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O Rei Demônio Vai a Um Encontro em Shinjuku Com

Aquela Garota do Trabalho – Parte 3

Emi estava em silêncio dentro da sala de espera para qual a


levaram. Suas sobrancelhas estavam franzidas profundamente em
sua testa, como se tivessem sido esculpidas.

O mau humor estampado em sua cara fez com que até mesmo
a oficial a cargo da recepção do Departamento de Polícia de Yoyogi
optasse por manter distância.

— Desculpe pela demora. — Logo depois, um policial de


uniforme entrou na sala de espera e cumprimentou Emi, que não
tinha mais tranquilidade o suficiente para retornar o favor no
momento. — Agradeço por tirar um tempo para vir aqui. Há todo um
processo que precisamos realizar, sabe?
— Sim...
— Hm, primeiro, se eu puder conferir sua identidade...
Obrigado. Agora, se você puder escrever seu nome e endereço nesse
papel e colocar seu selo aqui...

Ela estava começando a se perguntar por que se incomodou em


trazer seu cartão de seguro. Supostamente, era para eles ajudaram-
na a conseguir um novo cartão de banco, mas agora lá estava ela,
esperando, esperando e esperando.
Emi assinou os documentos, colocando tanta pressão que
quase rasgou o papel; então bateu o seu selo na almofada de tinta,
antes de carimbar a folha e fazer a tinta sair do outro lado,
manchando a mesa.

Um pouco assustado com essa cena, mas sem saber o porquê


disso, o oficial continuou sorrindo com a maior sinceridade que
conseguia para essa cidadã cumpridora da lei.

— Certo. Isso deve servir para a transferência dos documentos.


O Senhor Maou e o Senhor Ashiya estão esperando em outra sala,
então você pode ir em frente e sair junto. Pode ser que precise voltar
depois, caso a gente encontre algo.
— Não vou sair com eles!
Ela rosnou para o oficial como um tigre enjaulado.

— Pois é... desculpe por isso. Não conseguimos pensar em mais


ninguém, então...
— Nós realmente queríamos evitar ter que contar com você
para isso, porém...

Maou e Ashiya tentavam ao máximo manter tudo sob controle


em frente à entrada da delegacia.

— Quando aquele detetive apareceu na nossa porta, cara,


ficamos apavorados. Não tinha ideia de que eles conseguiriam
rastrear nosso endereço por causa da minha bicicleta! Esse é um
trabalho policial assustador.

— E a Heroína estava mesmo mentindo sobre sua idade.

— Sim, foi como eu disse. Não se pode fazer algo como alugar
um apartamento se for de menor, a não ser que tenha alguns
fiadores e a aprovação dos pais. Não sei que tipo de truque usou,
mas eu já imaginava que ela devia estar registrada como uma adulta,
no mínimo uns vinte anos. Engraçado, né? Na maioria das vezes, as
pessoas arredondam para menos quando querem mentir sobre a
idade.

— Concordo. A menos que queira comprar alguma bebida. Será


que não é essa a principal motivação?
— Não importa!

O grito agudo de Emi fez Maou e Ashiya se encolherem,


cobrindo os ouvidos.
— Por quê? Por que tinha que ser eu...? — Ela tremia de raiva
agora. — Por que eu, a Heroína de Ente Isla, precisei servir como
contato de referência para dois demônios!?

— Ca-Cale a boca! Você está falando alto demais!

Maou levou Emi para o lado de fora da estação enquanto sorria


distraidamente para as pessoas que os encaravam.

— O que a gente poderia fazer? Eu disse a você, não


conseguimos pensar em mais ninguém!
— Eu até pensei na Kisaki, do MgRonald..., mas, mesmo que
meu soberano seja a vítima aqui, temia que ela pudesse demiti-lo
por estar envolvido em problemas com a lei.

— Ahh, duvido que ela seja esse tipo de gerente..., porém, não,
não quero incomodá-la.

Emi não estava interessada nas desculpas deles. Além disso,


dar ouvidos às mentiras maliciosas de um demônio a tornaria uma
Heroína indigna.

— O quê!? Então não tem problema me incomodar!?

— Bem, é o trabalho do Rei Demônio incomodar a Heroína,


né?

Ela passou uma mão nervosa no cabelo. Ele não precisava agir
tão pretencioso com relação a isso!

— A propósito, como você conseguiu meu número!? Não me


diga que fuçou no meu celular ontem à noite?

— Claro que não! Você precisou dá-lo quando fomos levados


para a delegacia aquela vez, se lembra?

— Tudo bem, mas..., mas por que você deu o meu nome!?

