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CAPA
Ulisses Candal Sato
ISBN 978-85-63806-29-1
Vários autores
COORDENAÇÃO EDITORIAL
Antônia Schwinden
EDITORAÇÃO ELETRÔNICA
Ivonete Chula dos Santos
A Clayton Leme
(in memoriam)
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO............................................................................................ 11
ARTIGOS
MECANISMOS DE CONTROLE SOCIAL E DE FOMENTO
PARA AS POLÍTICAS CULTURAIS: UM PARALELO ENTRE OS
CONSELHOS DE CULTURA DOS ESTADOS DE GOIÁS E DO
PARANÁ POR UMA PERSPECTIVA DA ÁREA DA DANÇA............. 27
MECHANISMS OF SOCIAL CONTROL AND FURTHERANCE FOR
CULTURAL POLICIES: A PARALLEL BETWEEN THE CULTURAL
COUNCILS OF THE STATES OF GOIÁS AND PARANÁ THROUGH A
PERSPECTIVE OF THE FIELD OF DANCE
Marila Vellozo
7
DANÇA NA POLÍTICA DO CERRADO..................................................... 105
DANCE IN POLICY OF CERRADO
Rafael Guarato
Luciana Ribeiro
Valéria Maria Chaves de Figueiredo
Vera Bicalho
RELATOS
DESLOCAMENTOS DE UM ARTISTA PRODUTOR............................ 197
Kleber Damaso
8
A PORQUARIA DE SER ARTISTA DE DANÇA...................................... 215
Luciana Ribeiro
Leonardo Taques
Loana Campos
OS AUTORES................................................................................................... 245
9
APRESENTAÇÃO
11
visto ou pensado de um modo uníssono, com uma só voz ou um só
modus operandi.
Assim, o problema da representatividade dos meios sociais
abrangentes aparece como um possível pano de fundo para os
atores deste livro em sua presença e ação social.
Por outro lado, todos os autores são artistas, teóricos,
docentes, pesquisadores e ativistas envolvidos no universo de um
setor econômico produtivo e social denominado Dança. Assim,
suas falas e escritas revelam esta presença de um singular ponto
de vista, algumas vezes pontuado quase como depoimento e, por
outras vezes, apontando para recortes testemunhais, presentes no
interior dos artigos. Portanto, trata também de ser um tipo de jogo
memorialístico e, em alguns momentos, como essas memórias são
efeitos catárticos para aqueles que vivem esta realidade.
II
12
Ela revela, em seu texto, as tensões existentes no interior e
entre o Sistema Nacional de Cultura, o Conselho Nacional de Políticas
Culturais, as Câmaras e Colégios Setoriais, o Fundo Nacional de
Cultura, o Plano Nacional de Dança, os Comitês, os programas e
editais voltados para o fomento, Funarte e, finalmente, os Fóruns
locais e regionais.
Todo o texto aponta para uma defesa da especificidade da
arte em relação aos programas mais abrangentes do universo
cultural, já que esta envolve também uma política das e para
as linguagens.
Pensar as condições da linguagem como elemento instituinte
do trabalho.
Esta história também transita na maneira tal qual foram
sendo consolidadas as formas de representação administrativa e
como esta é fundamental na constituição de mecanismos gestores.
Aspectos deveras kafkianos são revelados neste artigo,
demonstrando aspectos da falta de comunicação, de planejamento,
de compromisso, de dimensões éticas, de uma visão da política e
da gestão (como processo e dinâmica) que se transformam, pouco
a pouco, em estruturas burocratizadas dos organismos culturais,
transformando os mecanismos e seus agentes diretos na própria
política de cultura e arte.
É um jogo de transformar a parte em todo, o que se lê e
acompanha neste texto.
O tema também se abre para um horizonte das economias
culturais e do campo das artes, pensando o quanto é possível
articular autonomia política com autogestão econômica e a fundação
13
de dinâmicas de produção que possam servir a manutenção deste
setor produtivo da sociedade – o artista e a arte como trabalhador
e trabalho.
III
14
entre atores sociais (da sociedade civil), formas de representação e
de instituição dos agentes representantes e a maneira como estes irão
se apresentar e se fazer atuantes nos organismos governamentais.
Esse jogo, presente nas sociedades democráticas – e do
dissenso –, permite a formação de redes sociais voltadas a pensar
as políticas sociais de âmbito público. São destes novos atores e
suas demandas que vão aparecendo novas formas de gestão (gestão
participativa, coletiva, comunal, autogestão, colaborativa etc.) e
estas, por sua vez, afetarão a representatividade e a governabilidade.
Mas tal como no texto de Vellozo, a autora levanta questões e
deixa dúvidas no ar acerca da eficácia e da efetividade destes novos
modos de fazer-se representar da sociedade civil.
O empowerment dos grupos sociais não é apenas uma forma
de organização para atuar no Estado, mas, mais que isso, um
elemento gerador de conflitos e novos dissensos entre Estado, seus
agentes, atores sociais e seus representantes. Assim, nos meandros
dos processos de representatividade política, Conselhos entram em
conflito com o Governo, e representantes da sociedade civil podem
também entrar em conflito com seus representados, se fazendo
mais parte cooptada do Estado do que representantes de seus
setores sociais e produtivos.
São os desvios burocratizantes já apontados por Vellozo que
permitem também observar quando representantes da sociedade
civil assumem a óptica do Estado, reduzindo o espaço diferencial
entre este e a sociedade civil.
A perspectiva sistêmica e burocrática transforma de modo
acelerado o espaço político dos Conselhos em mero administrador
15
de fundos culturais, restringido a sua atuação a um lugar técnico,
destinado à aplicação de leis e de construção e acompanhamento
de editais.
A arena política se transforma em arena do capital monetário,
e o debate recai na precariedade da busca por recursos e mecanismos
de fomento.
Na última parte do texto, Carvalho se dedica a traçar paralelos
entre as histórias e a estruturação administrativa dos Conselhos de
Cultura do Estado de Goiás e do Paraná, sem com isso desenvolver
um trabalho de cunho comparativo, algo que exigiria um redobrar
dos dados e dos instrumentos de pesquisa.
IV
16
Mesmo assim, a esfera social não deixaria de se apresentar sob
formas de uma economia e demandas dos atores se transformaram
em grande parte em solicitação de atendimento direto da demanda,
o que representa pensar a distribuição do “bolo financeiro” do
Estado entre os interesses sociais. Estes, por sua vez, não estão
liberados de uma participação mais ampla na economia geral do
mundo atual, e, portanto, acabam por ser afetados, por políticas
de marketing, avaliações estatísticas e quantificação geral dos
interesses sociais.
A transformação das demandas em legislação e em programas
e mecanismos de fomento revelam uma boa parte desta história e
transformam uma parcela do debate acerca das políticas para a
arte e a cultura, e neste livro, das políticas setoriais para a dança,
em espaço de enfrentamento entre seus agentes e suas demandas
por recursos.
A economia e os efeitos perversos do localismo dos projetos
artísticos também integram uma parcela desta história.
17
Elas se valem de uma ideia geral do mesmo contexto de
redemocratização para demonstrar quais são as demandas dos
atores que se autoidentificam como agentes da dança e da arte na
cidade de Goiânia, sendo elas mesmas parte integrante desta história.
Assim, muito aquém de qualquer distanciamento, apontam
para desejos dos quais são parte ativa: o desejo de profissionalização
do setor (formação, capacitação, piso salarial, forma trabalho),
de representatividade política e administrativa nos organismos
públicos, da construção de documentos, mapeamento setorial e de
planejamentos para o setor tanto na esfera dos municípios quanto
do Estado.
Mesmo trazendo um elemento da óptica de Rancière, acabam
por adotar uma visão mais culturalista do que política, aos moldes
de Stuart Hall, revelando o quanto o sintoma da culturalização e da
estetização do campo político são parte integrante do discurso dos
agentes que se autorreconhecem e se legitimam.
VI
18
profissionais ampliados – do nacional ao internacional – e como
estes exigem uma compreensão transversal entre economia,
visibilidade, formação de uma marca (para além das questões
formais e estilísticas), relações amplas com as diferentes mídias, ao
mesmo tempo em que não pode perder o horizonte de formação,
capacitação e melhoria das relações de trabalho.
É uma história de como as companhias se transformam
também em empresas de arte e cultura, tendo que lidar com
questões do mundo do trabalho, salários, tributação, fiscalização,
fazendo destas parte do vasto círculo da cultura como negócio.
Por outro lado, os vazios das políticas públicas tornam esses
grupos, muitas vezes, os responsáveis pela manutenção do interesse
público pela arte, tendo que enfrentar uma política imediatista de
editais e a famosa dinâmica de balcão de projetos.
Assim, negócios e publicização são confrontados com
relevância cultural e esfera pública, numa divisão entre aquilo
que vende e aquilo que seria do interesse do setor em questão,
tornando-se parte integrante de um processo de tornar público,
formar e ampliar plateias.
VII
19
caminhos entre a biografia e as práticas culturais e processos
criativos de Clayton Leme, um artista e gestor, parte da história
do Fórum de Dança de Curitiba. O texto relata, quase na forma
de um testemunho, as combinações exercitadas por Leme entre
organizações civis e organismos públicos, interesses artísticos e
exigências de mediações culturais, preocupações com a cultura
escolar que vigora e a falta do corpo e de uma cultura da infância
nas escolas.
O artista-gestor, pontuado em Ribeiro e Figueiredo, é aqui
ressaltado na trajetória singular, nas buscas e investigações e, acima
de tudo, na valorização da experiência e na busca da felicidade.
Para tal empreitada, os autores recontam parte de um programa de
cultura para o município de Votorantim.
VIII
20
na Cultura (Leonardo Taques), A porquaria de ser artista de
dança (Luciana Ribeiro) e Deslocamentos de um artista produtor
(Kleber Damaso).
Loana Campos fala da constituição do seu corpo próprio,
dançante e político, traçando os paralelos entre sua formação estética
e artística e sua integração nos circuitos de participação política e
como este cruzamento reafirma seu empoderamento no corpo.
Leonardo Taques relata a sua experiência de formação e
atuação na dança, como artista cidadão, passando sempre pela
dança de salão e a dança folclórica e a criação do espaço pedagógico
de invenção.
Luciana Ribeiro relata sua entrada pela porta dos fundos
ou pelo avesso e seu desejo de ser um ser dançante. As passagens
entre a criação de um grupo, a reinvenção subjetiva na experiência
coletiva, a inserção e a posterior saída do espaço universitário
extensionista, até chegar ao momento presente, lugar gestor de um
espaço de dança na cidade de Goiânia.
Kleber Damaso faz um relato a partir dos múltiplos da
formação e da consolidação do sujeito artista. Do artista ao produtor
e do artista produtor, ele evoca dois outros modelos, teóricos
e artísticos, de Joseph Beuys e de Walter Benjamin. O relato de
Damaso revela muito destes deslocamentos, trânsitos e fronteiras
na cadeia produtiva artística.
Para ele, o que resulta de tudo isso é a emergência da figura
do artista-produtor e da importância de manter a relevância e
centralidade dos processos de criação, tanto no campo expandido
da cultura (da atividade criativa no campo social) quanto na arte
21
propriamente dita e sua produção, tomando a esfera técnica como
parte integrante da poética.
Assim, conta-nos um pouco do projeto Conexão Samambaia e
seu modelo aberto para a autogestão tanto do processo de criação
quanto da gestão administrativa do projeto, contrapondo esta ação
com as políticas para a cultura, que, em sua grande maioria, acabam
sendo apenas efeitos perversos de agentes especializados voltados
quase exclusivamente para uma ação burocrática na esfera política.
Tal como em diversos capítulos deste livro e outros relatos,
aparece como zona nebulosa uma gestão policialesca da cultura e
das artes, para a qual o que é mais importante e relevante a afirmação
quantitativa, os efeitos publicitários, a garantia burocrática de
poder para os agentes estatais.
IX
22
O que é da gestão? E o que pertence ao mundo dos negócios e ao
mundo da burocracia de Estado?
Fronteiras cada vez mais imprecisas, dignas de reflexão e
de ação.
Mas também são o sintoma de uma cultura que se estetizou
como um todo, fazendo design na esfera da economia e culturalizando
e estetizando o campo da política.
Qual a potência em se politizar a arte? Qual a relevância em
se estetizar a esfera política?
Questões ainda sem respostas, mas de suma importância,
para balizar nossas atuações.
Este é um livro de atores engajados e atuantes, comprometidos
e imersos no presente.
Assim, suas reflexões são também memórias (memórias em
trajeto e projeto e memórias do tempo presente) e, portanto, seus
juízos futuros serão por este lugar singular avaliados.
23
DANÇA E POLÍTICA
Ar tigos
MECANISMOS DE CONTROLE SOCIAL E DE FOMENTO
PARA AS POLÍTICAS CULTURAIS: UM PARALELO ENTRE
OS CONSELHOS DE CULTURA DOS ESTADOS DE GOIÁS E
DO PARANÁ POR UMA PERSPECTIVA DA ÁREA DA DANÇA
27
específico e acurado dos Conselhos de Cultura, passando pelo
diagnóstico minucioso dos Conselhos Estaduais de Cultura de Goiás
e do Paraná, com oportuna atenção à condição da Dança em ambos.
28
INTRODUÇÃO
29
Evidente que tais colegiados não detinham, à época, a mesma
função de controle social e construção coletiva como se dá na
atualidade. Todavia já representavam um espaço de discussão e
desenvolvimento de normas, ainda que compostos pelos chamados
“notáveis”, ou seja, indicados a dedo pelo governo e com o condão
de aconselhamento somente. Mesmo no período da ditadura, os
Conselhos estiveram presentes, ainda que cumprissem função
meramente decorativa, tendo em vista o total cerceamento decisório
do período. Novamente emergiam os chamados Conselhos de Notáveis.
De lá para cá, a presença dos Conselhos de Políticas
Públicas nas instâncias de poder se fez constante, mesmo que
suas prerrogativas de constituição e funcionamento fossem
intensamente diferentes ao longo dos períodos históricos do país.
A partir da década de 1980, e como já salientado com a força do
cunho participativo disciplinado pela Constituição de 1988, é que o
cenário dos Conselhos populares se intensifica.
Segundo Machado (2010, p.221): “Pelos exemplos retirados
da história brasileira, verifica-se que a instituição denominada
“Conselho” serviu a diferentes regimes e exerceu diferentes funções:
consultivas, deliberativas, normativas, repressivas, recursivas, de
fomento, articulação política, cooptação e legitimação”.
Fato é que hoje não se pode negar o simbolismo dos Conselhos
de Políticas Públicas como objetos de desejo por mudança e por mais
democracia efetivamente participativa, de maneira institucional.
A participação de representantes da sociedade civil podendo
influenciar nas decisões ressignifica o modelo de participação
social na sociedade democrática contemporânea.
30
Grande relevância nesse processo detêm os movimentos
sociais, que desde sempre exercem forte influência nos processos
constituintes e na fiscalização e conservação de seus princípios.
De fato, estão atrelados governo, sociedade civil, movimentos
sociais e os próprios conselhos no agir sobre o contexto político,
pois nenhuma ação acontece isolada dos demais interesses e áreas
daqueles que são atores no cenário político (cidadãos e gestores).
A composição de um Conselho popular sempre exigirá,
independente da sua forma, que os gestores respondam ao clamor
público por mudanças nas respectivas áreas. E no caso dos Conselhos
estaduais e nacionais isso ainda engloba as reivindicações de outras
esferas administrativas.
A partir do momento em que o cidadão passa de mero
espectador para protagonista e responsável pela formulação de
políticas públicas, ele começa a se reconhecer como agente da
democracia, e assume o caráter de compartilhamento de decisões
com o Estado, lugar outrora nunca imaginado para a sociedade civil.
A participação social ganha o status de participação direta e tende a
ser vista como ferramenta para a gestão, corporificando uma nova
forma de governo. Esta é a forma estratégica como os Conselhos
de Políticas Públicas se impõem para a qualificação da democracia.
Importante destacar que o cenário acima descrito retrata um
ideal teórico de como deveria ser a funcionalidade desses Conselhos
como espaços de controle social e construção democrática.
Nem sempre é isso que acontece, sendo necessário levarmos em
consideração uma série de questões que surgem dentro desses
ambientes, ainda mais quando se trata dos Conselhos de Cultura,
31
que por si só abarcam uma temática plural e abrangente. Tudo isso
será tratado no presente artigo, especialmente a partir da análise
dos Conselhos de Cultura dos Estados de Goiás e do Paraná, com
destaque para como a área da Dança se faz presente em ambos.
32
sua origem em legislação municipal ou estadual, conforme as
especificidades de cada região; outros ainda derivam da pressão
popular pela sua existência. Sobre os diversos tipos de conselhos,
assevera Ana Claudia Teixeira (2005, p.20):
33
burocráticas oriundas de processos participativos, detêm natureza
setorial e vínculo direto com os governos. Também por essa razão
são vistos como espaços de disputas pelo poder e disputas setoriais.
A participação de representantes da sociedade civil é
conquista recente, e estes atuam em prol de que suas demandas
sejam ouvidas e atendidas pelos dirigentes públicos, considerando
que as atribuições destes coletivos formados por distintos interesses
consistem em traçar diretrizes voltadas para a população. Portanto,
a postura corriqueira não é mais somente a de combate ao Estado,
mas de compartilhamento das decisões e fiscalização dos recursos.
Em regra, o funcionamento dos conselhos é pautado
por normas legais e administrativas que, ao longo do tempo,
estabeleceram certo padrão com relação à organização e estrutura
desses órgãos, o que veio a colaborar para o reconhecimento do seu
papel no campo de decisões setoriais.
As leis específicas que regem esses conselhos – normalmente
vinculados a um órgão público específico de acordo com a área a ser
representada – já determinam o seu modus operandi, ou seja, quais
serão as regras de funcionamento e estrutura desses órgãos. Mas
mesmo os conselhos que porventura não são regidos por legislação
específica reproduzem o corriqueiro modelo organizacional e
classificatório típicos da criação desses colegiados.
