Você está na página 1de 5

TRIBUNAL MARÍTIMO

AR/NCF PROCESSO Nº 30.368/16


ACÓRDÃO

B/P “SINAL DA CRUZ”. Encalhe seguido de naufrágio. Vigilância durante a


noite feita de forma inadequada. Ferro que garrou permitindo que a
embarcação derivasse até uma laje de pedras. Atenuantes. Condenação.

Vistos e relatados os presentes autos.


Tratam os autos de um encalhe seguido do naufrágio de uma traineira quando
se encontrava fundeada nas proximidades do canal da Ponta Negra, em Maricá, RJ, que
causou a perda total do barco e poluição.
Envolveu-se no acidente o B/P “SINAL DA CRUZ”, traineira medindo
26,6m de comprimento, 7,7m de boca, 146 AB, casco construído em madeira,
classificado para pesca em navegação de cabotagem, registrado no Tribunal Marítimo
sob a propriedade do Sr. José Palmas Bragado.
Consta dos autos que no dia 17 de janeiro de 2015, por volta das 14h,
suspenderam do Rio de Janeiro em direção a Cabo Frio para pescar e no dia 18 de
janeiro, por volta das 17h, durante a viagem de retorno, na altura de Ponta Negra, Maricá,
RJ, largaram o ferro em uma profundidade estimada de 23 metros para pernoitar. Durante
a noite, com a variação da maré, a embarcação se descolou e por volta das 05h da manhã
do dia seguinte viram que estavam encalhados sobre uma laje de pedras. O Mestre do
barco, Sr. Antonio Guido de Abreu Calaça, se comunicou com o proprietário por telefone
e pediu ajuda a outras embarcações através do VHF, tendo o GMAR de Itaipu resgatado
os 23 tripulantes sem ferimentos e a Capitania dos Portos e o Instituto Nacional do
Ambiente (INEA) enviaram equipes ao local para as devidas providências.
Dois rebocadores foram utilizados para tentar remover a embarcação sem
sucesso. Durante a operação de remoção a embarcação naufragou, tendo sido colocadas
barreiras de contenção no local para evitar que o óleo que havia nos tanques se
espalhasse. O B/P “SINAL DA CRUZ” sofreu danos estruturais catastróficos que
resultaram em sua perda total e para preservar a segurança da navegação a embarcação
foi cortada e os destroços levados para descarte em local apropriado.
Durante o inquérito foram ouvidos o proprietário da embarcação, Sr. Manuel
Palmas Bragado, e o mestre, Sr. Antonio Guido de Abreu Calaça, que descreveram o
acidente como acima narrado.

1/5
(Continuação do Acórdão referente ao Processo nº 30.368/2016........................................)
===============================================================
O Sr. Antonio Guido de Abreu Calaça disse ademais que havia a bordo 22
tripulantes além dele próprio, todos habilitados, que conhecia perfeitamente a área onde
ocorreu o acidente, que já tinha navegado e ancorado naquela área várias vezes, mas
desconhecia aquela laje em que encalhou. Disse que a embarcação era dotada de GPS,
ecobatímetro, cartas náuticas atualizadas de papel e digital, equipamentos de
comunicações, etc. e que os equipamentos de navegação estavam em perfeito
funcionamento e em nenhum momento os mesmos informaram que havia algum
obstáculo pela frente que impedisse uma navegação segura. Afirmou ter mais de 40 anos
de navegação e que navega naquela área havia mais de 20 anos, estando embarcado como
Mestre do B/P “SINAL DA CRUZ” havia oito meses, mas que tinha vinte e quatro anos
de serviços na mesma empresa sem nunca ter se envolvido em nenhum acidente, sendo o
único responsável pela condução e manobras com a embarcação. Afirmou não haver
culpados pelo acidente e que o acidente não poderia ter sido evitado, pois foi causado
pela virada da maré que estava de vazante, sendo a causa determinante do acidente a
variação da maré e o deslocamento da embarcação durante a noite. Disse desconhecer
qualquer outro acidente naquele local, que seria normal a folga da amarra durante o
fundeio, que o tempo estava bom, mar calmo, sem ventos e boa visibilidade e durante a
noite ficaram dois homens de vigia no convés e nenhuma anormalidade foi percebida que
indicasse que a embarcação se deslocava para cima de uma laje. Pela manhã, ao chegar
ao passadiço, o ecobatímetro estava alarmando, mas não era possível ouvir o alarme no
convés. Afirmou que nas cartas náuticas de posse da embarcação não havia a indicação
desta laje, tendo o acidente ocorrido a cerca de 400m da praia de Ponta Negra.
O proprietário do pesqueiro deu detalhes sobre o resgate.
Os Peritos afirmaram que o tempo estava bom e mar calmo, que os
tripulantes eram habilitados para as funções que exerciam, que o barco estava tripulado
de acordo com seu CTS e que os equipamentos de navegação funcionavam, descartando
a hipótese de que esses fatores possam ter influenciado na ocorrência do acidente.
Destacaram que o mestre ao chegar ao passadiço pela manhã teria ouvido o alarme do
ecobatímetro disparado, indicado baixa profundidade, mas que os dois vigias colocados
no convés não ouviram esse alarme, indicando que a vigilância deveria incluir o
passadiço, local onde se encontravam os equipamentos de navegação. Assim, concluíram
que a causa determinante do acidente teria sido a inobservância de medidas de precaução
na vigilância e segurança que se faziam necessárias para evitar o acidente. A perícia é
ilustrada com fotos do casco destruído e das barreiras de contenção de óleo.

