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1983, quarenta ou mais residentes abriram quatro quilémetros de um ea- minho que finalmente fezaligaglo entre o ponto de travessia do rio Fres- co e aestrada municipal que seguia até o centro da cidade, Um esperto residente, Luis Otavio Montenegro Jorge (um descendente do coronel ‘Tancredo Jorge, fundador de Sao Félix durante o auge da borracha), esta- belecen um servigo de balsa para cruzar o rio, Preciria que fosse, 0 povo de Sio Félix finalmente conseguiu a estrada por que tanto esperara. ue isto significou para eles é 0 assunto da parte final deste livro. A LUTA PELA TERRA: XINGUARA “Primeiro, faremos um velho oeste na Amazdnia. Eat, chamamos 0 xerife" Antonio Delfin Neto, 8 de marzo de 1978 (cx-ministro do Planejamento) O per do Pard iniciou a construgéo da pa-279 para Sao Pélix do Xingu em 1976. A estrada comegou a cerca de vinte quilémetros ao norte do povoado de Rio Maria, projetando-se rumo a oeste a partir da PA-150, 0 elo intensamente trafegado entre Conceigio do Araguaia e Marabé. (Os migrantes comegaram a povoar a érea no instante em que as turmas de construgdo da estrada se puseram a trabalhar. Num prazo de poucos meses, um punhado de casas provisérias surgiu repentinamente nessa intersegao. O lugar ficou inicialmente conhecido como Entroncamento do Xingu. Depois, quando a localidade cresceu, os residentes considera ram os dois principais rios da regio - 0 Xingu e o Araguaia ~ e inven- taram um novo nome: Xinguara Xinguara posicionou-se estrategicamente entre as ja consolidadas cidadezinhas de Conceigao do At ‘Marabi. Sua localizagio fez do povoado destino preferencial de milhares de migrantes que inunda- vam o sul do Pard nos anos 70. Em fevereiro de 1977, menos de um ano depois de sua fundagdo, Xinguara abrigava 1 360 residéncias, 30 lojas, Varejistas, 25 bares e restaurantes, 15 acougues, 6 farmicias e 5 igrejas protestantes. Quatro serrarias exploravam as matas abundantes em mog- no na drea, € uma usina de pilar artox. servia os agricultores proximos’ No final de 1977, Xinguara jé possuia quatro mil residentes. No final do ano seguinte, essa populagdo jé havia quase dobrado™. Em novembro de 1980, 0 Orgio de controle da maléria, a Superintendéncia de Campanhas de Saiide Piblica (Sucam), contabilizou 3202 casas em Xinguara e uma populagio de 14308 pessoas. Aeestrada em si ndo era o tinico incentivo p. grante na encruzilhada das duas estradas, Agri para Xinguara pela esperanga dle receber um lote de terra na area de co- lonizacao promovida pelo governo estadual. O que realmente ocorreu foi que 0 projeto comegou como parte da estra toral de um fracassado candidato a um cargo politico, ¢ munca foi con- cluido. A promessa de terra gratuita, no entanto, estimulou um influxo ‘macigo de migrantes que, por sua vez, deu origem a violentos confron- tos entre fazendeitos e 0s candidatos a colonos. No final, tanto os Srgios federais quanto os estaduais, bem como a Igreja catélica e o sindicato rural, acabaram se envolvendo num conilito que se tornou mais e mais complexo a cada tentativa fracassada de controlar a situacdo. A longa batalha que se travou pela terra deu a Xinguara a triste fama de ser um dos locais mais violentos de toda a Amazénia, © assentamento mi- Itores foram atraidos da campanha elei- FALSAS PROMESSAS E A “COLONIZAGAO DE EMERGENCIA” A colonizagio sob a responsabilidade do Estado, que deveria ser execu- tada no local ento chamado Entroncamento do Xingu, foi a peca-chave da campanha eleitoral de Ulysses Vieira contra Giovanni Queiroz, O 4 Coutinho e Matos apud B.. Godey Rod tothe Xingu Ponte Sctlemen! in Southern Par Brasil p, 9810, 23. BJ. Godfrey "Xingu Junction: Rural Migration and Land P76. lee prémio final da disputa eleitoral era o cargo de prefeito do municfpio de Conceigio do Araguaia. Como diretor regional do per estadual, Vieira contava com a ajuda de seus colegas no governo para sua campanha por votos. Num lugar como o sul do Paré, a oferta de terra gratuita era uma forma efetiva de chamar a atengio das pessoas. Em agosto de 1976, mem- bros da Secretaria de Agricultura (Sagri) e do Instituto de Terras do Para (Iterpa) chegaram ao Entroncamento para implementar o programa de distribuicao de terras’. Vieira inaugurou o assentamento em setembro de 1976. Em homenagem ao entio governador do estado do Pars, Vieira batizou-o de “Colénia Agricola Governador Aloysio Chaves” O propésito declarado do programa de colonizacio em Xinguara era A distribuigao ordenada de lotes agricolas, Vieira argumen- tava, era a unica maneira de evitar os confrontos entre fazendeiros e agricultores que jé tinham se espalhado por todo 0 estado. Contudo, 0 resultado dessa iniciativa acabou sendo exatamente o contrario, Como © projeto de assentamento era parte de uma campanha eleitoral, foi amplamente divulgado no rédio e na televisio por todo o Pard e nos estados vizinhos de Goids e Mato Grosso. Noticias de terras gratuitas desencadearam um macico influxo de pessoas. Os funcionérios dos ér- Bi0s fundidrios logo foram soterrados pelo nimero de solictagdes por uum lote agricola. No periodo de apenas duas semanas em outubro, mais de 1 500 familias inscreveram-se para receber terra‘. Enquanto os administradores do projeto tentavam selecionar co- Tonos a partir de uma crescente lista de candidatos, familias migran- tes continuavam a inundar Xinguara em nimeros jamais registrados, Funcionérios estaduais tentaram controlar 0 processo de assentamento e 3 BJ. Godey, Road othe Xingu: Fonte Setement x Suthers Pad ral pp. 96301. 