De acordo com a área de representação, sua vinculação
institucional e (ou) normativa, e suas peculiaridades, cada conselho
adotará os critérios de estrutura e funcionamento necessários,
como, por exemplo, a forma de indicação dos representantes da
sociedade civil, a proporção destes em relação aos indicados pelo
34
governo (sendo o modelo paritário considerado o ideal), suas
atribuições (consultivo, deliberativo, normativo, fiscalizador),
periodicidade das reuniões, seus órgãos internos de controle,
divisão de setoriais, regionais, e assim por diante. Sobre as regras
recorrentes presentes nos conselhos, destaca-se trecho da autora
Soraya Vargas Cortes (2010, p.58):
35
sobre a relativização da autonomia deles, a depender da conclusão
a respeito de serem ou não modelos eficazes. Certamente, o cenário
ideal para a eficácia em um Conselho de Política Pública é aquele que,
em primeiro lugar, adota atribuição de deliberativo e fiscalizador,
capaz de dar o crivo na formulação das diretrizes políticas e na
gestão de seus recursos; também aquele que é paritário em sua
composição, equilibrando, assim, a participação da sociedade civil
com o governo.
Em suma, várias são as problemáticas que podem surgir desta
análise e das experiências já vividas por esses colegiados, algumas
delas expostas a seguir, tais como a influência da territorialidade
ligada à articulação política, como bem ponderado por Soraya
(2010, p.63):
36
atores com influência real e válida nos processos decisórios
das políticas públicas, uma série de efeitos vai surgindo, muitos
deles derivados de conflitos com os representantes do governo
que procuram manter sob seu inteiro controle as decisões dos
conselhos, a fim de evitar situações que não lhes sejam favoráveis.
Por essa razão, muitas vezes, mesmo com esse
empoderamento, os conselheiros representantes da sociedade
civil pouco podem fazer, o que pesa sobremaneira na sua condição
de representatividade de classe, já que, em tese, aqueles que
os elegeram/indicaram estão do outro lado acompanhando o
trabalho realizado. Entretanto, o que se percebe em alguns casos
é que as entidades, os movimentos e as classes, após a eleição de
seus representantes, tendem a se afastar da rotina dos conselhos,
seja porque a pauta das reuniões não chega a ser discutida com
as entidades, seja pelo distanciamento das decisões de classe
perante o respectivo Conselho. A verdade é que, em se tratando de
representatividade setorial, fica difícil conceber que uma só pessoa
vá dar conta da demanda de todos os seus representados, sendo
esta outra situação delicada presente nos conselhos atualmente.
Muito se fala acerca da capacitação e qualidade dos
conselheiros societais diante dos conselheiros governamentais, para
que dialoguem em um mesmo nível de debate, sem que, contudo, se
tornem especialistas, e que isso leve à burocratização da participação
popular. Por outro lado, é necessário frisar que a tentativa de
equalizar o debate tende a desvirtuar os valores precípuos desse tipo
de organização, já que a presença de representantes da sociedade
civil tem de ser aproveitada justamente pelo que traz de diferencial e
37
contribuição para além da visão governamental. Inclusive, a respeito
da burocratização dentro dos conselhos, alguns movimentos sociais
e entidades criticam esse ambiente institucionalizado, que limitaria
o potencial de democratização da gestão pública, a tal ponto de
hesitarem em integrar tais espaços, por receio de legitimar o que
consideram não democrático.
Ainda no âmbito da institucionalização, podem ser citados
os conselhos que são formados por indução e força de sistemas
nacionais, sendo peças indispensáveis para estruturação desses
sistemas, que funcionam em rede e contam com repasses de verbas
de fundos nacionais para estados e municípios que se articularem
implementando políticas que contam, além de conselhos, com
planos, fundos e conferências – como é o caso do Sistema Nacional
de Cultura. Quando a motivação é essa, e esses conselhos são criados
segundo os princípios que regem a democracia participativa e
efetivamente se prestem a formular diretrizes para as políticas
públicas de sua área, este é o cenário ideal. O problema reside na
criação única e exclusivamente para preencher um dos requisitos
dos respectivos sistemas, cumprindo protocolo com vistas ao
recebimento de recursos dos fundos nacionais.
Outro ponto a se considerar seriam os conselhos que se
voltam mais a atividades internas, como regimento, cadastros,
aprovação de projetos financiados, do que efetivamente a traçar
diretrizes para as políticas públicas, deixando que tais decisões
ocorram por fora. Nesse sentido, é válido mencionar a criação de
“vazios produtivos na agenda dos conselhos”, como bem ponderado
por Luciana Tatagiba (2010, p.46):
38
Em primeiro lugar, é preciso “criar vazios produtivos na agenda dos
conselhos”, para que os conselheiros possam ter tempo e energia
para pensar a política de forma ampla e generosa, propor saídas,
disputá-las na esfera pública, criar articulações no interior dos
governos, dos legislativos, comprometer o judiciário etc. Para isso,
é preciso resistir à conformação da agenda dos conselhos pelos
executivos que mesmo bem intencionados acabam, muitas vezes,
sobrecarregando o cotidiano dos conselhos com questões que são
prioridade para os governos, mas não necessariamente para o
campo de produção de determinada política vista de forma ampla.
Também é preciso resistir à tendência de usar os conselhos como
espaços para realização dos interesses das entidades e segmentos
que o compõe.
39
Recursos escassos, conselheiros que não são funcionários
públicos – na grande maioria dos casos não se prevê remuneração
aos conselheiros, quando muito paga-se reembolso dos gastos por
diárias (jeton) –, infraestrutura reduzida, falta de articulação entre
conselhos inseridos em sistemas nacionais, e os limites que são
inerentes aos Conselhos de Políticas Públicas são outros exemplos
de problemáticas enfrentadas.
De toda forma, é necessário lembrar que os Conselhos de
Políticas Públicas são instituídos por lei, e por isso pertencem ao
Estado e não, ao governo. Dependem, é claro, do governo para o seu
funcionamento, mas não são propriedade de uma gestão ou outra.
O que se pode notar é que, ao longo do tempo e até os dias de hoje,
os conselhos variam muito conforme sua localidade, tema, gestão
política e condições de funcionamento. Todo esse cenário, aliado à
complexidade da área cultural, será abordado a seguir.
40
Brasileira de 1988, em que está demonstrado que o Estado garantirá
a todos o pleno exercício dos direitos culturais e o acesso às fontes
da cultura nacional, bem como apoiará e incentivará a valorização e
a difusão das manifestações culturais.
Além disso, os dispositivos indicam que a proteção das
culturas populares, indígenas, afro-brasileiras e de outros grupos
do processo civilizatório nacional é um objetivo a ser traçado,
além de traduzirem um sentido de necessidade de uma política
de preservação proposta a garantir aos cidadãos o pleno direito
à cultura, sendo esta entendida como valores pelos quais se
reconhece uma nação.
Com as inovações das políticas do Ministério da Cultura,
desencadeadas no governo de Luis Inácio Lula da Silva, com início
em 2003, iniciou-se uma mudança fundamental no modelo de
gestão cultural no país, com uma maior presença e participação
do Estado, propondo novas diretrizes para o desenvolvimento das
políticas culturais, sob o comando dos Ministros Gilberto Gil e Juca
Ferreira. O Ministério da Cultura foi o responsável pela criação de
uma nova política pública de cultura no Brasil, proveniente de um
Plano Nacional de Cultura (de caráter plurianual), e de um Sistema
Nacional de Cultura, hoje previsto na Constituição Brasileira,
envolvendo a sociedade civil e os entes federados integrantes do
processo. Além de outras políticas implementadas, tais como a
aprovação do Vale Cultura, Programa Cultura Viva, projeto de
modificação na Lei Rouanet, Conferências de Cultura, dentre outros
modelos que evidenciam a importância das políticas culturais no
cenário democrático da atualidade.
41
Ao lado disso, o tema dos conselhos foi trazido intensamente
para este momento de fundamental conformação de uma política
estável para a área cultural, principalmente a exemplo da renovação
do Conselho Nacional de Políticas Culturais (CNPC) no ano de 2007.
O debate envolvendo Conselhos de Cultura resulta no
reconhecimento de singularidades e peculiaridades afetas à área,
que, pelo seu conceito amplo, provocará mudanças para além
daquelas que implicam a participação da sociedade civil junto ao
Estado e a contemplação das mais diversas vertentes culturais
nos conselhos. Além de dar conta da inclusão das diferentes áreas,
etnias, classes artísticas, culturas populares, setores da economia
cultural, entidades, representantes territoriais e de patrimônio
material e imaterial, entre outras, esses colegiados deverão também
representar espaços de transversalidades com políticas de áreas
que possuam interface com a Cultura, tais como: educação, meio
ambiente, turismo, saúde, finanças, planejamento, transportes
públicos, habitação, turismo, ciência e tecnologia, segurança pública
e desenvolvimento econômico e social – ou seja, nada fica de fora
quando o assunto é cultura.
Tal qual já mencionado neste artigo, a primeira referência a
órgão colegiado destinado às questões culturais no país seria data
no ano de 1938, o Conselho Nacional de Cultura. Pouco se sabe
sobre tal formação, sendo que a próxima referência deste tipo de
colegiado se dá em 1961, durante o governo Jânio Quadros, e ligado
diretamente ao presidente da República (CALABRE, 2010).
Durante a ditadura militar, o Conselho Nacional de Cultura
foi extinto e substituído pelo chamado Conselho Federal de Cultura
42
(CFC), em 1966. Destaca-se que a cultura ainda estava dentro do
Ministério da Educação, apesar da criação desse conselho. Sobre
o Conselho Federal de Cultura (RUBIM; BRIZUELA; LEAHY, 2010,
p.113):
43
conselhos por notáveis, com o cunho apenas consultivo na maioria
dos casos.
Após a extinção do Ministério da Cultura no governo de
Fernando Collor, em 1991, o órgão é recriado no ano seguinte por
Itamar Franco, contando com um Conselho Nacional de Política
Cultural composto por notáveis, mas que, entretanto, não perdurou
por muito tempo, até sua completa inatividade no ano de 2000.
O fato é que o modelo de abertura dos conselhos à participação
democrática ocorre mesmo a partir de 2003, com a definição das
novas políticas nacionais de cultura do MinC, especialmente no que
diz respeito ao Sistema Nacional de Cultura.
A implantação do SNC possui como prerrogativa a
criação, por Estados e Municípios, de órgãos gestores da cultura,
constituição de conselhos de política cultural democráticos,
realização de conferências com ampla participação dos diversos
segmentos culturais e sociais, elaboração de planos de cultura
com participação da sociedade (já aprovados ou em processo de
aprovação pelo legislativo), criação de sistemas de financiamento
com fundos específicos para a cultura, de sistemas de informações
e indicadores culturais, de programas de formação nos diversos
campos da cultura e de sistemas setoriais articulando várias áreas
da gestão cultural.
Ou seja, o SNC motivou ainda mais a criação de conselhos
democráticos de Cultura uma vez que eles são indispensáveis
para que União, Estados e Municípios articulem-se nesta rede
de fortalecimento institucional das políticas culturais com a
participação da sociedade. Aqueles que já existiam realizarão
44
as adaptações necessárias seguindo o padrão estabelecido pelo
CNPC, bem como aqueles que passam a existir a partir de então. É
importante lembrar que isso envolve também repasse de verbas via
SNC, uma vez cumpridas todas as suas prerrogativas pelos Estados
e Municípios.
No ano de 2005, foi promulgado o Decreto nº 5.520, que
veio a reestruturar o Conselho Nacional de Política Cultural (órgão
colegiado integrante da estrutura básica do Ministério da Cultura).
Este órgão, instalado definitivamente em dezembro de 2007, tem
como finalidade «propor a formulação de políticas públicas, com
vistas a promover a articulação e o debate dos diferentes níveis de
governo e a sociedade civil organizada, para o desenvolvimento e o
fomento das atividades culturais no território nacional» (VELLOZO,
2011, p.51).
Pela primeira vez composto por membros eleitos pela
sociedade – além do poder público federal, estadual e municipal;
de setores empresariais, culturais e de fundações e institutos –,
o CNPC forma-se pelos seguintes entes: I – Plenário; II – Comitê
de Integração de Políticas Culturais; III – Colegiados Setoriais; IV
– Comissões Temáticas e Grupos de Trabalho; e V – Conferência
Nacional de Cultura. Ainda sobre o CNPC:
45
Nacional de Cultura (PNC), assim como propõe e estabelece as
diretrizes gerais para a aplicação de recursos do Fundo Nacional de
Cultura (FNC). Cabe também ao conselho fiscalizar, acompanhar e
avaliar tanto o PNC como o FNC. É, ainda, encarregado de aprovar
o regimento interno da Conferência Nacional de Cultura (RUBIM,
BRIZUELA, LEAHY, 2010, p.142).
46
É imprescindível também que se valorizem os espaços
de discussão cultural da sociedade civil, como fóruns, grupos,
coletivos etc., para que haja o interesse da classe em integrar os
conselhos. Além disso, que haja articulação entre os conselhos nas
suas instâncias municipal, estadual e federal, que se proponham
ações integradas entre eles, e que o CNPC atue como incentivador
e organizador desses programas. Um bom exemplo é a criação do
Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais de Cultura – CONECTA,
o qual se constitui em um processo de articulação dos conselhos
estaduais. Outro exemplo de programa de articulação é a reunião
de representantes de conselhos de cultura de todo o país no evento
organizado pelo Centro de Estudos Multidisciplinares em Cultura
da Universidade Federal da Bahia (CULT/UFBA), em parceria com
o Ministério da Cultura (MinC), denominado Seminário Políticas
Culturais, Democracia e Conselhos de Cultura. Realizado na capital
baiana, possui o objetivo de elaborar uma investigação sobre o
papel dos conselhos de cultura no Brasil.
A seguir serão analisadas as estruturas de dois conselhos
estaduais de cultura, o Conselho de Cultura do Estado de Goiás
(CEC-GO) e o Conselho Estadual de Cultura do Paraná (CONSEC).
47
Goiânia no dia 4 de dezembro do mesmo ano, sob o nº 6.750.
Com oito artigos em sua constituição, a lei previa a criação do
Conselho Estadual de Cultura (CEC-GO) contando com doze
membros, todos nomeados pelo Governador do Estado, por um
período de seis anos, e sendo estes “personalidades eminentes
da cultura goiana e de reconhecida idoneidade (Art. 1º da Lei
6.750/67)”. Ou seja, um Conselho de Notáveis.
Entretanto, a posse dos primeiros conselheiros deu-se
apenas no ano de 1972, sendo que o funcionamento regular do
Conselho – com a devida aprovação de um regimento interno pelo
Governador – deu-se apenas no ano de 1973. De lá para cá, treze
conselheiros já ocuparam o cargo de presidente do Conselho de
Cultura de Goiás.
A lei que hoje rege o Conselho é do ano de 2001, nº 13.799 de
18 de janeiro, tendo sido revogada a lei anterior de 1967. A lei atual
possui 16 artigos em sua constituição e conserva traços estruturais
da primeira disposição normativa. O Regimento Interno vigente foi
homologado por decreto em 20 de agosto de 2003, com alterações
nos anos de 2004, 2005 e 2006, tendo a seguinte redação em seu
primeiro artigo:
48
O CEC-GO é órgão independente vinculado diretamente
à Casa Civil. A antiga Secretaria de Cultura foi incorporada na
então instituída Secretaria de Educação, Cultura e Esporte
pela Lei nº 18.746 de 29 de dezembro de 2014, a qual dispõe
sobre a constituição e organização dos órgãos componentes
da administração direta do Estado de Goiás. Dentro dessa
Supersecretaria – como é chamada – existe uma Superintendência
Executiva de Cultura, porém sem ligação com o Conselho, que atua
de forma independente ligado somente à Governadoria; condição
essa que de pronto remete à sua autonomia e liberdade de ação,
o que antes não ocorria plenamente devido à vinculação que o
Conselho mantinha com a antiga Secretaria de Cultura.
A Lei do CEC-GO prevê doze artigos que dispõem sobre suas
competências, e, além destes doze, o Regimento Interno prevê
mais treze artigos que dispõem sobre as diversas competências do
Conselho, desde as mais formais – como estabelecer diretrizes para
as políticas culturais, fiscalizar a execução dos projetos culturais,
avaliar os projetos culturais e artísticos, emitir pareceres, promover
a proteção e conservação de obras e patrimônio histórico, elaborar
o plano estadual de cultura – até as mais específicas – como indicar
bens para tombamento, publicar boletim ou revista, manifestar-se
sobre a edição de livros, revistas, discos e produtos semelhantes,
manifestar-se sobre a concessão de bolsas de estudo ou viagens
culturais, articular-se com órgãos institucionais do Estado visando
amparar o ensino da História, Geografia, Letras, Artes e Folclore de
Goiás; dentre tantas outras.
49
A composição conta com 12 membros conselheiros, sendo
seis indicados pelo governo e outros seis eleitos por entidades
culturais, representando a sociedade civil. Todo o procedimento
de eleição está detalhado no regimento interno, compreendendo
indicação de um conselheiro e um suplente pelas entidades
culturais cadastradas no Conselho – as entidades precisam estar
formalmente constituídas e são agrupadas em seis segmentos
culturais, a saber: I- ciências humanas, memória e patrimônio
histórico, artístico e cultural; II- artes plásticas e artesanato; III-
artes cênicas; IV- cinema e vídeo; V- música; e VI- letras – e votação
entre estas mesmas entidades nos seus indicados.
O fato de as eleições para representantes da sociedade civil
ocorrerem somente mediante a indicação de entidades cadastradas
ainda causa certa crítica por parte de artistas e coletivos que não
possuem entidades formalmente constituídas, e que, portanto, não
se sentem representados por aquelas devidamente cadastradas,
e também daqueles que sabem que os processos de eleição dos
Colegiados Nacionais funcionam diferentemente deste modelo.
