Você está na página 1de 13

ABRINDO O CORAÇÃO:

Niágara da Cruz Vieira1 – CPII

Clementino Luiz de Jesus Júnior2 – .FFP-UERJ

Eixo 1: O Ensino da arte e a interculturalidade -

estratégias para um ensino reencantado em diálogo com a interculturalidade.

Palavras-chave: Educação musical; Ensino do Piano; Musicoterapia; Formação de Professores;


História e Memória (homenagem).

Resumo: Um documentário – homenagem, educativo e musical, média metragem de 35 minutos, colorido. O Filme
ABRINDO O CORAÇÃO demonstra duas pessoas que se conhecem e constatam a coincidência de se desenvolverem
em três aspectos musicais (triangulação): são instrumentistas, educadoras e musicoterapeutas e através do
desenvolvimento desta amizade criam um DUO para refletir, dialogar, tocar e trocar informações musicais. No
decorrer deste DUO e desta amizade, Niágara Cruz realiza o levantamento das memórias de Maria José Cardoso
Majzner Michalski, com o apoio das filmagens de Clementino Junior, e que no DVD além de uma homenagem, mostra-
se rico em informações da própria história da educação musical, da educação instrumental pianística e da
musicoterapia no Rio de Janeiro, no Brasil. O nome deste projeto deve-se a um lindo trabalho musical com pessoas de
3ª idade, que Maria José desenvolveu e constatou: mudanças positivas são possíveis ABRINDO O CORAÇÃO e para
abrir o coração a música é um caminho. Um dos aspectos desenvolvidos no DVD é a importância de sensibilizar-se e
reencantar-se para os profissionais musicais, de qualquer área, e tentamos estimulá-los a não perderem seu contato
pessoal com a música através da inserção de: pesquisar/TOCAR/ensinar/avaliar/SENTIR, em seus cotidianos.

Despertando:

Em 2003 eu tinha me mudado de Mato Grosso do Sul para o Rio de Janeiro em busca de
aperfeiçoamento em meus estudos. Já havia cursado as faculdades de música e trabalhava já há
vários anos na educação musical e na música, mas cada vez mais sobrava menos tempo para
realizar o que tanto gostava: tocar. Como reencantar-me pela minha arte? Precisava de novos

1
NIÁGARA DA CRUZ VIEIRA - Mestra em Musicologia (UFRJ, 2010), Especialista em Musicoterapia
(CBM-CEU, 2004), Bacharel em Piano (2001), Licenciada em Ed. Art. - Música (2002). É professora de Piano no
Ensino Médio Integrado em Música do Colégio Pedro II e regente e criadora do projeto Fanfarra do Colégio Pedro II.
Ministra oficina: QSOMKISSUTEM. É parceira no Duo Brincando com Música com Maria José M. Michalski, e no
Duo com Gaetano Galifi. Coordenou as trilhas do Curta Caminho Teixeira (exibido em 13 países). É autora do livro: O
Jardim dos Sentidos Ed. Irmãos Vitale.

2
CLEMENTINO LUIZ DE JESUS JÚNIOR - Mestrando da FFP-UERJ, possui graduação em Desenho
Industrial - Programação Visual pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (1997), atuando principalmente nos
seguintes temas: educação e inclusão audiovisual, cineclube, atlântico, cinema negro e diáspora africana. Realiza curtas
metragens de cunho educativo e em parcerias com autores diversos e comunidades do Rio de Janeiro – RJ.
horizontes.

Os Ritos, convivência e as ideias:

No dia da prova para ingressar na especialização de Musicoterapia, no Rio de Janeiro,


chovia muito. Ao conseguir chegar ao Conservatório Brasileiro de Música, encharcada, fiquei
aborrecida em um canto do corredor. Foi quando apareceu Maria José que ao reparar em me, logo
buscou papéis para secar-me... Pensei: ela é especial, ela se preocupa e cuida do outro. Logo após
veio o convite de ir visitá-la para tocarmos juntas, conversarmos sobre piano, música, educação
musical e musicoterapia , e, de lá para cá já são mais de dez anos... Assim nascia o D.V.D. 3 Abrindo
o Coração, uma narrativa autobiográfica que entrelaça as histórias de duas educadoras musicais.

