integraria a tradição
religiosa jeje-nagô figuras importantes para o candomblé da época, que não se
adequavam a estrutura conventual dos terreiros, desenhada pelos estudiosos. É
importante perceber que a depender das relações de poder em que tais pessoas estiveram
envolvidas suas práticas poderiam ser exaltadas ou condenadas. Desse modo, percebe-se
que categorias e conflitos êmicos foram tomados como questões analíticas por diversos
estudiosos, sem um questionamento acadêmico desvinculado da intrincada rede de
relações que envolviam os candomblés baianos. (DANTAS, 1988)
Nos textos dos estudiosos o tratamento de doenças no âmbito das práticas
religiosas afro-brasileiras são associadas a atuação dos deuses. Nessa lógica, o
tratamento médico não se fundamentaria, uma vez que os remédios atacariam os
sintomas, mas não os reais motivos da doença. Para a identificação do problema os
sacerdotes utilizam o jogo de búzios, que podem indicar, por exemplo, que a moléstia é
resultado de uma obrigação religiosa não cumprida. Nesse caso a doença tem uma causa
sobrenatural, portanto deve ser tratada nessa esfera. É essa crença que separaria o
curandeiro, dos charlatães, como indica Artur Ramos:
outras “nações” viam os terreiros como um espaço mais complexo, do que as lentes da
academia registraram.
etnografia, assumindo uma postura frente aos conflitos internos enfrentado pelos
grupos.
Depois de evidenciar as relações de poder que permeavam o posicionamento de
diferentes grupos no candomblé baiano, pontuando o lugar ocupado pelos intelectuais,
interessa agora destacar as estratégias utilizadas nesse jogo de valorização e
desqualificação de rituais, que justificavam considerar algumas práticas como
puras/africanas, ou seja, as de tradição nagô, enquanto as de caboclo seriam
impuras/sincréticas.
Na tradição religiosa construída pelos estudiosos da década de 1930, os modelos
nagô e caboclo aparecem contrapostos. Em Religiões Negras o desdém de Edison
Carneiro por outras práticas é evidente: “Foi a mítica pobríssima dos negros bantos que,
fusionando-se com a mítica, igualmente pobre do selvagem ameríndio, produziu os
chamados candomblés de caboclo na Bahia.” (CARNEIRO, 1981, p. 62) Em Negros
Bantos, Carneiro foi mais diplomático e os candomblés de caboclo já aparecem como
“ricos de sugestões para o estudioso da etnografia religiosa afro-brasileira”
(CARNEIRO, 1981, p. 129) Esse posicionamento estava vinculado as características da
liturgia dos terreiros caboclos que exibiam poucas características explicitamente ligadas
as heranças africanas, assim como pela ligação desses com outras tradições, como o
catolicismo e a introdução de elementos do espiritismo, condenada por Carneiro.
Vamos atentar para os dados apresentados por Ruth Landes e Edison Carneiro.
O mesmo autor que se referiu aos cultos caboclos como charlatanismo, em outro
momento afirma que nas festas de duas casas de tradição nagô fazia-se uma deferência
aos caboclos! Uma sacerdotisa nagô resolve mudar a tradição e abre um candomblé de
caboclo. Enquanto a mãe de santo do Terreiro do Gantois permite que sua filha cultue
seu encantado e nas tradicionais casas de santo foram vistos caboclos dançando. Diante
do exposto, posso inferir que o universo de orixás e caboclos não se apresentava de
forma tão antagônica, como fizeram parecer alguns esquemas analíticos. Com isso, não
tenho a intenção de negar os conflitos internos existentes pelas diferenças rituais entre
nagôs e caboclos, concordo que a existência delas é anterior a aproximação dos
intelectuais, entretanto, nos relatos os conflitos tomaram mais rígida, que os arranjos
cotidianos nas casas de culto.
Ainda que, os indícios apontados não neguem os conflitos existentes entre
algumas casas tidas como mais tradicionais e os candomblés de caboclo, estes
evidenciam que as relações de poder que envolviam esses terreiros e seus líderes era
57
Nação Nº de Nação Nº de
Membros Membros
Angola 15 Nagô 1
Caboclo 15 Africano 1
Kêtu 10 Daomé 1
Jeje 8 Iorubá 1
Ijexá 4 Moxe-congo 1
Congo 3 Angola-congo 1
Ilu-ijexá 2 Congo-caboclo 1
Alakêtu 1 Angolinha 1
Muçurumin 1
(CARNEIRO, 2008, p. 49)
Esta mãe de santo tinha sido ‘feita’ havia mais de cinquenta anos, no
candomblé do Engenho Velho. Ela se gabou: ‘Minha seita é nagô
puro, como Engenho Velho. Tenho ressuscitada grande parte da
tradição africana que mesmo o Engenho Velho tinha esquecido. Têm
59
Os encantados não poderiam ser os mesmos deuses nagôs, uma vez que foram
modificados por influências bantos e espíritas, necessariamente tornaram-se outros
deuses! Ao mencionar os caboclos as relações com o universo indígena são indicadas,
mas Carneiro não aprofunda para compreender as relações entre negros e índios. Ao
analisar o candomblé de caboclo na Bahia Jocélio Teles Santos chegou a conclusão que
a “simbologia afro-baiana, construiu-se a imagem de um autóctone que, se por um lado
espelha, assimila e reproduz valores ditos oficiais, também reelabora esses valores
dando-lhes uma feição própria” (SANTOS, 1995, p. 147) Nessa perspectiva, o
candomblé de caboclo lida com representações indígenas, e não necessariamente com a
influência direta dos índios brasileiros.
Ao tratar sobre o culto do caboclo no Maranhão, Mundicarmo Ferretti se
posicionou acerca da influência indígena:
Senhora da Escada no município de Ilhéus - que são já hoje a segunda maior etnia no
estado, com mais de 4 mil indígenas nos municípios de Ilhéus, Buerarema e Uma,
segundo a Associação Nacional de Ação Indigenista (ANAÌ). Entretanto, a
documentação analisada na região apresentou características semelhantes a de outras
regiões da Bahia, sem indícios de contato com a população indígena. Os traços
encontrados em Itabuna e Canavieiras, na região sul, foram o uso de folhas em banhos,
chás e garrafadas, tal qual identificamos em Salvador e Vitória da Conquista.
A única referência explícita que relacionada ao universo indígena foi encontrada
em Jequié. Durante os rituais uma curandeira utilizava um cocar indígena, contudo
todas as informações sobre esse caso indicam a existência de um candomblé de caboclo,
cujos elementos indígenas eram representações repetidas e reelaboradas a partir de
informações oficiais sobre os índios brasileiros, conforme indicou Jocélio Santos.
Quase sempre as informações encontradas na bibliografia acerca de terreiros
caboclos partiram de pessoas de fora, são os outros que opinam, especulam e acusam. O
que teriam a dizer sacerdotes e filhos de santo dos candomblés de caboclo? Como viam
suas práticas? No livro A Cidade das Mulheres, de Ruth Landes, em meio inúmeras
declarações de cunho pejorativo partindo de líderes de terreiros nagôs e do seu
interlocutor Edison Carneiro surge uma fala atribuída a Mãe Sabina, sacerdotisa de uma
casa de caboclo, que assim define sua religião:
ameríndios, pois que esses candomblés são formas degradadas dos candomblés jeje-
nagôs e ás vezes também dos malês e dos bantos.” (CARNEIRO, 2008, p. 50)
A despeito da postura clara de Edison Carneiro contra os candomblés que ele
considerava não-ortodoxos ou clandestinos é interessante notar que o estudioso
circulava em diversos espaços religiosos soteropolitanos. O que explica o domínio que
ele tinha em relação a diversas práticas rituais. Ele sabia o que era “botar a mesa”,
utilizar “garrafadas”, entendia quando as pessoas se referiam a “coisa feita” ou ao
“bozó”. Apesar de se reportar quase sempre a sua participação apenas nos candomblés
tradicionais, Carneiro entendia a linguagem da feitiçaria utilizada pela população,
provavelmente porque o universo do feitiço estava mais presente naquela Salvador, do
que ele admitia em seu trabalho etnográfico.
Os feiticeiros aparecem nos textos de Edison Carneiro como uma categoria a ser
combatida, em um esforço de separação destes dos legítimos sacerdotes e sacerdotisas
baianos. Portanto, a feitiçaria está sendo utilizada por ele como um discurso de
acusação, nessa acepção os antagonistas são os bantos, que aparecem nas notas
etnográficas de Edison Carneiro como feiticeiros de reputação conhecida na Bahia. Para
ele: “Os maiores feiticeiros negros da Bahia – aqueles que utilizam o ‘feitiço direto’ de
Nina Rodrigues – são todos bantos, angolas, congos.” (CARNEIRO, 1981, p. 174).
Nos livros Religiões Negras e Negros Bantos Carneiro enfatiza sua perspectiva
sobre os terreiros que não comungam das práticas jêje-nagôs. A falta de informações
sobre outros rituais, assim como o etnocentrismo do autor levam a confluência de
elementos de pertencentes diferentes tradições religiosas.
O boato registrado por Landes toma grande importância por se referir a uma das
casas tomadas como tradicionais pelos pesquisadores. Evidenciando que a separação
apresentada nas pesquisas opondo de um lado casas nagôs - adeptos da religião versus
casas de caboclo praticantes de feitiçaria não se sustenta. Até mesmo o nome de
defensores da pureza nagô, figurava entre os supostos feiticeiros:
2001, p. 28) Esse movimento leva Bastide a uma discussão acerca da tradição e sua
relação com o tempo.
É importante destacar que a crítica realizada por ele a antropologia está partindo
de uma perspectiva teórica de cunho marxista, que busca entender as experiências do
sujeito articuladas em um todo sociocultural. Por esse caminho, a crença e outras
práticas culturais vinculam-se as condições materiais de existência, estão diretamente
associadas a maneira pela qual as pessoas se inserem na sociedade. Por isso, não
interessa ao autor investigar, por exemplo, a mitologia do candomblé, dissociada das
práticas dos envolvidos.
Em meio às discussões propostas pelo francês, a ideia dos terreiros como
miniaturas da África mística vai sendo retomada de diversas formas. As pesquisas de
70
Bastide no Brasil ocorreram entre 1938 e 1954, enquanto a circulação de objetos para os
rituais que se perpetuou durante a escravidão, concomitante ao tráfico humano, e que
permaneceu no pós-abolição e vigorava no período em que Bastide conheceu a Bahia.
(REIS, GOMES e CARVALHO, 2010) Essa situação ajuda a compreender a ênfase
dada pelo autor ao candomblé, como um pedaço da África no Brasil.
1.2.1 Sincretismo
Com esta questão Tromboni lança o olhar para as influências diversas que
compõe as práticas religiosas na Bahia, chamando à atenção para experiências distintas
vivenciadas no interior do estado, e no contato com outras áreas do Nordeste. Destaca
que preocupados com a influência africana os estudiosos deixaram de lado as migrações
internas e o contato com estados vizinhos, em uma Bahia com esse imenso espaço
territorial. Certamente, o que aconteceu em Salvador não foi algo isolado. As alterações
demográficas ocorreram em outras capitais do Nordeste que, portanto, vivenciaram
também transformações nos cultos, por isso a aproximação com as experiências
nordestinas auxiliará na problematização do que ocorreu em Salvador, desde que
deixemos de tratá-la como um caso a parte.
sobre as práticas religiosas. O autor analisa o Tambor de Mina, no final do século XIX,
atento a assimilação da pajelança cabocla, por parte da população de origem africana, o
que teria provocado profundas alterações em seus aspectos rituais (PARÉS, 2011, p.
101). Na pajelança cabocla aparecem elementos vinculados a performance xamânica do
pajé e, ao mesmo tempo, um entendimento de feitiçaria e cura que atende a lógica
africana.
sultão dos florestas’ como Oxocê, deus ioruba da caça, Ogum de Cairi
com Ogum, a Sereia que toma também nomes suaves como Dona
Janaína, Dona Maria, Princesa do Mar ou de Aiuka com Iemanjá,
deusa do mar. (BASTIDE, 1985, p. 274)
saem à noite do peji e vão por toda parte espalhar desgraça e morte.
(BASTIDE, 2001, p. 164-5)
Diante dessa oposição tão marcada entre os rituais que ocorriam na Bahia e
Recife em contraposição ao restante do território brasileiro poderíamos tratar Roger
Bastide como um autor que referendou a oposição entre os nagôs e outros, como um
pesquisador que contribuiu para reproduzir a cantilena da pureza nagô versus as
impurezas dos caboclos. Entretanto, creio que este caminho não nos levaria muito
longe. A minha sugestão é que sigamos as pistas indicadas por ele quando se referia a
outras regiões do país. Ainda que enredado, por uma perspectiva romântica em relação
aos africanismos nos candomblés baianos, Bastide pôde ver uma série de
transformações que ocorriam nos cultos, especialmente no interior do país. Por isso,
dentre os clássicos dos estudos afro-brasileiros, Bastide é o autor que mais se aproxima
da diversidade de práticas identificadas nas fontes criminais e hemerográficas de
Salvador e do interior da Bahia, indicando um panorama mais rico, do que aquele
ventilado em O Candomblé da Bahia.
Bastide denominou de candomblé rural, os cultos aos encantados, que
predominavam no interior do país. Tratavam-se de rituais simples, associados ao
catolicismo popular e que exigiam pouco investimento financeiro dos envolvidos, que
viviam nos cultos experiências de possessão. Apesar de tratar tais práticas como seita, o
autor lamenta a pouca atenção dada pelos estudiosos ao que ocorria no interior, ainda
que identifique a justificativa para esta postura. (BASTIDE, 1985, p. 397)
O que seriam estas “sobrevivências impuras”? O que elas têm a dizer sobre as
experiências de grupos religiosos que se distanciavam dos “africanismos”? E o que
dizer das práticas do “candomblé rural” identificadas em plena capital da pureza
africana, Salvador? A impureza do interior da Bahia é uma prática tradicional em São
Luís? Quais são os parâmetros para pensar pureza, tradição e mudança? São algumas
das questões que estarão presentes nos próximos capítulos na análise de processos
criminais e jornais, atenta a interrogações gestadas pela leitura de Bastide.
O candomblé rural na acepção de Bastide aparece associado a práticas de cura.
Suas observações indicam que o tratamento de doenças é a principal motivação que
levam as pessoas a buscarem auxílio de pais e mães de santo. A terapêutica ocorreria
com o uso de orações, bênçãos católicas e ervas. (BASTIDE, 1985, p. 399) Dentre os
curados, alguns indivíduos prosseguiam no grupo:
termo aparece “com uma função claramente acusatória” (GIUMBELLI, 1997, p. 224).
Nas diversas situações o termo “baixo espiritismo” serviu para designar o uso de
elementos religiosos com o intuito de causar algum mal e/ou obter vantagens
financeiras.
Mesmo cioso quanto ao suposto tradicionalismo dos candomblés baianos, as
investigações de Bastide abrem margem para trabalhos preocupados em entender a
dinâmica religiosa no Brasil. Suas observações sobre o candomblé rural apresentam
resultados semelhantes aos estudos realizados no interior da Bahia por Ronaldo Senna.
Na região da Chapada Diamantina, Senna identificou o Jarê, prática pela qual a cura tem
um papel preponderante, como nos rituais anteriormente descritos pela pena de Bastide:
Ronaldo Senna evidencia que o ritual de cura era voltado para orixás e
encantados em uma combinação peculiar de “caboclarização dos orixás”, ou seja, um
processo que não se limitava a justaposição ou mesclagem. (SENNA, 2004, p. 78) A
manutenção dos orixás no panteão dos deuses no Jarê ocorreu com a repetição de lendas
sobre a África e conduziam ao mito da superioridade dos orixás em relação aos
caboclos. Essa relação entre África e Brasil no Jarê é esclarecida por Senna:
A que se deve este fenômeno? Tudo nos leva a crer que o jarê, como
candomblé de caboclo que é, vem mantendo as suas ‘raízes africanas’,
cada vez de forma mais contemplativa, à medida que os encantados
brasileiros aumentam o seu prestígio nos terreiros, pela crescente
familiarização dos seus responsáveis e frequentadores com estes,
dentro da prática constante da instrumentalização do sagrado pelos
seus agentes e adeptos. (SENNA, 2004, p. 79)
voltava-se para os mesmos terreiros estudados por seus colegas, deixando poucas
brechas para práticas pouco ortodoxas.
A insistência dos autores em tratar as práticas religiosas afro-brasileiras em
Salvador focando o culto nos orixás tem deixado de lado uma série de formas de crer e
vivenciar a religião na capital baiana. Fugindo da rota das etnografias clássicas nos
capítulos seguintes apresento um panorama dos cultos afro-brasileiros protagonizado
por caboclos e encantados.