O mandato dos conselheiros representantes da sociedade civil
é de seis anos, sendo que os conselheiros indicados pelo governo
possuem mandato de quatro anos, coincidindo com a gestão que
realizou a indicação. Portanto, de dois em dois anos a composição
do CEC-GO é renovada em um terço de seus membros.
Em relação à estrutura interna, o Conselho possui como órgãos
de sua administração: o pleno, as câmaras técnicas e a presidência.
O Pleno é o órgão deliberativo do CEC-GO e suas reuniões
ocorrem semanalmente, em sessão ordinária, às sextas-feiras. As
50
deliberações são tomadas pelo voto da maioria simples de seus
membros, cabendo ao presidente o voto de qualidade. A maioria
absoluta é utilizada apenas nos casos de eleição de presidente e
alteração do Regimento Interno. A presidência é composta pelo
presidente e vice-presidente, com mandato de dois anos (permitida
reeleição) para ambos, sendo que o presidente designa ainda quem
desempenhará a função de Secretário Geral do Conselho (tal função
é remunerada conforme previsão da Lei do Conselho). Qualquer
dos membros pode ser eleito para a Presidência.
São Câmaras Técnicas do Conselho: I- Câmara Técnica
de Ciências Humanas; II- Câmara Técnica de Letras e Artes;
III- Câmara Técnica de Memória e Patrimônio Cultural; e IV-
Câmara Técnica de Legislação e Normas. Cada Câmara Técnica
é composta por três membros designados pelo Presidente,
após ter sido ouvido o Pleno, sendo um deles escolhido para
desempenhar a função de coordenador da Câmara. Cada
Câmara pode instituir suas próprias reuniões, cujo conteúdo é
apresentado nas reuniões do Pleno. Importante destacar que a
divisão entre tais Câmaras existe desde a primeira Lei do CEC-
GO, em 1967. A intenção é que se levem em conta as aptidões
e os interesses de cada conselheiro na hora da divisão entre as
câmaras, para que se conserve uma distribuição equilibrada e
com vistas à efetividade dos trabalhos desempenhados.
O fato de haver apenas três conselheiros na composição
de cada câmara torna o seu debate mais rápido e objetivo, sendo
suas deliberações internas levadas às reuniões do Pleno por meio
de pareceres.
51
Quando necessário, o CEC-GO pode instituir ainda Comissões
Especiais, em casos específicos cuja matéria escape da área peculiar
das Câmaras Técnicas.
Direitos e deveres dos conselheiros são previstos no
Regimento Interno. Além disso, está previsto o recebimento,
pelos conselheiros, de um jeton no valor de noventa reais pela
comprovada presença nas sessões, respeitando o limite máximo
de vinte ocorrências por mês. Cada jeton equivale a duas horas
de participação.
No que diz respeito à Lei de Incentivo Estadual, Lei Goyases,
a atribuição de recebimento, análise e avaliação dos respectivos
projetos é, por lei, afeta ao Conselho de Cultura. Os projetos são
recebidos e distribuídos por ordem de chegada aos conselheiros,
para análise e parecer. São também os conselheiros que determinam
o valor que será aprovado para captação de tais projetos.
Já o Fundo Estadual de Cultura, que teve seu primeiro edital
realizado recentemente em 2014, prevê 0,5% da arrecadação
líquida do Estado, escalonado em três anos até chegar a esse
valor efetivamente. O CEC-GO participou da avaliação dos projetos
do primeiro edital, trabalho árduo, considerando a demanda de
projetos apresentada. Por essa razão, está em debate a proposta de
abertura de edital nacional de chamamento de pareceristas, ficando
o Conselho e a Superintendência de Cultura – estrutura interna
da Secretaria de Educação, Cultura e Esporte – responsáveis pela
coordenação destes trabalhos.
O CEC-GO é também o responsável por organizar indicações
e outorgar homenagens a personalidades ou entidades de destaque
52
no meio cultural do Estado. São elas o Troféu Jaburu, Medalhas de
Mérito Cultural e Diplomas de Destaque Cultural do Ano, entregues
em sessão solene do Conselho, em nome do Governo de Goiás.
Pode-se dizer que a gestão de Carlos Cipriano no CEC-GO
(2010/2014) teve grande atuação e reconhecimento, se analisarmos
o processo de abertura e estruturação para um colegiado forte e
participativo, resultado de ações iniciadas ainda na gestão anterior,
de Custódia Anuzziata.
O Conselho esteve profundamente envolvido nas questões
atinentes à Lei Goyases e ao Fundo Estadual, inclusive tomando
para si a análise dos projetos do primeiro edital do Fundo, bem
como o fato de ter conseguido diminuir o escalonamento do
pagamento dos projetos aprovados de cinco vezes para três vezes.
Além disso, envolveu as setoriais para que participassem dos
processos de consulta, não restringindo este papel somente às
entidades cadastradas.
Outra dificuldade vencida se deu quando o gestor da pasta
da Casa Civil pretendeu utilizar-se do Sistema Estadual de Cultura
para modificar a estrutura do Conselho, quando na verdade quem
detém tal prerrogativa de mudança é somente o próprio Conselho.
O CEC-GO possui sítio eletrônico próprio no qual constam
informações sobre a formação, as atribuições, as normas e o
funcionamento do Conselho.
Em relação ao Sistema Nacional de Cultura, Goiás assinou o
Acordo de Cooperação Federativa do Sistema em 21 de dezembro de
2012, sendo atribuído prazo indeterminado à vigência do acordo por
meio do termo aditivo publicado no D.O.U, de 07 de março de 2013.
53
CONSELHO DE CULTURA DO ESTADO DO PARANÁ – CONSEC
54
O projeto de Lei para criação do Conselho Estadual de
Cultura formalizou-se apenas em setembro de 2010, por meio
do PL nº 421/2010. Foram realizadas, a partir de então, algumas
audiências públicas no Paraná para o debate do referido projeto
de lei. Em outubro de 2010, o CNPC apresenta “Moção de Apoio à
célere tramitação, na Assembléia Legislativa do Estado do Paraná, do
Projeto de Lei nº 421/2010, que cria o Conselho Estadual de Cultura –
Consec”, publicada no D.O.U de 22 de novembro do mesmo ano.
Em 2010 surge ainda no Estado do Paraná o Movimento
Pró-Conselho Estadual de Cultura do Paraná, formado pela classe
artística e interessados na mobilização para criação do CONSEC.
Após as alterações necessárias no PL nº 421/2010, a lei
que institui o Conselho Estadual de Cultura – CONSEC é publicada
somente em 23 de janeiro de 2012, e a primeira formação de
conselheiros toma posse em 31 de julho do mesmo ano. É também
no ano de 2012, precisamente em 05 de dezembro (com publicação
no D.O.U de 12 de dezembro), que o Paraná assina o Acordo de
Cooperação Federativa tendo como objeto estabelecer as condições
e orientar a instrumentalização necessária para o desenvolvimento
do Sistema Nacional de Cultura (SNC) com implementação
coordenada e(ou) conjunta de programas, projetos e ações, no
âmbito da competência do Estado.
Assim rege o primeiro artigo do Regimento Interno do CONSEC:
55
áreas artístico-culturais, presidido pelo Secretário de Estado da
Cultura, e que tem por finalidade participar na formulação das
políticas públicas de cultura para o Estado do Paraná, constituindo-
se, para tanto, como órgão colegiado de caráter consultivo,
normativo, deliberativo e fiscalizador, integrante da estrutura
organizacional básica da Secretaria de Estado da Cultura – SEEC.
56
representantes das seguintes áreas: (a) teatro; (b) ópera; (c) circo;
(d) artes visuais; (e) audiovisual; (f) dança; (g) literatura, livro e
leitura; (h) música; (i) patrimônio cultural material e imaterial; e
(j) manifestações populares, tradicionais e étnicas da cultura.
O processo de eleição dos representantes da sociedade civil
deu-se via cadastro de eleitores e candidatos no site da Secretaria
de Cultura. Tanto candidatos quanto eleitores deveriam preencher
cadastro de agente cultural, e estar vinculado a alguma entidade
de sua área. Conforme previsão na lei do Conselho, os candidatos
são eleitos em Conferência Estadual de Cultura, Convocada pelo
Governador do Estado e regulamentada por meio de edital pelo
Secretário de Estado da Cultura. O mandato de todos os conselheiros
corresponde ao período de dois anos. Quanto à periodicidade das
reuniões ordinárias, a lei prevê que estas ocorram bimestralmente,
conforme calendário aprovado na primeira sessão plenária do ano.
Nesse primeiro biênio, as reuniões aconteciam, em sua maioria,
em dois dias seguidos, mas não há definição formal na lei ou no
regimento desse período.
O Regimento interno foi elaborado e aprovado pelo
CONSEC em suas primeiras reuniões. A função de conselheiro
não é remunerada, sendo considerada relevante serviço prestado
ao Estado. A Secretaria de Cultura arca com as despesas de
deslocamento, hospedagem e alimentação dos membros. As pautas
são preparadas e encaminhadas aos conselheiros pela Secretaria
de Estado da Cultura.
As competências do CONSEC estão previstas na Lei e em
seu Regimento, dentre elas: participar da formulação das políticas
57
públicas de cultura no Estado; cooperar com os conselhos
de cultura nas esferas municipal, estadual e federal; emitir
pareceres; incentivar a proteção do patrimônio cultural; valorizar
manifestações culturais locais; incentivar pesquisas sobre a cultura
paranaense; fiscalizar recursos; participar da elaboração do Plano
Estadual de Cultura; participar da formulação dos editais do
Programa Estadual de Fomento e Incentivo à Cultura do Paraná –
PROFICE, entre outras.
A lei do CONSEC prevê ainda que, conforme a necessidade, o
Conselho criará Comissões Técnicas e Grupos de Trabalho, com o
objetivo de fornecer subsídios para a tomada de decisões em temas
específicos, transversais ou emergenciais.
Como integrante da estrutura organizacional básica da
Secretaria Estadual de Cultura, esta presta todo o apoio técnico,
administrativo e financeiro, com o repasse de recursos humanos,
materiais e estrutura física para o desempenho das funções do
CONSEC. As deliberações são tomadas por maioria simples de
votos, tendo o Presidente voto de qualidade.
Quanto à organização interna, o CONSEC possui Mesa
Diretora cujo Presidente sempre será o Presidente do Conselho,
que, por sua vez, sempre será o Secretário de Cultura de Estado.
Fica a cargo dos membros via voto secreto eleger, dentre seus
pares, um Vice-Presidente e um Secretário Geral para mandato
anual. Há previsão ainda de função de Secretário Executivo,
indicado pelo Presidente dentre os funcionários que compõem o
Gabinete do Secretário de Cultura.
58
O sítio eletrônico da Secretaria de Estado da Cultura possui
link para informações do CONSEC, tais como identificação dos
Conselheiros, Legislação e Regimento Interno, regulamentação das
eleições, registro de áudio e vídeo das reuniões.
Falar sobre o CONSEC implica uma análise de sua primeira
formação apenas, já que é a primeira experiência de Conselho
popular instituído por lei no Estado. O que se pode dizer é que esse
período serviu mais para estruturação interna do que efetivamente
formulação de políticas públicas. Em primeiro lugar, sendo o
Presidente do Conselho sempre a figura do Secretário Estadual de
Cultura, além do fato de o CONSEC já estar subordinado à estrutura
da Secretaria, denota certa tendência e extrema dependência das
posições governamentais. Por mais que o Conselho seja paritário,
a situação tal qual apresentada não remete a um equilíbrio ideal,
nem a uma efetiva chance de que as decisões sejam influenciadas
pela participação popular dentro do Conselho.
No primeiro ano de existência do CONSEC, o montante
destinado à Cultura não chegava nem a 0,3 % da Receita Estadual
(o valor atual não se distancia muito disso). Até hoje o Paraná não
possui Fundo Estadual de Cultura regulamentado. Tal situação
prejudicou sobremaneira o andamento das atividades do CONSEC.
Sem verbas para o regular desempenho de suas funções, o Conselho
realizou apenas nove reuniões ordinárias, sendo a última de
novembro de 2013, véspera da Conferência Nacional de Cultura.
A primeira formação do CONSEC ficou de novembro de
2013 até o final de seu mandato (julho de 2014) sem realizar
reuniões. Nove meses sem qualquer indício de funcionamento ou
59
posicionamento da Secretaria de Cultura. Até que em agosto de
2014, já com o mandato vencido, os conselheiros receberam via
correspondência uma carta da Secretaria de Cultura informando
sobre o término do mandato.
Ainda falando sobre a primeira gestão do CONSEC, alguns
pontos podem ser destacados quanto à postura de alguns conselheiros
perante os acontecimentos, especialmente os representantes da
sociedade civil, que, em sua maioria, não se sentiam em condições
de exercer tal representatividade, já que não lhes era fornecida
estrutura suficiente ante a falta de verbas do Governo para com
a pasta da Cultura. Tanto é que no mês de outubro de 2013 veio
a notícia de que o Governador pretendia fazer a fusão das pastas
das Secretarias de Cultura e Turismo do Estado, passando ambas a
representar uma só Secretaria.
A notícia causou furor e não foi bem aceita por nenhuma das
duas áreas. O movimento ficou conhecido como #contrafusão. Alguns
dos membros do CONSEC, à época dos acontecimentos, publicaram
carta aberta de repúdio a tal medida administrativa; oportunidade
essa em que também solicitaram reunião extraordinária do
Conselho. Entretanto, o pedido não foi atendido. Tendo em vista as
inúmeras manifestações, veiculação nas mídias e tratativas políticas,
o Governador voltou atrás em sua decisão com relação à fusão,
mantendo as duas Secretarias.
Em março de 2014, nova carta aberta de membros do Conselho
foi publicada e entregue formalmente ao presidente do Conselho e
então Secretário de Cultura do Estado, questionando a ausência de
informações sobre as atividades do CONSEC, bem como uma série
60
de “pendências” referentes aos trabalhos iniciados pelo Conselho e
outrora não concluídos, como o lançamento do Edital do PROFICE,
o Plano Estadual de Cultura e a revisão da lei de criação do CONSEC.
A carta ainda questionava o cancelamento do Edital de Festivais
de Cultura, isso depois de aprovados os projetos; e a situação do
Fundo Estadual de Cultura. Outro documento foi publicado pelo
mesmo grupo de conselheiros em junho de 2014, solicitando maior
prazo de consulta pública referente ao Plano Estadual de Cultura e,
novamente, solicitando reunião extraordinária.
Todavia, conforme já mencionado, após a última reunião em
novembro de 2013, o CONSEC não mais voltou às suas atividades.
Em agosto de 2014, após o recebimento de carta oficial aos
conselheiros indicando o término do mandato, nova carta aberta
foi publicada por um grupo de conselheiros, demonstrando o
total descontentamento quanto à gestão, e relatando todos os
acontecimentos do período.
Durante a gestão, o CONSEC reivindicou presença de
representante da Secretaria da Fazenda do Estado para demonstrar
as possibilidades de recursos para a pasta da Cultura; por diversas
vezes foi solicitada atenção às setoriais; levou-se à pauta a
denúncia em relação ao programa Conta Cultura; potencializaram-
se as assinaturas da petição pública e moção pela PEC150 (a qual
prevê destinação de 1,5% da receita estadual para a Cultura);
os conselheiros estiveram presentes como delegados natos da
Conferência Estadual de Cultura; até mesmo reuniões organizadas
por conta dos próprios conselheiros aproveitando a vinda de alguns
deles para a capital a fim de que alguma providência fosse tomada.
61
Enfim, a eleição para o preenchimento das vagas da sociedade
civil foi convocada apenas em outubro de 2014, por meio de
Conferências realizadas às pressas e sem a devida divulgação para
votação, que desta vez partiu da indicação de entidades culturais
cadastradas no site da Secretaria de Cultura. Entretanto, os novos
conselheiros ainda não foram empossados. Em razão da falta de
verbas, essas mesmas Conferências destinadas à eleição dos novos
conselheiros serviram para divulgação de um Plano Estadual
de Cultura formulado sem a devida participação do Conselho
e da sociedade civil. O Paraná, que nunca antes teve legislação
de incentivo à cultura, lançou o primeiro edital do PROFICE
em dezembro de 2014, sendo que em fevereiro de 2015 a verba
anunciada de 30 milhões de reais foi cortada, e não se sabe qual o
valor que realmente será destinado ao CONSEC.
Em suma, está claramente demonstrado que toda a situação
descrita ocorreu devido à falta de verba e condições para manutenção
tanto do CONSEC quanto das próprias políticas culturais do
Estado; situação esta que nem o Conselho, nem os funcionários da
Secretaria, e muito menos a população têm autonomia e condições
para reverter, apesar de todos os esforços.
62
uma vez que ambos possuem raízes extremamente distintas. Não se
poderiam esperar as mesmas condições de um conselho que acaba
de encerrar sua primeira experiência de formação em detrimento
de outro existente desde o ano de 1967 e que perdura até os dias de
hoje com estrutura semelhante.
O que se pode traçar são alguns pontos de diferenciação a
partir do modelo em que as políticas culturais são instituídas
em cada um deles, e sobre os reflexos então decorrentes de suas
estruturas, experiências, composição, e tempo de duração, inclusive.
É inegável que o CEC-GO representa um modelo sólido e
que reflete seu longo período de existência. Em que pese ter se
reestruturado para atender às prerrogativas de participação social
democrática, o CEC-GO conserva sua estrutura básica galgada nas
Câmaras Técnicas e em sua composição, que prevalecem desde a sua
criação. A autonomia do CEC-GO é talvez sua maior característica e
diferenciação, não somente quando posto lado a lado ao CONSEC,
mas com relação à maioria dos Conselhos de Cultura, já que está
vinculado diretamente à Casa Civil, contrariamente ao CONSEC,
que permanece em extrema dependência do governo, por meio da
Secretaria de Estado da Cultura.