A amizade desenvolveu-se junto à busca de aspectos do percurso de estudos da vida de


Maria José M. Michalski, que tem uma ―herança intelectual pluridisciplinar, que lhe dá
simultaneamente uma legitimidade e uma fonte multiforme de inspiração‖ (DOMINICÉ,1988,
p.101) e com a qual muito me identifiquei, pois estava no mesmo processo de formação.

Na medida em que os anos passavam e íamos construindo nossa amizade, nossos diálogos e
argumentos permeavam nosso mundo musical e ora concordávamos, ora discordávamos, mas
“Apesar de a divergência funcionar como veículo na vida mental de uma sociedade, não se pode
considerá-la um objetivo em si. A concordância é igualmente importante.‖ (JUNG, 1998, p. 59). E
encontrávamos equilíbrio em nossa amizade: buscava na figura dela a calma para a reflexão de
meus atos e ela buscava em minha figura a energia para realizações das ações musicais.

Refletindo sobre um estímulo para os pais voltarem a cantar para os filhos, e que isto traria
melhor qualidade de interação entre eles, formamos o Duo Brincando com Música e gravamos um
C.D. infantil de piano e flautas intitulado Cantando como nossos pais, as cantigas de roda, com
lindos arranjos musicais da estimada compositora, arranjadora e educadora musical Elvira
Drummond. Fizemos várias apresentações musicais com o tema deste C.D. para o público infantil e
para profissionais da área musical com retorno positivo sobre o cantar e a interação musical entre as
diferentes faixas etárias.

Mas após este projeto infantil começamos a tocar outros estilos de peças musicais que

3
DVD (abreviatura de Digital Versatile Disc1 , em português, Disco Digital Versátil-1995). Tem maior
capacidade para armazenar dados no formato digital que o CD, devido a uma tecnologia óptica superior, além de
padrões melhorados de compressão de dados.
achávamos bonitas e que fomos aos poucos adaptando para piano e flauta. O critério para a escolha
era que a música nos causasse alguma emoção, então nos acalmávamos antes de tocar, para
perceber este sentir e emocionar-se. Seguíamos tocando juntas.

Paralelamente, outras necessidades se faziam presentes, como auxiliar Maria José com o
registro de seu grupo de 3ª idade, onde ela desenvolvia sua monografia de musicoterapia.
Acompanhei, por várias vezes, este trabalho.

Aprendi muito através destas experiências com o grupo: diminuí minha ansiedade, a minha
expectativa sobre o outro, ou mesmo sobre o que deveria acontecer de uma determinada situação.
Neste caso não poderia ser somente uma pesquisadora. Como JUNG (1998, p. 58) se refere: ―Nesta
experiência com Freud foi-me revelada pela primeira vez, a noção de que antes de construirmos
teorias gerais a respeito do homem e sua psique deveríamos aprender bastante mais sobre o ser
humano com quem vamos lidar.‖ Eu necessitava, antes, conhecer o outro com o qual eu lidava.

Interessante foi notar a figura central deste grupo, uma senhora, na época com mais de
noventa anos que desejava ter aulas de piano. Maria José foi desenvolvendo ao longo deste trabalho
uma visão diferenciada: a de uma aula de música com perspectiva musicoterapeutica. E o resultado
deste: é possível uma pessoa mudar aos noventa anos, permitir-se sentir e reencantar-se. O caminho
foi a música. Ela denominou a monografia de Abrindo o Coração.

Após vivenciar através da fala de Maria José vários momentos importantes da Educação
Musical, da Educação Pianística e da Musicoterapia no Brasil, percebi como eram importantes seus
relatos, decidi então, organizar um roteiro com suas memórias. Não seria fácil, pois para chegar à
figura dela e ao entendimento do porque eu mostraria sua vida, teria que realizar um início
autobiográfico.

―Nas pesquisas na área de educação adota-se a história de


vida, mais especificamente, o método autobiográfico e as
narrativas de formação como movimento de investigação-
formação, seja na formação inicial ou continuada de
professores/professoras seja em pesquisas centradas nas
memórias e autobiografias de professores.‖ (SOUZA, p. 23,
2006).

Para desfiar este desafio e partindo daí tecer uma trama, escolhi partir do ponto mais
sensível : o meu reencantamento pela música através dela.