4 Iden p97 regulara pilhagem da madeira na area, mas tiveram pouco sucesso*, Pos- seitos que ja tinham se assentado préximo a encruzilhada das duas estra- das viram suas propriedades desrespeitadas pelos recém-chegados a area. A situagéo, que jé era complicada, piorou em novembro quando Vieira perdeu as eleigdes municipais, A prioridade que o governo estadual tinha dado inicialmente esvaiu-se junto com as ambicées politicas de Vieira. ‘Tensdes foram se acumulando em Xinguara a medida que a popula- fo crescia. Assim como Redencio, estrada abaixo, Xinguara tornou-se amplamente conhecida pelos tiroteios que ocorriam regularmente em suas ruas e pela impunidade com que os pistoleiros e escroques atua- ‘vam, Depois de um tempo, individuos bastante carisméticos passaram a controlar 0 povoado. Bem ao estilo da fronteira, eles utilizavam uma mescla de violéncia ¢ clientelismo para estabelecer sua autoridade. En- tre eles estava um homem que se declarava fundador de Xinguara, José Ferreira da Silva, mais conhecido como “Chapéu de Cours’, devido a0 tradicional acessério de cangaceiro de seu Ceard natal. A reputagao de Silva como pistoleiro fez dele um dos homens mais temidos no sul do Para. Por outro lado, na mesma tradigao de patroes rurais, que tao fre- quentemente emergem nas paginas da histéria brasileira, consciéncia civica nao era de todo ausente em Chapéu de Couro. Foi Silva quem or- ‘ganizou a distribuigdo inicial de lotes urbanos e foi ele quem mais tarde cconstruiti a primeira escola do povoado, Nos dias iniciais do assentamento, Chapéu de Couro era um perso- nagem familiar em Xinguara. No final da tarde, ele podia ser encontrado recebendo as pessoas, deitado em uma rede pendurada a um canto da varanda do decrépito hotel que possuia, Ele se encontrava quase sempre rodeado de virios capangas valentoes, também nordestinos. Na década de 80, Chapéu de Couro mudou-se para Tucuma, onde se tornou um comprador licenciado de ouro e, para todos os efeitos, um cidadao de respeito, Ainda assim, seu passado violento eventualmente 0 alcangou C.M, Patriarch, Relais; e Coutinho gpud 8. J. Godley, Road t0 the Xing iment in Southern Per, Bra 97 ¢,em 1986, em uma viagem a Redencao, ele foi morto a tiros na rua por um matador andnimo. Enquanto Xinguara sofria suas dores de crescimento, o governo fe- deral negociava o golpe final no programa de coloniza¢ao estadual, as~ sumindo a jurisdigdo da area inteira. O instrumento legal para isso foi o decreto 1.164, de 1971, estipulando que areas localizadas no perimetro de cem quilémetros a partir de cada margem de uma estrada federal de- veriam estar sob a jurisdicao de Brasilia. Em 1976, engenheiros propu- seram a construgao da ar-158 para ligar Conceigéo do Araguaia e Séo Félix do Xingu. Embora a estrada nunca viesse a ser construida, a linha pontilhada que os cartégrafos tracaram nos mapas do sul do Paré foi que bastou para transferir cerca de vinte milhdes de hectares para as ios do governo federal. A area do projeto de colonizacio de Xinguara foi incluida nesse apoderamento federal, como os agentes estaduais vie~ ram a saber, finalmente, no ano seguinte, quando Brasilia publicou um novo mapa da area’. ‘Autoridades federais demonstraram que no eram mais eficientes que seus antecessores da Sagri e Iterpa em lidar com 0 problema da terra em Xinguara. O comandante do Batalhiéo de Infantaria da Selva do Exército em Marabd foi ficando cada vez mais preocupado com a cabtica situagao dentro e ao redor da vila e pressionou o Incra a encon- trar uma solugio. Em resposta a essa crise progressiva, 0 escritério do Incra em Marabé foi elevado ao status de Coordenadoria Especial do ‘Araguaia-Tocantins (Ceat). Os salérios dos funciondrios aumentaram € 0 drgio foi aliviado das muitas outras responsabilidades do Incra. O plano era devotar total atencéo aos conflitos de terra, redefinindo os objetivos do érgio existente e concedendo-Ihe suficiente flexibilidade burocrética para lidar com a crescente emergéncia. ‘A Ceat enviou uma equipe de investigadores a Xinguara em junho de 1977. O relatério que protocolaram no escritério de Maraba aler- tava sobre o intenso descontentamento das pessoas na vila e arredores. 7. Bl. Godley, Road othe Xingu: Pent etemen in Southern Park, rs

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