86
CAPÍTULO 2
RELIGIÃO AFRO-BRASILEIRA EM SALVADOR: ANTONIO CLEMENTE
Nesse sentido, vale ressaltar que a atenção estará voltada tanto para os grupos
que constituíram culto coletivo, envolvendo várias divindades, como para as práticas
realizadas em torno de figuras carismáticas que atendiam consulentes. Por entender que:
Maria dos Reis Nascimento tinha 29 anos em 1933 e morava com seu pai
Antonio Clemente em São Gonçalo do Retiro, distrito de Santo Antônio. Naquele ano,
Clemente faleceu. Segundo o laudo cadavérico a morte foi causada pela fragilidade em
que se encontrava, devido a uma congestão cerebral, que teria se agravado em
decorrência de queimaduras no rosto e no peito. Os ferimentos teriam sido provocados
por práticas de cura comandadas por Pedro e Antonio Pedreiro que aparecem como réus
do processo. A situação de Clemente certamente foi agravada pela idade, na ocasião
contava mais de 80 anos. Entre os periódicos locais foi o Estado da Bahia, que publicou
uma nota sobre o ocorrido, nos seguintes termos:
88
A nota curta que apareceu na imprensa deixou de fora detalhes importantes para
o entendimento do caso, que trarei à tona a seguir. Por ora, vale destacar alguns aspectos
como o título dado a matéria, que sugere a recorrência de crimes em casas de culto afro-
brasileiro, tal tratamento era devido a frequência com que tais acontecimentos eram
divulgados pelo jornal ou tratava-se de uma criminalização das práticas religiosas de
matriz africana? Para elucidar essa questão é preciso entender, o que o Estado da Bahia
representava no contexto soteropolitano.
O surgimento do periódico o Estado da Bahia ocorreu em Janeiro de 1933, ou
seja, a nota sobre a morte de Clemente foi publicada dez meses depois. Naquele
momento, práticas religiosas afro-brasileiras apareciam na imprensa com frequência,
especialmente em outro jornal, refiro-me ao A Tarde, que na década de 1920 publicou
inúmeras notícias relacionadas às práticas de cura, cujo tom invariavelmente era
persecutório. Um apanhado das manchetes já indicam o tratamento dado por aquela
folha:
“Bruxaria não é espiritismo” (27.04.1921) / Pai de Santo foi bater no Xadrez”
(16/08/1921) / “Extinguindo a bruxaria” (24/04/1922) / Num antro de feitiçaria”
(29/05/1923) / “A polícia apreende as bugigangas” (02/10/1923) / “A prisão do ‘pai de
santo’ Doré” (02/10/1923) / “Explorando a bolsa e a crença dos incautos. A polícia
varejou um candomblé no Bogum” (02/08/1923) / “É porco e degradante. Os
candomblés irão reaparecer na cidade?” (10/11/1925) / “Voltam a aparecer os
‘candomblés’. O do Retiro funciona pela madrugada.” (02/03/1925) / “Feiticeiros e
Feiticeiras” (30/04/1925) / “Quando soam os atabaques” (20/08/1928) / “Fora com o
samba!” (24/08/1929) / “O feitiço contra o feiticeiro” (13/03/1924) / “Os ‘Despachos’
89
muitos momentos, nem isso temos apenas a informação vaga que foi no interior da
Bahia, ou nos sertões.
O futuro médico elencou os motivos que para ele explicam o sucesso dos
charlatães na Bahia:
A crônica urbana de caráter saudosista não era o estilo textual que o Estado da
Bahia costumava publicar, além disso, a diversidade religiosa não era ressaltada
cotidianamente naquele vespertino. A atitude de cultos aos deuses católicos é tradada da
mesma forma que a adoração aos orixás. A “Baía supersticiosa de Nosso Senhor do
Bonfim” é a mesma que amanheceria cheia de feitiço, “que os homens do lixo não
apanham com medo de Ogum.” Evidenciando um ambiente em que a crença no Senhor
do Bonfim e em Ogum era compartilhada. Era justamente no sentido oposto que
caminhava a imprensa baiana evidenciando a estranheza dos costumes preservados entre
a população negra da cidade. O passado ressaltado por Amado evidenciava uma
população que perdera os privilégios daquele tempo em que a cidade era capital do país,
para estes era mais interessante olhar pra frente e tentar recuperar antigos benefícios no
futuro.
Em poucos momentos foi possível identificar pequenas crônicas urbanas
semelhantes a que foi publicada por Jorge Amado. Ainda assim é possível identificar
nelas alguns elementos diziam daquela cidade, como a seguinte sobre o mercado
modelo:
Como aquele proprietário tido como desumano pelo jornal, inúmeros outros
deviam estar às voltas com inquilinos inadimplentes em uma cidade que convivia com
constantes altas nos preços de produtos básicos e com pouca oferta de residências para a
população. Mas, além da carestia outro assunto era tema de conversas nos mercados de
Salvador. Com grande frequência esses espaços de compras era palco de
desentendimentos entre comerciantes e transeuntes e os jornais enfatizavam esse
aspectos, um exemplo disso era o Mercado Modelo. O atual cartão postal de Salvador
aparecia em matérias intituladas: “Um Sururu no mercado Modelo” (ESTADO DA
BAHIA, 20/01/33); “Um sururu no mercado modelo: uma mulher espancada por um
estúpido” (ESTADO DA BAHIA, 08/02/1933); “A tragédia do Mercado Modelo”
97
“mulheres de cabelos na venta” vão impondo a sua presença, ainda que em situações
limites envolvendo violência. (Estado da Bahia, 17/07/33) A naturalização de algumas
características atribuídas à mulher ocorria cotidianamente no Estado da Bahia
evidenciando o horror perante situações em que mulheres cometiam o infanticídio,
atentando contra a sua “natureza”, que supostamente trazia como um traço inerente o
amor materno. Já aquelas que tinham relações sexuais antes do casamento eram
referidas como infelicitadas. Elas estariam infelizes, mas teria uma posição ativa nesse
processo, sofreram uma ação que gerou infelicidade, não teriam feito uma escolha,
dentre outras possíveis.
Agressões físicas e homicídios passionais eram frequentes nas páginas do
periódico, em manchetes que diziam “Matei-a por que me era falsa” (03/07/1933) na
maioria dos casos, a mulher aparecia como a vítima, mas haviam exceções (ESTADO
DA BAHIA, 31/08/33, 24/10/33)
Invariavelmente essas reportagens referiam-se aos pobres de Salvador, o que é
possível identificar pela localização das moradias, locais onde ocorriam os conflitos e
profissão dos envolvidos, por vezes revelada pelos instrumentos utilizados para as
agressões. (FERREIRA FILHO, 2003, p. 151)
Invariavelmente os pobres baianos entravam em conflito, o motivo era o que
menos importava para os jornalistas. Era como se essas pessoas, pelas condições de vida
apresentassem um desvio de caráter e não conseguissem evitar as contendas. Conversas
converter-se-iam rapidamente em “bate-bocas” e os envolvidos “encolerizados”
partiriam para agressões. Nas matérias era comum a afirmação de que os acusados
estavam embriagados, em seus termos, “depois de tomar uma branquinha”...
Nas matérias das primeiras décadas do século XX era possível encontrar indícios
do pensamento racial brasileiro, que dialogava com as teorias europeias que receberam
chancela científica, no final do século XIX. Vigoram ideias que associavam diferenças
físicas à deficiências mentais, sendo assim buscava-se “uma justificativa científica para
a subjugação de não brancos (o fato de ser em forma de servidão legal ou não logo se
tornou irrelevante)” (SKIDMORE, 2012, p. 93) Nesse sentido, Thomas Skidmore
evidenciou que o fim da escravidão no Brasil não significou a diluição das hierarquias
sociais presentes no país, que ao final do século XIX se estabeleciam em bases mais
complexas, do que o estatuto legal. (SKIDMORE, 2012, p. 81)
Em vários momentos me referi aos protagonistas das situações de conflito, cuja
negritude era ressaltada pela imprensa baiana. Não se trata de uma suposição, em
99
muitos casos a caracterização dos envolvidos era feita pelo jornalista e complementada
com fotos. Sobre a forma como os jornais baianos retratavam os negros Jeferson
Bacelar afirmou:
Com isso fica evidente que os candomblés denunciados pelo Estado da Bahia
pertenciam justamente a tradição religiosa questionada por estudiosos como Edison
Carneiro, e figuras influentes do candomblé como Martiniano Eliseu do Bonfim e
Eugênia Ana dos Santos, Mãe Aninha. Tal afirmação não está vinculada a figura de
Sabina, já que a reportagem apresentou outros indícios do culto de caboclos nos
terreiros denunciados como o trecho da cantiga publicada referindo-se ao caboclo
Tupinambá.
Em outros momentos, além da prática religiosa, o perfil das pessoas que
atuavam no terreiro incomodava a vizinhança. Numa batida policial realizada na Estrada
da Liberdade, após “constantes reclamações”, a polícia chegou ao local indicado
seguindo o ‘barulho infernal’ e lá chegando...
O uso feito por médicos e pela justiça baiana dessas categorias classificatórias
será discutido no capítulo 5. Se por um lado, as matérias vinculadas ao candomblé e
outras práticas de cura de matriz africana eram quase sempre em tom de crítica, no
Estado da Bahia, o posicionamento do jornal sobre o espiritismo variou no tempo,
apresentando em alguns momentos defesas ferrenhas e em outros, graves acusações.
Tais oscilações provavelmente estão relacionadas a ambiguidade do termo espiritismo;
em alguns momentos entendidos como o “alto espiritismo” kardecista, e em outro
denominado “baixo espiritismo”, englobando uma série de práticas de cura, feitiçaria e
candomblé. Em novembro de 1936, o jornal publicou uma matéria extensa, com o
título: “O espiritismo na Bahia é uma realidade”
105
- Não
- Por quê? Simplesmente porque o espiritismo não é e nunca foi uma
religião.
Toda gente sabe que, sem Deus, não há nem pode haver nenhuma
religião que se preze! Negando a existência de Deus, o espiritismo
poderá desejar ser todos os maiores absurdos e contrassensos
reunidos, não será, porém, em tempo algum, uma religião. (ESTADO
DA BAHIA, 06/06/39. Texto originalmente publicado no Jornal
Diário da Noite, no Rio de Janeiro)
2
Urtiga, nome científico Urtica dioica L., atribuída a Exu. É utilizada pulverizada 'para provocar
confusões', sendo indicada para sacralizar os objetos rituais de Exu. Usada como depurativo do sangue,
combate urticárias, queimaduras, dermatoses, cálculos renais, anemias, reumatismo e diabetes. Nome
africano: Kan-Kan. (BARROS, 1999)
110
Com essa reportagem surgem novos dados, uns mais promissores que outros. O
nome da mãe de santo, do candomblé de Mar Grande, em nada auxiliou na busca do
processo criminal, se é que ele existiu, já que se tratava de um nome bastante comum,
creio que apenas o nome era corriqueiro. Maria da Paz aparece nessa carta como uma
figura bastante articulada, a ponto do ocorrido em seu terreiro ameaçar o prestígio de
um subdelegado. Além disso, Francisco Tavares alegou ter recebido “vários pedidos
para consentir” o funcionamento do terreiro. Como o objetivo da carta era livrar-lhe de
responsabilidade e ela tornou-se pública acredito que mentir sobre a popularidade de
Maria da Paz só complicaria a situação do subdelegado.
Outro elemento da carta chama atenção, segundo Francisco para reabrir o
terreiro teve que comparecer ao local “com a condição de primeiramente a polícia
verificar se se tratava de candomblé ou outra espécie de sessão.” Nesse trecho o
subdelegado tenta se explicar uma vez que a acusação de que ele tinha vínculo com
Maria da Paz deve ter surgido porque ele foi visto por diversas pessoas no terreiro.
Dessa maneira, alegar que esteve no local a serviço seria uma justificativa plausível.
Contudo, ao fazê-lo o subdelegado evidencia o critério utilizado para reabrir ou manter
o local de culto fechado: parecia ser fundamental a categorização da casa: como
“candomblé ou outra espécie de sessão”. A questão é: o que caracterizaria essa outra
espécie de sessão? Porque o candomblé poderia funcionar e outros cultos não eram
permitidos?
A sequência da carta oferece um indício para compreender esse ponto. “Assim o
fazendo, compareci por diversas vezes sem constatar, entretanto, o emprego de
remédios.” Esse seria o diferencial? O uso de remédios? Verifica-se, portanto, se na
casa ocorria o exercício ilegal da medicina. A classificação realizada pelo subdelegado
segue um dos critérios de legitimação adotados pelos intelectuais tratados no primeiro
112
capítulo da tese, que tentam dissociar práticas de cura e feitiçaria dos terreiros de
candomblé considerados tradicionais.
Um último elemento que gostaria de tratar nesse caso de Mar Grande é a defesa
do subdelegado da acusação de que este seria “o 'Ogan' e sócio da 'macumba'.” A
despeito da negativa de Francisco Tavares, suponho que essa possibilidade só foi
levantada porque existiam ogãs no terreiro de Maria da Paz, em uma estrutura
semelhante com a identificada em Salvador, quando pessoas influentes ocupavam
cargos de ogãs e se responsabilizavam pela ordem durante as práticas religiosas
garantindo, inclusive, que a polícia não acabasse com os ritos. Quem melhor para
ocupar essa posição que um subdelegado? (LIMA, 1977; BRAGA, 1999; BASTIDE,
1973)
Diante dos vestígios deixados por sua atuação em Mar Grande suponho que
Maria da Paz não era uma mera curandeira, que desconhecia o que estava fazendo nos
rituais que envolveram Maria da Conceição. Suponho, que o seu terreiro era
consolidado na Ilha de Itaparica e que havia uma estrutura de proteção, que
provavelmente não deixou o caso gerar um processo criminal, a despeito da sua
repercussão na imprensa. Isso explicaria porque não houve intervenção durante a surra
de urtiga. Além disso, creio que as práticas religiosas foram apimentadas tornando a sua
narrativa atrativa para o leitor, e coadunando opiniões que o mesmo periódico já
expressara antes sobre as práticas religiosas de matriz africana. Mas, e se... Se não
houve um exagero do repórter? Nesse caso, iríamos contrariar a arrumação de algumas
caixinhas e repensar as relações de poder entre pais e mães de santo da Bahia e a
associação direta destas com noções consolidadas de tradição e pureza.
A curiosa carta do subdelegado tinha o objetivo de se desvincular do terreiro de
Maria da Paz, mas acaba defendendo-a. Ao afirmar que liberou o funcionamento do
terreiro porque lá as pessoas não faziam uso de remédios, este indicava que não havia a
prática da falsa medicina ou curandeirismo e colocava o candomblé na condição de
religião e, portanto, sob a proteção da Constituição. O que justificaria a sua atitude em
liberar o funcionamento. Atitude deveras simpática para um subdelegado...
Na nota acima quero chamar atenção para a figura de Vavá referido como “pai
de santo”, “babalorixá” e “feiticeiro”. As categorias aparecem como sinônimas. Pai de
santo era certamente o termo utilizado com mais frequência para situá-lo como o
sacerdote do terreiro, o uso da denominação “Babalorixá” está relacionado a um esforço
de valorização da influência africana e legitimação das práticas religiosas, enquanto que
“feiticeiro” era utilizado com uma conotação pejorativa, como uma acusação.
O motivo que levou Mathilde a procurar Vavá foi uma “crise nervosa”, atribuída
a um “espírito de um desordeiro” que teria tomado posse do seu corpo. Circunstância
recorrente ou está era a maneira que o jornalista lia as situações que descrevia no jornal?
O termo espírito foi utilizado pelos envolvidos ou apenas pelo repórter? Esse é o limite
que as fontes nos impõe, mas a análise de alguns processos pode lançar algumas
possibilidades para problematizar essa questão. Mesmo trazendo informações
imprecisas e partindo de se contrapondo aos rituais, os jornalistas apresentam vestígios
das crenças vivenciadas por pessoas como Vavá e Mathilde.
E o que foi feito por Vavá para afastar o “espírito desordeiro”? Segundo, o jornal
ele “entoou hinos, rezou, aplicou 'passes', finalmente carregou Mathilde levando-a até
próximo a um fogão, onde colocou as mãos da infeliz.” Um babalorixá que aplicou
passes? É o que afirmou O Estado da Bahia! Em mais um caso em que um ritual com
fogo é utilizado para afastar espíritos...
114
Lá chegando soube com grande surpresa que a sua mulher havia sido
sequestrada pelo 'pai de santo', Pedro da Telha, que se negou a
entregá-la, alegando que a doméstica está com um espírito encostado.
Ao que parece o 'pai de santo', seguindo alguma praxe fetichista, além
de conservar presa, ilegalmente, a referida mulher, ainda raspou
completamente a cabeça da mesma. Como viu que era debalde
reclamá-la, Antonio Batista procurou hoje a delegacia da 1ª
Circunscrição Policial a Santo Amaro do Ipitanga, a fim de trazer a
sequestrada e prender o terrível 'pai de santo' para ser devidamente
castigado, como merece. (ESTADO DA BAHIA, 14/01/37)
Esse caso evidencia que os jornalistas ouviam o galo cantar, mas não sabiam
onde. Ou seja, havia uma perspectiva geral acerca das práticas de cura, feitiçaria e
cultos religiosos que dialogam com a matriz africana. As descrições giravam em torno
do mistério e do medo causado pelo som dos atabaques, pelas cantigas entoadas, por
vezes, em língua desconhecida. Os cheiros e aromas marcavam também a peculiaridade
do mundo dos terreiros, e como se não bastasse tudo isso, ainda tinha a possessão! Creio
que no afã de denunciar o aspecto persecutório das matérias publicadas nas primeiras
décadas do século XX, deixamos de ler os indícios que elas apontavam. Não pretendo
minimizar as consequências danosas provocadas por essas matérias para o povo de
115
santo, entretanto, defendo que a leitura atenta e desarmada poderá conduzir a pistas
significativas sobre o modo como as pessoas praticavam o culto aos seus deuses em
Salvador.
