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ANO 20; nº 29; 2ª de setembro  2006.

A VW se perde na globalização
“A produção capitalista não é só produção e reprodução de valor e mais­valia. É também
produção e reprodução da própria relação capitalista: capitalistas de um lado,
trabalhadores de outro.” (Karl Marx).                                      por José Martins.

 A fábrica da Volkswagen do Brasil na Via Anchieta, em São Bernardo do Campo, está para
fechar as portas. Mas ela já teve seus dias de glória. Nos anos 1970, tinha mais de quarenta
mil   operários.   Era   outra   época.   Praticamente   toda   indústria   automobilística   brasileira   se
localizava naquela região do ABC paulista. Incluindo as indústrias de autopeças. E uma
tradicional   classe   operária,   formada   e   educada   no   período   anterior   da  industrialização
restringida:   funileiros,   mecânicos,   torneiros,   ferramenteiros,   eletricistas,   pintores,
operadores de máquinas, etc. Força de trabalho abundante, barata e qualificada. Pronta para
ser consumida nas linhas de produção de capital.

Mercado   interno   protegido  por   elevadas   tarifas   de   importações   de   similares.   Bastava


explorar os trabalhadores, produzir mais­valia absoluta (prolongamento da jornada, salário
abaixo do valor da força de trabalho) e vender as mercadorias no mercado interno, mercado
reservado e com demanda garantida pela secreção das novas classes médias assalariadas e
outras nocivas subclasses consumidoras de bens de luxo. Vivia­se o auge do  período de
substituição   de   importações.  Não   havia   por   que   se   preocupar   demasiadamente   com   a
concorrência   global,   com   a   produtividade   e   muito   menos   com   os   preços   de   produção.
Qualquer problema com os custos, elevava­se os preços de mercado (e a inflação, claro) e
estavam garantidas as gordas taxas de lucro das empresas multinacionais. E a ineficiência
dos capitalistas. O prejuízo ficava por conta das finanças públicas. 

O mundo, é claro, só poderia também viver em outra época. Antigos tempos econômicos,
românticos, embalados pela música da Guerra Fria, Estados nacionais fortes, voluntariosos
planejamentos   econômicos,   corrida   armamentista   entre   compadres   geopolíticos,
descolonização   capitalista,   ditaduras   militares,   e   tantas   outras   relíquias   do   pós­guerra.
Tempos   revolvidos   de   cabo   a   rabo   nos   últimos   vinte   anos   do   século   passado   pela
transformação   do   mercado   mundial.   A   principal   novidade:   o   cálculo   econômico   da
produção   industrial   das   diferentes   mercadorias   libertou­se   dos   protegidos   mercados
nacionais   e   agora   mede   forças   diretamente   com   o   custo   de   produção   das   mercadorias
produzidas no mercado mundial.

Mercadorias  made   in   the   world.  Mercadorias   feitas   no   mundo.   Menos   de   trinta   anos
depois, tudo é mais mundial do que nunca. Foram destampados os vasos nacionais que
ainda aprisionavam os últimos demônios do capital. Necessidade do capital de superar suas
crises   periódicas   de   superprodução.   Ampliação   para   novos   espaços   de   valorização   e
intensificação   dos   antigos.   A   dinâmica   econômica   como   resultado   da   luta   pela
ultrapassagem das crises periódicas de superprodução de capital, da luta para escapar da
queda tendencial da taxa de lucro. A única saída está na ampliação do espaço em que a lei
do   valor   pode   se   realizar   plenamente:   o   mercado   mundial.   Criando   novos   espaços   de
valorização e ampliando o mercado mundial, o capital transforma a geografia global. 

Tudo se globaliza  com velocidade crescente: as mercadorias, os salários, os operários, o
exército   industrial   de   reserva.   Estrutura­se   uma   nova   paisagem   populacional   na   crosta
terrestre.   De   um   lado,   cresce   nacionalmente   o   número   de   capitalistas;   de   outro,   cresce
globalmente o número de trabalhadores. A relação de produção e de reprodução capitalista
se expande com mais liberdade do que nunca. A população mundial se expande na crista das
ondulações globais de produção de valor e de mais­valia. A produção capitalista não é só a
produção e reprodução de valor e mais­valia. É também a produção e reprodução da própria
relação capitalista: capitalistas de um lado, trabalhadores de outro.   

Todas as fábricas das empresas multinacionais se deslocam para lugares nunca imaginados
até trinta ou quarenta anos atrás. Com enorme mobilidade. Instantaneamente. As unidades
da Volkswagen, por exemplo, se espalham pela China, Índia, Rússia, Indonésia, África do
Sul,   Polônia,   Vietnã,   México,   Croácia,   Turquia,   Hungria,   etc.   São   essas   incontáveis
unidades de montagem de veículos que agora competem com a unidade da Volkswagen da
Via Anchieta. A disputa se resume em saber quem pode oferecer um “custo fixo” menor e,
assim,   ser   contemplado   com   novos   investimentos,   novos   modelos,   pelos   generosos
capitalistas que se reúnem de vez em quando na sede do Grupo Volkswagen, em Wolfsburg,
norte da Alemanha.

Neste longo processo de globalização  de pouco mais de trinta anos, a fábrica da VW na
Via Anchieta se perdeu. Tem hoje pouco mais de 12 mil funcionários, dos quais 8 mil na
produção. Agora a empresa ameaça com a demissão da metade e com o próprio fechamento
imediato   da   fábrica,   caso   os   trabalhadores   não   aceitem   imediatamente   seu   plano   de
reestruturação:   “A   montadora   anunciou   que   se   os   trabalhadores   não   aceitarem   negociar
medidas para reduzir os custos em 15% e aumentar a competitividade da fábrica, o grupo
pode demitir 6.100 dos 12,4 mil empregados e fechar a unidade do ABC. Um dos marcos da
industrialização do país, a fábrica chegou a empregar 42 mil pessoas no final dos anos 70.”
(Folha de S.Paulo, 23/08/2006).
Veremos mais detalhes desse massacre em nosso próximo boletim.

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