Tornou-se clara também a diferenciação na área dos recursos
destinados a ambos, pois o CEC-GO dispõe de um valor considerável
para projetos do Fundo Estadual de Cultura, enquanto o Estado
do Paraná passa por período crítico com relação às suas finanças,
sequer tendo condições suficientes para manutenção das atividades
do CONSEC.
63
Pode-se destacar ainda que a diferença quanto à função de
presidente dos conselhos analisados exerce grande influência, já
que em um deles a condição de presidente é imutável resguardada
sempre ao Secretário de Cultura de Estado, por sua vez,
representante do governo. De forma geral, a formatação de ambos
distingue-se sobremaneira, podendo ser facilmente reconhecida
mediante uma análise ainda que superficial dos seus regimentos.
Em relação à área da dança, no Paraná, houve movimento
intenso para que o projeto de lei do CONSEC seguisse o previsto na
Moção da 10ª Reunião do Conselho Nacional de Política Cultural (nº
25, de 23 de junho de 2010, publicada no D.O.U de 06 de julho de
2010), que dá apoio à Câmara Setorial de Dança pelo cumprimento
da Recomendação nº 01/2005, que aconselha a todas as instâncias
públicas ou privadas, em todas as esferas da Federação, que evitem o
uso da nomenclatura Artes Cênicas como expressão generalizadora
de áreas distintas como Teatro, Dança, Circo e Ópera. Isso porque
o PL previa uma cadeira única de Artes Cênicas no CONSEC. Foi a
partir da forte mobilização da classe da dança, tanto nas audiências
públicas quanto por reivindicação direta e de formas variadas
à Secretaria de Cultura, que se conquistou o desmembramento
da referida cadeira em quatro outras distintas, cada uma delas
representando as áreas da dança, teatro, circo e ópera.
Como Conselho pioneiro, e ante as dificuldades estruturais
do CONSEC, pouco pôde ser feito na área, uma vez que não havia
previsão de apoio direto às setoriais, tampouco de recursos, por mais
que tenham sido por diversas vezes solicitados pelos conselheiros.
A maneira menos drástica de atuar representativamente foi, na
64
medida do possível, manter a classe informada das atividades e agir
como porta voz do que fosse necessário.
Já no CEC-GO, a atuação na área da dança é voltada para o
fortalecimento no que tange ao mercado de trabalho e também à
inserção da Dança nos diálogos dentro do Conselho, com vistas a ter
autonomia dentro das Artes Cênicas. Foi assim que, por dois anos
consecutivos, foram previstas medalhas para a área da Dança dentro
da Homenagem do Troféu Jaburu, feito nunca antes conquistado.
Além disso, nos últimos quatro anos, a representatividade da dança
conseguiu prever verba para o Fundo no mesmo patamar das áreas
de Teatro, Literatura e Artes Visuais, da mesma forma que houve
aumento de aprovados na área da Dança na Lei Goyazes.
Tudo isso demonstra o quanto a área da dança está se
solidificando tanto em Goiânia quanto no Estado todo, e o quanto
o diálogo é o caminho acertado para tais conquistas. Outro
grande feito para a área é que o Fórum de Dança, organização de
representatividade dentro do cenário da dança em Goiás, mesmo
não sendo entidade cadastrada por não possuir CNPJ, teve indicação
aceita pelo Conselho para ocupação da vaga de Artes Cênicas. Sem
dúvida, outro indício de como a área tem se articulado de maneira
efetiva perante o Conselho e as políticas culturais do Estado.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
65
por meio dos Conselhos, especialmente os de Cultura. Viu-se que,
apesar das inovações democráticas trazidas especialmente após
a Constituição Federal, ainda perduram, no cenário dos conselhos
brasileiros, exemplos de práticas ultrapassadas, como os colegiados
que não passam por qualquer processo eletivo.
No campo da Cultura, ainda existem atualmente conselhos de
cultura tradicionais que se afastam da estrutura ideal do Sistema
Nacional de Cultura. Para que isso não ocorra, é necessário limitar
a participação governamental desenfreada e sem equilíbrio
dentro dos conselhos, o que retira totalmente a autonomia que
devem possuir.
Os espaços de participação popular democrática são, sem
dúvidas, salutares para a sociedade brasileira contemporânea,
especialmente na área da Cultura. Entretanto, é necessário que haja
atenção suficiente para que tais instrumentos não se engessem de
modo a tornarem-se extremamente institucionalizados e rígidos, a
ponto de perderem seu real objetivo, o que seria ainda pior no caso
dos conselhos de cultura, já que possuem a peculiaridade de lidar
com uma área plural e abrangente.
Ainda faltam fontes fiéis de informação a respeito do formato
que os conselhos vêm tomando, o que se pretende solucionar
com o controle do Sistema Nacional de Cultura. Visto também
que os conselhos podem adotar estruturas as mais diversificadas
possíveis, o que se pode dizer de comum a eles é que, para que
atinjam uma participação política popular ampla e efetiva, esses
colegiados deveriam ter, no mínimo, metade de seus membros
representantes da sociedade civil, sendo a escolha de seu presidente
66
livre, ou seja, desvinculado do governo; que estes sejam eleitos
democraticamente por seus pares; e que, efetivamente, possam
influenciar na formulação de políticas públicas para sua área.
É certo que, no que diz respeito à grande maioria dos conselhos
no Brasil, configura-se como um desafio a demanda pela efetiva
participação política, sendo que todos os atores deste contexto,
tanto a sociedade civil quanto o poder público, devem amadurecer
a compreensão das atividades envolvidas no funcionamento dessas
instituições híbridas que são os conselhos de políticas públicas,
além de considerar neste aspecto o quanto o campo da cultura
interfere não só nos conselhos de políticas culturais, mas também
na totalidade das estruturas colegiadas.
REFERÊNCIAS
67
todas as esferas da Federação, que evitem o uso da nomenclatura Artes
Cênicas como expressão generalizadora de áreas distintas como Teatro,
Dança, Circo e Ópera. DOU, Brasília, DF, 06 jul. 2010, seção 1, p.15.
68
culturais. In: RUBIM, Albino (Org.); FERNANDES, Taiane (Org.) e RUBIM,
Iuri (Org.). Políticas culturais, democracia e conselhos de cultura.
Salvador : Edufba, 2010.
69
PARANÁ. RESOLUÇÃO Nº 67/2012 DE 08 DE OUTUBRO DE 2012. Torna
público o Regimento Interno do Conselho Estadual de Cultura do Estado
do Paraná
70
DANÇA E POLÍTICAS ESPECÍFICAS
Marila Vellozo
71
desenhar-se uma política nacional para á area da dança que pode vir
a ser efetivada pela implementação do (PND) e pelo fortalecimento
da Fundação Nacional das Artes/Funarte.
72
INTRODUÇÃO
73
Uma análise das ações e do desenvolvimento da dança em
relação aos temas mencionados é considerada a partir de dois
pressupostos: sua especificidade como norteadora para a elaboração
de programas, implementação de ações e para a ocupação de
espaços de representatividade; e o processo de participação ativa –
aquela, segundo BUNGE (2009) e SEN (2009), que transforma e
modifica algo – para a elaboração de suas políticas específicas e
para a ocupação dos espaços mencionados.
Durante os doze anos em questão, houve períodos de
transição na administração tanto no Ministério da Cultura quanto
na própria Funarte, o que reverberou em alterações nos espaços de
representatividade da dança e mesmo nos órgãos Colegiados, a
exemplo do período de suspensão dos trabalhos das Câmaras
Setoriais, entre 2006 e final de 2007. Essas alterações ainda
envolveram mudanças de representante no Ministério da Cultura
– Gilberto Gil, Juca Ferreira, Ana Maria Buarque de Hollanda, Marta
Suplicy e o retorno de Juca Ferreira, em 2015 –, cinco mudanças
na presidência da Funarte – Antonio Grassi, Celso Frateschi, Sergio
Mamberti, Antonio Grassi, Guti Fraga e Francisco Bosco – e duas
mudanças na Coordenação de Dança da Funarte – Marcos Moraes,
Leonel Brum e Fabiano Carneiro.
O marco mais importante das ações políticas para as
artes realizadas nesse período, e que se refere à valorização de
especificidade em espaços de participação, foi a implantação das
Câmaras Setoriais2 de Teatro, Dança, Música e Circo, em 2005.
74
A atribuição das Câmaras Setoriais era a de fornecer
subsídios e formular recomendações que fundamentassem o
estabelecimento de diretrizes, estratégias e políticas públicas
voltadas ao desenvolvimento das áreas artísticas e culturais,
de acordo com os eixos centrais que orientam as políticas do
Ministério da Cultura e do próprio Plano Nacional de Cultura, e
criando os planos setoriais de cada segmento. E a atribuição de
manter ativos o espaço e a consulta pública junto à sociedade civil.
Para a dança foi um marco especial já que inicialmente foi
lançada a Câmara Setorial de Artes Cênicas, desdobrando-se a
nomenclatura e o funcionamento logo no início em Câmaras de Circo,
de Dança e de Teatro, respectivamente, conforme solicitação dos
representantes da dança ao então Secretário-Executivo, Juca Ferreira,
que acatou a reivindicação. Cabe ressaltar a importância desse
fato vinculado à recriação da Coordenação de Dança, na Funarte,
que registra uma motivação conjunta e de demanda expressiva da
classe artística da dança, que ainda exige conquistas nesta seara da
especificidade como a destinação de recursos financeiros para a área.
As Câmaras Setoriais eram constituídas por representantes
do setor público federal e estadual, além de representantes da
cadeia produtiva de cada atividade artística, por área de atuação;
objetivavam elaborar e avaliar as políticas desses setores e tiveram
sua gestão orientada pela Funarte, nesse início.
Na dança integraram a primeira gestão 11 representantes
de dez estados e do distrito federal, e cinco especialistas em áreas da
cadeia produtiva3.
75
As diretrizes pontuadas por essas Câmaras buscavam a
elaboração de diagnósticos e rumos para o desenvolvimento das
atividades artísticas e se constituíram na elaboração do Plano
Nacional de Dança (PND), fundamentado nos resultados obtidos
na I Conferência Nacional de Cultura e nas consultas que foram
possíveis e realizadas por meio dos membros das Câmaras Setoriais,
desde 2005.
Importante salientar que ao longo do processo de elaboração
do PND fóruns específicos foram criados, a exemplo dos Fóruns de
Dança de Goiânia e de Curitiba, entre outros pelo País, que atuaram
dando suporte aos trabalhos de consulta e debate e contribuindo
para o levantamento de demandas junto aos representantes da
Câmara Setorial, especialmente até junho de 2009. Organizações
civis da área, representantes das Câmaras e a coordenação de
dança da Funarte trabalharam, de modo unificado, na construção
do PND.
Os trabalhos das câmaras setoriais foram suspensos por quase
dois anos, entre 2006 e 2007, e somente com o estabelecimento
do Conselho Nacional de Política Cultural (CNPC), em dezembro
de 2007, foram resgatados. A suspensão dos trabalhos ocorreu
por decisão do Ministério da Cultura não tendo sido encontrada
nenhuma explicação sobre as razões específicas desta interrupção
76
que se desdobrou na perda de documentos elaborados pelas
câmaras setoriais. Para Marcos Moraes (2010):
77
O dissenso por meio dessa compreensão, está longe de ser
um mal-entendido ou apenas uma opinião contraditória, porém
encerra uma prática de convívio e de debate que em si mesma é
estruturada pelas divisões, como o autor aponta, e que exige um
exercício permanente de reconhecimento do que divide, não como
algo negativo, e sim, como uma das dimensões da política. Nesse
sentido, o dissenso parece ser um componente indispensável
para uma maior dimensão democrática, assim como para Robert
Dahl (2009) esta dimensão ampliada codepende da liberação do
debate público e do aumento do direito à participação por meio
da representação. Liberação do debate público e representação
por meio de participação são caminhos que democratizam países,
instituições, espaços, à medida que são ampliados, do mesmo modo
que o dissenso.
Ao mesmo tempo, o direito de participação política demanda
um espaço de interlocução e escuta requerendo a exposição das
causas e dos projetos públicos e um regime político que possa
desenvolvê-los (BUNGE, 1979).
E é considerando todos esses aspectos sobre participação
ativa e política que se entende neste texto a importância da
retomada dos órgãos colegiados com condução do CNPC, em final
de 2007 – inicialmente coordenados pela Funarte –, pois o objetivo
era que estes viessem a cumprir o papel de órgãos consultivos,
de escuta à sociedade civil4. Com o estabelecimento do CNPC,
78
houve uma alteração na denominação do órgão, de câmara para
colegiado setorial.
Em janeiro de 2010, foram eleitos os delegados pré-setoriais
que estiveram na I Pré-Conferência Setorial realizada em Brasília,
em março do mesmo ano, quando se elegeu a segunda composição
do Colegiado Setorial. As duas composições iniciais do colegiado
formularam políticas específicas para a área artística e reformataram
o plano setorial que deve nortear os planos setoriais de estados,
municípios e distrito. O plano setorial de Dança (PND) foi publicado,
em julho de 2010, pela Funarte5.
A terceira composição do colegiado (2013-2014) contribuiu,
especialmente, para o andamento das políticas culturais em âmbito
nacional com a revisão das Metas do Plano Nacional de Cultura
em conjugação com o PND; com uma aproximação e interlocução
efetiva com a então ministra Marta Suplicy e para a efetivação do
Projeto de Mapeamento Nacional da Dança6, aprovado no Fundo
Nacional de Cultura, no Comitê de Circo, Dança e Teatro, em 2010
e que até 2014 (não havia se efetivado por falta de recursos). Em
audiência com a Ministra Marta Suplicy, no dia 29 de abril de 2014,
Dia Internacional da Dança – quando foi protocolado documento
79
(anexo) com as reivindicações da Área –, foi direcionada pelo
Ministério da Cultura (MinC) a quantia de 1 milhão de reais para
iniciar o projeto de Mapeamento nas capitais brasileiras.
Partindo de um valor bastante inferior ao que previa o
projeto inicial de Mapeamento nas capitais foi necessária uma
readequação no projeto, que o subdividiu em três etapas. Esse
tempo e o atraso entre a data de aprovação de um projeto em uma
determinada instância – por exemplo, Fundo Nacional de Cultura –
e a execução do mesmo projeto, demonstram que o fato de existirem
os mecanismos que medeiam os diálogos para consulta e para a
elaboração de planejamento para a área, não basta para a realização
e implementação das diretrizes e ações programadas.
A falta de estrutura do MinC e das instituições vinculadas
a este ministério para efetivar o processo de escolha, definição e
organização das políticas culturais dificulta o prosseguimento das
ações e indigna os mediadores desses processos de consulta pelo
atraso no desencadear das ações que invalidam orçamentos e o
próprio planejamento ou programa, em si. O mesmo tem ocorrido
com conselhos de cultura por todo País, que mesmo quando são
deliberativos, não dão cabo de efetivar por intermédio de seus
conselheiros as demandas da sociedade e (ou) do próprio Sistema
Nacional de Cultura7.
A segunda e terceira composição do Plenário do Colegiado
Setorial de Dança contemplou: I (cinco) representantes do Poder
80
Público, escolhidos dentre técnicos e especialistas indicados
pelo Ministério da Cultura e(ou) pelos órgãos estaduais, distrital
e municipais relacionados ao setor e seus suplentes; e 15
representantes da sociedade civil organizada.
A representação8 da sociedade civil passou por uma
mudança significativa ao contemplar representantes das cinco
macrorregiões administrativas e não mais de 11 estados da
federação e um do Distrito Federal. São 15 integrantes, sendo cinco
representantes regionais, três da área de produção, três da área de
criação e três da área de formação. O 15º membro efetivo pode ser
escolhido por critérios definidos a cada mandato. Para o segundo
mandato, por exemplo, foi escolhido entre os membros das antigas
Câmaras Setoriais. Em um país com as dimensões territoriais
como as do Brasil, onde uma região chega a ser composta por nove
estados da federação, este modelo de representatividade passa a
ser um desafio de grande magnitude visto que não há subsídios
financeiros para que os representantes regionais possam circular
pelos estados.
Outro importante espaço de representação da dança na esfera
de poder federal foi lançado em setembro de 2010, com os fundos
setoriais do Fundo Nacional de Cultura. O Fundo Setorial, que se
chamaria de Artes Cênicas, foi modificado para Fundo Setorial
81
de Circo, Dança e Teatro com a instalação dos Comitês Técnicos
destes Fundos Setoriais. Os representantes da sociedade civil que
compuseram os Comitês eram integrantes dos Colegiados Setoriais
do CNPC e foram eleitos em votação realizada nas reuniões dos
próprios Colegiados e escolhidos por seus membros. Com dois
membros efetivos e dois membros suplentes de cada área, o fundo
setorial exercitado era, em setembro de 2010, de caráter consultivo
e analisou os programas propostos pela Funarte tendo sido lançado
um edital em novembro do referido ano. Porém, logo na sequência,
esses Comitês foram dissolvidos sem nenhuma justificativa por
parte do MinC.
Novamente, vê-se uma reincidência do padrão de gestão do
Estado em não dar prosseguimento aos espaços de participação
instituídos por ele mesmo e a interrupção das atividades e(ou)
programas inicialmente estabelecidos. Percebe-se que este padrão
inclui primeiramente a exclusão ou desmanche do espaço de diálogo
instituido e, na sequência, a não efetivação da ação ou programa a este
vinculado. O que demonstra uma falta de planejamento conforme a
estrutura existente de determinada instituição e, ao mesmo tempo,
uma falta de compromisso com a área da cultura pelas instâncias
superiores ao próprio Ministério da Cultura. Outra estratégia utilizada
usualmente por gestões que encontram dificuldades orçamentárias,
além das mencionadas, é a de misturar diferentes especificidades
em um mesmo edital de seleção pública para repasse de verbas que
fomentam a produção nas artes e na cultura. Um exemplo disso é
quando se juntam no mesmo edital projetos de dança e de outras
linguagens artísticas para concorrem entre si.
