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Capitulo 1
Capitulo 2
Anne abriu os olhos e percebeu uma nesga de luz entrando pela cortina do
quarto e batendo em seu rosto, esticou-se como uma gata feliz e levantou para
fechá-la. Quando olhou em volta se deu conta de que aquilo não era seu e uma
sensação de culpa tomou conta dela: seus pais sempre haviam feito tudo que podiam
por ela e não era justo com eles que ela gostasse tanto desse luxo mas, a maciez
dos lençóis foi mais forte e ela correu novamente para debaixo das cobertas macias
e continuou seu sono imperial.
Já eram dez horas da manhã quando ela resolveu abandonar os lençóis da
cama com a cabeceira fenomenal feita de jacarandá marrom queimado e torneada
a mão por algum exímio carpinteiro no século XVII. As peças de arte que essa
mansão incrustada na cobertura do Imperial Gardens possuía, concorreria com
qualquer mansão na velha Europa, com seus anos de vantagem. Jackie colecionava
objetos de todos os tipos: uma ânfora grega sobre a penteadeira e um espelho com
moldura de prata no estilo medieval davam o acabamento a uma mesa de
marchetaria russa no canto do quarto. As inúmeras peças se espalhavam pelo
apartamento, simplesmente fazendo parte da decoração ou ainda largadas
displicentemente em qualquer canto, como se tivessem sido recolhidas em uma feira
de usados em qualquer feira por aí. Anne sabia de onde vinham e de qual período
histórico eram porque sempre perguntava a amiga quando percebia uma diferente
mas, não sabia de todos, pois eram muitos e alguns eram guardados em um cofre
mantido em segredo. Anne sabia que ele existia em um quarto do apartamento pois,
a amiga o havia mencionado mas, ela nunca o viu pois esse quarto era
constantemente trancado. Entretanto, o que mais chamava a atenção de qualquer
um que conhecesse o apartamento do pai de Jackie era que esse parecia ser muito
mais valioso que aquele, em termos de móveis, objetos de arte, lugar, tamanho. O
homem levava uma vida muito confortável sim, mas, sua única filha o vencia em
todos os quesitos de riqueza e luxo: mimos, pensavam todos.
Anne acreditava que uma das razões para Rosemary se afastar de Jackie foi
essa: esse apartamento cheio de riquezas espalhadas casualmente, como se nada
valessem, por todo canto. Houve um tempo em que as três tinham uma amizade
mais próxima, mas no primeiro dia em que Rosemary pisou no apartamento algo se
rompeu. Uma falta de harmonia e um estranho campo elétrico parecia se formar
quando as duas se encontravam, faíscas eram o que parecia sair dos olhos de
Rosemary, como um animal sempre preparado para atacar. Anne questionou a
amiga muitas vezes e a perguntava porque não se sentia mais à vontade com Jackie
e ela a respondia somente que não sabia...
Um dia, depois de tanto insistir Rosemary lhe respondeu nervosa : - Ora Anne,
como você acha que me sinto vendo tantos objetos históricos de valor inestimável
para todos nós, trancados em um apartamento e sendo usados como enfeites e
quinquilharias por uma mulher quando deveriam estar em um museu, sendo
apreciados por todos nós meros mortais ! Quem ela pensa que é? Uma deusa?
Anne se satisfez com a resposta, não concordou, mas a velha amiga era uma
historiadora incansável e, achou que isso realmente a incomodava. Assim, decidiu
que seria amiga das duas mas não as obrigaria a estarem muito tempo juntas. Nunca
mencionou isso para Jackie , deixou-a pensando que eram ciúmes por ter que dividir
a atenção da amiga, afinal, as duas só se conheceram no último ano da faculdade,
e isso fazia somente um ano ao passo que Rosemary esteve com ela desde o
primeiro dia da graduação ; era como uma anjo protetor com seu sorriso incansável,
bondade, força, coragem e luz.
Jackie carregava uma áurea de mistério, um sorriso malicioso, sua força era
diferente, parecia sempre pronta a defender-se ao passo que Rosemary estava
sempre pronta para defender ao outro, a luz de Jackie vinha de seu conhecimento
de tudo, do seu poder de sedução, da sua elegância e também, de seus diamantes.
Enrolou-se no lençol e se dirigiu ao quarto da amiga para pegar uma roupa
emprestada, passou pelo quarto, banheiro e foi parar no closet. Tudo isso junto
parecia ser maior que a parte superior de sua casa. As paredes, móveis, cortinas,
carpet, quase tudo em seu quarto era branco. O banheiro era inteiro de mármore
branco, somente as torneiras douradas se diferenciavam. O closet seguia o mesmo
estilo e no meio dele um enorme sofá rosa claro, estilo francês que poderia
facilmente ter pertencido à rainha Maria Antonieta em Versailles.
Certa vez Anne tinha perguntado a Jackie porque gostava tanto da cor branca,
uma vez que não era somente em seu quarto que essa cor predominava, mas
também em suas roupas. Jackie a respondeu que não tinha um pingo de pureza em
sua história nem em sua alma por isso, o branco a fazia crer que estava, de alguma
maneira, mais perto da pureza, da luz.
Anne sabia da história de sofrimento da amiga, tendo perdido a mãe quando
era bebê e sido criada em colégios internos, sozinha. Disse que seu pai levou anos
para a perdoar por ter sido a causa da morte da mãe mas, ela nunca considerou a
amiga uma má pessoa e achava que a história de vida de ser humano não define o
seu caráter. Era muito triste ver a amiga sentindo-se tão mal então, nunca mais tocou
no assunto.
