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A fundação do Estado brasileiro, que se deu em 1822, foi atravessada por diversas
“pré-condições”, notadamente a manutenção da organização econômica e a reprodução
da estrutura social, herdadas do sistema colonial (Prado Jr, p. 366). Assim, a lógica
agroexportadora sustentada por mão-de-obra escrava e administrada por descendentes de
europeus foi assentada em uma estrutura racializada, onde Estado foi erigido (Furtado,
2016, p. 145). A organização do Estado se deu entorno do controle e manutenção da mão-
de-obra cativa, consolidando a naturalização dos desníveis e relações de poder no corpo
social, através de uma hierarquia pigmentária, ou seja, do racismo de marca3 (Nogueira,
2006, p. 291). A fundação do Estado implicou em certas demandas que corresponderam
a criação do conceito de nação, aos moldes dos Estados-Nação europeus, irredutivelmente
ligados a unidade territorial, linguística e, de certa forma, cultural (Reis, 1988, p. 93). A
fundação do Estado foi seguida da necessidade de invenção da cidadania, abrindo espaços
para o surgimento das narrativas destinadas a construção da comunidade imaginada nação
brasileira. Influenciado fortemente pelo pensamento filosófico positivista do século XIX,
as teorias racistas ganharam terreno nos projetos nacionais, sobretudo a corrente do
darwinismo social e a defesa da eliminação das raças “não-civilizadas”, ou seja, os povos
não-brancos, como percebido nos pensamentos dos principais representantes brasileiros
dessa corrente teórica: Raimundo Nina Rodrigues, Silvio Romero e Oliveira Viana
(Pinheiro, 2014, p. 28).
Em concordância com as teorias racistas eurocêntricas, em 1847, o Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) premiou o alemão Carl Friedrich Philipp Von
Martius pelo texto “Como se deve escrever a história do Brasil”. Correspondendo aos
interesses narrativos do recém-formado Estado imperial brasileiro, o texto de Von
Martius assevera que “o sangue portuguez, em um poderoso rio deverá absorver os
pequenos confluentes das raças Índia e Ethiopicas” (1845, p. 383). O “rio” que absorve
seus “afluentes” se estabelece como metáfora sobre a miscigenação e o branqueamento
da população, tendo em vista a extinção dos “afluentes menores”, ou seja, as “raças índia
e etíope” (Guimarães, 1988, p. 16). Considerou que a história do Brasil deveria ser
contada a partir da perspectiva da branquidade, através do branqueamento em uma lógica
assimilacionista. A justificativa de Von Martius correspondia aos anseios do império
brasileiro, que com a recente independência, necessitava construir a concepção de nação,
através de mitos fundadores, símbolos pátrios e das narrativas legitimadoras da nova
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