Em alguns momentos não será possível separar o joio do trigo, mas o que
possível fazer com o que temos? Caminhando na direção do galo é possível fazer alguns
questionamentos. No caso do “sequestro” escuto de longe os ruídos do conflito. Antonio
Batista, tal qual marido traído foi o último a ser informado sobre a iniciação de Elmira
Costa, sua esposa? Ou, Antonio discordava da decisão da mulher, por não confiar em
Pedro da Telha e usou a situação para expô-lo? Os desentendimentos estiveram
relacionados a quantia em dinheiro que Elmira precisou acumular para o ritual de
iniciação? Mesmo sem as respostas, tais perguntas me convencem que as situações que
levaram pessoas de uma comunidade religiosa a acessar instituições como imprensa e
polícia foram sempre situações de conflito. Puxar esse fio pode nos ajudar a entender de
forma mais complexa essas circunstâncias, em que contendas geradas internamente
acabaram expondo sacerdotes e filhos de santo.
Em outras palavras, estou questionando a oposição presente na bibliografia dos
estudos afro-brasileiros que encarou as batidas policiais como um movimento de
perseguição aos terreiros. Longe de negar o embate entre polícia/imprensa versus
candomblé, proponho problematizar essas variáveis levando em conta que delegados e
jornalistas, em muitos casos, eram acionados por pessoas da comunidade religiosa, por
conta de problemas nas relações sociais ou por resultados inesperados nos rituais. Ao
abandonar a dicotomia podemos avançar no entendimento das práticas religiosas, assim
como no tratamento de sacerdotes e adeptos do candomblé como sujeitos em sua
complexidade.
Dentre as décadas de 1930 e 1960 predominou uma perspectiva em relação à
cura que aos olhos dos envolvidos parecia indissociável da dimensão religiosa. Seja em
notas de jornais ou em processos criminais: testemunhas, réus e vítimas concordavam
com a limitação dos saberes médicos em determinados casos e buscavam curandeiros e
pais de santo para resolver problemas de saúde, que seriam sintomas de questões
espirituais mal resolvidas.
Nesse trecho aparece uma sucessão de práticas de cura que teriam sido
acionadas por Luperio para resolver o problema de Gyselia. O uso de beberagens, pós,
117
defumadores e banhos. Além disso, o pai de santo teria se referido a um ritual de “troca
de cabeça” para salvar Gyselia, pelos dados fornecidos pela reportagem o material foi
solicitado, mas o ritual não chegou a ser feito. Para o mesmo foi pedido: “um galo e
uma galinha preta e um caixão de anjo, também preto, que seria posto no cemitério das
Quintas.” O custo da prática seria de cento e cinquenta mil réis. A troca de cabeças não
era algo desconhecido do povo de santo soteropolitano, tanto que Arthur Ramos
apresentou uma explicação para este ritual, segundo ele:
Diante desse panorama geral sobre o que era Salvador na década de 1930 e,
principalmente, da atenção dada pela imprensa baiana a casos semelhantes ao de
Clemente fica evidente que o ocorrido não foi uma exceção. A principal diferença é que
esse caso gerou um processo criminal diferente dos citados.
Meses depois a ação dos curandeiros em relação Clemente, o processo seguiu
para julgamento. Ele iniciou com uma queixa prestada por Maria, a filha de Clemente.
No dia 10 de janeiro de 1934 o promotor público, João José de Serra Malhado
formalizou a denúncia contra Pedro Batista dos Santos e Antonio Bispo dos Santos pelo
seguinte fato delituoso:
apresenta a sua perspectiva sobre as ações de Pedro e Antonio que teriam concorrido
para levar o velho Clemente a óbito.
seria atingido e o fogo atingiria o espírito que estaria encostado. Basta lembrar o caso
Mar Grande divulgado na imprensa, para perceber um padrão no comportamento dos
presentes, a não interferência sinaliza para o compartilhamento da fé nos procedimentos
coordenados por Pedro em São Gonçalo do Retiro e por Maria da Paz em Mar Grande.
Sobre isso, mais uma testemunha foi questionado pelo delegado, que tentava entender
porque as pessoas não interferiram no ritual que queimou Clemente:
o que era considerado pela medicina como causa era tratado como sintoma de questões
espirituais que somente curandeiros, espíritas, pais de santo e feiticeiros poderiam dar
conta.
As ocorrências registradas pela imprensa e nas delegacias da cidade não nos
permitem estimar o percentual da população que recorria a estes especialistas religiosos.
Vale lembrar, que os vestígios registrados nas fontes apontam para situações em que
algo deu errado. Os casos em que o espírito encostado deixara o corpo do enfermo ou
que possíveis danos no corpo foram resolvidos entre os pares não ficaram gravados nas
fontes pesquisadas.
127
CAPÍTULO 3
RELIGIÃO AFRO-BRASILEIRA EM SALVADOR: HERIDA HELENA
4
As referências aos processos criminais ao longo da tese foram feitas a partir da indicação do local: Vara
Crime da Comarca (VCC) seguida do nome do município, ano inicial de tramitação do processo e folha
de onde a citação foi retirada. Na lista de fontes consta a relação de todos os processos organizados por
comarca, nome do réu, cidade e ano. A identificação dessa forma foi possível, pois não há coincidência de
datas nos processos em cada Comarca.
5
Com o intuito de facilitar a compreensão do leitor, a ortografia das palavras transcritas das fontes foi
atualizada.
128
provável que a queixosa tinha uma lista tão extensa de objetos para ser extorquida. A
desconfiança está relacionada as condições em que Herida Helena e Olga se
conheceram, elas indicam que Olga passava por problemas financeiros:
Que mantendo relações de amizade com uma sua colega de nome Nair
Cunha (...) com a qual Olga Santos Oliveira morava, teve ciência de
que as pessoas acima foram despejadas da casa onde moravam, por
ato de humanidade arranjou a casa de uma amiga de nome Idalia, no
lugar denominado Morro de Brotas, número sessenta e cinco, afim de
que as mesmas se abrigassem, o que realmente foi feito. (VCC DE
SALVADOR, 1947, fl. 6)
As duas doenças que mais provocaram óbitos podem ser diretamente associadas
às dificuldades alimentares da população. O combate a tuberculose na Bahia era tema de
algumas reportagens, como a que registrou a criação do primeiro I.B.I.T. brasileiro em
Salvador, cuja finalidade era a “assistência médica ao tuberculoso, para o que, dispõe de
132
O que Maria Emilia afirmara ter ouvido dizer ajudou a criar um ambiente
condizente com a imaginação dos leitores sobre as macumbas. “um pinto partido ao
meio, lascado”, uma garrafa “suja de sangue”, sangue do pinto e das vítimas ... Para
arrematar, aparecia a confissão, pelo menos assim considerada pelo jornalista! Helena,
não afirma ter matado os filhos, diz apenas que não se recorda do ocorrido. Cogita a
possibilidade de ter sido possuída por um “espírito perturbado”. Entretanto, não
sabemos em que circunstâncias esse depoimento foi registrado, nem mesmo temos
informações acerca do estado emocional e psíquico de Helena. Inexatidão dos dados
fornecidos pelo jornal, que nem sequer define qual era o nome da ré, impossibilitou a
identificação do processo criminal que provavelmente foi gerado nesse caso, pela
gravidade da situação; duplo homicídio, além da comoção que deve ter gerado a
possibilidade das crianças terem sido assinadas pela mãe desnaturada.
É nessa cidade de “espíritos perturbados”, trabalhadores grevistas e com grande
movimentação durante as festas que Largo que viviam Herida Helena e Olga...
Herida Helena era ré do processo movido por Olga Oliveira tomando como
referência a Lei de Contravenções Penais em seu artigo 27, instituído pelo Decreto-lei
nº 3.688, de 1941. Que dizia:
Que de certa feita Olga com pessoas de casa projetara fazer uma
reunião, o que se ela ficasse boa de uma enfermidade, assim como
vendesse uma casa de sua propriedade em Candeias, daria seis (6)
cadeiras ao santo conhecido por “Ogum de Ronda”, o que fez
entregando-as ao dito Marcolino, as quais saíram de sua casa. (VCC
DE SALVADOR, 1947, fl. 7)
Quando notou que uma senhora que sempre frequentava a dita casa,
senhora esta de nome Herida Helena, também conhecida por Edinha e
se dizendo candombleseira (sic) pediu a amiga da depoente que lhe
fornecesse algumas roupas usadas e dinheiro para comprar móveis
para o santo “Ogum de Ronda”, alegando de que o dito santo por
intermédio da dita senhora melhoria a vida da amiga da depoente; que
a amiga da depoente tendo também interesse em melhora de vida,
muito embora fosse inexperiente começou a dar tudo que a dita
senhora pedia (VCC DE SALVADOR, 1947, fl. 8)
Lody evidencia como o ato de pagar está presente na lógica ritual, pelo
pagamento de uma obrigação religiosa, ou seja, a realização de ritos cobrados pelas
139
Pois esta senhora havia enganado D. Olga, dizendo que iria fazer-lhe o
bem (...) que Olga vinha dando dinheiro a Herida a fim de que esta lhe
fizesse os benefícios que necessitasse, e com tais promessas Herida
conseguiu enganar a boa fé de D. Olga levando somente em dinheiro a
quantia de três mil e vários cruzeiros, levando ainda em roupas e
moveis e ainda utensílios domésticos mais de cinquenta mil cruzeiros.
(...) Que logo que o depoente se entendeu com Herida, esta lhe dissera
de que D. Olga não lhe havia dado nada a não ser seis cadeiras uma
bacia e uma panela de alumínio e quanto a importância nunca recebera
nada de D. Olga, tendo caído em contradições dizendo que somente
recebera três mil cruzeiros e que esta importância havia gasto de
140
No seu depoimento Marcolino não faz qualquer menção a sua condição de pai de
santo, que foi indicada por Herida, e também não nega essa informação. Vale destacar,
que em momento algum o delegado lhe faz perguntas a respeito da sua condição
religiosa. Mais uma vez aparece a questão do dinheiro dado por Olga, que teria sido
usado na “manifestação de ‘Ogum de Ronda’”, outro elemento recorrente é citação das
cadeiras doadas para a festa. Por que dentre todos os objetos listados por Olga na
denúncia as cadeiras se destacaram tanto?
Alguns estudiosos se debruçaram sobre a hierarquia dentro dos candomblés
baianos, dentre os diversos cargos ocupados pelos filhos de santo, destaca-se o de ogã,
definido por Edison Carneiro como “protetores do candomblé”, “com a função especial
de lhe emprestar prestígio e lhe fornecer dinheiro para cerimônias sagradas”
(CARNEIRO, 2008, p. 120)
As atribuições dos ogãs foram tratadas inicialmente por Roger Bastide (1973)
Julio Braga que problematizou a constante repetição nos estudos afro-brasileiros do ogã
como alguém que tinha prestígio e dinheiro. “Mas, em linhas gerais, os ogãs, na sua
maioria, são menos protetores, no sentido exclusivo que se quer, e muito mais auxiliares
permanentes de pais ou mães de santo em seus afazeres religiosos.” (BRAGA, 1999, p.
45) Desse modo, inclui-se os membros da comunidade que realizam atividades
importantes para o terreiro, como os alabês; responsáveis pelos atabaques e o axogum;
que atua durante o sacrifício de animais. Os que ocupam esse cargo estão ligados a um
objeto que simboliza o seu lugar na comunidade religiosa: a cadeira de ogã.
Herida esclarece o uso das cadeiras; seriam usadas para organizar a casa. O
destaque nesse depoimento é que na versão da ré todos faziam macumba! Nair e Olga
usando para isso galos e galinhas dos vizinhos e Marcolino que cuidaria das obrigações
de Olga, menos Herida que chegou a ser convidada, mas recusou-se “pois não se mete
nestas coisas”! As cadeiras, que inicialmente eram seis e se transformam em três
serviriam para “arranjarem a casa”, afinal como alguém que “não se mete com nestas
coisas” explicaria seu uso. Suponho que a diferença no posicionamento da ré deveu-se a
presença dos advogados de defesa, que certamente lhe instruíram a negar qualquer
ligação com os cultos afro-brasileiros.
A partir daí o processo toma um curso singular, nenhuma testemunha é arrolada
nessa segunda fase, a vítima não foi ouvida e, além disso, o juiz solicitou que a ré
provasse a sua inocência, ao invés de apresentar os indícios de seu envolvimento na
contravenção, nos seguintes termos:
A partir do dia 11 de novembro do mesmo ano inicia-se a busca por Herida, que
desapareceu até o julgamento do seu processo. Inicialmente o oficial de justiça foi
informado sobre a mudança de endereço da ré. Posteriormente, uma pessoa que se
apresentou como Helena Herida e alegou ser irmã da denunciada informou que a mesma
encontrava-se internada no Hospital Psiquiátrico Juliano Moreira, as buscas se dirigiram
pra lá; sem êxito.
O julgamento de Herida ocorreu em 29 de maio de 1948 tendo como advogado
de defesa o coronel Otavio Cesar de Salles Pontes. O promotor pediu a condenação nos
termos do art. 27 da Lei de contravenções Penais, enquanto o advogado de defesa
afirmou que:
Juliano Moreira, isso afirma porque sob suas vistas esteve o atestado
médico daquele manicômio, documento que não juntou muito embora
constasse o pronome certo, todavia o cognome estava errado, assim a
bem dos interesses da Justiça, e também da sociedade, deveria a
indiciada ser internada no Hospital Juliano Moreira, para ser tratada
dessa morbidez e não no cárcere. (Ibidem, fl. 41)
O argumento de que a cliente tinha problemas mentais era frágil, já que não
houve apresentação de qualquer comprovante de que a mesma foi internada na
instituição psiquiátrica, uma vez que o oficial de justiça não encontrou Herida no
Juliano Moreira. O juiz entendeu que não havia provas suficientes que justificasse a
condenação da indiciada como exploradora da credulidade pública pela prática de
feitiçaria. Além de considerar que a acusação não foi provada, o juiz atribuiu outro lugar
para Herida na trama:
O juiz traz a tona uma discussão que no Brasil ocorria desde o início do século
XX. Tratava-se do entendimento que as religiões mediúnicas poderiam provocar
alterações mentais nos fiéis. Em “Uma fábrica de loucos: psiquiatria x espiritismo no
Brasil (1900-1950), Angélica Aparecida Silva de Almeida evidencia o conflito entre
duas áreas de tratava de situações semelhantes, por vezes concordando em diversos
aspectos, mas protagonizando uma disputa nos campos de atuação no Brasil. A luta pela
instituição da psiquiatria no Brasil, ajuda a compreender o momento em que foi criado o
termo “loucura espírita”. (ALMEIDA, 2007) Tratar Herida Helena e Olga como vítimas
de Marcolino e considerá-las doentes está relacionado com esse debate, pelo exposto o
juiz via as religiões afro-brasileiras como uma ameaça a saúde mental, tema que será
tratado no capítulo 5.
O promotor do caso discordou da sentença e recorreu a Câmara Criminal do
Tribunal de Apelação. Ele alegou que “a absolvição da contraventora Herida Helena da
Costa é mais perigosa do que a própria contravenção que ela cometeu. Não há nos autos
144
CAPÍTULO 4
RELIGIÃO AFRO-BRASILEIRA EM SALVADOR: ZÉ DE OGUM
Eu vou botar
Teu nome na macumba
Vou procurar uma feiticeira
Fazer uma quizomba
Pra te derrubar (Oi, Iaiá!)
Você me jogou um feitiço
Quase que eu morri
Só eu sei o que eu sofri
Deus me perdoe
Mas vou me vingar (...)
Pra quebrar o encanto do teu patuá
Olha, tu podes ser forte / Mas tens que ter sorte
Pra te salvar
Toma cuidado, comadre
Com a mandinga que eu vou te jogar... Eu vou botar!...
uma nova perspectiva da cidade, já voltada para construir uma imagem que agradasse ao
turista, como evidencia a manchete “Mais de 6 mil turistas virão assistir o carnaval
baiano” (DIÁRIO DE NOTÍCIAS, 20/01/1964)”
O foco da imprensa eram as transformações politicas que ocorriam no país. A
cobertura em muitos momentos revelou um claro alinhamento com o golpe militar de
1964. A “marcha da família com Deus pela liberdade, por exemplo, contou com uma
ampla cobertura, especialmente do jornal O Estado da Bahia. Diariamente eram
publicadas manchetes com o seguinte teor: "Família brasileira grata a fidelidade das
forças armadas” (ESTADO DA BAHIA, 03/04/64) Além disso, constantemente os
jornalistas defendiam que João Goulart não estava preparado para o governo, por isso
compreendiam um golpe como uma defesa da democracia, que estaria sendo ameaçada
pelos comunistas.