“O entendimento construído sobre a história de vida


como um relato oral ou escrito, recolhido através de entrevista
ou de diários pessoais, objetiva compreender uma vida, ou
parte dela, como possível para desvelar e/ou reconstituir
processos históricos e ―ontrealvess4‖ vividos pelos sujeitos em
diferentes contextos. (...) As histórias de vida adotam e
comportam uma variedade de fontes e procedimentos de
recolha, podendo ser agrupadas em duas dimensões, ou seja, os
diversos ―documentos pessoais‖ (autobiografias, diários,
cartas, fotografias e objetos pessoais) e as ―entrevistas
biográficas‖, que podem ser orais ou escritas.‖ (SOUZA,p.24.
2006)

Após várias tentativas, escrevendo e reescrevendo, conseguindo montar o roteiro, escolhi


demonstrar a realidade viva através de uma entrevista participativa e informal: permeada por
momentos musicais, por memórias, fotos e fatos de Maria José, e, respeitando uma boa canceriana,
não poderia demonstrar isto em outro cenário que não fosse sua casa.

A Expectativa e a Busca:

Quando desejamos que outras pessoas possam tomar conhecimento de algo muito
importante para nós, precisamos demonstrar isto partindo de uma perspectiva diferenciada. Neste
caso, de alguém que entendesse a relação de amizade sem perder a seriedade do contexto, e que
conseguisse transpassar a lente de uma câmera sem invadir a fluência do momento em que a
gravação ocorreria. Com a ajuda de Clementino Júnior, que com sua paciência e experiência
conseguiu realizar todo trabalho de filmagem e captação de som junto com Suzane Nahas. O
desafio de captar sons musicais de instrumentos como o piano e a flauta em ambiente natural não
foi fácil, e colhemos muitas imagens e músicas que devido a burocracias não puderam constar no
D.V.D. mas, após um ano de edições conseguimos chegar ao resultado final, como afirma
Clementino Júnior (2014) em seu depoimento:

―Entrar, sem invadir o espaço doméstico de Maria José e tentar manter o clima natural do
seu cotidiano, durante a fase de captação de imagens e sons para o documentário (mesmo com uma
equipe enxuta de um diretor/cinegrafista e uma operadora de som) não foi uma tarefa fácil. Para
isso o espaço físico do apartamento, com sua amplitude e sua localização geográfica (cujo muro do
prédio a separa do Parque Lage) viabilizaram um clima propício para uma boa captação de áudio
em pleno domingo de uma área movimentada da Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro.

Ao romancear em vídeo o cotidiano das conversas que travamos ao longo do ano, com uma

4
“Ontrealvess” : ter vivido uma era (época).
câmera ligada e eventuais spots de 500 “Watts5” iluminando um ambiente onde normalmente a luz
costuma ser mais suave, percebemos que Maria José manteve a mesma tranquilidade de sempre.
Assim como ilustramos no vídeo, o tempo na casa de Maria José não é o tempo do trânsito
da rua Jardim Botânico, do taxímetro que levou Niágara à casa dela, ou da agenda do celular com
seus lembretes sincronizados “on line6” com outros compromissos concorrentes. Lá é um espaço
para refletir e se expressar com palavras e sons, e mesmo com o tempo variável de algumas pausas
musicais, deixar o dia e a música passearem dentro de seu “timing7” natural, já que até a época de
Galileu, o que chamamos tempo, ou mesmo o que chamamos natureza, centrava-se acima de tudo
nas comunidades humanas: ―O tempo servia aos homens, essencialmente, como meio de orientação
no universo social e como modo de regulação de sua coexistência.‖ (ELIAS,1990).

Neste ambiente Niágara e Maria José formam um Duo, um Uno, expressos em música. E
com o acréscimo de outro duo de técnicos audiovisuais tratamos de, através de nossa estrutura
narrativa, limitações de tempo e espaço (a decoração interferia um pouco na gravação por refletir e
por vezes revelar esta presença adicional de pessoas) nos esforçamos para que Maria José e Fumaça,
seu gato, não percebessem ou se incomodassem com isto. Procuramos fundir a câmera a uma
consciência que se define não pelos movimentos que é capaz de captar, mas pelas relações mentais
e psicológicas nas quais é capaz de entrar.

Desta maneira e através da câmera, da iluminação e do microfone, que como molduras


digitais semelhantes às das várias obras de arte que decoram e inspiram o Duo durante seus
encontros e ensaios, eu e Suzane Nahas nos tornamos peças decorativas da casa, seja pelas opções
de posição em relação aos personagens Niágara e Maria José, como em raros momentos onde,
propositalmente, se denunciava a presença desta equipe no olhar de suas personagens, o que deixa
para o espectador um alerta de que nem tudo o que se vê na tela é totalmente documentário ou
totalmente ficção, mas que as duas dialogam harmonicamente a serviço desta história narrada para
os educadores que, como nós, buscam traçar suas estratégias para passar o saber da forma mais
adequada.

