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A VW se perde na globalização
“A produção capitalista não é só produção e reprodução de valor e maisvalia. É também
produção e reprodução da própria relação capitalista: capitalistas de um lado,
trabalhadores de outro.” (Karl Marx). por José Martins.
A fábrica da Volkswagen do Brasil na Via Anchieta, em São Bernardo do Campo, está para
fechar as portas. Mas ela já teve seus dias de glória. Nos anos 1970, tinha mais de quarenta
mil operários. Era outra época. Praticamente toda indústria automobilística brasileira se
localizava naquela região do ABC paulista. Incluindo as indústrias de autopeças. E uma
tradicional classe operária, formada e educada no período anterior da industrialização
restringida: funileiros, mecânicos, torneiros, ferramenteiros, eletricistas, pintores,
operadores de máquinas, etc. Força de trabalho abundante, barata e qualificada. Pronta para
ser consumida nas linhas de produção de capital.
O mundo, é claro, só poderia também viver em outra época. Antigos tempos econômicos,
românticos, embalados pela música da Guerra Fria, Estados nacionais fortes, voluntariosos
planejamentos econômicos, corrida armamentista entre compadres geopolíticos,
descolonização capitalista, ditaduras militares, e tantas outras relíquias do pósguerra.
Tempos revolvidos de cabo a rabo nos últimos vinte anos do século passado pela
transformação do mercado mundial. A principal novidade: o cálculo econômico da
produção industrial das diferentes mercadorias libertouse dos protegidos mercados
nacionais e agora mede forças diretamente com o custo de produção das mercadorias
produzidas no mercado mundial.
Mercadorias made in the world. Mercadorias feitas no mundo. Menos de trinta anos
depois, tudo é mais mundial do que nunca. Foram destampados os vasos nacionais que
ainda aprisionavam os últimos demônios do capital. Necessidade do capital de superar suas
crises periódicas de superprodução. Ampliação para novos espaços de valorização e
intensificação dos antigos. A dinâmica econômica como resultado da luta pela
ultrapassagem das crises periódicas de superprodução de capital, da luta para escapar da
queda tendencial da taxa de lucro. A única saída está na ampliação do espaço em que a lei
do valor pode se realizar plenamente: o mercado mundial. Criando novos espaços de
valorização e ampliando o mercado mundial, o capital transforma a geografia global.
Tudo se globaliza com velocidade crescente: as mercadorias, os salários, os operários, o
exército industrial de reserva. Estruturase uma nova paisagem populacional na crosta
terrestre. De um lado, cresce nacionalmente o número de capitalistas; de outro, cresce
globalmente o número de trabalhadores. A relação de produção e de reprodução capitalista
se expande com mais liberdade do que nunca. A população mundial se expande na crista das
ondulações globais de produção de valor e de maisvalia. A produção capitalista não é só a
produção e reprodução de valor e maisvalia. É também a produção e reprodução da própria
relação capitalista: capitalistas de um lado, trabalhadores de outro.
Todas as fábricas das empresas multinacionais se deslocam para lugares nunca imaginados
até trinta ou quarenta anos atrás. Com enorme mobilidade. Instantaneamente. As unidades
da Volkswagen, por exemplo, se espalham pela China, Índia, Rússia, Indonésia, África do
Sul, Polônia, Vietnã, México, Croácia, Turquia, Hungria, etc. São essas incontáveis
unidades de montagem de veículos que agora competem com a unidade da Volkswagen da
Via Anchieta. A disputa se resume em saber quem pode oferecer um “custo fixo” menor e,
assim, ser contemplado com novos investimentos, novos modelos, pelos generosos
capitalistas que se reúnem de vez em quando na sede do Grupo Volkswagen, em Wolfsburg,
norte da Alemanha.
Neste longo processo de globalização de pouco mais de trinta anos, a fábrica da VW na
Via Anchieta se perdeu. Tem hoje pouco mais de 12 mil funcionários, dos quais 8 mil na
produção. Agora a empresa ameaça com a demissão da metade e com o próprio fechamento
imediato da fábrica, caso os trabalhadores não aceitem imediatamente seu plano de
reestruturação: “A montadora anunciou que se os trabalhadores não aceitarem negociar
medidas para reduzir os custos em 15% e aumentar a competitividade da fábrica, o grupo
pode demitir 6.100 dos 12,4 mil empregados e fechar a unidade do ABC. Um dos marcos da
industrialização do país, a fábrica chegou a empregar 42 mil pessoas no final dos anos 70.”
(Folha de S.Paulo, 23/08/2006).
Veremos mais detalhes desse massacre em nosso próximo boletim.