Você está na página 1de 4

08/10/2018 O que devemos aos nazistas | Cultura | EL PAÍS Brasil

CULTURA

COLUNA

O que devemos aos nazistas


Já virou lugar-comum afirmar que é possível ser genial e
monstruoso ao mesmo tempo. O importante é que o gênio não
maquie o monstro. Nem vice-versa
JAVIER RODRÍGUEZ MARCOS

10 JAN 2018 - 15:56 BRST

O ator Max von Sydow (segundo à esquerda), no papel de Knut Hamsun no filme ‘Hamsun’, de Jan Troell
(1996)

O horror caduca antes da beleza. Em agosto de 2009, a


MAIS INFORMAÇÕES
princesa Mette-Marit viajou a Presteid, um povoado a 1.500
quilômetros de Oslo. Completavam-se 150 anos do
nascimento de Knut Hamsun, ganhador do Prêmio Nobel de
Literatura de 1920, e a futura rainha da Noruega havia sido
encarregada de inaugurar um espetacular Centro Hamsun
A fuga interminável
de Josef Mengele, o projetado por Steven Holl. Todas as honrarias pareceriam
https://brasil.elpais.com/brasil/2018/01/09/cultura/1515521314_832357.html 1/4
08/10/2018 O que devemos aos nazistas | Cultura | EL PAÍS Brasil

médico de Auschwitz insuficientes para recordar o escritor norueguês mais


universal depois de Ibsen, não fosse o fato de o homenageado
ter deixado duas pedras em nossos sapatos. Uma delas é o
elogio fúnebre que em 1945 dedicou a um “guerreiro da
humanidade” que acabava de se suicidar: Adolf Hitler. Com a
“Auschwitz era um derrota alemã selada, ninguém podia acusá-lo de
lugar de morte onde oportunismo, como quando deu a medalha do Nobel de
você se agarrava à
vida” presente a Goebbels ou comemorou a ocupação de seu
próprio país – foram cinco anos sob o jugo nazista.

Mette-Marit e as autoridades que a acompanhavam


conheciam de sobra o passado de um romancista tão

Agnes Heller: “A amaldiçoado quanto popular. Essa popularidade é a segunda


maldade mata, mas a pedra. Em 1890, Hansum publicou Fome, um dos romances
razão leva a coisas
mais influentes das letras contemporâneas. De Kafka a
mais terríveis”
Thomas Mann passando por Bukowski e Paul Auster, a lista
de seus admiradores ilustra sua influência. No âmbito
hispânico seria o caso de acrescentar Juan Rulfo, que chegou a argumentar que
toda boa literatura vinha da Escandinávia. Se pensarmos no que devemos a Rulfo,
cairemos no que devemos a Hansum.

PUBLICIDADE

inRead invented by Teads

https://brasil.elpais.com/brasil/2018/01/09/cultura/1515521314_832357.html 2/4
08/10/2018 O que devemos aos nazistas | Cultura | EL PAÍS Brasil

Nem é preciso dizer que o museu de Presteid recorda o seu ilustre patrono sem
que as luzes de sua obra ocultem as sombras de sua vida. Sua mera inauguração
já significou a reconciliação com a metade boa de um artista incômodo, a quem,
terminada a guerra, foi aplicada a cômoda teoria do mal irracional: foi enviado a
um hospício.

O modelo norueguês, entretanto, não parece fácil de importar. Vai demorar até
que vejamos a primeira-dama da França, professora de literatura, inaugurando
um centro de estudos com o nome de Louis-Ferdinand Céline. Bastou o anúncio
de que a Gallimard (grupo editorial francês) publicará neste ano seus panfletos
antissemitas para que se reative a polêmica em torno do melhor escritor francês
de seu tempo (ao lado de Marcel Proust). “Se o fascismo e o comunismo só
tivessem seduzido os imbecis, teria sido mais fácil livrar-se deles”, afirmou Jean-
François Revel numa frase que ficou famosa. Se Céline só tivesse escrito o vulgar
e vomitivo Bagatelles pour un Massacre, poderíamos vomitar e ficar tranquilos. O
problema é que ele escreveu também uma obra-prima, Viagem ao Fim da Noite,
insuperável retrato dos tempos modernos. Já virou lugar-comum afirmar que é
possível ser genial e monstruoso ao mesmo tempo. O importante é que o gênio
não maquie o monstro. Nem vice-versa. Por isso a Gallimard escolheu a melhor
maneira de tratar o execrável: uma edição crítica. Transformar em história o que
até agora era apenas alimento para a propaganda ou a indignação não é uma
forma de celebrar, e sim, pelo contrário, de evitar que se esqueça. E de evitar que,
passado o tempo, o antissemitismo de Céline pareça tão remoto como o de
Quevedo, ou seja, algo com que não temos nada a ver.

ARQUIVADO EM:

Opinião · Louis Ferdinand Celine · Knut Hamsun · Literatura nórdica · Noruega


· Literatura europeia · Escandinávia · Nazismo · Livros · Ultradireita · Segunda Guerra Mundial

NEWSLETTERS
Receba a newsletter do Brasil

CONTENIDO PATROCINADO

https://brasil.elpais.com/brasil/2018/01/09/cultura/1515521314_832357.html 3/4
08/10/2018 O que devemos aos nazistas | Cultura | EL PAÍS Brasil

Trabaje menos y viaje Chegou o Novo SUV Segredo de Emilly Milionários exigem
más alquilando su Citroën C4 Cactus  Araujo para dentes que seja banido vídeo
casa. brancos choca fãs da jovem que ensina
(BOOKING.COM) (CITROËN) (NOTÍCIA HOJE) (NEGÓCIO EM 21
DIAS)

Y ADEMÁS...

9 anuncios machistas Naomi Osaka revela Maluma se disculpa Pilar Rubio responde
de la historia reciente lo que le susurró por las letras a Juanma Castaño:
que hoy nos sacarían Serena Williams tras machistas pero "¿Se levanta él por las
(EPIK) (TIKITAKAS) (TIKITAKAS) (TIKITAKAS)

recomendado por

© EDICIONES EL PAÍS, S.L.


Contato Venda de Conteúdos Publicidade Aviso legal Política cookies Mapa EL PAÍS no KIOSKOyMÁS Índice
RSS

https://brasil.elpais.com/brasil/2018/01/09/cultura/1515521314_832357.html 4/4

Você também pode gostar