"Quanto maior a naturalidade com que o narrador

5
Watts- plural: O watt é a unidade de potência para medir a eletricidade - do Sistema Internacional de
Unidades (SI).
6
On line= Adj. = conectado, em tempo real.
7
timing= tempo
renuncia às sutilezas psicológicas, mais facilmente a história se
gravará na memória do ouvinte, mais completamente ela se
assimilará à sua própria experiência e mais irresistivelmente
ele cederá à inclinação de recontá-la um dia." (BENJAMIM,
Walter, 1994).‖

Argumentos:

Este artigo surgiu como uma narrativa autobiográfica da autora, que ao gravar o D.V.D.
Abrindo o coração, conta em sua vivência através do Duo Brincando com Música a história de
Maria José M. Michalski, e como se reencanta através da música Abrindo o coração.

Pretendendo incentivar os educadores e os educadores musicais da rede pública de ensino a


auto-reflexão de sua prática musical, inserimos a arte do Cinema no processo de ensino-
aprendizagem dos profissionais da música (educadores, musicoterapeutas, instrumentistas), por
meio de uma visão multidisciplinar, como um meio de aproximá-los e, através deste possibilitar um
diálogo destas realidades musicais brasileiras para o seu reencantamento com sua profissão através
da música.

Nessa experiência biográfico-formativa, expusemos alguns indícios sobre as possibilidades


do desenvolvimento de uma formação musical, onde o educador musical possa integrar sua
musicalidade ao seu trabalho pedagógico e tentamos incentivá-los à não abandoná-la, buscando
ampliar a perspectiva musical e humana. Também, preservamos a memória de alguns nomes
importantes para a educação musical, instrumental, musicoterapeutica e até mesmo teatral.

Justificando e Refletindo:

Antes de justificarmos o projeto em si, levantaremos alguns aspectos desfavoráveis que


deveremos considerá-los em nossas justificativas:

 O ensino de música nas Escolas de Ensino Regular Brasileiras (lei nº 11.769) não
está totalmente implantado, por vários fatores que vão desde a falta de profissionais
capacitados especificamente para o ensino de Educação Musical até a falta de verbas
nas escolas;
 O espaço da música nas escolas, muitas vezes, não evoca o ensino da linguagem
musical, e por vezes se restringe ao cumprimento de horários, tarefas e exercícios
teóricos ou, quando tem teor prático musical, acaba passando ao outro extremo: o de
apresentações para as festividades da escola ou da recreação.

 Muitos músicos e musicoterapeutas quando formados, não conseguem inserção no


mercado para a interpretação ou clínica e precisam complementar sua renda,
passando a lecionar para realizar esta complementação.

O aprendizado musical para ser plenamente alcançado necessita sair da rotina do dia a dia.
Isto não e fácil para o educador musical que, por vezes, acumula funções: estuda repertório, faz
arranjos, cria materiais didáticos, organiza cerimoniais das solenidades da escola, ensaia em
horários extras, participa de festinhas e eventos escolares, dentre outros além da própria aula.

Estes aspectos, e outros não citados aqui, diminuem o contato do educador musical com o
seu instrumento, ou por vezes deixa esta relação de tocar mecânica, e ficam mais propensos a um
olhar quantitativo pelo atendimento a um grande número de alunos e turmas. É necessário ao
educador estar sempre se atualizando pois em cada época, necessita reorganizar-se e aprender
propostas diferenciadas para as formas de ensino da arte. Com tudo isto, é fato que pouco tempo
sobra para o educador olhar para si mesmo, o que em consequência pode dificultar também, sua
perspectiva de olhar terapeuticamente sobre como a música está agindo no outro.

