Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
1971-1974
Lia Calabre
Nora: Lia Calabre é pesquisadora e chefe do setor de esmdos em política cultural da Fundação Casa de Rui
Barbosa.
81
e..tudos históricos e 2006 - 37
vos deste estudo podem assim ser resumidos em: recuperação da memória, ma
peamento das açoes do Estado e valorização do campo da política cultural.
O período que vai do final dos anos de 1960 até a década de 1970 deve ser
analisado como um momento privilegiado no campo da ação do governo federal so
bre a cultura. Gabriel Cohn (1984: 87), ao buscar uma periodização das ações do
Estado na área da cultura na década de 1970, caracteriza a primeira metade da déca
da como um período de elaboração de "propostas programáticas mais abrangentes
mas com efeitos escassos", e a segunda, como a de um processo de "diversificação e
de redefinição dos temas relevantes numa ótica mais operacional e cada vez mais
propriamente política". A segunda metade da década de 1970 foi um momento de
�lterações no quadro institucional que teve como marco a criação da Funarte.
Entre os atos governamentais que podem ser d6stacados nesse contexto,
temos a criação do CFC em 1966. O trabalho aqui apresentado é parte de uma
pesquisa maior sobre o CFC, abrangendo mais especificamente o período de
1971 a 1984, e tendo como principal fonte de pesquisa o Boletim do Conselho Fede
ral de Cultura, uma publicação trimestral. O recorte cronológico de 1971 a março
de 1974 para este artigo deveu-se, por um lado, ao início da publicação do Bole
tim, em janeiro de 1971, e, por outro, às mudanças internas do Ministério da
Educação e Cultura, com o término da gestão do ministro Jarbas Passarinho, em
fevereiro de 1974.
Passados 30 anos, verifica-se que as demandas setoriais atuais ainda es
tão mui{() próximas daquelas encontradas na década de 1970. Permaneceram
problemas como o da má conservação do patrimônio cultural, o da falta de aten
ção da administração pública em geral para os problemas da área da cultura, o do
isolamento das ações nos diversos níveis do Estado, o da escassez de recursos
para a implementação de projetos de longo prazo, entre outros. Tudo isso de
monstra a existência de uma fragilidade estrutural da área que não se alterou
com a criação do Ministério da Cultura em 1985. A análise dos documentos, da
legislação, das proposições produzidos na década de 1970 revela elementos fun
damentais, indispensáveis para a compreensão da situação vivenciada na atuali
dade.
O CFC foi instalado em 1967. O Decreto n° 60.237, de fevereiro, definia
as disposições sobre sua instalação e funcionamento. Criado nos moldes do Con
selho Federal de Educação, o CFC era inicialmente constituído por 24 membros,
diretamente nomeados pelo presidente da República. ! Internamente, o CFC era
dividido em quatro câmaras: artes, letras, ciências humanas, patrimônio históri
co e artístico nacional, possuindo também uma comissão de legislação e normas
que funcionava como uma quinta câmara. O número de conselheiros por câmara
•
82
o COIIselllOFederal de Cultura, 1971-1974
o CFCemação
Em 1971 o CFC era composto por Adonias Filho, Afonso Arinos, Aria
no Suassuna, Arthur Reis, Cassiano Ricardo, Deolindo Couto, Djacir Lima Me
nezes, Dom Marcos Barbosa, Gilberto Freire, Gladstone Chaves de Mello, Gus
tavo Corção, Hélio Viana, Irmão José Otão, José Cândido de Andrade Muricy,
Josué Montello, Manuel Diegues Junior, Pedro Calmon, Peregrino Junior, Ra-
83
estudos históricos e 2006 - 37
chel de Queiroz, Raymundo Faoro, Renato Soeiro, Roberto Burle Marx, Silvio
Meira e Vianna Moog. Todos intelectuais de reconhecida importância e projeção
nacional.
No decreto de criação do CFC estava prevista a publicação de um bole
tim informativo de natureza cultural, papel que foi destinado à Revista Brasileira
de Cultura, que publicava ensaios, em grande parte de autoria dos membros do
conselho.