— Não tinha mais ninguém! O que queria que fizéssemos? Não


temos amigos também! Além disso, qual é, deixamos você passar a
noite lá em casa.

— Nnnnnghhhh!!
— Ei, esse não é o seu uniforme de trabalho? A Heroína é uma
secretária? Que maneiro.
— Quem te perguntou!?
Ela arrancou a gravata do pescoço, então baixou a cabeça,
sentindo-se envergonhada.

— Ouça, acalme-se, Emília. Que tipo de Herói age assim?

— Não preciso que você me ensine boas maneiras, Alciel! Se


olhem no espelho! É o começo de mês, mas a geladeira de vocês está
completamente vazia! Costumavam chamá-lo de “o maior
estrategista do exército dos demônios”! Hah! Vocês não planejam
direito as compras!?

— Urrgh!

Alciel caiu de joelhos, parecia que sofreu ferimentos graves por


causa daquele golpe verbal preciso. Ele murmurava que não era sua
culpa.

— Poderiam fazer o favor de se cuidarem mais!? Alguém me


ameaçou de morte pelo telefone hoje! E você também é alvo deles,
Rei Demônio! É melhor tomar cuidado, entendeu!?

— Como assim?
Emi colocou uma mão no quadril, estufou o peito e apontou
um dedo para ele, ignorando sua pergunta.

— Entendeu!? É um aviso! Mas não se esqueça! Eu sou a


Heroína e vou matar o Rei Demônio, levando Ente Isla para uma
nova era de paz! Tudo bem!?

— Aprecio o seu entusiasmo, mas, por favor, tente não se


esquecer que estamos em público.

Maou parecia nervoso. Ashiya estava rolando no chão,


chorando, e Emi continuava a apontar o dedo para Maou,
mostrando raiva com a voz retumbante de uma rabugenta inata.

De repente, ela percebeu os policiais e visitantes a encarando.


Em um instante, toda a região entre seu pescoço e ponta das orelhas
ficou brilhando de vermelho.

— Eu... eu... uh... Ouça, tenha cuidado, tá!? Só queria dizer


isso!
— Obrigado pelo aviso...

Ela ignorou a resposta apática dele, balançou a bolsa que


carregava e partiu rapidamente, como se tentasse escapar.

— Eu... e ela. Eles estão atrás de nós dois. E ainda avisaram?

Maou precisou de um tempo para levantar do chão o


fatalmente ferido Ashiya.

— Ashiya, volte a si.


— N... Não foi minha culpa... eu mantive um orçamento
perfeito...

— Deixa disso! Ouça, vamos para casa. Preciso encontrar a Chi


mais tarde.

֎
— Droga! Aqueles policiais fizeram com que eu perdesse muito
tempo hoje.

— Mas deu tudo certo no final, não deu? Eles até consertaram
os pneus furados para você.

Não foi o suficiente para fazê-lo parar de resmungar enquanto


levava sua bicicleta de volta para casa. Ele foi interrogado pela
polícia, mas foi tratado como vítima de um assaltante, não como
suspeito do tiroteio.

A desculpa que deu para a bicicleta abandonada na intersecção


não foi exatamente seu momento mais eloquente como Rei
Demônio.

— Eu, hm, estava assustado... Não sabia o que estava


acontecendo, por isso a larguei e fugi.

O oficial o interrogando aceitou isso sem um pingo de suspeita.


Até mesmo disse que sentia muito por eles. Uma enorme
humilhação.

De volta no apartamento, O Rei Demônio e seu companheiro


de batalha discutiam os problemas mais urgentes.

As mensagens que receberam na noite passada de Chiho e do


número desconhecido falavam sobre os terremotos. Maou
respondeu a ambos, mas o desconhecido não disse mais nada
depois. Enquanto isso, Chiho escreveu:

Não estou louca e também não é brincadeira. Acho que um


terremoto está vindo. –Chiho

Era difícil entender o que ela queria dizer com isso. Para
começo de conversa, por que ela colocava o nome em cada
mensagem? E emojis?

Depois de mais algumas mensagens, Chiho esclareceu que


acreditava na chance de um terremoto acontecer logo. Ofereceu-se
para explicar, mas Maou pediu para encontrá-la à tarde, já que uma
conversa direta parecia ser a forma mais fácil para entender bem a
situação.

— O que a Sasaki disse?

— Alguma coisa sobre ter ouvido uma voz.

— Hm?

— A voz de um homem. Ela disse que estava dando algum tipo


de aviso estranho e tal.

— Isso não faz sentido. Não estamos em um filme ou em um


anime. Você não vê garotas colegiais ganhando poderes telepáticos
assim, do nada.