Nesse momento em que a preocupação politica era tão evidente poderíamos
supor que isso justificaria a ausência, quase completa de matéria tratando de
curandeirismo, feitiçaria ou candomblé. Entretanto, as notícias policiais continuavam
sendo publicadas, e esta era a seção do jornal reservada as práticas religiosas. Às vezes,
o assunto aparecia, em casos ocorridos em outros estados do país como o caso de
Uberaba, em Minas Gerais, intitulada, “Oito pessoas envenenadas por macumbeiras em
Uberaba”, cujo procedimento foi descrito:
A publicação de notícias com este teor ocorrida em outro Estado evidencia que a
temática continuava atraindo os leitores. Ainda assim, as práticas dos candomblés
baianos já não compunham as páginas dos periódicos. Eram outros tempos... Naquela
circunstância, estava claro que o candomblé ocupava um lugar importante na
configuração de uma cidade que buscava ser atrativa, até mesmo pelo exotismo. Isso
explica a saída dos terreiros das páginas policiais e o seu ingresso nos guias turísticos.
148
Que a declarante quer esclarecer ter Zé de Ogum lhe dito, que foi ele
quem fez o trabalho para matar Florisvaldo a pedido de Ana e Jandira,
as quais para tanto, deu a ele Zé de Ogum, a quantia de doze mil
cruzeiros e um relógio de senhora... (VCC DE SALVADOR, 1964, fl.
5)
Se é verdade que foi ele indiciado que fez trabalho (feitiço) para matar
Florisvaldo Alcantara a pedido de duas senhoras de nome Ana e
Jandira? Resp.: Negativamente, esclarecendo que Ana esteve na
residência do indiciado com o seu filho recém nascido, quando o
indiciado lhe perguntou de quem era aquela criança, respondendo-lhe
Ana, ser sua filha a aludida criança, esclarecendo-lhe também ser a
mesma filha de Florisvaldo. Que, Ana ainda disse ao indiciado que foi
Florisvaldo quem a desvirginou. ... (VCC DE SALVADOR, 1964, fls.
8-9)
Jandira, sua mãe Ana, assim como Zé de Ogum negaram que em decorrência do
desvirginamento a moça tenha recorrido ao feitiço para vingar-se de Florisvaldo.
Segundo Ana era “voz corrente no bairro que Zé de Ogum matou Florisvaldo, dentro de
vinte um dias.” Contudo, ela nega que tivesse encomendado o feitiço e acrescenta o
seguinte comentário:
curá-lo, tendo apenas que desfazer o malefício. Nos depoimentos prestados até então os
rumores e boatos sobre o suposto ato de feitiçaria apareceram mais, do que as práticas
do acusado, que tratarei a seguir.
de suas filhas de santo”. O seu posicionamento sobre o ritual de iniciação destoa das
descrições encontradas nos estudos afro-brasileiros. Segundo Roger Bastide:
Mas a hierarquia não é tudo. Da mesma maneira que nem todos são
chamados a ‘fazer santo’, nem todas as iniciadas serão mães-de-santo.
Não é preciso apenas uma iniciação, mas também um dom, uma
capacidade inata de reconhecer e comunicar com o santo. O
candomblé não é só técnica, é também arte, e as pessoas com um dom
particular podem desfrutar desde o início de uma relação privilegiada
com o seu santo e isso pode gerar conflitos com as suas mães de santo.
(SANSI, 2009, p. 145)
Sansi entende a religião de forma mais flexível, atento as alterações e ajustes que
as pessoas faziam no cotidiano, e que por isso mesmo a mantiveram viva, destacando
elementos que desequilibram informações estabelecidas, e assim se aproximando das
experiências vivenciadas pelos aos sujeitos, ao tempo em que destacou a dinâmica
religiosa.
Antes de prosseguir tentando interpretar os significados ligados as práticas
religiosas de Zé de Ogum cabe abrir parênteses para explicar porque tanta atenção
dispensada aos rituais de iniciação. Nas relações e tensões que envolviam os
candomblés da Bahia a condução os ritos iniciáticos eram importantes veículos de
legitimação ou desprestígio entre os pares. Esse aspecto não passou despercebido pelo
olhar atento de Ruth Landes, na década de 1930. A antropóloga registrou o embate entre
as mães de santo baianas e em alguns momentos parece assumir a perspectiva dos nagôs
sobre a iniciação:
Nas relações de poder estabelecidas de modo tenso entre o povo de santo baiano,
o ritual de iniciação deveria ser - na perspectiva nagô – lento e envolver etapas
fundamentais; como um longo período na camarinha, a retirada dos pelos e pintura
utilizada na cabeça e no corpo da iaô. Essas características do ritual, especialmente pela
sua aproximação com práticas africanas, foram tratadas como signos de legitimidade. O
processo de africanização dos candomblés contribuiu para a validação de suas
cerimônias diante do público externo. O conjunto de práticas e crenças como
continuidade ou reinvenção de um repertório cultural vindo do outro lado do Atlântico
atraiu pesquisadores que tiveram um importante papel no diálogo com a sociedade
baiana. Aqueles terreiros que conseguiram estreitar seus laços, seja pela condição
financeira de seus membros e/ou articulações político-acadêmicas passaram a agenciar
importantes símbolos nas disputas de poder entre as casas de culto. Nessa guerra, os
rituais de iniciação eram batalhas importantes.
A aproximação entre práticas baianas e africanas atraíam intelectuais, que por
sua vez intermediavam outros vínculos no Brasil e na África criando um ciclo de
validação dos mesmos terreiros. Enquanto isso, aquelas casas de santo que ficavam de
fora dessa rota e apresentavam reinvenções e criações nacionais eram consideradas
menos tradicionais e, portanto, ilegítimas. (DANTAS, 1988)
Toda essa digressão relacionada ao ritual de iniciação como um elemento
diacrítico entre os candomblés baianos, se deve a uma desconfiança em relação ao
depoimento prestado por Zé de Ogum. A despeito da informação prestada na delegacia,
de que seu candomblé pertencia a nação Ketu, o seu relato sobre a prática de iniciação
suscita desconfiança de seu vínculo com o culto de caboclos. Contra essa hipótese
poderia concorrer a alcunha do sacerdote que fazia referência ao orixá Ogum.
Entretanto, Ogum também pode uma denominação para caboclos, como nos informa
Carneiro:
Sendo assim, o Ogum de José pode ter sido, o caboclo e não o orixá. Nesse caso,
porque o sacerdote afirmou que o seu terreiro fazia parte da tradição Ketu? Algumas
suposições podem ser levantadas. Primeiramente, não podemos desconsiderar a posição
em que o pai de santo se encontrava, como réu acusado de praticar feitiçaria. Talvez,
por isso tenha compreendido que a associação com uma tradição religiosa prestigiada
por intelectuais e diretamente vinculada ao continente africano lhe favoreceria mais, que
a afirmação de pertencimento a um candomblé de caboclo, considerado por alguns,
como antros de feitiçaria.
Outra hipótese que pode ser levantada é a de que Zé de Ogum se visse como
alguém que pertencia mesmo a tradição Ketu, tendo um olhar menos ortodoxo de suas
práticas religiosas, do que os estudiosos do candomblé baiano. Nesse caso, seria
possível afirmar que as cisões e hierarquias nos terreiros soteropolitanos eram menos
rígidas, do que nos levam a crer os pesquisadores.
Ketu ou nagô, o que interessa no processo que envolveu Zé de Ogum é acessar a
experiência religiosa de pessoas como ele, Florisvaldo e Maria José. Nesse sentido, Zé
de Ogum narra o seu procedimento para tentar curar o doente:
contando com cargos, diante da citação de um ogã. Um ogã iniciado, não foi um
suspenso, apenas.
Zé de Ogum cita uma matança. Citação que nos deixa de imaginação atada! Era
uma galinha d’angola? Uma galinha preta? Um galo? O sacrifício de animais constitui
elemento fundamental nas obrigações religiosas do candomblé e seu modo de fazer diz
muito das expectativas em relação ao rito. Descrevendo o sacrifício Bastide diz:
candomblé, cujo fito era salvar a vida jovem Florisvaldo. Que, depois
do milho branco e o arroz estar cozido, a depoente viu o senhor Zé de
Ogum, fazer um embrulho e mandar botar nua. Que, o senhor Zé de
Ogum, o indiciado presente teve oportunidade de dizer naquele dia
que a doença de Florisvaldo era provocada por feitiço por ele Zé de
Ogum para matar Florisvaldo. (VCC DE SALVADOR, 1964, fl. 54)
(...) lhe disse estar sem coragem de ir até o dito curandeiro pois o seu
sonho lhe dizia que era na casa do dito professor José Santos Araújo,
que estavam matando o seu filho; que no dia imediato encontrou-se
em seu açougue com o seu amigo, e dono de terreiro vulgo Zé de
Ogum, que por sua vez trata a testemunha de ‘meu pai’ com o qual
conversou sobre a doença de Florisvaldo, relatando o sonho de dona
Maria e procurando saber confidencialmente que espécie de serviço o
mesmo fizera para Florisvaldo, tendo então dito José dos Santos lhe
informado que realmente fizera ‘um despacho contra Florisvaldo
atendendo a solicitação que lhe fizera uma moça acompanhada por sua
progenitora e que se dizia ter sido seduzido pelo aludido Florisvaldo.
(VCC DE SALVADOR, 1964, fl. 66)
161
- Exercer o curandeirismo:
I - prescrevendo, ministrando ou aplicando, habitualmente, qualquer
substância;
II - usando gestos, palavras ou qualquer outro meio;
III - fazendo diagnósticos:
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos.
Parágrafo único. Se o crime é praticado mediante remuneração, o
agente fica também sujeito à multa. (BRASIL. Código Penal de 1940)
correlatas. Talvez estranhando que um processo daquela natureza tenha chegado tão
longe, o Juiz refere-se a grande repercussão do boato que Zé de Ogum teria matado
Florisvaldo de feitiço:
Eis que, dois dias após aquele contato entre a mãe e o indiciado, falece
o filho doente e que antes fora submetido a tratamento de saúde com
médicos e instituições oficiais, surgindo então o ‘boato’, que o jovem
estudante falecera de feitiço... o que foi acreditado e publicado por
todos os cantos do bairro, inclusive certamente pelos rivais em magia,
do indiciado, desejosos em desacreditá-lo perante a freguesia quando
ocorre a interferência da máquina repressora do Estado para liquidar o
incauto babalorixá ... (VCC DE SALVADOR, 1964, fl.95)
Ao final do texto, indica de forma nebulosa uma situação em que ficou evidente que a
crença no sobrenatural não passava tão distante do Palácio da Justiça, infelizmente ele
não detalha a situação em que as audiências teria sofrido a influência de outros fluídos
...
O juiz evidencia a liberdade de culto prevista na Constituição e evidencia a
forma como os cultos afro-brasileiros estavam sendo tratados naquele momento:
Esforço-me por ser coerente nas decisões que profiro, daí, não me
convenceu que o denunciado tenha cometido qualquer ilícito penal, e
muito menos, ser responsável pela morte de Florisvaldo Alcantara, em
razão do ‘feitiço’, posto que , a certidão de óbito as fls. 81, dá como
causa-mortis, bronco-pneumonia responsável pelo colapso circulatório
do paciente. (...) Quanto ao fato de exercitar o indiciado suas
atividades ‘candombleseiras’, não pode a justiça, impedi-lo, não só
porque seu terreiro está registrado na Polícia sob o nº 712, carteira 73
(fls 10v) sendo tais recantos frequentados (e disso os jornais fazem
ampla publicidade) pelas mais destacadas autoridades da
administração pública, personagens estrangeiras visitantes,
professores de entidades cientificas e culturais realizando-se
Congressos Internacionais, enfim frequentado pelo ‘grand round’
social dos capitais estaduais (?) sendo unilaterais se agíssemos de
modo diverso do adotado neste caso, e ante a dúvida que me assalta o
espírito judicante, só me resta invocar o “fim dubio pro réu” (...)
Julgo, não provada a acusação e desta absolvo a José Santos de
Oliveira” 13/11/1967 (VCC DE SALVADOR, 1964, fl.98)
acessar esses sujeitos, suas crenças e práticas foram situações conflituosas, que
envolveram instituições externas ao terreiro; como a polícia, justiça e a imprensa.
Os processos criminais e notícias divulgadas em periódicos apresentam indícios
que me levam a crer que o recurso de buscar auxílio externo estava associado a
situações tensas protagonizadas nos espaços de culto, desentendimentos que não foram
resolvidos internamente. Nesse sentido, não interessa apenas, estabelecer uma oposição
entre o povo de santo e a comunidade externa. Compreender os significados das práticas
religiosas em alguns casos permitiu acessar os indícios de situações conflituosas, que
explicam porque a justiça e a polícia foram acionadas.
Ao percorrer o recorte temporal estabelecido as fontes evidenciaram sinais da
mudança dos tempos. Os jornais na década de 1930 estavam repletos de matérias que
criminalizavam terreiros e sacerdotes. Foi possível encontrar matérias que se referiam
ao barulho dos atabaques ou registravam a entrada polícia em festas religiosas,
questionando elementos fundamentais a crença; como a possessão. Mas, a década de 30
permitiu vislumbrar uma modificação com o número crescente de matérias que
noticiavam crimes envolvendo práticas mágicas, uma tônica que foi possível
acompanhar até o final da década de 1950. Nessas matérias, a fé em orixás, caboclos,
inquices e eguns não era questionada. Entretanto, despertava uma enorme curiosidade
os procedimentos que provocavam lesões corporais. Na década de 1960 já era possível
encontrar a associação entre cultos afro-brasileiros e o turismo, assim como um
destaque ao interesse de intelectuais nacionais e estrangeiros.
Ao longo dessas décadas algumas permanências ficaram marcadas na
documentação. A penetração da feitiçaria no cotidiano dos baianos, especialmente da
população pobre e negra da cidade ficou explícita nas fontes. Problemas de saúde,
dificuldades para cuidar de questões financeiras ou apenas curiosidade em relação ao
futuro conduziam a procura por especialistas religiosos que atuavam nas mais diversas
frentes. O contato com as fontes permitiu perceber que a crença se organizava de forma
complexa fazendo combinações diversas e fluídas, o que permitiu catalogar um universo
rico de crenças em que perpassavam heranças da feitiçaria europeia, como no uso de
patuás ou de peças de roupas usadas nos rituais, marcadas pelos nomes de deuses
africanos e, principalmente por concepções de doença e cura identificadas do outro lado
do Atlântico, tendo a frente encantados e espíritos. Uma complexidade religiosa que não
se limitava a classificações rígidas ou limitadas por critérios de maior ou menor
aproximação com o continente africano.
172
CAPÍTULO 5
Carlo Ginzburg
Além de apontar que o território dos agentes da cura incluía a capital e cidades
do interior, o autor sinaliza para o sistema de aprendizado que envolvia, geralmente,
pessoas da mesma família, entretanto ele não apresenta maiores detalhes sobre isso.
Entre as práticas que demandavam a atuação dos curandeiros, estavam o “quebranto”
ou “mal olhado”, a falta de forças temporária, tratada com chás e rezas era vista pelo
médico como uma indisposição do organismo, que provavelmente se resolveria sem
qualquer intervenção. Em sua exposição, Vital apresenta categorias diferentes entre os
curandeiros:
179
'Jubiabá' é o tipo do feiticeiro, tem sua corte de pretas que nas suas
'funções' dançam desordenadamente ao som de 'batuques' e que,
conforme as expressões usadas nesta roda, dão o 'santo' o que significa
que neles está 'encostado' o espírito de deus. 'Jubiabá' é aqui na Bahia,
por assim dizer, o sumo-sacerdote da feitiçaria. (ibidem, p. 56)
era formado em Medicina, no Rio de Janeiro, e trabalhou por mais de quarenta anos, no
Hospital Psiquiátrico de Juquery.
A análise desse material publicado pelos médicos brasileiros oferece subsídios
para esclarecer o posicionamento da categoria acerca da temática em apreço. Os
argumentos médicos que, frequentemente, foram encontrados nos processos criminais,
que julgavam a atuação de agentes populares da cura, fundamentavam-se em
argumentos que os médicos sistematizaram nessas publicações, o que justifica a sua
análise nesta tese.
Os textos giravam em torno de questões consideradas pelos autores como
fundamentais. Preocupavam-se com as relações entre espiritismo e loucura; relatos de
práticas de cura e, finalmente campanha de repressão ao curandeirismo e espiritismo.
No debate sobre as causas que levavam a loucura e a sua relação com práticas
populares de cura, Osório César enfatizou o misticismo como uma característica da
população brasileira, que seria resultado da “mistura racial”. Esta seria responsável pelo
terreno místico no Brasil, em que tantas pessoas estariam vinculadas às crenças de
“povos primitivos”. (CÉSAR, 1939, p. 27) Diante dessa perspectiva, os africanos que
viviam no Brasil teriam uma grande participação nesse processo:
6
As práticas de cura foram adjetivadas de formas distintas na bibliografia consultada. A expressão
“Práticas populares de cura” foi evitada por trazer o termo “popular”, que foi amplamente debatido na
historiografia, mas não é esclarecedor quanto a identificação dos sujeitos. Outros optaram por “Práticas
alternativas de cura”. Contudo, nas fontes consultadas em diversos momentos a primeira opção dos
envolvidos era fazer uso de chás e garrafadas; ebós e feitiços, os médicos só eram procurados quando as
práticas religiosas não surtiam o efeito desejado. Portanto, na perspectiva desses sujeitos a medicina
183
oficial era tomada como uma prática alternativa de cura, e não o contrário. Pelas razões expostas, ao
longo do texto será utilizada a expressão “práticas informais de cura”.