A partir de janeiro de 1971, as atividades do conselho passaram a ser di
vulgadas através de um boletim trimestral chamado Boletim do Conselho Federal
de Cultura. A publicação possuía três seções fixas - "Estudo e Proposições", "Pa
receres" e "Atas" (das sessões plenárias e extraordinárias) -, contando ainda com
uma parte dedicada a notícias variadas. A publicação costumava divulgar tam
bém a legislação ligada a questões culturais, muitas vezes reproduzida na ínte
gra. Freqüentemente, a maior parte dos escritos veiculados na seção "Estudo e
Proposições" eram reproduções de artigos que haviam circulado na imprensa;
tais reproduções continham sempre as referências de origem e serviam como
uma forma complementar de divulgação dos escritos dos conselheiros, o restan
te da seção era constituída por manifestos lidos nas reuniões plenárias do conse
lho.
Segundo o Decreto n° 74, as duas principais ações do CFC deveriam ser a
elaboração do Plano Nacional de Cultura e o estímulo à criação de conselhos de
cultura nos estados e municípios. O escritor e conselheiro Adonias Filho, em
uma pu blicação de 1978, apresentava um balanço das açoes do órgão no qual afir
mava que, no momento em que o CFC iniciou os trabalhos, somente dois estados
- Guanabara e São Paulo - tinham conselhos estaduais de cultura. Em setembro
de 1971, o país já contava com conselhos estaduais de cultura instalados e funcio
nando em 22 estados. A política utilizada pelo CFC para estimular a criação de
conselhos regionais era a de implementar o máximo de medidas e de projetos
através de parcerias e convênios que tinham como precondição a existência de
órgãos de cultura locais, em especial de conselhos. Tal procedimento terminou
por promover também a criação de uma série de conselhos municipais de cul
tura.
Arthur Reis, ao deixar a presidência do CFC, em dezembro de 1973, fez
um balanço das atividades desenvolvidas e contabilizou em 273 o número dos
convênios firmados com os governos estaduais e municipais no período entre
1969 e 1972. 2
Desde os primeiros anos de existência o CFC possuía uma dotação orça
mentária que lhe permitia implementar, apoiar e financiar uma série de projetos,
como já foi dito anteriormente. N a maioria dos casos de financiamento, o conse-
84
o COllselllOPederal de Cultura, 1971-1974
85
estudos históricos e 2006 - 37
Quadro I
Câmara
Anes
86
o COllselhoFederal de Cultura, 1971-1974
Quadro 11
Academias de 25
Nacional 04
03
05
09
02
Centros culturais
de música 21
07
04
08
Faculdades 06
19
Governos de estado 09
culturais S 02
87
estudos Izistólicos _ 2006 - 37
07
10
03
Pessoas físicas 26
Pinacotecas O!
Radiodifusão educativa
Secretarias de 06
01
diversos 7 02
Universidades 08
Universidades 01
88
o COIIscllro Federal de Cultura, 1971-1974
197 1 , em parecer sobre um pedido de verbas para o ano de 1972 da Fundação Bie
nal de São Paulo, o conselheiro Silvio Meira expõe a difícil situação financeira
em que se encontrava O órgão e apresenta o seguinte quadro:
89
estudos históricos e 2006 - 37
Projetos e políticas
Desde o período da sua criação, o CFC possuía um projeto próprio: o das
casas de cultura. O projeto foi elaborado por Josué Montello (primeiro presiden
te do conselho) e implementado na gestão de Arthur Reis (1969-1972).
de, projetos de casas de cultura já vinham sendo experimentados em alguns paí
ses da Europa, em especial na França e na Espanha.
Em 1956, na Espanha, foi sancionado um decreto criando e regulando o
funcionamento das casas de cultura. No decreto estava previsto que as casas de
cultura seriam lugares onde se reuniriam atividades de arquivos, bibliotecas e
museus, funcionando através de um acordo prévio entre os órgãos provinciais,
municipais e o ministério da educação nacional. Nas casas de cultura também se
riam desenvolvidos trabalhos de formação cultural através de conferências, ex
posições, recitais, concertos, oficinas de teatro, projeções cinematográficas, en
tre outras atividades (Pérez-Rioja, 1971).