82
Ainda, sob o aspecto de políticas setoriais específicas, houve
uma “conquista” pontual e importante (ainda não legitimada pela
aprovação da lei) da classe artística da dança com a criação de um
fundo setorial no projeto de lei do Procultura9 (PL 6722/10),
(Programa Nacional de Fomento e Incentivo à Cultura), e de um
Prêmio para a área da Dança, que até o presente momento, intitula-
se “Mabembe”. A inserção desses mecanismos de fomento setoriais
no projeto de lei do Procultura deveu-se a uma articulação nacional
em torno desta questão específica, ativada por inúmeros militantes
da área da dança que ocuparam os espaços das audiências públicas
do Procultura, durante 2010, em várias capitais do País. Ainda,
deveu-se a uma ação persistente junto à relatora do projeto de
lei do Procultura, deputada Alice Portugal, e junto ao Ministério
da Cultura, especialmente a Secretaria-Executiva, representada
naquele período por Alfredo Manevy, e ao então ministro Juca
Ferreira, quando houve a alteração da proposta da lei pela relatora
na qual passou a constar um fundo setorial específico e um prêmio
nacional para a área.
Essa alteração no projeto de lei foi aprovada no dia 8 de
dezembro de 2010, na Comissão de Educação e Cultura. Porém,
o Procultura ainda não está aprovado no Congresso Nacional,
83
permitindo questionar a validade de determinadas “conquistas” que
têm tempo e espaço delimitados e que não têm desencadeamento
em tempo hábil que as garanta, de fato e de direito. A cada mudança
de gestor e de mandatos, a realidade conquistada em um dia pode
ser desmanchada em outro.
O que está em questão para se conquistar prioridades para
uma área é uma mudança de entendimento sobre a importância e
riqueza das especificidades de cada linguagem artística. Quando há
a compreensão dos gestores sobre os aspectos fundamentais e que
embasam os conceitos e particularidades de determinada área e
quando este entendimento vem atrelado a mudanças concretas nos
mecanismos que regulam e legitimam o fomento e os processos de
seleção, como os mencionados com alguns exemplos, é possível que,
mesmo com a mudança das gestões, se mantenham as conquistas via
entendimento de como as coisas, para aquele setor, devem operar.
De todo modo, um fundo setorial específico em um Programa
de Fomento representa a delimitação de um território econômico
e ressoa com demandas lançadas em debates pela internet do
Colegiado Setorial de Dança (gestão 2010-2011) sob o tema da
distribuição equânime de recursos financeiros entre a dança,
o circo e o teatro, 1/3 para cada área do montante destinado ao
Fundo Setorial de Circo, Dança e Teatro, que, se pretende, possa ser
exercitado por meio da distribuição de recursos via fundos setoriais
e outros mecanismos de repasse de verbas.
É nesse sentido que um projeto como o do Mapeamento da
Dança interessa e se justifica: ao se levantar dados da dança, em
alguma medida, se desenharão parâmetros, não apenas para nortear
84
a distribuição de recursos em relação às demandas específicas
das outras linguagens artísticas, mas também para priorizar as
demandas específicas do setor, e para que se reconheçam o potencial
e o teor econômico, político e social de abrangência desta área.
10 Cf.
Helena Katz, em artigo intitulado “Hoje é dia da Dança. Quem vai
comemorar?”, publicado no jornal O Estado de S. Paulo, edição de 28/04/2005.
85
Câmara Setorial de Dança pelo cumprimento da Recomendação nº
01/2005, aconselha a todas as instâncias públicas ou privadas, em
todas as esferas da Federação, que evitem o uso da nomenclatura
ARTES CÊNICAS como expressão generalizadora de áreas
distintas como Teatro, Dança, Circo e Ópera” (BRASIL/MINC,
2010, grifo nosso) (Anexo).
Deve-se considerar o espaço de tempo de cinco anos
entre a demanda pelo documento e o atendimento dela. Um ritmo
lento que demandou insistência e que deve ser considerado
como problemático, como mencionado anteriormente, para um
andamento desejável e eficiente das ações políticas.
Porém, entende-se que há valorização de uma área de
conhecimento quando se reconhece a distinção no modo ou nos
modos como ela opera em relação a outras áreas, o que acaba
exigindo que se considerem e validem as demandas específicas
dela. A instituição que acolhe esse tipo de entendimento acerca de
uma determinada área acaba por modificar parte de sua estrutura
para dar conta dos recursos humanos, financeiros e físicos que se
fazem necessários para atender a suas particularidades.
Quando a dança passa a ser um setor específico de uma
instituição cultural, não mais vinculada a outras áreas, não
apenas mais um assento se fará necessário, mas outros aspectos
passam a ser também refletidos pela instituição. Abrir espaços
que verticalizam o tratamento dado a uma área amplia o trabalho,
as problemáticas referentes ao setor e o grau de necessidade e
comprometimento que deve ser direcionado. Do mesmo modo,
há a possibilidade de se ter um gestor especializado na área ou,
86
ao menos, um responsável pela atuação dela. Como consequência
desse tipo de direcionamento e necessidade, ações ou mesmo
programas poderão vir a ser elaborados, discutidos, defendidos,
executados e avaliados.
Nesse sentido, o entendimento de valorização de uma área
a partir do olhar para o seu modo particular de operar ressoa nas
palavras de Antonio Gilberto, então diretor do Centro de Artes
Cênicas (Ceacen) da Funarte, “A dança atingiu esta conquista
a partir da valorização de sua especificidade, com espaço para
cada área cultural, e da escolha de um especialista, Marcos Moraes
como coordenador” (FUNARTE, 2007, p.14, grifo nosso).
No período em recorte neste texto, inaugurou-se nessa fase
de (re)institucionalização da dança o lançamento de um prêmio
específico denominado Funarte Klauss Vianna de Dança, na
Funarte, destinado a produções coreográficas e posteriormente
para configuração de outros produtos como DVD, catálogos,
encontros e seminários, entre outros; o apoio a circuito de festivais
e fóruns; um cadastramento nacional na área; apoio a questões de
ordem política em outras instâncias de atuação governamental.
Tomando esses dados como referência, a Funarte reforçou
os prêmios como o modo de fomentar os programas para as artes
cênicas por meio dos editais, mecanismo de seleção que se tornou o
único meio para a construção de políticas públicas, e que, portanto,
precisariam abranger a produção, a circulação, a formação, o acesso
à arte e à cultura. Mesmo sendo considerado como um meio dos mais
democráticos para a seleção de contemplados com recursos públicos
87
de Estado, o mecanismo dos editais tem sido criticado por não ter
se exercitado, além de raríssimos convênios e bolsas de estudo na
área da dança, nenhum outro modo de seleção e fomento. Entende-
se, após estes doze anos – de atuação e de organização para definir
e implantar políticas específicas para a dança –, que os mecanismos
de seleção (como os editais e prêmios) e de fomento já deveriam
abranger as metas e diretrizes do Plano Nacional de Dança.
Ainda sobre os editais, estes são considerados neste texto
como os mecanismos de seleção mais democráticos em virtude
de possibilitarem, por meio de inscrições públicas e abertas, a
seleção de projetos que são avaliados por comissões constituídas
especificamente para cada edital, com publicação dos critérios,
e definindo o objeto ao qual se destina, podendo, desse modo,
recortar o perfil e a demanda que pretende abarcar. Nesse processo,
diferencia-se das leis de incentivo, pois é o próprio Estado que
constitui as comissões de seleção – algumas vezes com indicações
da sociedade civil – e os objetivos que cada edital deve atender,
tornando-se um dos possíveis mecanismos de seleção para o
incentivo e financiamento da produção artística.
Contudo, esse tem sido o mecanismo mais utilizado pela esfera
de poder federal para atender às distintas demandas das artes no País,
em conjunto com os convênios que exigem contratações apenas por
meio de pessoas jurídicas e envolvem um processo de cadastramento
no Sincov, um sistema complexo e extremamente burocrático
de conveniamento.
Deve-se levar em consideração que os editais, por mais que
sejam públicos, não dão conta de fomentar e incentivar objetos que
necessitam de continuidade no tempo, a exemplo da manutenção de
88
grupos e companhias permanentes de dança, que tenham trabalho
continuado, entre outros fatores e demandas que exigem outros
mecanismos de incentivo. Sobre esta questão específica, segue outro
aspecto importante levantado por Katz (2006)11:
11
Cf.Helena Katz, em artigo intitulado Muitos editais, pouca política,
publicado no jornal O Estado de S. Paulo, edição de 29/12/2006.
89
O que se espera em breve é que os mecanismos sejam norteados
pelos Planos, o Nacional de Cultura e os Setoriais de cada área. Os
planos deverão ou deveriam ser as guias para o estabelecimento
e mesmo para a transformação dos mecanismos de seleção e de
fomento. E para isso, está claro, deve haver recursos financeiros
ampliados e estrutura funcional e administrativa para os órgaõs de
cultura federais, estaduais e municipais. Ao menos, foi desse modo
que se imaginou que se seguiriam as etapas de consulta, elaboração
e implementação dos planos setoriais baseando-se em princípios
de construção de políticas públicas.
Ao mesmo tempo, quer-se atentar que os programas da
Coordenação de Dança da Funarte e a elaboração do PND são um
exemplo de elaboração a partir da criação de um perfil de espaço
específico de representatividade. Algo que os estados e municípios
necessitam, também, conquistar. Algo que está atrelado ao
movimento, à mobilização e participação ativa e política dos fóruns e
das organizações civis da dança, e que será preciso ser aperfeiçoado
ao longo do tempo, mesmo em esfera nacional para que uma
autonomia política, e especialmente econômica, seja instaurada.
12
Ver mais em <http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/
perfilmunic/2006/default.shtm>.
90
constataram que 56,1% dos municípios brasileiros possuíam grupos
de dança.
Do mesmo modo que se argumenta em relação a esse
indicador de percentual que aponta a dança como a segunda
atividade cultural que mais ocorre nos municípios do País, deve-se
considerar em relação a esse mesmo indicador que esta área ficou
muito tempo sem apoio do poder público federal13, e, mesmo assim,
alcançou um patamar de importância de atuação política, no País,
nas últimas duas décadas.
Contudo, o próprio fato de a área da dança não ter ainda
alcançado sua legitimação nos sistemas político, econômico e mesmo
cultural como atividade produtiva, que requer destinação de recursos
próprios e planejados ao longo do tempo; programas nacionais que
abranjam a dimensão democrática expandida e não concentrada
ainda nas capitais ou eixos culturalmente acostumados a receber
as ações, os eventos, os equipamentos públicos, os recursos
financeiros, não correspondem à posição que ocupa como segunda
atividade cultural nacional. Para (KATZ, 2009)14:
13
Um espaço de representatividade para a dança foi criado apenas em
1977 com a criação da Funarte enquanto o teatro era estruturado desde 1937 por
meio da criação do Serviço Nacional de Teatro.
14 Cf.
Helena Katz, em artigo intitulado Falta à dança o reconhecimento
como atividade produtiva, publicado no jornal O Estado de S. Paulo, edição de
01/01/2009.
91
funcionam como medidas paliativas que, por vezes, promovem
conseqüências danosas.
92
ambientes de diálogo e de construção da estrutura política para as
demandas específicas.
Essa participação codepende das organizações civis, contudo
não cabem somente a elas a função e o desencadeamento político
da cultura no País. É imprescindível um entendimento nacional, de
distintos agentes políticos como gestores, membros da sociedade,
artistas, produtores, estudantes, professores, pesquisadores, para
assegurar o caminho a ser percorrido para a autonomia econômica
da área das artes e da dança.
Quer-se ressaltar a importância dos artistas, dos produtores,
dos professores e das organizações em virtude do direcionamento
de seus olhares para as suas localidades, pois esse é também
fundamental para fortalecer a área da dança na esfera de atuação
política e econômica. Essas experiências locais de vivências e
produção de dança é que enriquecem os debates sobre a política
para a dança na esfera nacional. Tem-se, então, uma responsabilidade
tão importante quanto qualquer outra, a da atuação de profissionais
da dança nesta seara da mobilização e da organização política. Uma
política que se articula com a política do corpo e a da criação em
dança e com o âmbito da área de atuação política; da dança e da
política; da política da dança; de uma dança política, que resiste e
permanece na construção das políticas públicas para as artes.
Participar politicamente passa pela percepção e pelo
movimento de aproximar-se e(ou) se afastar de ideias, estratégias,
modos de negociar demandas etc. Mais que isso, passa pela necessidade
de seleção e mudança de estratégias e de compreensão sobre o
funcionamento e potencial da área, por um redimensionamento
93
constante e dinâmico sobre as condições e sobre o que se produz e
requer para expandir a área.
A participação política reclama ainda o estudo de estratégias
e de modos de organização para efetivar a produção na área.
Reclama a constante elaboração e, atualmente, a implementação
de um projeto próprio (PND) que se desenvolva a partir do
conhecimento básico das características constitutivas da respectiva
área e de suas inter-relações com outras áreas. Tanto o foco
centrado em especificidades quanto uma visão multidimensional e
intersistêmica são importantes na medida em que se tomam uma e
outra, micro e macrorrelações, zoon in e zoon out, em consideração.
E não apenas apostar na tendência de organizar-se a partir de uma
pressão externa, mas também motivada por um exercício constante
de reflexão e organização de suas próprias demandas e de seus
espaços de participação.
Guardam-se, nesse final da reflexão, as devidas apreensões
quanto à falta de subsídios informacionais e de compreensão
e conhecimento acerca dos mecanismos e funcionamentos das
instituições e dos sistemas de políticas de cultura, e quanto aos
entraves burocráticos dos sistemas administrativos do Estado que
acabam se tornando em justificativa e desculpa para que artistas
não debatam consistentemente os temas da cultura. Ou para
que gestores não vençam o desafio de efetivarem as decisões e
planejamentos organizados nos espaços de participação com a
contribuição coletiva.
É preciso estudar e exercitar modos de participar politicamente
para a continuidade dos processos de debate e posicionamento
94
público da sociedade civil no diálogo com o poder público. Muito
se conquistou ao mesmo tempo em que o Estado demonstrou sua
fragilidade em administrar um conceito amplo de Cultura, na prática.
Em um momento de crise econômica e conceitual, é fundamental que
o exercício realizado até aqui por cada participante dos processos de
conferências e(ou) de outros espaços de participação seja validado
como investimento dos cidadãos para a efetivação de uma ampliação
democrática nos processos de escolha e de definição dos rumos de
desenvolvimento de setores como a Dança. Não é o momento de
abrir mão e sim, de descobrindo outros caminhos de debate e diálogo
efetivar os percursos já vivenciados e que estruturaram, por exemplo,
um primeiro plano nacional de dança, no País. Esta história que tem
se replicado ao longo do tempo – a cada nova gestão política haver
uma troca de pressupostos para organizar as demandas e os desejos
(usualmente em virtude da falta de recursos financeiros destinados
para a área da cultura, das artes e da dança) –, não deveria ser validada
pelos que contribuíram na estruturação de um processo amplo para a
efetivação de políticas públicas para a Cultura.
Ao mesmo tempo, tem-se a clareza de que o momento atual
de transição na gestão do Ministério da Cultura e da Funarte
pode efetivar-se como um período de atenção e de foco para as
Artes. O que é prioritário já que o debate sobre a Cultura ofuscou,
especialmente nos últimos quatro anos, as diferenças entre arte
e cultura. Para tanto, é inevitável uma reestruturação da Funarte
e, para isso, é necessário um investimento financeiro que não
parece estar à altura do que se necessita. Mobilizações da Dança
organizaram o tão almejado plano setorial sendo que não houve
95
a implementação por falta de estrutura. Da experiência desta
construção cabe selecionar o modo mais coerente para pensar e
redesenhar estratégias de ação que não invalidem ou desmereçam
o PND.
Ao contrário, é momento de firmar o passo nesta sequência
nada linear, entretanto, por vezes, cíclica, de atuações ressalvando-
se a necessidade de questionar as estratégias utilizadas até aqui
estudando e escolhendo as mais competentes e que contribuam,
efetivamente, para a exequibilidade do PND. Porque o que está em
jogo são os esforços ao longo de mais de 10 anos, para a “contrução
de políticas públicas” na Área da Cultura, das Artes e da Dança.
REFERÊNCIAS
96
Teses e Dissertações
Referências eletrônicas
Relatórios
INFORMATIVO
Entrevistas
KATZ ARTIGOS
97
______. Hoje é dia da Dança: quem vai comemorar? Jornal O Estado de S.
Paulo, São Paulo, 28 abr. 2005. Caderno 2, p.D3. Disponível em: <http://www.
helenakatz.pro.br/ midia/helenakatz41233319096.jpg>. Acesso em: 07
jun. 2010.
Leis e Decretos
Sites consultados
<http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/
perfilmunic/2006/default.shtm>.
<http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProp
osicao=566312>.
98
ANEXO 1
DOCUMENTO PROTOCOLADO NO MINISTÉRIO DA CULTURA
AO GABINETE DA MINISTRA DA CULTURA MARTA SUPLICY
EM 29 DE ABRIL DE 2014
Ao Ministério da Cultura
A Exma. Sra. Ministra Marta Suplicy
Carta de Recomendações
99
I – Implantação do Plano Nacional de Dança, entregue e concluído no ano
de 2009 e publicado, em 2010;
III – Apoio político para aprovação do Projeto de Lei 7032, que altera a Lei
de Diretrizes e Bases incluindo a obrigatoriedade do ensino da Dança e
das outras linguagens artísticas, no ensino;
100
Esclarecimentos: A revisão da proposta de profissionalização da
Educação Física que se encontra hoje no Congresso atrela a Dança à Lei
1.371/97, transformando-a em Esporte e, portanto atrela as competências
do Sistema Confef/Cref (Educação Física), novamente, ao ensino da Dança.