184
de água benta ou dos óleos do batismo, destinado a potenciar o efeito dos feitiços.
(BETHENCOURT, 2004; CALAINHO, 2008: THOMAS, 1991)
A bibliografia que trata de feitiçaria refere-se frequentemente a utilização das
“bolsas de mandinga”. O uso das bolsas por brancos e negros nos diversos segmentos da
sociedade portuguesa, que sinalizava à insegurança vivenciada por uma população
tentava se livrar de doenças, desastres naturais, má sorte, violência e dos malefícios da
feitiçaria. (CALAINHO, 2008)
Calainho entende essa inter-relação de elementos cristãos, pagãos e africanos
como uma circularidade de elementos religiosos e, nesse processo, importaria menos a
origem dos objetos e sim o entendimento dessa complexa rede que envolveu Portugal,
algumas regiões da África e o Brasil. Nessa teia, a mandinga cumpriria um importante
papel de reconstrução de identidade para africanos, que reorganizaram laços sociais,
práticas culturais e crenças em contato com elementos da cultura europeia. No Brasil, a
utilização de símbolos católicos nas bolsas de mandiga com o propósito de proteção foi
observada por Luiz Mott, especialmente em Minas Gerais, no século XVIII. (MOTT,
1993)
Diante disso, caberia o questionamento a Osório César: estariam os portugueses
incluídos na sua categoria de povos primitivos, pela recorrência da feitiçaria? O
parêntese provocado pela associação feita pelo médico entre feitiçaria e povos
primitivos justifica-se pela necessidade de marcar o posicionamento adotado no texto
em relação a este debate, ancorado na bibliografia atual sobre o tema. Agora, urge
voltarmos para as questões propostas pelos textos médicos. (CÉSAR, 1939)
Ao associar o espiritismo aos casos de loucura Osório César foi cauteloso:
Depois de afirmar que o espiritismo é algo que deve ter mais atenção das
autoridades do que o consumo de drogas, uma vez que conduz um grande número de
pessoas aos hospitais psiquiátricos, o autor finaliza marcando que o espiritismo, leia-se
as religiões mediúnicas de uma forma geral, é um grande fator de alienação mental.
Em outros momentos, de forma mais discreta, o autor relativiza o espiritismo
como causa de problemas específicos:
Já no texto escrito por Leonídio Ribeiro e Murillo Campos, não fica tão explícito
o posicionamento religioso dos autores. Para eles, o espiritismo era um coadjuvante no
surgimento das doenças mentais.
Além de tentar explicar o que levava tantas pessoas a buscar a cura nas religiões
mediúnicas, os médicos fizeram descrições dos procedimentos utilizados para tentar
curar os pacientes, assim como apresentavam algumas informações sobre o
comportamento dos doentes nos momentos de crise. Tratava-se de um olhar com um
cunho pejorativo, que tinha como propósito desqualificar terapêuticas com princípios
diferentes da medicina oficial.
Osório César discutiu as práticas religiosas dialogando com os estudos afro-
brasileiros. Em 1939, quando o seu livro foi lançado já circulavam publicações de
autores como Nina Rodrigues e Artur Ramos, que são utilizados como referência para
mostrar, por exemplo, a semelhança entre o transe mediúnico de candomblés e sessões
espíritas. Ou ainda, para fazer afirmações como a que os rituais que aconteciam no Rio
de Janeiro “desvirtuam-se dos seus ritos primitivos” muito mais do que na Bahia.
189
(CÉSAR, 1939, p. 41) Isso aconteceria porque no Rio os costumes africanos foram
acrescidos de elementos indígenas, práticas espíritas, além de elementos do catolicismo.
Xavier de Oliveira tentou situar as religiões mediúnicas brasileiras em relação a
práticas congêneres de outros tempos e espaços. Segundo ele:
7
Segundo informações de um site de busca esse medicamento era um calmante, também utilizado em
casos de epilepsia.
190
Tomadas como complementos dos rituais que ocorriam nos terreiros o autor
descreve os objetos que compunham o despacho. Revela também o local e horário
preferido para deixá-los, mas não explica os significados dessa prática. O mesmo
ocorre, quando ele descreve as festas realizadas nos terreiros:
explicado pela versatilidade de suas ações; eles prometiam unir casais separados,
despertar o amor da pessoa que não lhe correspondia o carinho, além de curar doenças
do corpo e da alma. Seja invocando mesas, recebendo caboclos ou manipulando ervas e
raízes eles estavam em várias partes do país desenvolvendo suas atividades, difícil
concorrer!
doença, cura e loucura. As acusações contra maus tratos e tratamentos desumanos nos
terreiros eram inúmeras. Diante disso, surgiu uma curiosidade: como eram tratados os
doentes mentais nos hospitais psiquiátricos brasileiros?
Em O Espelho do Mundo, Maria Clementina Cunha investigou a história do
asilo Juquery, no Rio de Janeiro, entre o final do século XIX e as três primeiras décadas
do século XX. A autora buscou compreender o cotidiano da instituição psiquiátrica,
enquanto instrumento de disciplinarização, relacionando a problemática urbana
premente nesse momento de transição. Em sua análise da documentação fica evidente o
uso político do saber psiquiátrico, adequado as dinâmicas de ordenação da cidade.
(CUNHA, 1986)
Ao lidar com o saber médico, Cunha marcou como as suas perguntas se
diferenciavam daquelas realizadas pelos alienistas. A loucura lhe interessava apenas
situada historicamente:
Por isso, a leitura de Cunha sobre o Juquery ajuda a entender o que ocorreu na
Bahia e pecha de louco atribuída a diversos agentes informais da cura. Segundo ela:
É importante lembrar o incômodo dos médicos, por conta dos agentes da cura
absolvidos em processos criminais. Eles manifestaram a insatisfação diante da
solicitação de provas em delitos, que lhes pareciam tão claros. Por isso, na campanha de
combate ao “charlatanismo” sugeriam mudanças na legislação e sugeriam a necessidade
de tratamento dos envolvidos em práticas de cura e feitiçaria nos casos de
imputabilidade penal. Atuavam em duas frentes, questionando a legislação e propondo
uma possibilidade de ação em suas brechas.
Pelos motivos expostos, todos os livros analisados eram unânimes em relação a
necessidade de combater práticas de cura, candomblé e feitiçaria, que por vezes eles
resumiam no termo espiritismo. Os autores cobravam maior empenho do Estado,
providências das associações de medicina e, por vezes, criticavam as leis e a sua
aplicação pelo judiciário, que em suas perspectivas, contribuíam para a proliferação de
agentes populares de cura.
Para Osório César o combate ao espiritismo era necessário, pois se constituía em
um perigo social pelo exercício ilegal da medicina e exploração da credulidade pública.
(CÉSAR, 1939) Além disso,
Para ele era extensa a lista de crimes que envolviam o espiritismo. Embora o
código penal contemplasse os delitos, os médicos acreditavam que as autoridades
195
O exercício que realizamos ao longo desse texto segue uma direção diferente.
Questiono o que é possível visualizar olhando para as dinâmicas internas. Interessam as
experiências históricas vivenciadas por sujeitos que significaram elementos religiosos
de origens diversas a partir de demandas cotidianas, sendo assim compreender suas
formas de crer e cultuar os deuses é um caminho que dá acesso a aspectos importantes
de sua atuação. Preocupação semelhante a de Paula Monteiro, ao estudos as práticas de
cura na Umbanda:
Que poderemos nós fazer contra esses pobres homens que procuram
suprir a falta de médicos e de farmácias, nas brenhas em que vivem,
vendendo suas folhas. “Zé Preto” não é curandeiro. A mais simples
conversa com o próprio, vê-se que é um pobre homem, simples,
ignorante, mas bondoso, sempre pronto a prestar um benefício, com as
suas “folhas”. Os verdadeiros curandeiros, “pai de santo” existem. E
com eles precisamos acabar. Mas, estes proliferam nas grandes ciddes,
com os seus afamados “candomblés”. (VCC de Campo Formoso,
1949, fl.76)
CAPÍTULO 6
PRÁTICAS RELIGIOSAS NO INTERIOR DA BAHIA:
O QUE DIZEM OS SUJEITOS?
faculdades mentais” era tão comum entre os médicos, como a de que o candomblé
curava doenças mentais, pelos adeptos. (LIMA, 2010; RABELO, 2008)
A denúncia realizada pelo promotor público apresenta uma perspectiva sobre a
relação entre as religiões mediúnicas como agente desencadeador de problemas mentais,
que coaduna com o posicionamento dos médicos, conforme discuti no capítulo 5. Ao
tempo em que sua postura também lhe aproximava das discussões sobre as religiões
afro-brasileiras, na década de 1930 pelos etnógrafos, já que ele distingue uma festa de
caboclos de um candomblé, em seus termos: primeiro aconteceu “o batismo de caboclos
realizado a 10 de dezembro”, só dias depois ocorreu “um candomblé que durou de 26 a
29 de janeiro últimos.”
A acusação era a de que Francisca e Antônio infringiram os artigos 157, § 1º e
158, § único do código penal. O artigo 157 dizia que: “Praticar o espiritismo, a magia e
seus sortilégios, usar de talismãs e cartomancias para despertar sentimentos de ódio ou
amor, inculcar cura de moléstias curáveis ou incuráveis, enfim, para fascinar e subjugar
a credulidade publica.”. O inciso primeiro contemplava a situação em que as práticas
supracitadas provocavam alteração nas faculdades mentais dos envolvidos. Já o artigo
158 referia-se as práticas de cura, nos seguintes termos: “Ministrar, ou simplesmente
prescrever, como meio curativo para uso interno ou externo, e sob qualquer forma
preparada, substância de qualquer dos reinos da natureza” (BRASIL. CÓDIGO PENAL
DE 1890) O parágrafo único também refere-se a possibilidade do uso de ervas provocar
alteração nas faculdades mentais da vítima, ou seja, as práticas de cura constituíam
agravantes nos dois artigos.
O interessante é que no formato em que foi redigida a denúncia Narciso, o
agressor, ocupa a posição de vítima. O crime teria sido cometido em decorrência da
alteração em suas faculdades mentais, resultante de feitiçaria e curandeirismo. No seu
auto de apresentação e prisão Narciso informou que procurou a curandeira
Francisquinha, devido a morte diversos animais da fazenda. Foi aconselhado de que
aquela mortandade só poderia ser resultado de feitiços. Narciso afirmou que não
acreditava em “candomblé”, mas ainda assim procurou Francisquinha e “contratou a
cura pelo preço de 60$000, tendo adiantado 30$000”. Entretanto, a causa dos problemas
de Narciso segundo Francisquinha “não era feitiço e sim uns caboclos que estavam
matando os animais”, a solução para a questão foi indicada; “os caboclos precisavam de
serem batizados” (VCC de Jequié, 1935, fl. 6)
209
(...) pela manhã de hoje ao despertar ouviu a sua mulher dar uns
gemidos que lhe perguntou: “O que e que tu tem minha velha está
com dor de cabeça?” Ao que ela respondeu-lhe “Nada meu velho, os
teus caboclos arrancaram meus olhos, quebrou o meu braço esquerdo
e finalmente me deixou quase morta, me olha para tu ver”. (VCC de
Jequié, 1935, fl. 13)
final do processo ficou registrada a informação que após a saída do Hospício João de
Deus, Narciso voltou a conviver com a esposa, cega!
Depois do contato com Francisquinha os caboclos teriam passado a se
manifestar no corpo de Narciso, situações que lhe incomodavam, pois julgava que
estava sentindo a influência de maus espíritos, em uma dessas situações é que Narciso
quase matou a sua companheira. Acusação que não negou:
Na versão contada por Narciso, tanto ele quanto a mulher estavam convencidos
de que os caboclos dele teriam sido responsáveis pela agressão que resultou na retirada
dos glóbulos oculares de Adalgisa, lesões na língua e um braço quebrado. A versão de
Adalgisa apresenta mais detalhes, do que interessa discutir aqui; as práticas de cura e
feitiçaria. Ela informou que seu marido tomara diversos banhos indicados por
Francisquinha, inclusive na noite em que praticou o delito, “há dias que vinha um pouco
perturbado e a tarde ao voltar a respondente notara que o seu marido se achava pior.”
(VCC de Jequié, 1935, fl. 10)
O posicionamento de Adalgisa é bastante coerente com o lugar que ela assumiu
durante o processo. O comportamento do marido foi descrito como irrepreensível até
que ele passou a ter contato com a curandeira que indicava “remédios” e banhos,
passando a adotar posturas que não eram costumeiras. No afã de tirar do seu marido
toda a responsabilidade pelos atos, a curandeira passou a ser apontada como a única
responsável pelo ocorrido.
Nessa perspectiva, as ações do marido são descritas como se ele estivesse fora
controle, devido a possessão dos caboclos.
Ainda que o termo candomblé tenha sido encontrado muitas vezes nos processos
criminais defendo que ele tem uma concepção diferente da que utilizamos atualmente.
O trabalho realizado por intelectuais e figuras de destaque do candomblé Ketu
soteropolitano consolidou uma imagem dessa prática religiosa difundida no Brasil e no
mundo. A atuação através dos Congressos Afro-Brasileiros, trabalhos acadêmicos,
relações entre o povo de santo e a academia, além da intervenção da política baiana lhe
atribuiu um lugar de destaque. Além disso, vale ressaltar a sua representatividade no
meio artístico: Caribé na pintura; diversos compositores da música brasileira, Jorge
Amado, na literatura e Pierre Verger na fotografia consolidaram uma baianidade nagô
tendo como matriz inspiradora o candomblé soteropolitano. A necessidade de ter
cuidado com o termo foi indicada por Tromboni:
Isso me fez supor que o combate da polícia aos terreiros foi mais cruel quando se
tratava de casas que cultuavam caboclos, vistas de soslaio por membros da própria
comunidade religiosa afro-brasileira. As inúmeras matérias jornalísticas que deram
cobertura às batidas policiais são uma evidência disso, pois entre os objetos recolhidos,
descritos, e por vezes, fotografados é possível encontrar vestígios de culto aos caboclos.
Verificou-se, por exemplo, na reportagem de 01 de junho de 1932, em Salvador, que em
meio a diversos pertences do sacerdote foram levados para delegacia os seguintes
objetos:
Além disto, havia ali uma cadeira alta, que servia de trono para o
‘chefe’, e outros tamboretes para os irmãos dos meses. Cada
tamborete tinha uma inscrição Anhangaiá, Ananá, Ouriry, Samba,
Oxóssi, Oxum. Eram os nomes dos encantados. (Jornal A Tarde,
01/06/1932)
Eu sou caboclinho
Eu só visto penna
Eu só vim em terra
Para beber jurema...
E as negras em côro:
Para beber jurema...
Para beber jurema... (Jornal A Tarde, 22/03/1929)
A incursão pelo interior da Bahia tem intuito de acessar práticas religiosas que se
relacionam de uma forma diferenciada com as heranças africanas. Um esforço
semelhante a este foi realizado no Maranhão evidenciando a diversidade religiosa
existente em cidades como Codó, distante 300 quilômetros de São Luís. Lá a
pesquisadora Mundicarmo Ferreti identificou o Terecô, cuja matriz africana não é tão
explícita. Foram identificados elementos jejê-nagôs, bantos e a utilização da língua
portuguesa em seus rituais. Em relação aos rituais ela afirma:
Que Narciso acalmou por alguns dias dedicando-se com muito gosto
ao trabalho, quando entretanto depois do candomblé que o pessoal de
Francisquinha bateu durante três dias em casa de Narciso este voltara
a de vez em quando manifestar perturbações rangendo os dentes,
fechando os olhos e falando como um cabaceiro (?), chamando por
Taitinga, Ogum de lei, Ogum de flecha e outras coisas que o depoente
não entendia. (VCC de Jequié, 1935, fl. 70-1)
Narciso foi por ele descrito “como qualquer dos nossos ‘Jecas’, é crédulo,
supersticioso, sugestionável, de boa fé.” (VCC de Jequié, 1935, fl. 82) Já Francisquinha
foi chamada de “mãe de Taitinga da Raiz (espírito de ‘caboclo’). O termo “mãe”
destaca-se pela sua importância nos candomblés baianos, entretanto o título foi
atribuído pelo delegado, pois nenhuma testemunha se referiu dessa forma a curandeira.
Resquícios de outras experiências do delegado? Na mesma lógica, Antonio Padeiro, foi
chamado de ‘pai de santo’. Suas ações foram resumidas aos atos de dar ‘consultas’ e
tratar os doentes por meio de ‘passes’, de ‘purgativos’, de ‘garrafadas’, de ‘banhos de
folhas’. Acrescentou ainda que “exerciam o curandeirismo e praticavam magia negra,
extorquindo dos incautos; dinheiro, objetos de uso, animais, etc.” (VCC de Jequié,
1935, fls. 82-3)
Em meio ao processo consta uma carta do delegado sobre Narciso, explicando
uma crise, que ocorreu enquanto estava na cadeira.