Escolheu a roupa mais simples que encontrou. Jackie tinha o gosto sofisticado
e sensual. Anne era romântica e tradicional. Olhou , olhou , abriu várias portas e
gavetas. Numa delas encontrou um tipo de gorro , daqueles usados por esquiadores,
que tapam quase que todo o rosto, deixando somente os olhos de fora. Ela sabia
que Jackie gostava de esquiar mas achou estranho que aquela peça de roupa fosse
tão velha e tão bem guardada em um pacote com sachês contra traças. Anne pensou
que devia ser mais um dos tantos objetos de valor histórico que Jackie possuía e
não deu importância a ele. Escolheu um maiô vermelho que estava escondido no
fundo da gaveta e uma saída de praia branca e preta, em estilo quimono feita da
mais pura seda. O toque do tecido parecia seduzir por si só, parecia a carícia de um
homem desejoso que desliza as mãos no corpo da mulher desejada. Anne sentiu
uma excitação estranha, como se a peça exalasse a energia do sexo. Saiu daquele
transe rapidamente e deixou o quarto, sentindo-se um pouco mal por ter remexido
os objetos da amiga.
Foi até a cozinha e sentou-se no mármore verde da bancada da pia,
balançando as pernas como uma criança. Rosy, uma velha senhora com cabelos
grisalhos e óculos grossos que mostravam sua dificuldade em enxergar, já a
conhecia e gostava muito da moça. Estendeu-lhe uma taça de suco de laranja e foi
preparar dois ovos mexidos como de costume. Ela já sabia que era só isso que Anne
comia ao acordar.
- Jackie pediu para avisar que chegará atrasada, a uma da tarde. Vocês vão
almoçar no terraço. Levarei o almoço para vocês lá meninas. Certo? Agora coma e
me diga o que você quer comer quando ela chegar. – a velha senhora, que se
encontrava de pé em frente a moça, sorriu para Anne enquanto entregava o prato
com os ovos e esperava uma resposta.
Anne desceu da bancada, sentou á mesa branca em estilo provençal, que era
claramente outra das peças maravilhosas do apartamento, e disse a Rosy que não
queria lhe incomodar, comeria o mesmo que Jackie.
- Black pudding senhorita? Tem certeza? Eu acho isso nojento mas, lady
Jackie adora !
- Black pudding de novo Rosy? Da ultima vez que estive aqui foi o que ela
comeu! Um enorme sanduíche de morcela de sangue! – Anne respondeu retorcendo
a boca.
- Não é morcela aqui nessas paredes, somos ingleses lembra? – As duas
riram da situação, da palavra e de Jackie com seu gosto estranho.
- Nesse caso vou dispensar o Black pudding, um hambúrguer bem caprichado
seria ótimo para mim. Vou jantar com meus pais e não quero comer muito no almoço.
Obrigada.
Anne levantou-se e ia levar seu prato até a pia mas, a empregada a deteve e
praticamente arrancou o prato e taça de suas mãos: - Lembre-se, você é uma lady!
Eu sirvo, você comanda. Já ouvi lady Jackie lhe dizer isso milhares de vezes, se
você quer ser respeitada seja forte e saiba comandar.
Pega de surpresa pelos ensinamentos da senhora, Anne ficou sem saber o
que dizer e foi saindo da cozinha com as palavras ressoando na mente. Na porta,
parou, virou-se lentamente para Rosy e com as mãos postas uma sobre a outra em
frente ao corpo, levantou os ombros e o queixo e disse em voz solene:
- Malpassado Rose. Está bem explicado? espero não ser decepcionada por
seus serviços ao preparar tão fino menu.
Ao dizer isso ela saiu correndo e gargalhando da cozinha enquanto a senhora
a chamava de menina endiabrada e sem classe. – Ah que bom se nós fossemos
meninas ainda, poderíamos as três juntas brincar na piscina a tarde inteira sem nos
preocupar com trabalho, amores, disputas, dinheiro.
Anne deitou-se à beira da piscina ainda rindo de Rose e de si mesma e,
olhando o céu azul e sem nuvens que a cobria sentiu-se pequena frente à imensidão
que a rodeava, mas preparada para as aventuras e desafios que a vida pudesse lhe
trazer.
Uma ideia lhe veio à mente e ela correu até o escritório do apartamento a
procura de papel e caneta. Outra mulher iria nascer: Carmem.
Capítulo três
Carmem
Já era quase meia noite quando Jackie deixou Anne em casa. As duas amigas
se despediram e combinaram de se encontrar no fim de semana. Ambas estavam
com uma semana bem ocupada. Anne teria sua última semana de aula antes das
férias de verão e Jackie disse que iria ajudar um conhecido a organizar um leilão de
antiguidades.
Antes de dormir fez mais algumas anotações sobre a história de Carmem pois
sabia que se não o fizesse não conseguiria descansar, sua personagem não a
deixaria em paz. Assim fez um trato com a “nova amiga” e escreveu mais um pouco,
ainda sem entender como a narrativa iria terminar.
Quando ia saindo para a escola, na manhã seguinte, pegou a agenda onde
fazia as anotações de seus contos porque tinha certeza de que Carmem não iria se
calar por completo e ela iria precisar escrever um pouco para silencia-la por mais
algum tempo. Assim ela ia administrando sua vida real e a vida com suas amigas
imaginárias.
Convite
Escola
Rosemary não quer que vá