Já tivemos uma luta muito grande contra este sistema e mais uma vez,
se for aprovado como está, este PL será um retrocesso. Precisamos rever
a nova relatoria deste PL 1.371/2007 que se encontra ora, em curso, e
discutí-lo mais profundamente com o conjunto da Dança de todo o Brasil.
O Ministério da Cultura, através de suas instâncias, precisa se posicionar.
Por tanto, este Colegiado requer atenção jurídica a esta demanda já em
articulação a elaboração de uma lei própria da Dança, que inclua o ensino
não formal.
Certos da vossa atenção a estas recomendações,
101
ANEXO 2
MOÇÃO DA 10.A REUNIÃO DO CONSELHO
NACIONAL DE POLÍTICA CULTURAL
MINISTÉRIO DA CULTURA
Conselho Nacional de Política Cultural
102
Curriculares organizadas pelo Ministério da Educação – MEC e
pertence a área de ARTES; e
Considerando a necessidade de alteração da legislação vigente para a
adequação necessária de maneira a assegurar e fortalecer os direitos e
deveres dos artistas da dança a fim de que possam empenhar, efetivamente,
suas atividades de forma coerente com suas especificidades;
Manifesta seu total e irrestrito apoio ao cumprimento da Recomendação
n.o 01/2005, da Câmara Setorial de Dança, que aconselha a todas as
instâncias públicas ou privadas, em todas as esferas da Federação,
que evitem o uso da nomenclatura ARTES CÊNICAS como expressão
generalizadora de áreas distintas como Circo, Dança, Ópera e Teatro.
103
DANÇA NA POLÍTICA DO CERRADO
Rafael Guarato
105
ABSTRACT: With the administrative Reform of the Brazilian State
started in the 1990s, the functioning of government actions towards
society changed. The purpose of the present text is to understand
how this process modified the dialogue between the State of Goiás
and the field of culture, with focus in dance, analyzing it through
the insertion of people from this area in representative instances
and the creation of mechanisms the promotion of culture. To that
end, interviews were methodologically conducted and the work
was epistemologically anchored by authors who discuss politics
through its materiality.
106
INTRODUÇÃO
107
conceito de “político” para fins deste estudo.1 Tendo em vista que
a proposta é tratar de políticas públicas para dança no Estado de
Goiás, partimos do pressuposto de que é frágil a afirmação segundo
a qual qualquer fato pode ser político, dependendo exclusivamente
de suas intenções. Desse modo, para que um fato ou uma ação possa
ser político tem que haver algumas especificidades. O historiador
político René Rémond (2003) nos adverte que o político tem como
referência o poder, a prática do poder, mas nem tudo é poder. As
relações que envolvem poder são realizadas em sociedade, com
uma totalidade de indivíduos limitados em fronteiras, leis, normas
aplicadas a um determinado espaço.
De acordo com essa hipótese, com o modo de organização em
Estados nacionais, o político passa a possuir tênues relações com os
Estados e seus modos de agir, amplificados pelo sua peculiaridade
de existir ao dispor de uma complexa rede de instituições que dão
suporte a suas ações. Por esse viés, compreendemos o artista da
dança como sujeito histórico imbuído em relações sociais, que
vive em determinado lugar, com certas pessoas, que possui desejo,
anseios e necessidades, dispondo de limites e restrições, cujo
1 Cabe destacar que a definição ora apresentada não exclui outras, mas
antes, privilegia uma busca por aproximar a empiria encontrada no objeto
analisado com referenciais teóricos disponíveis. Tal procedimento nos possibilita,
a partir da prática, selecionar a teoria a ser utilizada ao invés de submetermos as
experiências dos sujeitos pesquisados a teorias generalizantes. Desse modo, não
se trata de negar a validade das ações e os cuidados sensíveis, psíquicas ou afetivas
apresentados por pensadores como Lacan, Foucault, Deleuze, Guattari como
desprovidas de político, mas de reconhecer o poder exercido pelas instituições
que gerenciam a feitura das políticas públicas em dança no Estado de Goiás e como
artistas se relacionam com essas esferas em seu cotidiano.
108
corpo pode agir politicamente ao se relacionar com questões que
permeiam a materialidade de sua vida.
De pagar contas básicas à concretização de um trabalho
cênico, a vida do artista passa por questões de ordem econômica,
social e política. Pautado nessa materialidade da existência,
debruçar acerca dos parâmetros de governabilidade existentes
no contexto social em que o artista se encontra, torna-se tarefa
necessária para que possamos compreender como o conjunto
de programas e projetos elaborados pela sociedade civil atua
no conjunto de instituições existentes na estrutura do Estado.
Desse modo, toda política pública trata de projetos de governo
elaborados pela sociedade para segmentos determinados desta
mesma sociedade. (HÖFLING, 2001)
Uma singularidade que acompanha a realização de políticas
públicas para cultura no Brasil contemporâneo, foi seu surgimento
como necessidade administrativa do Estado com vista a responder
demandas de setores até então marginalizados. Nesses termos, as
políticas públicas para cultura e arte fazem parte de um projeto
hegemônico, que busca negociar com setores marginalizados.
Dando prosseguimento à análise do filósofo italiano Antonio
Gramsci2 acerca da noção de hegemonia, optamos pelas reflexões
109
de Raymond Williams ao demonstrar que o conceito se sustenta na
ideia de domínio e subordinação e não de classe dominante única
e estável. As atividades culturais fazem parte da construção da
hegemonia, tanto quanto a política e a economia. Hegemonia passa
a ser compreendida como campo de batalha onde determinadas
pressões são aceitas, outras não, e no qual vão se estabelecendo
regras, coexistindo práticas contra-hegemônicas, de transgressão.
110
implica enveredar ao extremismo e tratar artistas e fazedores
culturais como propagadores deste modo, mas sim, de compreender
que, mesmo discordando do modelo atual, grande parte daqueles
que sobrevivem de arte e cultura no Brasil se encontra imersa em
editais públicos de fomento. Objetivando tornar o assunto próximo
a experiências concretas, cabe-nos analisar parâmetros gerais do
que denominamos políticas culturais e suas especificidades no
Estado de Goiás.
A noção de políticas públicas ganhou afinco durante a década
de 1980, quando em meio à crise internacional as políticas estatais
do globo se voltaram para o mercado. Esse panorama fez com que
entrasse na ordem do dia a reforma administrativa do Estado, tendo
como premissa a necessidade não de enfraquecer o aparato estatal,
e sim, modificar sua forma de atuar na sociedade. Para tanto, a via
selecionada pelos então dirigentes políticos se fixou em limitar as
funções do Estado como produtor, mas aumenta consideravelmente
sua atuação como mediador. Assim,
111
assumir a pasta do então criado Ministério da Administração
Federal e da Reforma do Estado durante a primeira gestão de
Fernando Henrique Cardoso (1995-1998). Mesmo a cultura já
dispondo de um mecanismo nacional legal para incentivo à cultura4,
a implementação de um programa de governo que buscasse
descentralizar ações e verbas públicas para cultura ganha seus
primeiros contornos com a reforma administrativa do Estado em
meados da década de 1990.
No âmago da reestruturação do aparato estatal, nos termos
aprovados pelo “Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado”,
nos interessa compreender o que ficou conhecido como “terceiro
setor”. Dentre o como e onde o Estado brasileiro passaria a agir em
suas diferentes frentes de atuação, a cultura ficou alocada na rubrica
de “serviços não exclusivos”, compreendidos como aqueles que o
Estado provê, mas que, como não envolvem o exercício do poder
extroverso – em que o Estado deve agir e constituir unilateralmente –,
podem ser ofertados por empresas públicas não estatais e pelo
setor privado.
A ideia central consiste na constatação de que o poder
político centralizado se demonstrou incapaz de tornar as ações
112
estatais ágeis, bem como distantes das necessidades imediatas da
população brasileira em suas diferentes localidades. Com efeito, o
programa político para reorganização do funcionamento estatal
brasileiro passou a requisitar da sociedade cada vez mais atuação,
num processo que consiste em transferir a execução – e no caso da
cultura e da arte acresce-se a proposta – de ações do para a própria
sociedade. Ou seja, o Estado não se retira da função de custear as
ações, mas sim, da função de propositora e executora, convocando
aqueles que se encontram mais próximos às necessidades de cada
área, a apresentarem as políticas a serem implementadas.
113
aparentemente se demonstra afinada à importância de pensar
políticas culturais em programas de governo, no entanto, essa visão
se distorce ao aproximarmos o olhar.
Ao analisarmos a forma de composição do Conselho
Estadual de Cultura de Goiás, é explícito o poder exercido pelo
governador na composição do órgão. A lei que regula as cadeiras
a serem preenchidas estabelece que o Conselho é constituído
por doze membros, sendo seis deles nomeados diretamente pelo
governador de Estado, e os outros seis, selecionados, também
pelo chefe estadual do Executivo, dentre “entidades de âmbito
estadual representativas dos diversos segmentos culturais” (Lei nº
13.799, 2001). Este modo de organização concentra na figura do
governador o poder de decisão acerca da composição do Conselho,
alijando do processo artistas, fazedores de cultura individuais
e grupos ou associações que não conseguiram, ou não querem,
organizar-se suficientemente a ponto de constituir uma entidade,
bem como qualquer cidadão que queira escolher aqueles que irão
representá-lo em assuntos culturais para o Estado de Goiás.
Acrescido a esse problema de centralização do poder de
escolha, o organograma do Conselho Estadual de Cultura de Goiás
nunca dispôs de um assento exclusivo para dança, estando esta
vinculado ao teatro, ao circo e à ópera na terminologia abrangente
de “Artes Cênicas”. A problemática decorrente dessa condensação
de áreas artísticas num mesmo conceito reside na disparidade
de organização política e de demanda entre as linguagens que se
encontram aglutinadas. A área da dança em suas diferentes maneiras
de ocorrer nunca dispôs, no Estado de Goiás, de uma organização
114
civil, órgão representativo ou associação que pudesse garantir, ou
ao menos pleitear, assento no Conselho, assim como circo ou ópera,
estando o teatro em condição privilegiada de indicar pessoas para
comporem a instância estadual de discussão sobre política cultural.
Todavia, mesmo possuindo uma longevidade considerável,
as ações do Conselho Estadual de Cultura de Goiás se mantiveram
restritas às propostas, aos debates e às decisões tomadas por
uma dúzia de pessoas, com o aval do Poder Executivo. Nesse
perfil, o Conselho atuava como um consultor de como, onde e
quando o Estado realizaria suas ações. Tal modo de funcionar
sofreu alterações com a entrada de Marconi Perillo na função de
governador do Estado (1999-2002), cuja orientação política e
administrativa comunga das mesmas premissas apresentadas por
Luiz Carlos Pereira Bresser. Nesse sentido, o programa de governo
para Goiás passou a adotar, como ordem do dia, a descentralização
das ações, e a cultura não passou em branco.
Assim, a administração estatal buscou reorganizar as relações
entre Estado e sociedade, buscando trabalho especializado para
efetivar políticas públicas mediante a fragmentação das decisões
e dos contemplados com verbas públicas para execução de ações
artísticas e culturais. Nesse novo modo de agir:
115
buscar ligar iniciativas dispersas. O enfoque seria o de promover
uma política que, em maior medida, promova a integração. (BELING,
2004/2005, p. 93)
116
a partir da eleição de propostas. Por outro, possibilitou a artistas
e trabalhadores da cultura, a viabilização de projetos e ideias que
antes não detinham meios de financiamento. A associação desses
fatores tornou as leis de incentivo uma nova “criação imaginária”,
definida por Castoriadis como “[...] formas, criadas por cada
sociedade, fazem existir um mundo no qual esta sociedade se
inscreve e ocupa um lugar.” (CASTORIADIS, 2002, p.183) Não se
trata de ficção ou ilusão, mas de modos de existir e acreditar que
não são necessariamente causuais ou racionais.
Com efeito, posta nesses termos, a reforma é interessante.
Contudo, a materialização da proposta apresentou alguns
contratempos. A noção de renúncia fiscal consiste na ideia de
aproximar empresas privadas da prática de patrocínio às artes e à
cultura, daí a isenção de impostos como veículo propulsor de novas
relações entre estes setores da sociedade. No entanto, na prática,
as empresas passaram a se utilizar do mecanismo, inserindo suas
marcas em ações, mas não houve expansão de relações de doação
ou patrocínio que fugisse às leis de incentivo no Estado de Goiás. De
acordo com Kleber Damaso,
117
Toda elaboração de políticas públicas perpassa questões de
quem define, o quê define, como define, quais as consequências e
expectativas com a ação a ser realizada. Mesmo existindo comissões
avaliativas para aprovação dos projetos, a decisão de em quais
deles as verbas serão alocadas fica ao crivo do setor de marketing
das empresas interessadas. Desse modo, a aprovação de projetos
via renúncia fiscal não é garantia de realização deles. Adicionado
a esses fatos, o programa governamental para cultura em Goiás
tem demonstrado sua fragilidade nos últimos anos, quando a
Lei Goyases sofreu cortes de orçamento, transparecendo a não
priorização desta área para o governo do Estado.
A partir do ano de 2011 o governo estadual de Goiás vem
realizando reduções orçamentárias e ameaças de enxugar valores
dos recursos destinados aos programas de incentivo à cultura7.
Esses acontecimentos endossam a análise de Renato Ortiz (2008),
ao alegar que os conceitos de política e cultura não se relacionam
muito bem, por isso ela é sempre escamoteada dos grandes
orçamentos. Segundo o autor, a concepção antropológica de cultura
118
adotada pelo Estado não condiz com a terminologia de “política
cultural”, pois as ações desta implicam outras questões, como
planejamento, metas, objetivos, enquanto a cultura, e acrescento
aqui a arte, lida com noções como costume, processo, formação,
manutenção.
Tal cenário nos demonstra quão delicado é tratar do assunto
políticas culturais, pois as propostas apresentadas necessitam para
seu funcionamento de uma sociedade civil organizada, politizada
e ciente de suas obrigações e possibilidades de ação. Desse modo,
visando aproximar o projeto de governo à empiria cotidiana
daqueles que fazem dança em Goiás, cabe-nos partir da experiência
daqueles que lidam com essa nova estrutura para que possamos
compreender como se dá o encontro entre dança e política.
119
justa ou igual preestabelecida, pois ela se altera segundo as
contribuições daqueles que participam do processo.
Nesse processo inicia a ebulição de pessoas e argumentos que
passam a contribuir para avaliação dos mecanismos de fomento.
Assim, o procedimento de renúncia fiscal e os descasos do governo
estadual com a arte e cultura são compreendidos pelo professor e
artista Kleber Damaso como uma demonstração de que o “[...] Estado
de Goiás precisa com urgência encarar, de fato e não de discurso, o
desafio de fomentar adequadamente seu setor cultural.” (DAMASO,
2011) Contudo, as considerações que passam a ser apresentadas
pela sociedade civil interessada em cultura, especificamente a dança,
é aqui compreendida não como crítica ou resistência, mas antes,
como mantenedores de uma proposta hegemônica.
Mesmo com seus percalços, as políticas dos editais “se
mantém porque consegue criar a adesão das pessoas àquilo que
é.” (CASTORIADIS, 1981, p. 15) Tal adesão é contraditória e não
equivalente à passividade. Os mecanismos de fomento existentes
se mantêm por conseguir adesão aos seus postulados. Mesmo não
conseguindo abranger todos os anseios e as propostas, o projeto
político se mantém. A adesão ocorre por um processo de fabricação
dos indivíduos, que lidam com uma autoridade dessacralizada, sem
reis e a graça de Deus. Se a autoridade de outrora se pautava na
religião, as de hoje lidam com um saber especializado e técnicas por
meio dos conselhos e das comissões de seleção.
Somado a esse fator, outro elemento que possibilita a
adesão é a necessidade, tendo em vista que “não há necessidades
naturais, toda sociedade cria um conjunto de necessidades para
seus membros e lhes ensina que a vida não vale a pena ser vivida
120
e mesmo não pode ser materialmente vivida a não ser que estas
necessidades sejam bem ou mal ‘satisfeitas’.” (CASTORIADIS,
1981, p. 20) Entrelaçados numa sociedade em que a troca pelos
objetos de desejo e necessidade se faz majoritariamente por via
monetária, ao possibilitar acesso a meios de financiamento de
seus projetos, remuneração para realização de vontades artísticas
e culturais, as leis de incentivo via editais fincaram sua validade
no imaginário social.
O compartilhamento dessa valorização dos mecanismos de
fomentos via leis de incentivo e seus editais pelos fazedores de arte
e cultura no Estado de Goiás, contudo, não se fez possível apenas por
estes fatores. A opção por fazer parte de uma proposta de governo
hegemônica se deu, em grande medida, pelo modo como ela se
apresenta à sociedade, fornecendo meios não apenas de acesso,
mas, principalmente, de construção dessas políticas culturais. Além
de elaborar projetos e executá-los, sujeitos vinculados à prática da
dança tiveram a oportunidade de compor o Conselho Estadual de
Cultura, introduzindo neste órgão colegiado especificidades da área.
Concomitante a esse processo, na primeira década do
presente século, vários outros Estados brasileiros e também
a União passaram a dispor de instâncias representativas que
inseriam a dança com área específica. Nesse processo, pessoas como
Kleber Damaso, Lucina Caetano, Vera Bicalho, Valéria Figueiredo,
Rousejanny Ferreira, Luciana Ribeiro e Sacha Witkowski passaram
a inserir o Estado de Goiás em discussões de âmbito nacional acerca
das políticas públicas para dança.8 Imersos em debates e trocas de
121
conhecimento, efetuando um “leva e traz” de informações entre o
que acontece em outros locais e Goiás, passando a inserir no Estado
uma concepção imaginária capaz de dar sentido ao vínculo entre
Estado e arte.
