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4 Aescravizacao dos africanos, 1600-1800 4 O crescimento do mercado exportador, principalmente o espetacular surto ocor- rido no final do século XVII no século XVHE, nao poderia ter acontecido sem um aumento correspondente da capacidade de escravizar pessoas, e, conseqiien+ temente, uma intensificagdo da violéncia polftica.1 Enquanto esse ajuste implica desordem na estrutura social onde quer que 0 comércio exterior fosse importan- te, a efetiva organizacdo do fornecimento de escravos requeria que a violéncia politica estivesse contida dentro de fimites que permitissem a venda de escravos para © exterior. A contradigdo inerente a essa situagdo era resolvida por uma separago da infra-estrutura comercial e das instituigdes da escravizagao. Por um lado, a ruptura no processo de escravizagdo estava associada A fragmentagdo politica. Por outro lado, a consolidagao de uma rede comercial independente permitia o movimento dos escravos dentro da Africa e além. Ambas as dimen- ses eram aspectos necessdrios do sistema emergente de escraviddo nesse contex- to africano. A exportagio de cerca de 11 milhdes de escravos de 1500 a 1800, incluindo o aumento astronémico entre 1650 e 1800 no setor atfantico, nao poderia ter ocorrido sem a transformagao da economia politica africana. A arti- culagao do mecanismo de abastecimento requeria a institucionalizagao da escra- vizagao, que era disruptiva (examinada neste capitulo), e a consolidagio de uma infra-estrutura comercial, que era integrativa (examinada no préximo capitulo). UM CONTINENTE POLITICAMENTE FRAGMENTADO- A caracteristica mais difundida da histéria africana no perfodo de 1600 a 1800 era a incapacidade dos fideres militares e politicos de consolidar grandes areas em estados centralizados, apesar da presenga de um grande numero de pequenas organizagGes politicas, No século XVI, apenas Songai ¢ Bornu podem realmente ser chamados de impétios. Os outros estados desse periodo eram muito menores 19 A ESCRAVIDAO NA AFRICA: UMA HISTORIA DE SUAS TRANSFORMAGOES que esses, e grandes areas nao tinham nenhum estado. Em 1800, nao existiam grandes impérios, embora de maneira geral o mimero de estados tivesse aumen- tado, e a drea de sociedades sem estado tivesse sido reduzida. A fragmentagao politica acompanhada de instabilidade era uma caracteristica do perfodo. Essa situag4o politica era muito propicia 4 escravizagdo das pessoas. A regido da savana, onde os estados muculmanos estayam estabelecidos havia bastante tempo, passou por uma transformagao no século XVI que a prin- cipio pode parecer refutar essa generalizacdo. Songai, por exemplo, estendeu as suas fronteicas sobre grande parte da savana da Africa Ocidental, e a sua influén- cia chegou ainda mais longe. Era sem diivida o maior estado na Africa antes do século XIX, realmente um império em grande escala. Na bacia do lago Chade, Bornu também consolidou uma larga esfera de influéncia, embora nao tao gran- de quanto a de Songai. Na regido superior do vale do Nilo, o sultanato funje de Sennar quase alcangou resultados similares, enquanto uma guerra santa mugul- mana ameagava destruir a Etidpia cristd, consolidando dessa maneira o planalto da Etidpia em um forte estado islamico também. Finalmente, no interior da bacia do Zambeze, Muanamutapa ou Monomotapa tinha unificado a regio produto- ra de ouro em um tinico estado. Parecia que a centralizacio politica, e nao a frag- menta¢ao, era a ordem do dia. Todas essas conquistas prometiam mais do que cumpriam, Em 1591, um exército marroquino atravessou o Saara e atacou Songai. O Marrocos nio foi capaz de consolidar 0 seu dominio; nem Songai foi capaz de expulsar os invaso- res. Como resultado, a vasta drea que tinha sido controlada por Songai foi langa- da em um estado de confusao e instabilidade politica. Bornu se engajou ativamen- te nos ataques para a captura de escravos, de modo a financiar o comércio com 0 Império Otomano no norte da Africa, com a esperanga dubia de que uma alianga politica legitimaria e estenderia a hegemonia de Bornu ao sul do Saara. Tal poli- tica impressionava alguns, mas os custos de ataques continuos para a captura de escravos certamente enfraqueceram a influéncia de Bornu nas areas afetadas e fimitou a difusdo do Isla. A jihad da Etiépia nao conseguiu gerar um grande esta- do. Ao contrdrio, alguns pequenos principados mugulmanos foram tudo o que restou depois que a Etiépia cristé recuperou parte do planalto, enquanto os fun- jes de Senar apenas consolidaram uma drea em volta da confluéncia do Nilo Azul e do Nilo Branco. Mais uma vez, nenhum império surgiu da miragem de Dar es Salam — 0 mundo do Isla. Nem Monomotapa sobreviveu: em vez disso se desin- tegrou em varios pequenos estados. O padrao geral da desintegraco politica e dos estados em pequena escala 120 i | { { | ; \

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