2/5
(Continuação do Acórdão referente ao Processo nº 30.368/2016........................................)
===============================================================
O encarregado do inquérito concluiu que o fator operacional contribuiu para
o acidente, face à inobservância das medidas de precaução na vigilância e segurança
durante o fundeio. Anotou como consequências o encalhe, emborcamento e posterior
naufrágio com perda total da embarcação e poluição hídrica e apontou como possível
responsável pelo acidente da navegação o Sr. Antonio Guido de Abreu Calaça, afirmando
que ele teria sido imprudente ao não adotar medidas eficazes de precaução na vigilância e
segurança durante a noite enquanto a embarcação ficou fundeada.
O indiciado foi notificado do resultado do inquérito, mas não apresentou
defesa prévia (fl. 86).
Os autos foram remetidos ao Tribunal Marítimo que os encaminhou à PEM,
que ofereceu Representação em face Antonio Guido de Abreu Calaça, mestre da
embarcação, com fulcro no art. 14, alínea “a”, da Lei nº 2.180/54.
Depois de resumir os principais fatos narrados no inquérito a PEM afirmou
que o representado teria agido de forma negligente e imprudente ao não adotar medidas
eficazes de precaução durante a noite na vigilância e segurança da embarcação que estava
fundeada, contribuindo para o encalhe. Pediu sua condenação nas penas da Lei e ao
pagamento das custas processuais e que a Capitania dos Portos do Rio de Janeiro
diligenciasse a respeito da infração ao art. 28, inciso I, do RLESTA, infração que deveria
ser imputada solidariamente ao mestre e ao proprietário da embarcação sinistrada.
A representação foi recebida na Sessão Ordinária de 06 de junho de 2017, o
representado recebeu a citação pelos Correios e apresentou contestação tempestiva,
firmada por advogado particular devidamente constituído.
Em sua defesa afirma que a acusação genérica de que o representado teria
sido negligente e imprudente não poderia prosperar, pois não haveria na acusação a
demonstração precisa de que manobra praticada teria culminado no acidente. Afirma que
em mais de 30 anos de serviços no mar nunca havia se envolvido em acidentes, de modo
que pode dizer que possui experiência suficiente para estabelecer como deve ser feita a
vigilância da embarcação. O fato que culminou no acidente seria inesperado, fruto da
fortuna do mar. Encerra a peça dizendo que a necessária e valiosa preocupação com o
combate à impunidade teria levado a PEM a apontar injustamente a responsabilidade pelo
acidente ao representado, mas que como ficaria provado a acusação seria indevida,
motivo pelo qual pede para que a representação seja julgada improcedente. Juntou
somente a procuração passada ao advogado.
Aberta a instrução nenhuma nova prova foi apresentada e em alegações finais