Essa crise vivenciada por Narciso enquanto esteve na prisão parece ter sido um
fator determinante para a sua transferência, pouco tempo depois ele foi levado para o
Hospício João de Deus, cessando a descrição de suas ações.
Ao longo dos depoimentos prestados nesse caso, as testemunhas eram
constantemente inquiridas sobre o pagamento feito em troca dos serviços. A
justificativa para insistência nessa questão era o artigo 284 do código penal, em seu
parágrafo único estabelecia que “Se o crime é praticado mediante remuneração, o
agente fica também sujeito à multa.” Dentre os processos analisados o que se refere de
forma mais frequente a cobrança por serviços religiosos e de cura prestados é o que teve
como réu João Pedro, em Vitória da Conquista. Hermogenes José Panam, testemunha
ouvida no caso, com 40 anos, lavrador, afirmou que:
223
Hermogenes depôs como alguém que pagou por um serviço, que não foi
corretamente realizado e por isso teria se sentido incomodado com a situação, o
pagamento aconteceu apenas para “evitar barulho”, ou seja, para que não ocorresse uma
briga em torno disso. Outra testemunha, João Panam, com 35 anos, também lavrador, e
provavelmente, parente da Hermogenes, tendo em vista o sobrenome em comum,
revelou que João Pedro também teria ministrado garrafadas para o tratamento de sua
mulher, e que não obteve êxito, a despeito dos dez mil réis pagos ao réu.
Os processos criminais analisados apresentam com grande riqueza o universo de
crenças e práticas relacionadas aos sujeitos envolvidos seja na condição de réu, vítima
ou testemunha. Os depoimentos revelaram práticas de adivinhação como as mesinhas;
“remédios” como purgatórios, bálsamos e chás, medidas de proteção como o uso de
defumadores, rituais de batismo de caboclo e candomblé. Em muitos momentos foi
possível perceber os significados atribuídos pelos sujeitos aos rituais evidenciando a
lógica que envolvia suas ações. Em algumas situações, no afã de relatar práticas
religiosas vieram à tona elementos importantes sobre o cotidiano desses sujeitos, o que
possibilita o uso da fonte histórica para acessar experiências daqueles que se
envolveram em práticas de cura e feitiçaria. Exercício que será realizado a seguir.
224
CAPÍTULO 7
FEITIÇARIA GRAPIÚNA
RIO CACHOEIRA
Rio torto,
Rio magro,
Rio triste.
Parece que chora,
Sente dor...Parece que fala em lamentos
Dos afogados que engoliu,
Das flores que já levou.
O remorso, Cachoeira,
O remorso te entortou.
Valdelice Pinheiro
anotações dos líderes religiosos foram identificados apresentando detalhes sobre os seus
procedimentos.
Na tabela acima apenas três pessoas eram de Itabuna, três identificaram a origem
fazendo referência a Bahia, enquanto 16 pessoas não tinham nascido em Itabuna. A
tabela revela ainda a diversidade de cidades, que compunham a naturalidade dos
sujeitos. Tais dados tem implicação direta nas questões problematizadas na tese, já que
inicialmente havia a intenção de marcar as diferenças entre as práticas religiosas de
Salvador e do interior do Estado. Pelo número de processos identificados as cidades de
227
de 1937, em Itabuna, nada ficou a dever aos outros que passaram." (A EPÓCA,
11/02/1937, p. 01)
Mas, nem tudo era festa nos vespertinos de Itabuna. O noticiário policial era
divulgado com frequência, e alguns crimes evidenciavam as disputas políticas da região,
como aconteceu em Barro Preto: “Não queria votar em Barro Preto, de Ilhéus, pois era
eleitor de Palestina, em Itabuna. Daí a jura de vingança. E ela foi atroz. Manoel Primo
foi preso, levado á Cadeia, amarrado e seviciado barbaramente a facão, cacete e vira-
saruê.” (O INTRANGISENTE, 05/10/1935)
Alguns bairros apareciam com uma frequência maior nos noticiários. Como o
Bairro Conceição. Em Novembro de 1935 foi publicada uma nota que dizia
"Desenrolou-se, em a noite de 6 do corrente, no pacato Bairro Conceição, uma triste e
lamentável cena de sangue, sendo causa da mesma, como sempre ... a mulher." . (O
INTRANSIGENTE, 09/11/1935) No final do mesmo mês outra referência a mesma
localidade, uma cena de sangue “onde vítima da inconsistência de um doente mental no
bairro Conceição, tombou banhado em sague o nosso inditoso amigo Genesio Elias
Pereira, surpreendeu e impressionou vivamente a cidade pela simplicidade trágica. (...)”
(O INTRANSIGENTE, 30/11/1935, p. 4)
Analisando a atuação de trabalhadores pobres da cidade de Itabuna entre as
décadas de 1930 e 1948 frente às políticas urbanas, Philipe Murillo evidenciou a
estigmatização de algumas localidades que apareciam reiteradas vezes na imprensa.
O Conceição ficava próximo ao centro da cidade ligando a esta região pela Ponte
Góes Calmon, construída sobre o Rio Cachoeira. O interesse especial por esta
localidade justifica-se pelo grande número de candomblés existentes no local. Uma
229
dessas casas caiu nas garras da justiça grapiúna e alguns indícios de suas práticas serão
analisados ao final deste capítulo, por ora interessa situar o bairro como um local
conhecido pela prática de feitiçaria e visado pela polícia e pela Sociedade de Medicina e
Cirurgia de Itabuna. A ligação do Conceição à práticas consideradas ignorantes eram
recorrentes nos jornais:
dos poderes públicos na regulamentação dos preços. Antônio Guerreiro Freitas e Maria
Hilda Paraíso consultaram a lista de mercadorias transportadas pela Estrada de Ferro
Ilhéus – Conquista e mostraram que a concentração da produção cacaueira deixava a
região carente de produtos como “feijão, arroz, farinha de trigo, milho, sal, bebidas
alcoólicas, bacalhau, charque, café, tecidos, querosene, materiais de construção, etc”
(FREITAS & PARAÍSO, 2001, p. 144)
Na década de 1930, algumas matérias foram publicadas nos jornais de Itabuna
acerca de práticas de cura, feitiçaria e candomblé. A abordagem que prevaleceu foi a de
acusação, convocando as autoridades para combater sacerdotes e agentes informais de
cura. “Sem outros comentários, pois já expusemos ao público o que são as tais 'sessões'
do 'O Encantado', à rua Bella Vista, repetimos que a polícia não deve deixar continuar
em suas práticas absurdas esse foco de barbárie e de baixezas, enojando o nosso povo.”
(O INTRANSIGENTE, 02/05/1936) A matéria finalizou referindo-se a 'macumba' da
Bella Vista, em um tom claramente persecutório. As práticas foram classificadas como
“absurdas” e por isso deveriam receber a atenção da polícia. Outros argumentos foram
apresentados na matéria sobre a feitiçaria na Rua do Zinco:
na “Zona do Salgado” entre membros de uma mesma família, mesmo sem apresentar
detalhes como o nome do suposto feiticeiro ou a motivação do ato a nota foi publicada.
(O INTRANSIGENTE, 12/01/1936)
A despeito da reiterada contraposição dos periódicos as práticas de feitiçaria,
candomblé e adivinhação, a seguinte nota de divulgação foi publica em 1937:
Ainda não tinha lhe escrito, porque desde que cheguei d’aí que não
tive sossego [...] Ainda também não me foi possível entrar nos banhos
porque tenho procurado as folhas de conta e ainda não encontrei está
também me faltando as folhas de cambará8, o mais tudo já comprei;
comprei o perfume, comprei a rosa rubra na farmácia, comprei todo
medicamento de suas sabias instruções faltando apenas, as folhas de
conta e o cambará. O coletor aqui continua a brigar com o chefe
político de modo que não sei o resultado d’elles. (VCC de Itabuna,
1931, p. 33)
A carta enviada por Nogueira não faz referência a qualquer problema de saúde.
Os elementos destacados são problemas no ambiente de trabalho e relações políticas
8
Cambará, camará. Lantana camara L. Atribuída a Exu e Xangô. “Por se considerada uma 'folha quente' e
ligada ao elemento fogo, em banhos é associada às 'folhas frias para que haja equilíbrio". Seu uso também
é recomendado para o combate de doenças respiratórias, bronquites, tosses e resfriados. Nome africano:
ABITOLÁ. (BARROS, 1999)
236
que, de alguma forma, lhe envolviam. Nessa situação em especial podemos acompanhar
um pouco mais sobre o caso, já que o tratamento recomendado estava entre os
documentos apreendidos pela polícia. As recomendações envolviam mais alguém, além
do remetente da carta:
Ainda que a correspondência enviada por Nogueira refira-se apenas a sua vida
profissional, a longa lista aviada e, principalmente a recomendação da solução de
“romã” para o útero evidencia que os cuidados não eram apenas direcionados para ele,
talvez sua esposa ou namorada estivesse precisando de cuidados para o corpo, quem
sabe se recuperando de uma gravidez, ou de um aborto o que explicaria o pudor em
tratar explicitamente do assunto, na carta ao curandeiro. As correspondências trocadas
entre Alexandre e o seu consulente evidenciam que entre banhos, chás e elixes as ações
do réu ultrapassavam os cuidados terapêuticos.
Na lista supracitada destaca-se o caráter de proteção evidenciado por alguns
ingredientes. Elementos como o sal e o incenso eram comumente utilizados com o
intuito de purificação do corpo do consulente. Além disso, destacam-se o uso das folhas
que possuem atribuições diversas na cosmologia afro-brasileira. Seus variados usos
foram apontados por Raul Lody:
O fim desta é lhe dizer que o cipó para os banhos agora é que estou
esperando um amigo prometeu de trazer, eu não apareço por aí porque
agora estou sem recurso, o recurso que tenho é uma casa mas não acho
238
quem compre, como também lhe aviso que estou com vontade de sair
para procurar jeito da vida e conto com a sua proteção. Meu destino é
Água Preta. Se o senhor acho bom que eu vá mande me dizer ou se
não mande me dizer o lugar que eu devo ir e se for por isso eu chegar
até aí mande me dizer do Amº Crº Obrº (?) (VCC DE ITABUNA,
1931, fl. 46)
era tênue até porque uma doença causada por feitiço poderia se manifestar como doença
natural, e quando entendida dessa forma, não teria médico que desse jeito!
Mundicarmo Ferretti tratou do Terecô, no Maranhão. Outra prática religiosa em
que a cura tinha um papel preponderante:
Caro senhor, o fim desta é para saber qual o motivo, que o levou em
não se dignar responder as minhas cartas que o mandei explicando-lhe
qual o motivo que não havia-lhe mandado, o frasco de perfume que
me pedistes, será que não recebestes? Espero que o amigo mande me
dizer o que tem feito e qual será os resultados, tenho a dizer-te que na
pensão de alimentos, o Juiz decidiu-se marcar 500$000 rs, por mês
desde o mês de Março o meu marido sabendo disso, escapuliu para a
fazenda dele, há 5 meses e ate hoje não quis vir mais a Ilhéus, espero
que me mande dizer tudo direitinho, e si o Senhor, ver que nada
poderá fazer por isto ou aquilo outro, espero que me digas de toda
franqueza, sim? Caso não queira mandar a resposta pelo meu nome
240
Banhos para retirar homens das mulheres que não querem mais
Banhos
Fumo brabo 3
9 carqueja
araçá graúda 3
2 pedras de sal em Cruz
Para banhar
Transsagem, malva, janaúba, matruz
Pra passar em cima da enfermidade, belladona mel de abelha com 2
pingos de enxofre, banha mercúrio , ariroba carvão em brasa viva,
para os pois, folhas, de janaúba enxofre pé de joanna, pedra lipice,
para beberagem conserva, janaúba 7 folhas, caoba 30 folhas arrozinho
9 pés, malva 1 pé, açúcar mascavo, 1 quilo de mercúrio 100 reis, 3
gotas de mel de abelha, senna 100 reis, vinho 100 reis, pulga do
campo um pé, (está é como se prepara a conserva)
Xarope7 folhas da janaúba 21 de caroba, mel de abelha, 1/2 garrafa 3
pitadas de enxofre, arrozinho
Para ferida
Pó Joannes coronelano, pó de carrapato belamite e mercúrio, manteiga
de gado (VCC DE ITABUNA, 1931, fl. 60)
9
Nome científico é Zornia diphylla Pers, atribuída a Ewá e Ossaim. "Planta utilizada nos rituais de
iniciação, que, segundo Barros seu nome nagô significa "ter que vir". Provavelmente, uma alusão ao
chamar-se o orixá para que ele incorpore em seu ìyàwó” (BARROS, 1999) Ainda segundo barros, o
arrozinho é uma planta considerada diurética, laxante e usada para combater diarreias e em massagens
para reumatismo. (BARROS, 1999)
10
Já a transagem (Planago major L.) é usada nos rituais das casas de candomblé em banhos purificatórios
e no àgbo dos filhos de Obaluaiê, Nanã e Oxumaré. A transagem é utilizada para fazer viciados em álcool
enjoarem da bebida, além do uso para febres, incontinência urinária e otite. (BARROS, 1999)
11
Mastruz ou mastruço. Lepidium sativum L. O mastruço, nos cultos afro-brasileiros, é utilizado em
sacudimentos e "banhos de descarrego do pescoço para baixo", pois, po ser atribuído a Egum, "não é
aconselhável lavar a cabeça com esta planta." Seu nome africano é EWÉ ISINISINI. (BARROS, 1999)
245
Nesse caso as práticas de cura estavam associadas a um culto que contava com o
“som dos atabaques” e dança. Além disso, a descrição do ritual realizado em Clara
contou com a atuação de dois homens, referidos como auxiliares de Maria Gertrudes, o
que sugere um culto estruturado, em que tais auxiliares eram provavelmente filhos de
santo.
Assim como no caso de Alexandre, a denúncia foi realizada por um médico, Dr.
Orlando Galvão, vale lembrar que o nome do delator anterior Ruffo Galvão. Parentes?
Orlando propagandeava seus serviços no periódico O Intransigente, como foi possível
identificar na edição de 07 de Julho de 1935.
A acusação de Orlando contra Maria Gertrudes foi feita nos seguintes termos:
nome Maria de tal que tratava por espiritismo, pagou a um rapaz da Jaqueira para levá-
la a referida casa...” (VCC DE ITABUNA, 1937, fl. 4) O trecho do depoimento
evidencia que Clara não residia no bairro Conceição, a mobilização de testemunhas
escaladas entre a elite da cidade indica a distância dos lugares sociais da vítima e da ré.
A distância pode explicar o uso do termo espiritismo, citado unicamente nesse
depoimento da vítima e destoando das práticas descritas ao longo do processo.
Segundo Clara, o “tratamento” não pode ser realizado por Maria, que cumpria
luto pelo falecimento de sua mãe, em função disso teria ouvido da sacerdotisa que
mandaria que “pessoa da casa” conduzisse o ritual, por isso a respondente:
Diante disso, fica evidente que é o crime de lesões corporais que está sendo
analisado durante todo processo, tendo como agravante as práticas de cura e feitiçaria da
acusada. Apesar das informações fornecidas pela vítima, deixando claro que as
queimaduras produzidas em seu corpo ocorreram por um ato praticado por auxiliares de
Maria Gertrudes, em momento algum aparecem os nomes desses dois “homens pretos”,
também é perceptível uma preocupação das autoridades policiais em identificá-los e
ouvi-los.
Os danos sofridos por Clara Delphina naquela ocasião foram confirmados por
dois exames de corpo de delito, que enfatizaram a existência de queimaduras no rosto e
no tórax. A gravidade das lesões ficou evidente quando os peritos não descartam a
possibilidade da vítima vir a óbito em função delas, e apontaram para a possibilidade de
prejuízo para órgãos ou membros durante o processo de cicatrização.
Ao longo do inquérito não é possível obter informações significativas sobre a
vítima Clara Delphina, até mesmo as motivações que levaram a procurar Maria
Gertrudes aparecem de forma controversa. Disse Clara, “que queixou-se a referida
senhora que lhe disseram saber tratar, tirar espírito, de um espíritos que faziam muito
barulho na sua fazenda e a mesma senhora prometeu retirá-los e fazer o curativo” (VCC
249
sua sogra D. Clara estava muito mal; [...] bastante queimada nada
pode ouvir de sua sogra que, no momento estava em repouso e não
podia falar; ouviu entretanto, de Maria de tal, uma companheira da
velha Clara; que esta fora a casa de Maria Gertrudes, no Mutucugê e
de lá voltara no estado em que o respondente o encontrara, adiantando
que, segundo declaração da velha Clara, ali deitaram um óleo ou
azeite de dendê sobre o seu corpo, passaram ainda sobre ele sangue de
galo e por fim um líquido que parecia alesol (?); feito isto
atravessaram-lhe em Cruz com tições de fogo, os quais incendiaram-
na. (Ibidem, fl. 18)
afastado do local durante os rituais. Entretanto, as informações que Clara teria dado a
Maria de tal - que não foi interrogada - não constam no seu depoimento ao delegado. O
que levanta suspeitas quanto a possibilidade dessa suposta amiga ter acompanhado
Clara, e não ter ido depor temendo ser responsabilizada ou a hipótese de Clara ter ido
acompanhada pelo sogro que negou esta informação ao delegado, o que explicaria sua
versão mais detalhada acerca do ocorrido.