O novo modo administrativo do Estado de Goiás, consonante
à proposta federal, desmitificou a ideia de que os governantes são
capazes de formular políticas culturais que de fato atendessem
às demandas materiais dos envolvidos. Desse modo, cria-se um
ambiente para política, em que não existe verdade ou certeza na
efetivação de políticas para dança, imbuindo os envolvidos numa
esfera de reflexão e decisão na qual o sentido para o que se faz é
construído e reconstruído na prática. Embebidos numa concepção
democrática de política, sujeitos que possuem a dança com ofício
passam a compartilhar da crença de “que nós fazemos nossas
próprias leis” (CASTORIADIS, 2002, p. 186), propiciando questionar
as instituições vigentes e as normas estabelecidas.
Esse entendimento de participação nas decisões analisado
pelo filósofo Cornelius Castoriadis9 desloca o olhar sobre o que
compreendemos como política, tendo em vista que “o objetivo da
122
política não é a necessidade, e sim a liberdade” (CASTORIADIS, 2002,
p. 262), centrado na busca em formar uma coletividade autônoma,
capaz de questionar as regras existentes e de formular propostas
para a sociedade em sua totalidade. Portanto, a noção de ser livre
enfrenta a concepção de obedecer a regras feitas por outros; daí
a urgência em contar com pessoas dotadas de capacidade para
participar da elaboração das normas e leis que regem cultura e arte
nos territórios em que se encontram.
Entretanto, com o advento de inúmeras instâncias de
participação da sociedade civil, esbarrou-se no despreparo desta
para ocupar o lugar de político de exercício do poder. De um modo
geral, essa condição foi expressa pelo sociólogo Carlos Maciel ao
diagnosticar a falta de experiência em muitos dos que se prontificam,
demonstrando “[...] desconhecimento dos objetivos e funções do
Conselho por parte dos seus membros; e a desqualificação dos
atores que atuam como Conselheiros.” (MACIEL, 2007, p. 14) Tal
sintoma também é encontrado quando olhamos para as primeiras
participações política de sujeitos da área de dança em instâncias
representativas. Para esboçar essa condição, são emblemáticas as
declarações de Vera Bicalho e Sacha Witkowski sobre a importância
deste lugar, sendo os únicos representantes da dança a comporem
o Conselho Estadual de Cultura de Goiás, nas gestões de 2008-2010
e de 2011 até nossos dias, respectivamente.
123
Cultura, na época a Linda Monteiro. E todo mundo falava: “Vera, é
importante para dança, precisamos segurar as coisas para dança.”
Eu sabia disso, mas eu acho que não era a pessoa mais indicada,
mas também não tinha outra surgindo. Aí eu fui, foi ótimo,
experiência muito produtiva, aprendi muito no conselho Estadual
[...] (BICALHO, 2014)
124
onde acontecem os encontros e debates políticos se destacaram
dos demais. Um exemplo disso foi a criação do Fórum de Dança de
Goiânia – e não de Goiás – em 2007, um espaço destinado a “[...]
promover a efetiva integração participativa do segmento da dança
ao sistema de administração pública dos recursos para a cultura,
nas instâncias municipal, estadual e federal.” (FIGUEIREDO;
RIBEIRO, 2015, p. 140)
A restrição à localidade de uma cidade é emblemático,
demonstrando carência de mobilização e conscientização de outras
regiões no interior do Estado. E, afunilando o desconhecimento por
parte dos próprios fazedores de arte e cultura em dança, mesmo a
cidade de Goiânia, quando se trata de debates acerca das políticas
públicas para dança Sacha Witkowski destaca que:
125
envolvidas nesse processo não é muito extensa, reforçando o
caráter processual e formativo do processo de discussão sobre
política e dança no Estado.
Por isso, elucidar as relações entre dança e política envolve
uma complexidade de fatores, implicando desatenção ao tratarmos
em termos de verdade qualquer relação com a política. A filósofa
Hannah Arendt (1992) nos adverte aos perigos de tratar política
como verdade, pois este estatuto não contribui para transformação
das relações existentes. Desse modo, a verdade se apresenta
como adversa à política por congregar elementos de tirania, não
considerando outras versões ao lidar com elementos coercivos, sua
asserção não se faz por via persuasiva. Se a verdade não nos serve
como âncora para política, tendo em vista que as questionamos
para criarmos nossas próprias leis, a autora situa a opinião como
atributo necessário e justificável ao ofício político.
Ao procedermos a essa guinada epistemológica, podemos
perceber a política realizada pelos próprios fazedores da dança
e as opiniões que contribuem para o debate. Dentre vários
argumentos, a principal fraude que salta aos olhos é a reivindicação,
principalmente de artistas da dança, como representantes de
tudo que se entende como dança. Contudo, ao analisar os sujeitos
que marcam esse processo, percebemos que a maioria deles é
profissional vinculado a uma única estética de dança, abrangente,
que denominamos contemporânea. A prevalência de artistas
vinculados à dança contemporânea pode encontrar justificativa no
fato de que seu ofício se respalda em pesquisas, possibilitando a seus
fazedores maior conhecimento e prática de estudos sobre dança em
126
sua totalidade. Contudo, há um precedente financeiro que também
move essas pessoas a ocuparem os locais de representatividade:
127
dança ou festivais competitivos, tendendo a construírem propostas
que caminham para o rumo de sanar os problemas enfrentados
pela dança contemporânea e não pelas diferentes formas de dança.
Estando nessa posição, transforma-se em um dos pilares do
fazer artístico e cultural o processo de “[...]convencer os governos e
os eleitores que os fornecedores de bens culturais estão em melhor
posição do que outros para planejar e até mesmo para dirigir
políticas culturais.” (PEACOCK, 1991, p. 7) Revestidos de autoridade
pelo lugares ocupados e pelos discursos criados, as opiniões
deflagram todo seu potencial criativo no processo de busca pela
verdade. Desde a modernidade, opinião e mentira não são opostas
à verdade, pois esta se tornou inalcançável, mas fabricável. O que
constitui verdade em política para dança é a aproximação entre
opiniões que torna uma ideia possível de ser aceita como verdade.
(ARENDT, 1992)
O cenário desprovido de verbas públicas para o setor da dança
durante muito tempo em Goiás tornou as primeiras iniciativas
daqueles que se dispuseram a dialogar com o poder público restritas,
ao se contentarem por garantir o auxílio financeiro por meio do
Estado. Em sua participação no Conselho Estadual de Cultura de
Goiás, Vera Bicalho afirmou que “[...] briguei lá por melhorias nos
valores dos projetos”; assim como nos encontros e discussões do
Fórum de Dança de Goiânia “[...]a preocupação foi ter dinheiro para
fazer suas produções, não manutenção, não fomento de alguma
ideia. Então o imediatismo continua ainda.” (WITKOWSKI, 2013)
O que Sacha nomeia como “imediatismo” consiste na urgência
cotidiana de artistas e trabalhadores da cultura em sanarem seus
128
dividendos econômicos, explicitando um entendimento da dança
como profissão e, como tal, passível de remuneração monetária.
A dinâmica dos editais de fomento mesmo precavendo arte e
cultura da dependência mercantil para sua existência, ela constitui
um outro sistema mercadológico com pressupostos similares, uma
vez que lida com financiamento de compra e venda de produtos
e sua distribuição. Essa dinâmica é reforçada ao contemplar
principalmente ações antes já realizadas e que se demonstraram
incapazes de mover um mercado específico para o setor, centrado
em montagem, circulação e festivais. Para os estudiosos de políticas
culturais, Luciana Lima e Pablo Ortellado:
129
para sustentabilidade e fortalecimento de um mercado em dança, as
preocupações se voltam em repensar como essas verbas devem ser
investidas em arte e cultura, em quais ações se torna interessante
depositar volumes monetários com vistas a criar meios para que a
própria área da dança constitua pilares capazes de se sustentarem
em médio e longo prazo.
Nesse viés, emergem a importância do auxílio na consolidação
de propostas e trabalhos pautados na “[...] manutenção e a difusão
de projetos, seja aqueles que já estão em andamento ou de novos
projetos, trabalhos de grupos já estabelecidos ou de iniciantes. É
preciso dar valor aos grupos locais.” (BICALHO. Apud. BORGES,
2011). Essa visão para o futuro das políticas públicas em dança
também é compartilhada por Sacha Witkowski, que as compreende
como uma reconfiguração de agenda nacional proposta por pessoas
da área da dança em suas interlocuções com o poder público.
130
política da sociedade civil parece precisar de mais tempo para sua
concretização. De qualquer maneira, a descentralização iniciada
na administração pública ainda não obteve repasse legítimo de
poder. Em âmbito federal, muitas decisões, como repasse de verba
e proposta de editais específicos, permanecem centralizadas
no Ministério da Cultura e não necessariamente vinculadas ao
Conselho Nacional de Políticas Públicas. Assim como a demora na
implementação dos Planos Setoriais demonstra a dificuldade da
máquina estatal em efetivar a descentralização das decisões.
Na esfera estadual, as recorrentes ameaças de cortes no
orçamento da cultura, o desaparecimento de verbas destinadas ao
Fundo Cultural e a demora na publicação de ditais são demonstrações
da precariedade do serviço prestado no setor à sociedade. Mesmo
o Conselho Estadual apresenta limitações estruturais em seu
funcionamento, pois, embora possua autonomia para suas decisões,
permanece acoplado aos órgãos do Poder Executivo, responsáveis
pela execução de suas políticas. Pelo exposto, fazer política para
dança em Goiás em nossos dias requer preparo, estudo e humildade
de reconhecê-la como uma tarefa historiadora que se pauta no
passado, na concretude da empiria para supor um futuro possível.
Nessa condição, “podemos saber o que é provável que aconteça,
mas não quando” (HOBSBAWM, 1998, p. 61), pois as conjecturas
são diversas, nos impossibilitando formular um amanhã palpável,
ainda que desejável.
131
REFERÊNCIAS
DAMASO, Kleber. Afinal, para que serve a cultura? Jornal UFG. Goiânia:
Assessoria de Comunicação da Universidade Federal de Goiás. Ano VII,
nº 53, jun/jul, 2012. p. 10-11.
132
FIGUEIREDO, Valéria Maria Chaves de; RIBEIRO, Luciana. Fórum Dança
de Goiânia, política e engajamento. In: GUARATO, Rafael; VELLOZO,
Marila. Dança e política: estudos e práticas. Curitiba: Kairós, 2015.
p. 135-156.
133
RÉMOND, René. Do político. In: ______(Org.). Por uma história política.
2. ed. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 2003.
134
FÓRUM DE DANÇA DE GOIÂNIA,
POLÍTICA E ENGAJAMENTO
Luciana Ribeiro
Valéria Maria Chaves de Figueiredo
135
ABSTRACT: In this paper we propose to discuss the paths taken and
new routes to be drawn from the perspective of Goiás and dance,
mainly from the rise of Goiânia Dance Forum. Mediated by our
own experiences and experiences, we reconstitute the trajectory
of action of the Forum in dialogue with the local reality. How we
deal with challenges and create new situations. We reflect on the
year to work in the cultural policy developments for the dance field,
particularly in the city of Goiânia.
136
DE QUE LUGARES FALAMOS?
137
em especial a partir da constituição do Fórum de Dança de Goiânia e
as dificuldades encontradas. Doravante tomaremos como categoria
os trabalhadores da dança, incluindo assim diversos profissionais e
diferentes áreas de atuação no campo da dança como professores,
coreógrafos, produtores, dançarinos etc.
Em Goiânia, verificava-se a inexistência de políticas públicas
que atendessem à área da dança com suas especificidades, em
paralelo também havia necessidade de se criar condições de atuação
para grupos e artistas independentes da cidade que, inclusive,
pautavam suas exigências em experiências de outros Estados,
assim, impulsionaram questionamentos e reflexões importantes
sobre a necessidade de uma melhor organização, inclusive política,
da dança na cidade. Essas discussões e demandas foram marco
histórico para o surgimento do Fórum de Dança de Goiânia.
Esse movimento mobilizou a sociedade civil preocupada
com a produção da dança, criando representações e manifestações
espontâneas. Demandas emergentes, tais como a conquista
de trabalho, conhecimento das regulamentações da profissão,
atendimentos em editais das especificidades da área, participação
efetiva em comissões e conquista de espaços específicos para a área
na esfera pública, entre outras, pautaram esta organização.
Ao recuperar partes dessa história a partir de cruzamento
de nossas pesquisas e experiências vividas, bem como de acessos
informais a acervos particulares dos fazedores da dança, incluindo
nossos próprios acervos e tomando como ponto de referência
os anos oitenta, pudemos verificar que já nessa década havia
breves movimentos de tentativa de valorização dos trabalhadores
138
da dança na capital, constatados principalmente por meio de
reportagens de jornais locais em entrevistas concedidas. Esses
pequenos movimentos rebeldes pouco surtiram efeitos concretos,
mas corroboram com a ideia de que já havia pessoas tentando
profissionalizar a dança na capital. Falamos de uma época de
fragilidade, em que a dança e a ideia de ser artista traziam marcas
impregnadas de preconceito e rejeição.
De fato, na década de 1980 e 1990 surgiram grupos e
coletivos de artistas com diferentes pesquisas de linguagem e
inovações e que, por meio de suas produções e com um perfil
mais independente, se fizeram presentes em encontros e festivais
nacionais e internacionais, incluindo a Quasar Cia. de Dança1, que
se estruturou profissionalmente com reconhecimento mundial,
mas as políticas locais continuaram inexistentes para área.
Na literatura sobre políticas culturais brasileiras para dança,
é possível contar com alguns poucos e recentes trabalhos, mas
sobre a política cultural goiana de fato não há estudos/pesquisas.
Apenas nestes últimos dez anos é que encontramos a produção de
publicações que trata de questões políticas e de organização da área
139
a fim de garantir melhores entendimentos sobre estes contextos
levando a dança a mobilizar-se em busca de outras perspectivas.
140
Sabemos da necessidade de estudos específicos aprofundados
sobre o cenário da dança goiana e de investimentos direcionados, com
profissionais especialistas desenvolvendo pesquisas que forneçam
dados mais precisos sobre a área. Nesse sentido, faltam dados quanto
ao número de dançarinos, grupos e companhias no estado e o tipo de
dança que fazem; os eventos e as produções realizados; a quantidade
de academias, escolas e cursos técnicos/profissionalizantes de
dança; programas de graduação e pós-graduação voltados para a
área; a quantidade de público e de empregos gerados; o número de
técnicos envolvidos; a disponibilidade de pautas em teatros para
apresentações de dança; o espaço na mídia, sobretudo a eletrônica, e,
na escrita, a existência ou não de resenhas e críticas em jornais locais;
os recursos públicos e privados destinados à dança; os programas de
saúde voltados para os dançarinos etc.
Percebe-se que é uma realidade ampla extremamente
desconhecida, mas fundamental para a atuação e o desenvolvimento
profissional da área e, acima de tudo, para a dignidade do
trabalhador de dança. No confronto com essa realidade, o Fórum
de Dança de Goiânia se reuniu de forma sistemática por quatro
anos, a fim de estudar e discutir qualitativamente sobre a área da
dança em Goiás e seus rumos. Esse grupo promoveu reflexões que
propiciaram amplo leque de diagnósticos, repensando, ao mesmo
tempo, problemáticas e caminhos para o desenvolvimento da dança
no estado e para a consolidação de ações culturais voltadas à área.
Assim, o Fórum de Dança de Goiânia assumiu responsabilidade
de participar de grupos de discussão e ação, conquistar espaços
públicos com representações para a dança e discutir de forma
141
coletiva e equilibrada as competências e capacidades fundamentais
para constituição da área, compreendendo que a formação de
diversidade nos saberes deve ser incorporada às políticas públicas
elaboradas. Um dos primeiros desdobramentos foi a elaboração
de um documento parâmetro que apontava diretrizes e ações
desejadas para dança, sendo elas:
142
• Criação de um edital para a contratação de uma equipe
de pesquisadores para realizar um mapeamento da área
da dança, a fim de a identificar os diversos elos da cadeia
produtiva de forma ampla e transparente.
143
incentivo à produção local, vitrine e panorama nacional
destinado à população local. Festival com curadoria
referendada pelos profissionais da área da dança.
144
incentivo com verba direta por meio de projeto de
lei encaminhado por um deputado estadual para ser
votado na Assembleia Legislativa do Estado. O edital
deverá contemplar várias áreas da dança como pesquisa,
produção, circulação e manutenção de grupos, companhias
e artistas independentes, a exemplo de editais públicos
já existentes.
145
INCENTIVO E PRESERVAÇÃO DA DIVERSIDADE ARTÍSTICA E
CULTURAL BRASILEIRA
146
• Promoção de debates públicos acerca da atual legislação
para a dança nos diversos espaços, DRT, questões
trabalhistas, políticas de saúde, aposentadoria especial e
previdência, economia da dança e economia da cultura.
147
instituições públicas de cultura. Não existem diretorias e
coordenações de dança nas secretarias de cultura estadual e
municipal. Isso acarreta prejuízos enormes, pois não se tem uma
frente de trabalho que venha a olhar e promover a área, e explicita
que os agentes governamentais não consideram que exista uma cena
efetiva e consistente da dança que venha a justificar a constituição
desses espaços de representatividade específica.
Outra questão que corrobora para isso é a pouca presença
de profissionais da dança dentro desses órgãos que possam não
somente explicitar que a dança existe, que produz, que pesquisa,
que trabalha, e que tem necessidades próprias, como também
venham a lutar pela sua consistência e pelo seu amadurecimento
político e artístico. A exigência de profissionais da dança
preocupados com ela ocupando cadeiras representativas da
área e da arte em geral é imprescindível para que sua presença e
visibilidade sejam estabelecidas.