Desde 1930 podemos constatar através do artigo de BARBOSA, que foram vários as
modificações nos processos de ensino da arte no Brasil; cada época com sua respectiva tendência,
buscava alternativas viáveis de boa qualidade deste ensino para a escola regular, ao qual destacamos
a proposta triangular:

―Quando em 1997, o Governo Federal, por pressões


externas, estabeleceu os Parâmetros Curriculares Nacionais a
Proposta Triangular foi a agenda escondida da área de Arte.
Nesses Parâmetros foi desconsiderado todo o trabalho de
revolução curricular que Paulo Freire desenvolveu quando
Secretário Municipal de Educação (89/90) com vasta equipe de
consultores e avaliação permanente. Os PCNs brasileiros
dirigidos por um educador espanhol, des-historicizam nossa
experiência educacional para se apresentarem como novidade
e receita para a salvação da Educação Nacional. A
nomenclatura dos componentes da Aprendizagem Triangular
designados como: Fazer Arte (ou Produção), Leitura da Obra de
Arte e Contextualização, foi trocada para Produção, Apreciação
e Reflexão (da 1a a 4a séries) ou Produção, Apreciação e
Contextualização (5a a 8a séries). Infelizmente os PCNs não
estão surtindo efeito e a prova é que o próprio Ministério de
Educação editou uma série designada Parâmetros em Ação que
é uma espécie de cartilha para o uso dos PCNs, determinando a
imagem a ser "apreciada" e até o número de minutos para
observação da imagem, além do diálogo a ser seguido.A
educação bancária de que Paulo Freire falava ronda a
Arte/Educação hoje no Brasil.‖ (BARBOSA, revista digital,
2003).

Criar uma identificação do público com os personagens reais deste D.V.D. tornou-se uma
busca para agregar valores, vivências e reflexões comuns, mas partindo primeiramente não de uma
triangulação externa, que iria acontecer com o outro, mas sobre tudo interna, a triangulação musical
da formação profissional de Maria José que coincidia com a de Niágara (que são instrumentistas,
educadoras musicais e musicoterapeutas).

Instrumentistas
Educadoras Musicais
Musicoterapeutas

Figura 1: Triangulação da formação acadêmico-profissional de M. José e Niágara

Após muitas conversas com Maria José sobre as dificuldades encontradas pelos Educadores
para lidar com música de modo a sensibilizar-se, percebia-a saudosa e questionava-a sobre as
diferenças diacrônicas de sua vida. Em seus relatos percebia o valor de suas memórias, que
enalteciam o contato com o real (com a natureza, com o ser humano e o lado humano), e, como
atualmente, mesmo tendo consciência intelectual disto, acabamos nos afastando pelo corrido
cotidiano de dominar conhecimentos, funções técnicas, tecnológicas e produzir.

―À medida que aumenta o conhecimento científico diminui o grau de


humanização do nosso mundo. O homem sente-se isolado no cosmos
porque, já não está envolvido com a natureza, perdeu a sua
―identificação emocional inconsciente‖ com os fenômenos naturais. E
os fenômenos naturais por sua vez perderam aos poucos as suas
implicações simbólicas.‖ (JUNG, 1998, p. 95)

Todo processo acadêmico que vivi, me auxiliou a refletir e organizar meus pensamentos,
mas em meio ao tumulto da vida, percebi que acabei desconsiderando as minhas memórias pessoais
em função das memórias dos conteúdos do que temos que fazer em nossos cotidianos. Também,
que havia criado um círculo que se retroalimentava exigindo-me cada vez mais ações automatizadas
e que não me deixavam espaço de tempo para sentir-me. Como eu conseguiria sair das ações
automáticas? A minha resposta foi : Escutando-me no outro. O despertar de nossas memórias
vivas pode estar da fala do outro: ―A memória é um elemento essencial do que se costuma chamar
„identidade‟, individual ou coletiva, cuja busca é uma das atividades fundamentais dos indivíduos e
das sociedades de hoje, na febre e na angústia.‖ (GOFF, 2012, p.455).

A figura arquetípica do sábio traduz a experiência de vida que pode ser repassada do mais
velho para o mais novo através da convivência. Percebi, lecionando, que o advento da tecnologia e
da internet e todo seu processo virtual, facilitou o acesso as informações inclusive por sua
característica não – física, de acessibilidade (globalização) e de portabilidade, mas por outro lado,
justamente o contato pessoal, que era feito fisicamente, o que era considerado importante para ser
repassado (identidade) por fazer sentido dentro de um contexto de vida que poderia ser seguido
(continuidade dos arquétipos) não tem como ser repassado justamente por sua propriedade humana
de convivência com o humano, que a máquina não o faz. Conviver com Maria José, trouxe - me o
reencantamento: a figura da sábia que é relativa a do orientador acadêmico, mas sem papéis...
apenas ela, humana, em seu ambiente musical e natural.