O trecho supracitado apresenta novos elementos além do azeite de dendê e do
álcool mencionados anteriormente. No ritual também eram utilizados “sangue de galo e
por fim um líquido que parecia alesol (?); feito isto atravessaram-lhe em Cruz com
tições de fogo”. Os tições de fogo aparecem nas fontes mais uma vez, em todas as
situações seu uso remete à tentativas de purificação, o gesto no formato da cruz indica o
uso de um símbolo católico sendo apropriado de formas diversas; seja no feitiço de
Alexandre para resolver problemas amorosos em que as pedras de sal eram dispostas em
cruz ou em um ritual de purificação através do fogo.
Já o sangue de galo, provavelmente retirado em ritual de matança remete as
tradições afro-brasileiras. O sacrifício de animais para os deuses constitui etapa
fundamental em diversas práticas do candomblé, momento cercado de cuidados,
evidentes no melindre com que Edison Carneiro descreveu a função do Axogum:
Que teve a impressão de que é um lugar perigoso, viu ali muita gente,
sobretudo do Bairro da Conceição, não podendo porém informar sobre
pessoas de destaque porque estas ficavam dentro do quarto ocultas,
quarto esse onde se encontrava a feiticeira e também eram vistas
imagens; que ele respondente entrou no quarto, mas de passagem pode
ver as imagens e também que dentro dele tinham muitas pessoas.
(Ibidem, fl. 20)
que todos os fatos narrados na denúncia que foi lida são verídicos e
pelo jornal “O Intransigente” fizera campanha contra a referida
feiticeira, onde foi narrado todo o fato relatado na denúncia; conhece a
paciente que reside à rua Benjamin Constant, podendo acrescentar que
a denunciada cobrava muito caro suas consultas e tratamento, ainda é
viva a denunciada, mas em lugar ignorado. Nada mais sabendo do
fato. Disse em resposta que empregava nos tratamentos, substâncias
do reino da natureza; usava o tratamento de esfregar o corpo das
vítimas com azeite de dendê e álcool, anunciando tais tratamentos por
folhetins que espalhava na rua. (VCC de Itabuna, 1937, fl. 68)
CAPÍTULO 8
ENTRE MESAS, BANHOS E GARRAFADAS
Os tempos difíceis vividos no sul da Bahia, por vezes tinham a sua importância
diminuída face às festas que envolviam a população, especialmente a folia momesca.
Em 1956, o grito de carnaval envolveu a população da cidade, numa noite de sábado
desfilaram pelas ruas vários cordões, blocos e batucadas que participariam da folia de
Momo. Segundo o jornal “Grande massa popular esteve presente ao Grito de Carnaval,
demonstrando que não está com receio da crise que procura nos estrangular, pois como
muita alegria sairemos dela" (O INTRANSIGENTE 24/01/1956, p. 01). No clichê
reproduzido do jornal é possível ver algumas pessoas seguindo o estandarte da
“Embaixada Itabunense”:
exploradores. Bacalhau? Peixe Salgado? Peixe fresco? Ovos? Quem pode comprar?
Evidentemente Itabuna é uma cidade aberta a exploração. (O INTRANSIGENTE,
26/03/1956, p. 01)
Enquanto a preocupação dos pobres girava em torno dos preços dos alimentos,
os produtores de cacau reivindicavam na imprensa o apoio estatual. Alegavam que a
produção de algodão e a cafeeira contavam com o amparo do governo, enquanto a
cacaueira era de responsabilidade apenas dos agricultores. Para eles, essa falta de
atenção influenciava até mesmo na negociação dos preços do cacau: “Mas, mesmo
assim, os compradores não dão maior preço para compensar a data, para estimular nosso
ânimo já combalido, porque os compradores sabem que o governo não liga a lavoura
cacaueira" (O INTRANSIGENTE, 24/05/1952, p. 04)
Apesar da situação de crise que predominava na região os jornalistas
encontravam tempo e disposição para se contrapor às práticas religiosas afro-brasileiras,
que faziam parte do cotidiano da cidade.
A abaixo assinada, tendo lido neste jornal, sob o título acima, uma
queixa ás autoridades contra a prática de candomblé e envio de
despachos, no bairro Cidade Jardim, atribuídos à mesma, vem
260
desfazer tal notícia, pois em sua casa o que houve foi uma lapinha,
com novenas e outros atos religiosos. Se existem despachos, o que não
pode contestar, nada tem a ver com isso, sendo falsas as imputações
feitas á sua pessoa. Itabuna, 22 de Janeiro de 1946. Maria Gerosina da
Silva (O INTRANSIGENTE, 26/01/1946)
poderia se transformar “num grande candomblé”. É por esse caminho que as práticas de
Alexandre são denunciadas, dias depois a resposta dele também foi publicada.
Na nota, Alexandre nega a condição de feiticeiro: “Não sou feiticeiro pois não
pratico o mal a quem quer que seja; aliás procuro mitigar os sofrimentos até do maior
inimigo." (O INTRASIGENTE, 01/11/46, p. 4) E em um tom inflamado tentou
construir uma imagem para ele e sua casa, contrárias àquela desenhada pela matéria. A
sua condição de sacerdote não foi negada, ficando implícita na afirmação: “aliás
procuro mitigar os sofrimentos até do maior inimigo.” (O INTRASIGENTE, 01/11/46,
p. 4)
A conversa não parou por aí! Oito dias depois, O Intransigente estampou na
primeira página outra acusação contra Alexandre. Tratava-se de um cliente insatisfeito
que teria se sentido extorquido, a despeito de seguir as recomendações de Alexandre,
Joaquim Macedo continuava doente. Diante do exposto, o jornalista afirmou já tinha
solicitado providências ás autoridades, “para sanear Itabuna, que está infestada por esses
desocupados e embromadores, viciados no exemplo de tantos outros embromadores que
existem, até organizados em partidos, explorando a boa fé dos incautos e dos
ignorantes.” (O INTRASIGENTE, 09/11/46, p. 1)
Em outros momentos os jornais visibilizavam conflitos familiares envolvendo as
práticas religiosas afro-brasileiras. Em 1956, houve uma ampla cobertura do caso D.
Ana Vitória, uma adepta do candomblé que organizou o ritual de iniciação da filha de
sete anos e foi denunciada pela irmã, que acionou a justiça para impedir a feitura da
menina. A situação foi exposta em uma página inteira e ilustrada por três fotografias e
dizia:
A nota do jornal mencionou ainda o alto custo pago para a realização do ritual,
elementos que na perspectiva dos familiares de Ana Vitória justificaram a intervenção
judicial. A tia pretendia internar a criança em um colégio de freiras, enquanto a mãe via
na iniciação ao candomblé a solução para os problemas da filha, que deveria apresentar
sintomas que justificavam a afirmativa de que teria 'espíritos maus'. Uma das fotos
publicadas pelo jornal segue abaixo trazendo elementos que evidenciam a pertença ao
candomblé, como a cabeça rapada e o uso do colar de contas.
263
(O INTRANSIGENTE, 20/06/1956, p. 1)
O jornalista fez referência a um caso que não encontrei dados nos jornais, o do
açougueiro Maçu que teria morrido queimado durante um ritual. Teria sido durante um
ritual para retirar espíritos perturbadores do seu corpo? Em relação a grande quantidade
de matérias desse período questiono se houve uma ampliação no número de agentes
informais da cura vinha ocorrendo em Itabuna ou suas ações ganhavam mais
visibilidade na imprensa?
A cobertura do caso ainda permaneceu algum tempo na imprensa grapiúna,
sempre com grandes reportagens e a manutenção do clima de suspense. No dia 21 de
Janeiro o viúvo foi ouvido. Antes disso, o jornal tinha publicado uma matéria em que os
264
pais da vítima informaram que Gildete era maltratada pelo marido. Na versão de
Antonio Rodrigues, a grande vilã era a mãe de santo, D. Jovem:
O viúvo fez um longo relato justificando que chegou a se separar de Gildete, por
conta da frequência no candomblé. Entretanto, a vítima está convencida de que a sua
sanidade mental dependia das atividades religiosas, precisava 'firmar' o seu 'santo'. O
marido teria colocado médicos a sua disposição e “prontificando-se, no entanto, a levá-
la a uma sessão espírita que considera um assunto mais sério.” Mas, a opção de Gildete
foi permanecer envolvida com as atividades do terreiro.
O exemplar do jornal que divulgou o desfecho do caso não foi encontrado ou a
autópsia revelou algo que não condizia com a cobertura sensacionalista dada ao caso
pela imprensa, e por isso não foi publicado.
Na cobertura jornalística sobre curandeirismo, feitiçaria e práticas religiosas
afro-brasileiras de Itabuna, o posicionamento dos jornalistas era o de quem buscava
proteger a população incauta dos males e perigos e perigos dessas práticas. Seja pelo
barulho provocado pelos atabaques, a presença dos “despachos” pelas estradas, assim
como os malefícios que estas poderiam provocar a saúde da população. Os sujeitos
denunciados mostravam-se ativos na defesa de suas crenças e práticas, a despeito do
pouco espaço que lhe foi reservado na imprensa grapiúna.
Alguns casos divulgados nos jornais geraram processos criminais, como o que
acusou Maria da Glória de Jesus, também na cidade de Itabuna, em 1952. Tratou-se da
morte de Salvador Mota, um administrador rural residente naquela cidade, que havia
procurado Maria em busca de tratamento e faleceu na casa dela. O parecer dos médicos
que acompanhavam Salvador, assim como o exame cadavérico ressaltam o grave estado
de saúde que ele se encontrava, diante disso a questão problematizada no processo é a
medida da interferência de Maria para o agravamento do caso. Na denúncia do promotor
público a suspeita é tratada como certeza: “chegou-se a conclusão de que os
‘tratamentos’ feito pela a macumbeira apenas acelerou o estado mórbido da vítima,
precipitando o seu óbito (VCC DE ITABUNA, 1952, fl. 01)
Para as questões que me preocupam na pesquisa o processo que envolve Maria
de Jesus apresenta elementos bem interessantes, principalmente nos seus depoimentos,
quando se refere não apenas as questões ligadas a situação Salvador, mas evidencia
práticas religiosas.
Logo no primeiro depoimento, a acusada Maria da Glória é categórica ao afirmar
que exercia o curandeirismo e que invocava “Ogum de lei, seu protetor” ao bater
candomblé. (VCC DE ITABUNA, 1952, fl. 01) O atendimento prestado a Salvador
Mota ocorreu quando este se ausentou do hospital alegando que visitaria um filho
enfermo e dirigiu-se a casa de Maria, onde faleceu. A esposa que o acompanhava
afirmou que ele foi tratado com purgantes, banhos, raspas de madeira medicamentosa,
chás e pós. Enquanto, a ré admitiu apenas ter recebido o doente e negou que tivesse
ministrado quaisquer medicamentos. Diante da situação descrita pelos envolvido o
exame cadavérico, constituiu uma importante peça processual.
No exame cadavérico Salvador Mota foi descrito como um homem solteiro,
tendo 39 anos de idade, faioderma, ou seja, negro. Os sintomas que o levaram a buscar
ajuda médica foram: “forte dor torácica, dificuldade respiratória, tosse quintinosa e
intensa opressão torácica” (Ibidem, fl. 04) O exame cadavérico considerou que “[o]
tratamento foi substituído por outro sem base científica, não pode ter acarretado o óbito
266
mas, sim, face a sua substituição, talvez o haver precipitado ou antecedido” (Ibidem, fl.
06)
O exame cadavérico de Salvador foi assinado pelos médicos Lafayette Brandão
e Gil Nunesmais, médicos do Hospital Santa Cruz. A contraposição a opção de
tratamento escolhida pelo paciente foi evidenciada no texto, quando afirmou que o
tratamento foi substituído por outro “sem base científica”. A gravidade do caso do
paciente foi confirmada no exame, ele era portador de “doença mitral”, tendo
“hipertrofia cardíaca total.” Portanto, sua situação era bastante delicada. E o laudo não é
conclusivo quanto ao papel de Maria na morte do paciente: “não pode ter acarretado o
óbito, mas sim, face a sua substituição, talvez o haver precipitado ou antecedido”. A
despeito do laudo inexato, em diversos momentos os agentes envolvidos no processo se
referem a ele como prova da culpabilidade da ré e ele fundamenta a decisão do juiz de
condená-la pela prática de curandeirismo.
Além dos dois depoimentos prestados pela acusada, o processo apresentou
informações importantes que foram prestadas pelas testemunhas. Elas foram escolhidas
entre pessoas que residiam na vizinhança e entre clientes que foram atendidos por Maria
da Glória, o que nos possibilitar acessar o seu cotidiano.
A primeira testemunha ouvida nesse caso foi a companheira de Salvador, Maria
Madalena Lima. Ela deixou o hospital e seguiu com o marido e os filhos para a casa de
Maria da Glória onde permaneceu até a morte do marido. Entretanto, afirmou que só
soube que o marido se destinava a uma casa de candomblé, quando lá chegou. A queixa
em relação ao ocorrido foi prestada por ela, que buscava se eximir de qualquer
participação no ocorrido. No depoimento ela tenta afastar a possibilidade de ter
influenciado Salvador na decisão de procurar a curandeira, ou de tê-lo auxiliado na
saída do hospital. Na versão dela dos fatos ficam evidentes os procedimentos de cura
que teriam sido realizados por Maria da Glória:
são condizentes com as declarações de Maria da Glória que afirmou ser sacerdotisa do
candomblé e realizar sessões de cura.
A condição de Maria da Glória como sacerdotisa do candomblé não é uma
suposição, a acusada e todas as testemunhas reafirmam essa condição. Durante o
depoimento da viúva de Salvador Mota o delegado fez questionamentos coerentes com
a lógica da crença, buscando informações sobre festas ocorridas durante a permanência
de Maria Madalena na casa, assim como questionando a frequência de pessoas em busca
de cuidados. Ele perguntou ainda “Se Salvador foi alguma vez, levado ‘a camarinha’
que existe no quintal da casa e de que maneira fora ele lá introduzido?” A despeito da
negativa na resposta da interrogada, ficou registrado o interesse do delegado em saber se
Salvador teria passado pelos rituais de iniciação. Isso porque, a permanência na
camarinha compõe etapa importância nos ritos iniciáticos dos candomblés baianos.
Como informou Verger:
Tratava de uma casa simples, que não trazia em sua fachada qualquer indicação
das práticas religiosas que ocorriam ali. Certamente, os consulentes ali chegavam
através de indicações de outras pessoas tratadas pela sacerdotisa.
Maria da Glória refere-se aos deuses como guias e encantados. O responsável
pela casa seria Ogum de Lei, que iniciaria o tratamento das pessoas as quartas e sextas
feiras utilizando para tanto banhos de folhas, remédios de farmácia e injeções, a
depender das necessidades do cliente. A acusada explica que não fez o tratamento de
Salvador Mota, por conta da indicação do seu guia:
Nos dois depoimentos prestados ao longo do processo Maria da Glória negou ter
cuidado de Salvador. Segundo ela, o doente teria lhe procurado antes de ir ao Hospital
“pedindo para ‘por uma mesa’, que ela pôs a ‘mesa’, e viu que Salvador estava em
estado grave doente do coração e do fígado” (Ibidem, fl. 31). As revelações na prática
de adivinhação teriam lhe convencido de que seria impossível curar o consulente. No
trecho supracitado a depoente evidencia que além das práticas de adivinhação e uso de
“remédios de farmácia” também incorporava seu guia, que por sua vez aconselhava
consulentes.
No segundo depoimento Maria da Glória apresentou mais detalhes sobre o ato
de colocar a mesa:
que ela declarante punha mesa colocando um copo cheio d’água numa
mesa, arrodeando com nove pequenas luzes, vendo dentro do copo a
doença do consulente, o santo e ‘traço’ da pessoa, revelado no copo o
caráter do consulente, que ela declarante saberá se é ladrão ou pessoa
honesta; que ela declarante vem há dezesseis anos pondo mesa e
fazendo tratamento de saúde (...) (VCC DE ITABUNA, 1952, fl. 31)
um banho de folhas; que denunciada pôs a mesa jogando três búzios pequenos, sobre a
mesa e por esse modo conheceu sua doença”. (Ibidem, fl. 31) Atendendo a um público
que demandava cuidados relacionados a saúde, Maria da Glória dispunha de pelo menos
três caminhos para diagnosticar os pacientes: adivinhação no copo d’água e nos búzios,
podendo também descobrir as aflições ouvindo o seu guia.
