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31 - Ensinar, aprender e avaliar: três atos distintos

Cipriano Luckesi

Aqui e acolá, tenho entrado em contato com escritos que confundem os atos de ensinar e aprender com o de avaliar.
Ensinar tem a ver com o ato do ensinante que propõe ao aprendente desafios novos, estimulando à aprendizagem, isto
é, à aquisição de novas compreensões da realidade, assim como de novas condutas (modos de agir, de fazer, hábitos).
Aprender tem a ver com o ato do aprendente. É ele que faz o caminho de adquirir novas compreensões, assim como
novas formas de agir e de fazer. É ele quem adquire novos hábitos, tendo por base a aprendizagem.
O ato de avaliar incide sobre a qualidade do aprendido, que, por sua vez, é fruto da aprendizagem, por sua vez, estimulada
pelo ensinamento. Mesmo que se leve em conta a ideia de processo, importa compreender que o processo de aprender
é constituído por sucessivas aprendizagens, o que dá sucessivos “aprendidos”.
Ultimamente, tenho mantido contato com diversas leituras que tratam da aprendizagem colaborativa, que me parece um
ótimo meio de aprender e de socializar o processo de aprender, onde se fazem presentes a apresentação de conteúdos,
seja por uma ensinante seja pelos próprios colaboradores da aprendizagem, diálogo para o seu entendimentos, trocas de
compreensões e de práticas; afinal, processo de aprendizagem. Contudo, ocorre que também vários textos, com os quais
tenho entrado em contato, confundem o ato de aprender com o de avaliar, ou seja, ocorrendo o ato colaborativo (ou os
atos colaborativos) de aprender isso não significa que a aprendizagem já ocorreu. Só podemos reconhecer uma
aprendizagem efetivamente realizada com a confirmação da posse do conteúdo (informação + habilidades) por parte do
aprendiz.
Essa compreensão não infirma a aprendizagem colaborativa nem o olhar sobre o processo de aprendizagem. Somente
sinaliza que pode haver um processo colaborativo sem que a aprendizagem ainda tenha sido feita. A manifestação da
aprendizagem efetivamente realizada se expressa no “desempenho” do aprendente, revelando que aprendeu. O processo
colaborativo é “um processo de aprender”, o que não quer dizer que, “dado um processo colaborativo de aprender”, a
aprendizagem “efetivamente tenha se dado”. O ato colaborativo é processo, o aprendido é produto. Pode ser até mesmo
um produto parcial, mas sempre será produto.
A distinção entre os atos de ensinar, aprender e avaliar permite a nós, educadores e ensinantes, não confundirmos as
coisas, podendo chegar a assumir que um aprendente aprendeu o que necessitava aprender, exclusivamente devido ter
participado de atos colaborativos de aprender. Mesmo com a excelência dos atos colaborativos de aprender, o avaliador
necessita de testar o aprendido, tendo em vista ter ciência da qualidade do novo modo de agir do aprendente.
Hoje, com o ensino à distância, que, cada vez mais, tem sido colaborativo, por vezes, na literatura, vê-se o cuidado com
os processos colaborativos, como se eles já revelassem a aprendizagem satisfatória. No entanto, poderá ocorrer um
processo colaborativo de aprender, sem que se chegue a efetiva aprendizagem com a qualidade desejada.
Por outro lado, vale observar que resultados de atividades colaborativas não necessariamente revelam competências
individuais. Revelam, sim, competências coletivas de um determinado grupo.
Se se deseja detectar se cada estudante — participante do grupo —, individualmente, aprendeu o necessário, os
desempenhos coletivos não são suficientes como indicadores de suas aprendizagens. Se se deseja efetivamente
diagnosticar se determinado estudante aprendeu alguma coisa, importa investigar o seu desempenho e não o do grupo.
Por outro lado, se somente se deseja detectar como um grupo se desempenha, sem desejar ter presente o desempenho
de cada um dos membros do grupo, basta o desempenho do grupo numa determinada tarefa.
Quando, aqui, estou me referindo a “tarefa” isso pode ser o desempenho em realizar uma “tarefa produtiva com expressão
material (= fazer alguma coisa)” ou uma “tarefa cognitiva (= compreender, fazer uma operação mental, planejar…) ”.
Enfim, importa não confundir “processo” com “produto” e, no caso, quando utilizamos a expressão “processo de
aprendizagem”, estamos falando de sucessivas aprendizagens parciais, que, ao longo do algoritmo de uma aprendizagem,
revelam que o que fora ensinado fora “aprendido”. Isso significa que não temos como detectar alguma coisa
“acontecendo”; conseguimos detectar os “acontecidos”, por menores que eles sejam. Bergson, filósofo francês de finais
do século 19, nos lembra que a vida é um “ela vital” e que ela só pode ser efetivamente compreendida dessa forma, à
medida que nossa mente, no seu modo de ser, só é capaz de apreender o “acontecido” e não o “acontecente”. Quando
percebemos, já ocorreu, já se “materializou” em algum ato observável.
Concluindo, importa ter clareza sobre os três atos anunciados no título deste texto: ensinar, aprender, avaliar.
Podemos até mesmo assumir que os resultados “processuais” (ter presente a compreensão sobre “processo”, acima
exposta) são suficientes para nós assumirmos que um aprendente efetivamente “aprendeu” alguma coisa; todavia,
também importa observar que, por vezes, poderemos nos enganar com os dados que “parecem” indicar uma
aprendizagem, que efetivamente, ainda não ocorreu. A efetiva aprendizagem só pode ser detectada pelo desempenho,
efetivamente observado, seja de forma direta ou indireta através de instrumentos de coleta de dados.

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