— Pois é, até achei que ela só estivesse tendo estranhas


desilusões adolescentes no começo. — Maou sorriu sombriamente.
— O fato é, pensei que tivesse uma história maior por trás disso
tudo, mas parece que ela começou a ter essas estranhas experiências
depois de ser contratada pelo MgRonald.

— Depois que entrou em contato com você, meu soberano? Foi


assim que começou?

— “Entrou em contato” não é exatamente o termo que eu


usaria, mas pode-se dizer que sim, aham. Ela começou a ouvir um
eco, e, sempre que um terremoto acontece, é algo imenso ao redor
dela. Sabe, pode até não parecer, mas ainda sou o rei do reino dos
demônios, né?

— Com toda a certeza. E você não parece, meu soberano.

— Quero dizer, não seria estranho se minha simples presença


estivesse afetando as pessoas e coisas ao meu redor. Sou o Rei
Demônio, afinal.

Podia-se perdoar caso pensassem que era Maou quem estava


tendo estranhas desilusões adolescentes agora.

— Mas, nesse caso, por que você não está afetando o resto dos
funcionários do MgRonald?

— Sei lá. Talvez eles não tenham percebido ainda. Ou pode ser
que seja apenas a Chi imaginando coisas. Mas nós fomos atacados
por disparos mágicos recentemente, e Emi também recebeu uma
ameaça de morte, não é? Não sei quem estamos enfrentando, mas é
possível que saibam quem somos e por isso conseguem colocar mais
pressão sobre nós. E, no pior dos casos...

— No pior dos casos, você acha que a Chiho pode estar


envolvida com o inimigo?

— Não quero pensar que seja isso, mas... sim. De qualquer


forma, precisamos investigar todas as possibilidades, não importa
quão remota.

— Eu compreendo, Vossa Majestade Demoníaca. Porém...


nesse caso, desejo acompanhá-lo. Se aquele que o atacou estiver
envolvido nisso, seria melhor mantermos o máximo de atenção
possível na rua.

— Ah, você só quer ver a Chi, não quer?

Maou encarou Ashiya, um olhar perverso cobria o seu rosto.


Ashiya respondeu com um sarcasmo desafiador:
— Se me permitir, Vossa Majestade Demoníaca..., caso eu não
esteja de olho, temo que você se esqueça que sua conta no banco está
vazia e trate a Sasaki da melhor forma possível apenas para se
mostrar. E, se o nosso inimigo realmente aparecer, e não o
descobrirmos e nos livrarmos dele, você será o motivo de piada do
reino dos demônios. “Oh, veja, lá está o Rei Demônio flertando com
uma jovem adolescente”.
Até mesmo o poderoso Rei Demônio não tinha palavras para
contrariar essa lógica infalível.

— Então, onde e quando você planeja encontrá-la e quanto


tempo ficará fora?

— Quem é você, minha mãe!? Ela disse que tem algum tipo de
atividade de clube depois da escola, depois vamos nos encontrar na
saída leste da estação de Shinjuku às cinco.

— Ah, ainda temos tempo. Devemos ir, Vossa Majestade


Demoníaca?

— Hein?

Maou, confuso, observava Ashiya levantando-se para partir de


novo, mesmo que recém tenham chegado em casa.
— Devemos ir às compras e ao barbeiro. Tenho certeza, Vossa
Majestade Demoníaca, que você não pretendia ir a um encontro com
esse seu cabelo bagunçado e usando UniClo dos pés à cabeça.

— Quem se importa? Nós só vamos tomar um café, conversar


um pouco e, então, tchau-tchau! Não precisamos-

— Se uma jovem garota está enfrentando problemas, ela jamais


se dignaria a discutir isso com alguém, a não ser que seja um amigo
próximo. Nem mesmo com os próprios pais. Vossa Majestade
Demoníaca, você deve saber o que significa contar os segredos
íntimos à outra pessoa.
Ele pôde ver a lógica após ouvir isso.

— Tudo... bem. Certo.

— Maravilha. E eu odiaria pensar que uma garota humana


achasse que meu grandioso mestre não dá a mínima para a
aparência. Você deve ter uma presença marcante a todo momento.
Roupas, meu soberano, fazem o homem!

Maou finalmente encontrou algo para contrariar enquanto


Ashiya caminhava com pressa até a porta.

— Farei você se arrepender do dia em que criticou minhas


roupas! E criticou a UniClo, a marca de roupas que mais cresce no
Japão!