Os indícios extraídos do processo permitem desenhar o perfil das atividades
religiosas de Maria da Glória, cujas características fogem modelo nagô que
costumeiramente foi associado a Bahia. O uso do termo “encantado” remete a uma
tradição importante na Bahia, a do candomblé de caboclo, cujas práticas foram
violentamente questionadas pela etnografia dos anos 30, especialmente por Edison
Carneiro, conforme foi discutido no capítulo 1. (CARNEIRO, 1937)
Outra tradição de cultos afro-brasileiros que se assemelha às práticas descritas
por Maria da Glória é a do Jarê, tomado por Ronaldo Senna como um tipo de
candomblé de caboclo. Nas pesquisas realizadas por Senna ficou claro o predomínio dos
encantados brasileiros, que mantinham uma relação contemplativa com os vestígios de
tradições africanas, dessa forma o guia Ogum de lei teria uma autonomia cada vez
maior do orixá Ogum. (SENNA, 1998, p. 117) Na coletânea organizada por Ronaldo
Prandi, Encantaria Brasileira, autores apontaram a diversidade de práticas religiosas
envolvendo guias, encantados e caboclos no território nacional. (PRANDI, 2004)
As práticas e crenças registradas no processo criminal contra Maria da Glória em
Canavieiras desvelam formas de cultuar os deuses identificadas por Roger Bastide, no
interior do Brasil. Ao desenhar sua “geografia das religiões africanas no Brasil”, Bastide
se deparou com regiões cinzentas, nas quais os rituais apresentavam configurações
diferentes daquelas categorizadas como “candomblé, da Bahia”, “Xangô, de
Pernambuco” ou “Catimbó, de Alagoas” Esses ‘inclassificáveis” compuseram no seu
quadro um panorama do que ele chamou “candomblé rural”. Sobre o culto dos
encantados ele afirmou:
Bastide registrou a possibilidade dos encantados falarem pela boca dos fiéis
realizando curas e oferecendo orientação espiritual, situação condizente com os detalhes
informados por Maria da Glória sobre a sua experiência religiosa em que cura e
possessão não estavam em campos opostos.
A popularidade de agentes da cura e sacerdotes como a protagonista do processo
analisado não lhes isentava do controle policial. Durante o interrogatório o delegado
questionou se a casa de interrogada funcionava legalmente, Maria da Glória parecia
pronta para responder e afirmou: “Que vinha funcionando com licença da Delegacia
Regional, sediada nesta cidade, tanto assim que apresenta um documento visado pelo
Sargento Lima Reis, escrivão da Delegacia Regional e com o carimbo do respectivo.”
(VCC DE ITABUNA, 1952, fl. 10). O interrogatório sobre a legalidade do funcionamento
do candomblé explicitou o combate implementado pela polícia local contra os terreiros,
e principalmente, as táticas utilizadas por sacerdotes e filhos de santo para manter o
culto aos deuses. A ré teria solicitado a licença para a realização de um “brinquedo”, a
documentação que ela tentou utilizar justificando a legalidade das práticas religiosas
não liberava à prática de candomblé. Sobre isso o delegado questionou:
Delegacia Regional, de onde vinha obtendo com regularidade, pagando cem cruzeiros
por noite e que quando o sargento Lima Reis vai a sua casa ainda paga as despesas de
automóvel.” (Ibidem, fl. 10). Ao evidenciar que o sargento aceitou a negociação e
frequentava a sua casa, ou seja, sabia que ela batia candomblé, Maria da Glória
evidenciou as fissuras existentes naqueles que tinham a responsabilidade de reprimir as
práticas religiosas. Além disso, a ré ainda afirmou que fazia um pagamento que
extrapolava a liberação da festa, pagava “as despesas de automóvel” do sargento. Sendo
assim, ela expôs a negociação que ocorria para a liberação de sua festa. Atitude
consonante com o bilhete abaixo foi enviado pela acusada para o delegado, durante o
andamento do processo:
12
12
“Senhor capitão o fim das linhas e somente para pedir que o senhor tenha paciência dei-me a ordem de
devolver meus objeto eu que sua fineza pode me proteje a cal o senhor não mi desmoralizou eu não tenho
de que mi valer e ler valida deus dos homens de Justiça que o senhor sabe da minha vida como fraca
muito não lhi promete mais posso lhi agrada si o senhor podes dar providencias e si não poder mande mi
dizer senhor senhor capitão Arquimedes. Nada mais de Maria Gloria de Jesus.” (sic)
276
Que Maria da Gloria deu por diversas vezes garrafadas a sua senhora e
sempre abria mesas e dava a sua mulher como resultado de que o
depoente andava com raparigas; que o depoente tinha de suas
economias dois mil e tantos cruzeiros e essa importância foi toda gasta
277
com Maria da Gloria, pois ausente o amasio dela, dizia ela ser o
depoente obrigado ao sustento da casa para que a sua mulher ficasse
boa (...) não encontrando melhora, o depoente começou a fazer
consultas com alguns médicos da cidade, os quais davam-lhe receitas
(...) certa noite que a sua mulher não ia bem de saúde, procurou um
velha parteira e levou-a á sua casa e esta apesar de sua ignorância, fez
flexões e veio a sua mulher a ter uma criança já morta, ao que dizia
ela, há quatro dias aproximados. (VCC DE ITABUNA, 1952, fl. 26)
Ao relatar a experiência que ele teve com Maria da Glória fica explicado o
motivo da insatisfação de Antonio. A relação de sua senhora, cujo nome não foi
revelado pelo depoente, lhe foi desfavorável em muitas dimensões. Problemas
financeiros, brigas com a esposa e problemas de saúde da mesma que teriam culminado
com a morte do bebê estavam entre as razões que justificam os esforços de Antonio para
afastar sua família do terreiro.
Durante todo o processo, os depoimentos incluindo o da acusada complicaram
ainda mais sua situação na justiça ratificando a sua condição de curandeira, caminho
mais fácil para a sua condenação pelo exercício ilegal da medicina. Somente no final do
processo, durante o seu julgamento é que Maria da Glória modifica um pouco sua
versão sobre os fatos dando a entender que deixara de praticar curas e bater candomblés,
vivendo exclusivamente na função de costureira. A mudança provavelmente instruída
pelo defensor público veio tarde, e a sua atuação foi inexpressiva. O argumento
utilizado para solicitar a absolvição foi o de que a acusada teve boa fé em suas ações. A
despeito disso, Maria da Glória foi condenada a doze meses de detenção, como incursa
no artigo 284, I, II, III, do Código Penal, aplicando-lhe a multa de mil cruzeiros, nos
termos do parágrafo único do citado artigo. (VCC DE ITABUNA, 1952, fl. 40)
Segundo o marido de Maria Luzia a morte da criança ocorreu enquanto Maria tentava
lhe arrancar um espírito do corpo. Sobre os acontecimentos da madrugada o
companheiro dela havia doze anos, diz o seguinte:
talvez imaginadas por ele ou incitadas pelo interlocutor durante o seu depoimento. Luiz
Napomuceno Santos, vizinho da acusada diz:
No mesmo depoimento Luiz Barbosa negou que Maria Luzia tivesse ligação
com candomblés, feitiços e baixo espiritismo. Entretanto, é o único que faz referência
ao “encantado” que teria incorporado na criança. Outro detalhe importante é o estado
em que Gerson se encontrava quando tudo começou, teria caído da cama se batendo,
uma descrição que se assemelha aos sintomas de epilepsia, uma doença que certamente
já levou muitos a procurar cuidados religiosos nos candomblés, pela semelhança entre o
280
seu estado de crise e a possessão dos deuses, antes da feitura do santo. Além dos
sintomas, a hipótese da criança sofrer de epilepsia foi sugerida com base na avaliação
psiquiátrica da acusada no Hospital Juliano Moreira, onde surgiu a informação de que
Maria Luzia teria perdido uma filha anteriormente, vítima de epilepsia. Doença que
poderia também ter vitimado Gerson.
No prosseguimento do inquérito há uma tentativa mal sucedida de ouvir a versão
de Maria Luzia em relação ao ocorrido. O interrogatório é suspenso depois que a mesma
oferece respostas aparentemente sem nexo. Quando perguntada, por exemplo, sobre sua
filiação a mesma responde que seria filha de Jesus Cristo e da Virgem Maria. Diante do
consenso apresentado ao longo do inquérito quanto a responsabilidade de Maria no
assassinato do filho e quanto ao seu estado de alienação mental, a mesma foi conduzida
ao Hospital Juliano Moreira onde permaneceu por dois anos. Ao final desse período, um
laudo psiquiátrico apontou que Maria apresentava comportamentos normais e que não
se lembrava do que ocorreu na noite em que seu filho morreu.
No processo supracitado existem diversas alusões aos encantados. Fazendo uma
busca na bibliografia dos estudos afro-brasileiros encontrei referência aos encantados
entre os pesquisadores que se dedicam a compreender os rituais da população do Norte
do país. Em “Pajelança e Encantaria Amazônica” Raymundo Maués e Gisela Villacorta
problematizaram o termo pajelança comumente utilizado pelos intelectuais para se
referir as práticas religiosas daquela população, mas não reconhecidos pelos atores
desse sistema de crenças, que tem sua centralidade nos encantados:
Nessa lógica da crença o corpo não está sendo atingido e ações como dançar
com os pés descalços sobre cacos de vidro explicitavam a força dos encantados. Mas,
em diversas situações os sujeitos consideravam que estavam possuídos por seres
inferiores - encostos – cuja função era prejudicar a vida e a saúde. Em tais casos,
inúmeras técnicas eram utilizadas para afastar a entidade indesejada, e quase sempre o
corpo do possuído sofria com os efeitos dessas ações.
Durante a pesquisa identifiquei diversos casos em que os sujeitos foram
vítimas de queimadura, em rituais para expulsar espíritos encostados. Havia uma crença
comum de que o fogo poderia ser utilizado como instrumento de purificação. Por isso a
frequência no uso de defumadores, “brasa viva” e tições acesos que aproximados do
corpo da vítima deveria afastar as entidades que lhe perturbavam a vida.
Maria Luzia recorreu a um método diferente; “pegara o menino no colo e
começou a esfregar o menino no chão”. A mãe identificou na criança indícios de que
havia nele um encosto, ela estava tão certa de seu procedimento que relutou em
acreditar que o filho estivesse morto, como dizia o seu companheiro na manhã seguinte.
Não foi possível identificar a repercussão desse caso na imprensa baiana, contudo
acredito que ele deve ter chocado a população, como geralmente ocorre nos casos em
que as mulheres se portam de forma diferente do esperado, em sua atuação como mães.
O caso protagonizado por Maria Luzia a levou ao Hospital Juliano Moreira,
instituição que lidava com os pacientes psiquiátricos da Bahia. A permanência da
paciente no Hospital ocorreu entre 1958 e 1963, nesse intervalo de tempo foram
emitidos dois laudos de exame de sanidade mental. O primeiro laudo apresentou os
seguintes dados:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As pistas encontradas nas fontes sugerem que as categorias analíticas devem ser
flexibilizadas para contemplar práticas definidas pelos sujeitos como candomblé,
abandonando amarras construídas entre o final do século XIX e as primeiras décadas do
século XX, que atendiam aos anseios de membros de alguns terreiros soteropolitanos e
dos estudiosos que escreveram as etnografias. As configurações religiosas que
emergiram das fontes analisadas indicam a necessidade de problematizar as
experiências com o sagrado, tomadas em sua historicidade.
Para lidar com as religiões afro-brasileiras na perspectiva histórica considerei os
conflitos internos e externos. Havia a atuação da imprensa baiana, da polícia e de
organizações médicas – como a Sociedade de Medicina de Itabuna – que declaravam
explicitamente o intuito de combater as práticas de cura, feitiçaria e candomblé.
Entretanto, a atuação dessas instâncias em diversos momentos ocorreu por que
consulentes e fiéis buscaram a imprensa para divulgar problemas ocorridos, registraram
queixas que manifestavam a sua insatisfação quanto aos resultados obtidos, assim como
buscaram auxílio médico ao tempo em que denunciavam a manipulação de ervas no
preparo de garrafadas, por exemplo.
Ou seja, as acusações que produziram as fontes utilizadas ao longo da pesquisa
foram resultado de conflitos internos que chegaram as esferas policiais, médicas e a
imprensa. As tensões revelam que os adeptos das religiões afro-brasileiras
compreendiam a rede de tensões que se estabelecia em torno de suas práticas e quando
julgavam necessário acionavam contra sacerdotes. Por outro lado, mesmo diante de uma
atuação clara da categoria médica contra as religiões mediúnicas expressas em teses,
livros e nas denúncias que motivaram processos, em alguns momentos surgiram
indícios de que os médicos também foram parceiros de agentes informais de cura e se
beneficiavam da popularidade daqueles.
Durante a elaboração do projeto de pesquisa, o contato preliminar com as fontes
indicava uma perspectiva de tradição nas práticas religiosas afro-brasileiras, que por
vezes parecia prescindir das transformações do tempo, mas que apresentavam dinâmicas
ligadas as experiências vivenciadas por seus adeptos, diretamente vinculadas a seu
contexto. A análise da documentação ao longo da pesquisa trouxe à tona algumas
transformações. Na década de 1930 era possível identificar matérias jornalísticas que
tratavam as práticas religiosas afro-brasileiras como reprováveis; símbolos de atraso e
ignorância da população. Ao longo das décadas essas matérias foram dando lugar a
outras que buscavam associar delitos aos rituais. Ou seja, eram retratadas situações que
286
geraram lesões corporais nos envolvidos, como queimaduras. Entre as décadas de 1950
e 1960 o ato de arriar um ebó ou a realização de uma festa no terreiro não eram
justificativas suficientes para as críticas ao candomblé, elas só apareciam quando
associadas a situações adversas envolvendo fiéis e sacerdotes. Na cidade de Itabuna,
durante a década de 1940, algumas reportagens que fizeram graves acusações a supostos
sacerdotes geraram direitos de resposta, o que evidencia uma postura ativa dessas
pessoas, na defesa de suas crenças.
No início das pesquisas o foco eram as fontes produzidas no interior do Estado.
Essa atitude reforçava as teses defendidas pelos clássicos estudos afro-brasileiros
pautados na hegemonia nagô, que se referiam a cidade de Salvador como um reduto dos
orixás. Entretanto, a análise de processos criminais e jornais apresentou um universo
repleto de práticas de cura e feitiçaria em plena capital baiana e na releitura dos textos
de Edison Carneiro, Artur Ramos, Ruth Landes e Roger Bastide identifiquei vestígios
de rituais e práticas, que não eram o foco desses autores. Quando comparados à
documentação encontrada no interior do Estado não identifiquei diferenças
significativas, que justificasse uma oposição entre capital e interior como supunha
inicialmente.
Seja no culto a Taitinga da Raiz, nas mesinhas ou preparo de garrafadas e
defumadores as práticas religiosas disseram muito da forma como vivam os sujeitos, por
isso suas ações precisam ser legitimadas pelo seu horizonte de experiências, e não por
outros critérios. A necessidade de afirmar isso atualmente remete ao título atribuído ao
projeto, no início dessa trajetória de pesquisa: “Tudo ainda é tal e qual e no entanto
nada é igual!”
287
LISTA DE FONTES
a) BIBLIOGRÁFICAS
BASTIDE, Roger. Estudos Afro-brasileiros. São Paulo: Editora Perspectiva, 1973.
__________ O candomblé da Bahia. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
__________ Religiões Africanas no Brasil. 2 ed. São Paulo: Livraria Pioneira, 1985.
CARNEIRO, Edison. Candomblés da Bahia. 9ª ed. São Paulo: Editora WMF Martins
Fontes, 2008. (Raízes)
_________ Ladinos e Crioulos. Estudos sobreo negro no Brasil. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira, 1964.
_________. Religiões Negras e Negros Bantus. 3ª ed. Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 1991.
Estudos Afro-brasileiros. Recife: Fundação Joaquim Nabuco / Editora Massaranga,
1988.
LANDES, Ruth. A Cidade das Mulheres. 2ª ed rev. Rio de Janeiro: Editora UFRJ,
2002.
LIMA, Vivaldo da Costa. “Os obás de Xangô”. Afro-Ásia, Salvador: Centro de Estudos
Afro-Orientais da UFBA, n 2-3, jun/dez 1996.
___________ “O candomblé da Bahia na década de 30.” In: OLIVEIRA, Waldir
Freitas; LIMA, Vivaldo da Costa. (Orgs.) Cartas de Édison Carneiro a Artur Ramos.
Salvador: Corrupio, Série Baianada, n. 5, 1987.
OLIVEIRA, Waldir Freitas; LIMA, Vivaldo da Costa. (Orgs.) Cartas de Édison
Carneiro a Artur Ramos. Salvador: Corrupio, Série Baianada, n. 5, 1987.
RAMOS, Artur. A Aculturação Negra no Brasil. Companhia Editora Nacional: São
Paulo, 1942.
____________ O negro brasileiro. 1º volume: Etnografia religiosa. 5 ed. Rio de
Janeiro: Graphia, 2001.
____________ As culturas negras no Novo Mundo. São Paulo: Companhia Editora
Nacional, 1979.
b) HEMEROGRÁFICAS
c) JUDICIAIS
APEBA
Vara Crime Comarca (VCC) de Salvador
Antonio Clemente Ferreira – Salvador - 1933
Herida Helena Costa – Salvador – 1947
José Dantas Araújo – Salvador – 1965
VCC de Jequié
Narciso Archimínio da Silva – Jequié – 1935
d) LEIS
REFERÊNCIAS