3/5
(Continuação do Acórdão referente ao Processo nº 30.368/2016........................................)
===============================================================
a PEM reportou-se à inicial e o representado repisa a tese de defesa, ressaltando que a
afirmação genérica contida na inicial, de que o representado não adotou medidas eficazes
de precaução e segurança na vigilância da embarcação não seria suficiente para sua
condenação, pois a acusação não teria apontado qual seria o número ideal de vigias, ou
que os vigias deveriam ficar no convés, mas estavam na praça de máquinas, por exemplo.
Ressaltou novamente seus mais de trinta anos de mar para pedir que a representação seja
julgada improcedente por ausência de indicação da conduta imprópria e falhas na
fundamentação da acusação.
É o relatório.
Decide-se:
A acusação feita pela PEM afirma que o representado teria agido de forma
negligente e imprudente ao não adotar medidas eficazes de precaução durante a noite na
vigilância e segurança da embarcação que estava fundeada, contribuindo para o encalhe.
Em sua defesa o representado afirma que a acusação teria sido genérica, não
apontando de modo eficaz que medidas de precaução e segurança que não teriam sido
cumpridas, pedindo o julgamento pela improcedência da representação.
A acusação não é genérica e não é necessário que se aponte que medida de
segurança mais óbvia que deveria ter sido tomada pelo representado, comandante do
barco, para evitar que o ferro da embarcação garrasse e se aproximasse de um alto fundo,
onde encalhou, emborcou e acabou por naufragar. Disse o representado em seu
depoimento que teria deixado dois vigias no convés e que ao acordar pela manhã ouviu o
alarme do sonar disparado, indicando que a embarcação estava sobre águas rasas. O vigia
deve, obviamente, ter acesso ao passadiço e não somente o convés, pois é no passadiço
que fica o rádio e os equipamentos de navegação. Não é necessário que se diga isso na
inicial, pois é o óbvio e o que se faz corriqueiramente no mar.
Sendo assim, o acidente da navegação que nesses autos se caracterizou pelo
encalhe seguido de naufrágio de um barco de pesca e que por consequência causou sua
perda total, teve por causa determinante a inadequada vigilância do passadiço durante a
noite, que fez com que o barco se aproximasse de águas rasas sem que ninguém tomasse
atitudes para evitar o choque com o fundo.
Deve ser a representação julgada procedente para responsabilizar Antonio
Guido de Abreu Calaça pelo acidente da navegação. Na aplicação da pena deve-se levar
em consideração que o representado não possui punições nesse Tribunal, contava com
mais de 70 anos à época do acidente e com seu depoimento permitiu que as causas do

4/5
(Continuação do Acórdão referente ao Processo nº 30.368/2016........................................)
===============================================================
acidente pudessem ser desvendadas.
Assim,
ACORDAM os Juízes do Tribunal Marítimo, por unanimidade: a) quanto à
natureza e extensão do acidente da navegação: encalhe seguido de naufrágio de um
barco de pesca, com perda total da embarcação; b) quanto à causa determinante: falha
na vigilância no passadiço durante a madrugada; e c) decisão: julgar o acidente da
navegação constante do art. 14, alínea “a” (encalhe e naufrágio) como decorrente
da negligência do representado, Antonio Guido de Abreu Calaça, aplicando-lhe a
pena de repreensão com fulcro no art. 121, incisos I e VII c/c art. 124, inciso IX,
art. 139, incisos I e IV, alínea “d”, todos os artigos da Lei nº 2.180/54. Custas
processuais na forma da lei.
Publique-se. Comunique-se. Registre-se.
Rio de Janeiro, RJ, em 19 de setembro de 2018.

NELSON CAVALCANTE E SILVA FILHO


Juiz Relator

Cumpra-se o Acórdão, após o trânsito em julgado.


Rio de Janeiro, RJ, em 08 de novembro de 2018.

WILSON PEREIRA DE LIMA FILHO


Vice-Almirante (RM1)
Juiz-Presidente
PEDRO COSTA MENEZES JUNIOR
Primeiro-Tenente (T)
Diretor da Divisão Judiciária
AUTENTICADO DIGITALMENTE

5/5
Assinado de forma digital por COMANDO DA MARINHA
DN: c=BR, st=RJ, l=RIO DE JANEIRO, o=ICP-Brasil, ou=Pessoa Juridica A3, ou=ARSERPRO, ou=Autoridade Certificadora SERPROACF, cn=COMANDO DA MARINHA
Dados: 2019.03.07 18:34:14 -03'00'

Você também pode gostar