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ENTRE A PRÁTICA,
A REPRESENTAÇÃO
E A POLÍTICA*
APRESENTAÇÃ DO
DOSSIÊ
LUÍS CLÁUDIO PEREIRA SYMANSKI**
DOI 10.18224/hab.v15i2.6091
pologia Social da UFPR e, a partir de 2013, na UFMG. O desenho da disciplina, antes
do que seguir os programas convencionais deste tipo de curso, que focam na emergência,
caracterização, críticas e sucessões entre as correntes teóricas da arqueologia – usualmen-
te iniciando com o histórico-culturalismo e finalizando com o pós-processualismo ou,
mais recentemente, com a arqueologia simétrica –, aborda temas e conceitos centrais
à disciplina e, portanto, transversais às múltiplas abordagens teóricas. O foco volta-se,
assim, para os fundamentos epistemológicos da arqueologia, para aquelas feições que
caracterizam a identidade da disciplina e que exercem um papel fundamental no pro-
cesso de produção do conhecimento arqueológico.
Deste modo, o programa é estruturado em quatro eixos temáticos: 1- o lugar
da arqueologia nas ciências sociais e suas relações com a antropologia, a história e outras
ciências sociais e naturais, bem como o próprio rompimento com a noção de disciplina
defendido pelo pós-modernismo e pelo pós-colonialismo; 2- os conceitos de cultura,
cultura material e cultura arqueológica e as formas como têm sido pensados por dife-
rentes abordagens teóricas, que se estendem do particularismo histórico ao pós-colo-
passado. Por outro lado, a própria noção de contexto implica que a cultura material
está imbricada nas práticas cotidianas, nas representações, e nas negociações sociais
que envolvem aspirações, afirmações, contestações, submissões, idealizações e poder.
Dissociá-la desse contexto implica em um retorno ao antiquarismo, como bem notou
recentemente Barret (2016). Os arqueólogos têm desenvolvido, ao longo das últimas
décadas, formas criativas de abordar essas questões, que têm levado a um passado bem
mais humanizado do que aquele presente nas noções ortodoxas de tradição, sistema e
comportamento. Essas narrativas podem também atuar como poderosas críticas aos
mecanismos de opressão, de alienação e de violência que têm marcado o mundo con-
temporâneo, ao demonstrar que a existência de múltiplos passados pode abrir o cami-
nho para a possibilidade de múltiplos futuros, antes do que para a inevitabilidade da
permanência da violenta sociedade desigual que temos vivido.
Os artigos presentes neste dossiê, apesar de primarem pelo foco teórico, enfa-
tizam, em todos os casos, a importância dessa materialidade do passado. Este passado
pode ser aquele da emergência e da dispersão de uma tecnologia milenar relacionada ao
‘saber fazer’ cerâmico, como aborda Hepp para o caso da longa continuidade do anti-
plástico cariapé, que pode ser considerado como um agente não-humano totalmente
imbricado nos emaranhados de coletivos que se sucederam e se interpenetraram no
tempo e no espaço ao longo de milênios; como também aquele, quase contemporâneo,
de uma arqueologia de instituições repressivas do século XX, como é o caso das insti-
tuições psiquiátricas de Barbacena discutidas no artigo de Brandão. É também o passa-
do daquelas pequenas coisas que acabam por aparecer mais nas peneiras dos sedimentos
que escavamos do que no contato da colher de pedreiro com o solo arqueológico, como
é o caso das contas de vidro dos espaços de uma senzala oitocentista abordadas por Su-
guimatsu e de seu importante papel, ao lado de outros ornamentos, na construção da
corporalidade e, assim, da identidade dos grupos escravizados; bem como daquele bem
mais evidente nas estruturas funerárias de contextos cemiteriais dos séculos XVIII e
XIX, discutidos no artigo de Roedel. Esta temporalidade, por fim, também diz respeito 190
àquele passado que se embrenha no presente e que faz com que as pessoas e os seus luga-
res de existência se tornem fundamentais na prática arqueológica contemporânea – nas
etnoarqueologias e nas arqueologias públicas, participativas e colaborativas –, conforme
bem problematiza Myashita em seu artigo “De volta para o presente”.
Por fim, os trabalhos aqui apresentados, por se tratarem, em sua maioria, de
pesquisas em andamento, são mais propositivos e reflexivos do que conclusivos. Visam,
antes, apontar para múltiplas direções e, do mesmo modo, demonstrar o potencial que
uma arqueologia teoricamente orientada, focada em contextos e situações específicas,
apresenta para uma compreensão mais crítica dessa modernidade auto-destrutiva que
estamos vivendo.
Referências
BARRET, John. The new antiquarianism? Antiquity, Cambridge, v.90, n. 354, p.1681-
1686, dez. 2016.
BAILEY, Geoff. Concepts of time in quaternary pre-history. Annual Review of Anthro-
pology, Palo Alto, v. 12, p. 165-192, mar. 1983.
GOSDEN, Chris. Postcolonial archaeology: issues of culture, identity, and knowledge.
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