Uma vez que é difícil com todos os percalços da vida atual reencantar-se com e pela sua
profissão, gostaria de dividir esta conquista com os educadores. Mas para isto busquei alternativas
para dilemas concretos, como apoios:

 o Colégio Pedro II onde trabalho há vários anos e muito estimo, através de seu
Departamento Cultural, com a prensagem dos D.V.D.s e a distribuição gratuita destes para
os educadores em eventos oficiais do Colégio;

 o Centro de Artes de Laranjeiras (C.A.L.) onde um dos seus fundadores foi Yan Michalski
(finado marido de Maria José) gentilmente cedeu seu espaço para exibições e debates.

 a Ed. Irmãos Vitale que nos orientou juntamente com o Ecad para a utilização das músicas e
direitos autorais para a realização deste documentário-homenagem;

 Elvira Drummond, arranjadora oficial de nosso Duo Brincando com Música.

 Marly Chagas, Mestra e musicoterapeuta que nos orientou.

 Família e Amigos que muito nos auxiliaram, acreditando no trabalho.


Toda esta união, veio da força da energia de reencantar-se, e procuramos dividir esta energia
com vocês, sejam os educadores que gostem de lidar com música, educadores musicais brasileiros,
estudantes dos cursos de formação técnico - musical, alunos dos cursos de licenciatura, bacharelado,
de musicoterapia ou instrumentistas através das identificações e subjetividades contemporâneas.

Abram o coração, com música, e que esta narrativa autobiográfica possa proporcionar um
momento para discutirem seu próprio modelo formativo educacional/musical e o seu papel no
processo de mediação da construção da educação musical brasileira, pois vocês, também fazem
parte desta História.

Descrevendo o projeto “D.V.D. Abrindo o Coração”:

O projeto foi executado de Janeiro de 2013 e irá até Dezembro de 2014. Com projeções e
distribuição gratuita dos D.V.D.s para educadores, educadores musicais, musicoterapeutas,
instrumentistas e alunos do curso técnico em música. Os apoiadores tiveram seus nomes divulgados
em agradecimentos, nos créditos finais do DVD.

 1ª fase: montagem do Projeto; elaboração do Roteiro; coleta de dados (narrados, escritos,


fotografados e filmados); repertório; autorizações; ensaios das músicas;

 2ª fase: Filmagem (sequencial e livre) e Edição (2 dias de filmagens – 3 edições completas)

 3ª fase: Levantamento de apoios e resoluções burocráticas.

 4ª fase: Divulgação para os educadores e escolas.

 5ª fase: Dia de Estréia Oficial para amigos de M. José - 22 de Junho de 2014 (aniversário de
Maria José M. Michalski).

 6ª fase: Prensagem do DVD /Exibições e Distribuição para os educadores nas escolas.

Concluindo: O apoio, os resultados e os novos ânimos...

As dificuldades em tornar possível o imaterial em material, em tornar a ideia concreta,


reorganizar as memórias, peças de um quebra cabeça, simplificar as burocracias, alcançar o público
e tentar tocar seu coração; por vezes são estágios em que nos questionamos se realmente devemos
realizar o trabalho que idealizamos, e que por vezes não sai exatamente como sonhamos, foi
necessário reencantar-me a cada etapa.

Contar com o apoio de amigos de vida e de trabalho, que nos estimulam e apesar das
diferenças e dificuldades que encontramos nos encorajam a continuar, pois, acreditavam na essência
deste trabalho foi fundamental para realimentar-me por todo de meu processo de elaboração.
Agradeço à todos que me/nos auxiliaram e compartilho aqui uma linda mensagem que recebemos
no dia da 1ª exibição do D.V.D. :

Um de meus últimos trabalhos tem como título "Lições de


sabedoria". São textos em que dou voz aos bichinhos, porque cada um
deles têm muito a ensinar a nós, humanos. Dedico a vocês, o duo
Niágara Cruz e Maria José Michalski, a ―lição dos passarinhos‖:

6. Lição dos pássaros Somos ―oficialmente‖ os cantores da


humanidade. O homem compreendeu a linguagem da música
escutando a natureza. Quem entra numa mata fechada é agraciado
com um concerto surpreendente — o vento dialoga com os pássaros,
desenhando a melodia no ar; o murmúrio das águas, as folhas que
caem e animais caminhando produzem uma polirritmia que concede
graça e originalidade ao discurso musical. É a música da floresta!...
Os efeitos percussivos pontuam a linha melódica, conduzida,
sobretudo, pelo canto dos pássaros. Um dia, o homem encantou-se
com esse canto. Quis ser passarinho e aprendeu a cantar. Ficamos
felizes, porque a música leva festa para a alma. Cada nota pendura
uma alegria. Cada frase pinta o sentimento de uma cor. É por isso
que passarinho tem arco-íris na voz. Mas é preciso dizer que cantar é
o nosso jeito de louvar a liberdade. Sem ela, emudecemos, morremos
por dentro, e quem morre por dentro convida a morte pra levar o
corpo, porque o corpo é só a casa da alma. Vida de passarinho é
cantar e cantar é vestir a liberdade de sons. A primeira lição de
passarinhar é o exercício de ser livre. Quando o homem libertar seus
desejos, pensando no mundo como a casa de todos nós e respeitando
tudo que vive, aí sim!... passarão a ser passarinho do jeito mais belo
de ser!...

Para Niágara Cruz e Maria José Michalski, que sabem passarinhar,


levando beleza e colorindo jardins!... Elvira Drummond (em
mensagem remetida ao Duo, no Aniversário de Maria José 22/06/14).

E como a vida é um eterno aprender e descobrir, poderíamos aqui ainda lançarmos


duas sugestões para trabalhos futuros como:

 Análises de produções de vídeos como instrumento de produção e socialização de


conhecimentos musicais brasileiros, através de documentários - homenagens.

 A discussão e análises de diferentes triangulações acadêmicos-profissionais na música e


suas diferentes aplicabilidades.

Quanto à resposta de minha primeira questão: “Como reencantar-se por sua arte?”
compartilhamos com vocês através deste artigo e deste D.V.D., e desejamos que a Música possa ser
um dos caminhos para Abrirem o Coração.

Referências Bibliográficas:

ACCIOLY, Denise Cortez da Silva. A Importância da Mídia na Formação Docente: O Caráter


Educativo da Televisão. “Disponível em”: http://www.intercom.org.br/papers/nacionais/2008/resumos/R3-1308-1.pdf >
“Acesso em”: 28/02/2010.

BARBOSA, Ana Mae. Arte Educação no Brasil: do modernismo ao pós-modernismo. Revista


Digital Art& - Número 0 - Outubro de 2003. “Disponível em”: http://www.revista.art.br/site-numero-
00/anamae.htm “Acesso em”: 26/08/2014.

BARBOSA, Ana Mae. Arte Educação Contemporânea: Consonâncias internacionais. São


Paulo –SP: Cortez, 2010.

CARVALHO, A. Interação Cultural e aprendizagem. Lisboa-Portugal: Fundação Caloust


Goulbenkian, 1997.

DOMINICÉ, Pierre. A biografia educativa: instrumento de investigação para a educação de

adultos. In: NÓVOA, António; FINGER, Mathias. O método (auto)biográfico e a formação.

Lisboa: MS/DRHS/CFAP, 1988. pág.101.

DRUMMOND, Elvira. Lições de sabedoria. Ceará. LM-editora. 2014. (Arquivo Pessoal de M.


José Michalski ; Mensagem ao Duo Brincando com Música, para aniversário de Maria José
Michalski. Rio de Janeiro. R.J. 22/07/2014).

JUNG, Carl G. O homem e seus símbolos. Ed. Nova Fronteira. Rio de Janeiro. R.J. 1998.pág.58-59-
95.

LE GOFF, Jacques. História e Memória. Tradução Bernardo Leitão, et all. 2° Ed. Campinas-São
Paulo: UNICAMP, 1992. Pág.455.

PACHECO, Natércia. Interculturalismo e formação de Professores. In: SANTOS, M; SESC –


Serviço Social do Comércio. 2007. A Escola vai ao Cinema. 107p.

SOUZA, Eliseu Clementino. A arte de contar e trocar experiências: reflexões teórico-


metodológicas sobre história de vida em formação. UEBA. Revista Educação em Questão, Natal,
v. 25, n. 11, p. 22-39, jan./abr. 2006. Pág.23-24.

FIGURA 1- Triangulação da formação acadêmico-profissional de M. José e Niágara

Você também pode gostar