֎
O centro de atendimento da Dokodemo ficava aberto até às
cinco da tarde nos finais de semana e feriados. Emi saía do escritório
meia hora depois. Graças a Maou e Ashiya fazendo com que perdesse
todo o intervalo para o almoço de maneira extravagante, seu
desempenho durante a tarde caiu devido à falta de entusiasmo. Ela
ficou pálida o bastante para que Rika, no cubículo ao lado, ficasse
preocupada com sua saúde.

— Ei, por que não sai um pouco mais cedo hoje?


— Aham... também acho que deveria.

— Não sei o que aconteceu, mas... melhoras, okay?

— Obrigada.... — Emi sorriu com dificuldade.


Enquanto Rika se despedia dela, Emi entrou no agito de
Shinjuku, balançando contra as ondas constantes de pessoas que
passavam por ela.

Que crime cometeu para ter que ser referência para seus
inimigos jurados?

Estava flutuando, sem saber o que fazer, entre as correntes de


punição da sociedade moderna, e, sem nem perceber, havia vários
documentos oficiais do governo assinados, dizendo que ela tinha
uma relação próxima com o Rei Demônio.

Essa era a maior humilhação de sua vida.


A entrada da linha de Keio que Emi usava era próxima à saída
oeste da estação de Shinjuku. A partir da saída leste, ela preferia
usar um corredor subterrâneo que a fazia seguir sempre reto, sem
ser parada por semáforos e multidões.
Hoje, no entanto, a escada íngreme que levava ao corredor
parecia nada menos que a descida até a pura escuridão.

— Não... aguento mais...

Por isso, enquanto descia os degraus, desejava poder tratar a


figura que notou agora há pouco, passando ao seu lado na frente das
lojas e restaurantes, como uma ilusão devido à sua exaustão. Mas
reconsiderou, sentindo que seu orgulho como Heroína estava em
jogo. Reunindo toda a coragem que tinha no coração, aproximou-se
da figura por trás e puxou seu ombro.

— O que está fazendo aqui, Ashiya?

— Aghh!
Vê-lo no centro da cidade assim deixava bem claro que ele era
bem mais alto do que a média.

— E-E-Emili—

— Emi. Emi Yusa. Não acha que devia ter mais cuidado ao
chamar os outros pelo nome verdadeiro na frente dos outros,
Ashiya?

— Ngh... hh. — Ashiya gemeu com um olhar torcido no rosto.


— Me parece que você está agindo estranho. Até pensei que
estava perseguindo alguém.

— Gahh!

O rosto dele ficou ainda mais contorcido.

— Ah, parece que acertei. Estou impressionada que os


seguranças não pararam para o questionar.

Emi notou Ashiya porque ele estava se escondendo atrás de


uma coluna de sustentação da estação, esticando o pescoço para o
corredor, como se estivesse brincando de esconde-esconde com o
resto do mundo. Na verdade, esqueça. Verdadeiros participantes de
esconde-esconde seriam muito menos visíveis do que ele.

— Não... não tem nada a ver com você! Vá embora!

A julgar pela resposta nervosa, ela o pegou em um momento


ruim. Algo na mente de Emi fazia com que ela não deixasse o
assunto de lado.

— Oh, é assim que você trata a mulher que tirou você da


cadeia, Ashiya?

— Suuaaa! Aquilo foi apenas um pequeno favor! Não vá


achando que é grande coisa, seguidora da Igreja!

— Demônios são bem ingratos mesmo, não são? E, além disso,


você acha que um Herói simplesmente deixaria vocês correrem
soltos depois de serem descobertos?
— Não, mas... por favor, me deixe em paz agora!

— Nunca o deixei em paz durante seus dias de demônio. Por


que deveria agora?
Optando por ignorá-lo por enquanto, Emi olhou para onde ele
estava encarando há pouco.

— Ah! Espere! Não pode ser!

Empurrando o agitado Ashiya para trás, Emi percebeu que o


local de observação do demônio era um pequeno café. Era bem
comum, como vários outros cafés por aí, mas, em uma das mesas
alinhadas ao lado do vidro da frente...
— Ah... — engasgou.

— Ahhh! Me perdoe, meu soberano...!

Ashiya começou a murmurar atrás dela.


— Ei! Alci—Ashiya! Do que se trata isso?

— Jamais direi uma palavra sequer! Descubra sozinha!

— Descobrir? Como!?

Ela deu de cara com uma imagem surpreendente.


Era Maou e aquela jovem do MgRonald, chamada “Chi”,
conversando como se fossem melhores amigos! Não importava como
olhasse, eles eram um casal no meio de um encontro. Maou parecia
ter sofrido uma transformação também. Parecia que tinha saído de
uma reportagem de “Gatos Descolados e Modernos” de uma revista
de moda. O “antes e depois” era ainda mais inacreditável do que os
comerciais de perda de peso.

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