O projeto de casas de cultura mais famoso e mais bem-sucedido é o fran
cês, que serviu de fonte de inspiração para diversos países. A iniciativa francesa
foi de André Malraux, que foi ministro da Cultura da França de 1959 a 1969. Em
1961, ao lançar o primeiro plano qüinqüenal para a cultura, Malraux anunciou o
projeto de criação de casas de cultura por toda a França. A idéia era criar espaços
onde estivessem presentes formas culturais nos seus mais diversos aspectos, e,
em especial a cultura popular. A primeira Maison de la culture foi inaugurada em
Bourges em 1964.
No projeto brasileiro, as casas de cultura poderiam servir para diversos
tipos de atividades culturais. Para sua implantação era necessário o estabeleci
mento de um convênio entre o CFC e o município, pelo qual ambos contribui
riam financeiramente para a execução do projeto. A administração da casa de
cultura ficava a cargo do município, devendo também contar com a presença de
um membro do Conselho Municipal de Cultura - no caso de o município ter um
conselho. Essa era uma estratégia eficaz de incentivo à estruturação da ação
90
o COllselllOFedera/ de Cultura, 1971-1974
cursos financeiros.
6 Patrocínio da Unesco na realização de estudos sobre sistemas de isen
-
ção ou redução fiscal para pessoas físicas ou jurídicas que prestem auxílio às ati
vidades culturais. !O
Na publicação do Eo/erim número 3, de janeiro de 1973, Arthur Reis re
toma a discussão das duas últimas proposições afirmando que os países partici
pantes da convenção foram contra qualquer proposta que pudesse ter como re
sultado aumento ou alterações na carga tributária.
91
estudos históricos e 2006 - 37
92
o COllselho Federal de Cultura, 1971-1974
93
estudos históricos e 2006 - 37
da com a afirmativa de que: "No contexto da política nacional que visa a edificar
uma sociedade aberta e progressista, a difusão da cultura tornando-a acessível a
todos, e a educação, preparando cada um para usufruí-la, formam o binário de
forças que promoverão a valorização do homem brasileiro". '7
No documento, a cultura brasileira é definida como aquela criada aqui
ou resultante de aculturação. A utilização do conceito de aculturação pressupõe
que no processo de contato entre grupos e culturas ocorre um processo de subor-
,
94
o COllsclhoFcdcral de Cultura, 1971-1974
95
estudos históricos e 2006 - 37
Reflexõesfinais
96
o Conselllo Federal de Cultura, 1971-1974
Notas
Referências bibliográficas
97
estudos histólicos e 2006 - 37
Resumo
O Conselho Federal de Cultura foi criado em novembro de 1966 e
permaneceu em funcionamento por mais de 20 anos. O período que vai do
final dos anos de 1960 até o final da década de 1970 deve ser analisado como
um momento privilegiado no campo da ação do governo federal brasileiro
sobre a cultura. Este artigo traz um recorte das ações do Conselho Federal de
Cultura entre os anos de 1971 e 1974, tendo como objetivo a recuperação da
memória e o mapeamento das ações do Estado no campo da política cultural.
Palavras-chave: política cultural, Conselho Federal de Cultura, cultura e
política, ditadura militar.
Abstract
The Conselho Federal de Cultura was created in November 1966, and was aclive
for more than 20 years. T he period between the end of the 60s and the end of the
70s should be ana1yzed as a special moment as far as the Brazilian federal
government acrion upon culture is concerned. T his arricle approaches the acrions
of the Conselho Federal de Cultura between 1971 and 1974, in order to recover
the map and the memory of state aclions in terms of cultural policies.
Key words: cultural policy, Conselho Federal de Cultura, culture and politics,
military role.
Résumé
Le Conselho Federal de Cultura a été créé en novembre 1966 et s'est
maintenu actif pendant plus de 20 ans. La période entre la fin des années
1960 et la fin des années 1970 doit être analysée comme un moment privilégié
de l'action du gouvernement brésilien dans le champs de la culture. Cet
article presente les actions du Conselho Federal de Cultura entre les années
1971 et 1974, dans le but de récupérer le bilan et la mémoire des actions de
,
98