A representatividade da dança dentro dos órgãos públicos
de cultura, seja nas coordenações, seja nos colegiados, conselhos e
fóruns, é importante para que a área apresente e exija espaço. Para
o Fórum de Dança de Goiânia, esse espaço se traduz em dotação
orçamentária e aumento de recursos públicos destinados à área, ou
seja, criação de leis de fomento destinadas especificamente para a
produção, criação, circulação e pesquisa em dança.
Em Goiânia há uma carência de programas de capacitação
técnica, artística e de produção cultural em dança, principalmente
que transborde a formação acadêmica. A possibilidade de
formações mais direcionadas, relacionadas às demandas do mundo
148
do trabalho, às necessidades pontuais da cena cultural goiana e às
questões de produção em dança ante a cena nacional, fortalece a
produção local e contribui para um entendimento mais generoso
e também pragmático do que compreende a área da dança. Essas
qualificações atendem a artistas e produtores da dança que não
tiveram formação superior específica e também atualiza a todos,
inclusive os formados, diante dos novos desafios que surgem.
São formações cujas temáticas surgem das demandas técnicas,
teóricas, políticas e artísticas dos fazedores locais. Essa escuta fina
e sensível é fundamental para a constituição de uma cena artística
forte e crítica que possa, inclusive, demandar novas questões para a
formação superior. Contribui muito não só para a presença de mais
representantes da dança, mas também para que ela possa estar
bem representada.
Para se apontar os tipos de cursos e capacitações que a cidade
necessita dentro do seu leque de exigências de formação, e também
para se identificar, de forma ampla e transparente, os diversos elos
da cadeia produtiva da dança local, o Fórum se propôs a levantar a
necessidade de um mapeamento da área da dança. É imprescindível
que se saiba quem somos e como somos para apontarmos nossas
reais necessidades. Para essa identificação consistente e coerente,
com as suas particularidades e abertura para invenções, mais
uma vez a postura sensível e generosa é solicitada, pois se precisa
conhecer e, principalmente reconhecer, os diferentes e diversos
jeitos de fazer e de existir da dança.
Para a existência e permanência, não somente persistência, de
grupos artísticos de dança na cidade, várias frentes são necessárias.
149
A formação artística deve ocorrer de várias maneiras, não somente
pelo caminho acadêmico-universitário, mas também por meio de
cursos de iniciação artística, técnicos e experimentais. A presença
de espaços para aulas, ensaios, apresentações e residências. Espaços
de criação, produção, exibição e circulação de dança na cidade e
a disponibilização e democratização de suas pautas, incentivando
os vários níveis de grupos, amadores, profissionais, iniciantes,
experimentais e já consolidados. E a garantia e viabilização da
circulação da produção local.
A precariedade das condições de produção da dança na cidade
também reflete na sua efetiva profissionalização e constituição como
campo de trabalho. Ou seja, ainda é frágil a ideia de se considerar
a dança como trabalho, o que se desdobra no estabelecimento de
diretrizes que orientem a profissão e na definição e conquista de
direitos. A atual legislação para a dança é extremamente defasada
e não contempla as necessidades e particularidades da área;
entretanto, para a cena da dança em Goiânia essas questões ainda
não exigiram confronto, apesar de já se identificar que é preciso.
Enquanto não for constituída uma massa de fazedores de dança
que intervenham como trabalhadores, engajados e que lutem por
seus direitos, a legislação pouco avançará para fazer jus a este
trabalho. Questões trabalhistas são frutos de conquistas históricas
e partilhadas por conquistas coletivas.
150
em geral, pois a ideia de dialogar com instâncias políticas e públicas
marca importante lugar na busca por estratégias de conscientização
e politização. A consciência desempenha papel fundamental na
formação dos sujeitos, das classes, dos grupos sociais, nas condutas,
nas escolhas e nos possíveis avanços desejados e conquistados.
Miguel Arroyo (2000, p. 204) aponta que na consciência política,
de classe, de categoria, acrescenta-se uma dimensão subjetiva
e valorativa. A dificuldade está em manter as diferenças e os
diferentes interesses, em não transformar um fórum dialógico
em lugar de interesses políticos e partidários; estes são desafios
importantes para nós e fizeram parte de nossas escolhas.
O Fórum de Goiânia atuou como um marco importante na
política goiana, pois abriu a ideia de politizar o cotidiano. Uma
tarefa mais tensa que tranquila. O Fórum surgiu e foi se formatando
a partir do nosso próprio cotidiano e das demandas expostas.
Sabemos que nossas trajetórias pessoais se confundem com as
lutas e conquista do Fórum de Dança de Goiânia, neste campo de
trabalho e de pesquisa se constitui, portanto, um emaranhado
de impressões, experiências e acontecimentos. Para Boaventura
Santos (2003), no paradigma emergente, o caráter autobiográfico
e autorreferenciável da ciência é plenamente assumido. A própria
incerteza do conhecimento sempre vista como limitação técnica
transforma-se na chave do entendimento de um mundo. Apesar
desses imbricamentos, sabemos das limitações e não temos a
intenção de salvaguardar certezas absolutas, mas sim apresentar
uma discussão como exercício de reflexão e de identidade, como
apontada por Stuart Hall (2000), como uma própria identidade
151
que se tornou politizada, modificando-se de acordo com a maneira
como o sujeito é representado. Nossas reflexões apontam, assim,
para o entendimento de uma conjuntura sem intenção de respostas
fechadas, pois
152
A realização de conferências de cultura nos âmbitos nacional,
estadual e municipal também provocou debates e instigou o diálogo
e a participação da sociedade civil, por meio dos movimentos de
atuação e representatividade cultural, exigindo uma organização
e amadurecimento político das diversas áreas e setores da arte. A
constituição e a oportunidade de novas formações nos conselhos
estadual e municipal de cultura foram instigadoras e motivo de
luta para a dança, que buscou criar uma cadeira específica de
representatividade para a área. E, em todas essas demandas, o
Fórum de Dança de Goiânia se apresentou como espaço fundamental
de mobilização e organização da dança na cidade. Foi explícito o
reconhecimento deste trabalho pelos envolvidos com a cultura.
Trabalho de organização, articulação e conquista de espaço. Saímos
da invisibilidade. Fomentamos discussões sobre a cena cultural
local e o espaço da dança, refletindo sobre os porquês da nossa
realidade e que futuro queríamos. Nesses mo(vi)mentos reunimos
diversos trabalhadores de dança formando estofo suficiente e
representativo para a produção de documentos que foram entregues
aos representantes governamentais da cultura. Interferimos na
definição de diretrizes para a área contida nos editais e lutamos
pela destinação e pelo aumento de recursos públicos destinados à
área e pela implantação de ações voltadas para o desenvolvimento
do setor.
O exercício político é por uma representatividade que se dá no
coletivo, nas demandas vindas das diversas atuações e necessidades
que compreendem nossa dança, e isso tanto constitui quanto
legitima nossos interesses. Discutir a atuação de instituições que
153
nos representam e lutar por uma ação mais qualitativa, democrática
e transparente. Essa postura mobilizadora, questionadora, crítica e
propositiva cria desconforto para uma parcela que compreende e
conduz a dança a partir de interesses particulares, privados, fechados
e elitizados. O Fórum acaba explicitando feridas, contradições e
conflitos de interesses mostrando que a dança não existe no mundo
etéreo, ideal e homogêneo que o senso comum imagina e que
o mercado e a publicidade insistem em propagar. Isso, em nosso
entender, faz a área se fortalecer, crescer e se desenvolver. Cria
consciência política e leva a a(tua)ção na realidade apresentada.
Os documentos são frutos dessa consciência e instrumento de luta
de interesses. Confirma que a elaboração de políticas específicas
para a área é urgente no sentido da integralização, crescimento e
fortalecimento da dança como atividade que fomenta a região, cria
empregos, promove a cultura e arte, transforma e humaniza.
Em concomitância à elaboração de políticas específicas
para a área e justamente para fazer jus a ela, o exercício político
é fundamental, pois ele define condições. Quando se explicita a
existência da diferença, da oposição e da luta no interior da dança
e, principalmente, quando se explicita que isso é fruto de interesses
distintos de mundo, de cultura, de educação e de arte, a dança
conquista um lugar de intervenção e transformação social.
É certo que a dança ocupa hoje importante e representativo
papel na construção da cultura e da história em Goiás. Como é
certo que as ações indicadas pelo Fórum mediante os documentos
produzidos ainda são motivos de luta e alvo de interesses e
154
disputas. Estamos na batalha para a construção tanto de nossa
atuação política quanto da nossa atuação profissional, buscando
um cenário para a dança que ainda não alcançamos. A conjuntura
atual exige atenção, persistência e força para que conquistas não
sejam perdidas e para que avanços aconteçam, pois, apesar de
identificarmos que oportunidades foram construídas e que novos
pensamentos de diversidade e importância foram conquistados
na prática social, a arte ainda não ultrapassou e superou seu lugar
secundário perante as grandes questões sociais. E assim, tanto
na configuração mais ampla da arte quanto no desenvolvimento
e fortalecimento como área, a dança, ou melhor, os trabalhadores
da dança são chamados à organização, mobilização, atuação
crítica e política em prol de uma intervenção social propositiva e
consistente no intuito de transformar a realidade das condições de
sua existência e produção.
REFERÊNCIAS
155
Plano regional para a dança. <https://forumdedancago.wordpress.com/
plano-regional-de-danca/>. Acesso em 01/02/2015.
156
INSTABILIDADE NA VIDA ARTÍSTICA OU A
PERMANÊNCIA DA QUASAR CIA. DE DANÇA
Vera Bicalho
157
ABSTRACT: The present text is an essay that aims at dealing with
material aspects that help and, at the same time, limit the conditions
needed for a professional dance company to exist. Therefore, it is
based on the analysis of the production aspects of Quasar Cia. de
Dança (Quasar Dance company) taking into consideration state
and national levels to show how the company adjusts its modus
operandi and find means of existing when facing the challenges
found in its path.
158
INTRODUÇÃO
1 A Quasar Cia. de Dança deu início a suas atividades artísticas no ano de 1988.
159
Se, por um lado, essa trajetória da Quasar pode ser considerada
como positiva, tendo em vista a conquista de sua permanência –
pois é um dos poucos grupos com caráter independente que
conseguiram se manter com certa estrutura e qualidade nos
trabalhos artísticos –, de outro, quando adentramos aos meandros
de como funcionamos, como caminham nossas despesas, o pessoal
que temos disponível para viabilizar todo o trabalho, percebe-
se que sempre estivemos fazendo muito com pouco. Para o olhar
estrangeiro, aquele que vê de fora o produto acabado, a Quasar pode
parecer deter dinheiro e uma garantia de sua manutenção. Contudo,
para levar a cabo minhas exigências e as do Henrique Rodovalho
com o produto que ofertamos, temos que nos desdobrar mês após
mês, semana após semana, dia após dia, para conseguirmos atingir
o que queremos.
Com a finalidade de direcionar o texto, conduzirei as reflexões
de modo cronológico, apresentando os desafios e como estes
alteraram o modo de organização da companhia. Quando iniciamos
os trabalhos de formação da Quasar, não fazíamos ideia de como
tornar nossos trabalhos cênicos possíveis de circular, mesmo em
nível estadual. Desconhecíamos a possibilidade de um circuito de
festivais, não dispúnhamos em Goiânia de uma imprensa que fosse
capaz de perceber e noticiar a dança em suas especificidades, bem
como não encontrávamos oferta de políticas públicas para dança
no Estado de Goiás. Tudo isso, somado à estética proposta pela
companhia, em nossa região ainda incipiente em termos de dança,
essa produção artística, agravava ainda mais nossa condição.
160
Assim, durante os cinco primeiros anos de existência da Quasar
Companhia de Dança, nossa rotina se assimilava à de pequenos
grupos independentes. Como não tínhamos verba para manter
um elenco permanente, a construção dos primeiros trabalhos foi
realizada com sacrifício dos envolvidos, que trabalhavam em outros
ramos no horário comercial e se disponibilizavam nos horários de
intervalo para almoço e no período noturno para os ensaios. As
verbas para produção dos espetáculos vinham da participação de
cada um ou por meio de festas que organizávamos. Os figurinos se
compunham com roupas do cotidiano do elenco, e a composição dos
cenários muitas vezes contou com objetos de casa que levávamos
para o palco. Somente numa ou outra ocasião contamos com apoio
de empresas locais, muitas delas gerenciadas por amigos que
apostavam no trabalho que vínhamos propondo.
A guinada no modo de trabalhar da Quasar Cia. de Dança veio
no final de 1993, durante o processo de montagem do espetáculo
“Versus”, quando houve uma saída em massa de componentes,
permanecendo somente Henrique Rodovalho, Luciana Caetano e
eu. Foi diante dessa crise que o Henrique expôs, no início de 1994, a
necessidade de especificarmos os fazeres no interior da Companhia.
Até então, todos dançavam e dividíamos as tarefas extracena.
Então percebemos que o trabalho profissional em dança exige
tempo integral, que não era possível continuar levando a dança nos
horários que sobravam, precisávamos investir todo nosso tempo e
energia na companhia ou desistíamos de continuar.
Essa maturidade de entender a dança como trabalho nos
possibilitou notar a necessidade de dividirmos tarefas. Desde então,
161
assumi exclusivamente a produção da Companhia e o Henrique ficou
a cargo da parte artística. Ao dispor de tempo e foco numa atividade
específica, busquei me informar acerca de como seria possível tornar
o trabalho da Quasar mais profissional, no sentido de viabilizar a
circulação de nossos espetáculos, pois o produto que temos em
mãos para trabalhar não são aulas de dança, palestras ou oficinas.
Nosso trabalho sempre se concentrou na experimentação cênica de
possibilidades de criação em dança. Então, é com isso que eu tive de
trabalhar, com um produto que poucos conhecem, com um modo de
dança que ainda estava se firmando no cenário artístico.
Nesse processo de busca por mapear possibilidades, tomei
conhecimento da Latinoamerican Dance Platform, que se destinava
a contratar trabalhos desta localização, para se apresentarem em
território europeu, especificamente na Alemanha e Áustria, por
meio do Festival Movimientos 96. Tínhamos acabado de montar
«Versus» em 1994 e encaminhamos o material audiovisual para a
produção da plataforma na Alemanha. A partir dessa experiência
compreendemos a necessidade de produzir um material gráfico e
audiovisual com qualidade, pois é por meio deles que apresentamos
nosso produto a possíveis contratantes. Quando nos apresentamos
na Europa, o espetáculo foi bem recebido, a ponto de conseguir nos
inserir no maior festival de dança que acontecia no Brasil naquele
momento, o Carlton Dance, em 1996.2
162
Desse momento em diante, “Versus” se tornou o espetáculo
pelo qual a Quasar ficou conhecida em grande parte do território
nacional. No entanto, o processo pelo qual isso ocorreu nos
demonstra que não há uma via única ou um segredo de como
tornar um grupo ou uma companhia de dança conhecida, capaz
de circular nacionalmente. No nosso caso, partiu de um start em
relação à nossa necessidade de nos especializarmos em ofícios
distintos dentro do que entendemos como mercado de dança. Ter
dedicado uma pessoa específica para produção foi crucial para ida
da companhia à Europa e ao Carlton Dance, mesmo sem sermos
conhecidos no eixo Rio-São Paulo.
Contudo, se a produção e o trabalho artísticos foram suficientes
para introdução da Quasar em um grande festival internacional,
a popularização e disseminação do nome e das propostas da
companhia se deram por meio da crítica especializada e de notícias
em jornais de grande circulação como O Estado de S. Paulo, O Globo
e Folha de S. Paulo. Foi depois da aparição e divulgação de nossa
existência e críticas favoráveis na mídia impressa de circulação
nacional. Ou seja, foi necessário o somatório de vários fatores
para que a Quasar iniciasse um circuito de apresentações em nível
nacional: produção, qualidade estética do trabalho, existência de um
grande evento de dança, retorno positivo da crítica especializada,
juntos, potencializaram a visibilidade da companhia.
163
assegura ao artista ou à Companhia convites para apresentação
de seus trabalhos suficientes para garantirem a manutenção
financeira. A circulação acontece não apenas via divulgação de uma
marca, mas antes, pelo trabalho cotidiano de se fazer conhecer e
de continuar produzindo espetáculos que sejam interessantes
aos eventos de dança. Tendo em vista que a Quasar aparece no
cenário nacional vinculado a um evento que possuía “[...] a intenção
de mostrar o trabalho de coreógrafos que estão desenvolvendo
linguagens próprias, procurando novas formas de expressão.”3
Esse vínculo da Quasar Cia. de Dança a modos de fazer que
costumou denominar contemporâneo, forçou a produção a buscar
eventos que se interessassem em receber trabalhos com esse
perfil. Desse modo, o trabalho de produção também consiste em
escavar informações e mapear os eventos que suportam o perfil
de trabalho produzido, nos levando a perceber as segmentações
que existem dentro daquilo que entendíamos como mercado de
dança. Ao mesmo tempo, nos fez notar a importância de contar
com uma assessoria de imprensa, capaz de dialogar em linguagem
jornalística com os periódicos dos lugares onde a Companhia se
apresenta, tornando-se ferramenta importante na divulgação local
do trabalho realizado em Goiânia.
Outro fator crucial para manutenção da Quasar foi o
investimento constante no material humano e na produção de novos
espetáculos. Assim, desde o cachê que recebemos com a turnê na
Europa via a Plataforma Latino-americana, buscamos sempre criar
formas de manter o elenco disponível à Companhia, o que consiste
164
em remunerá-los financeiramente. Tal ajuste nos forçou a realizar
uma alteração no modo que até então se encontrava a Companhia
junto aos mecanismos tributários brasileiros. Vimo-nos induzidos
a sair da categoria de Associação para a de Empresa Limitada,
tornando mais baixos os encargos com impostos de contratação de
pessoal via CLT (Consolidação das Leis de Trabalho)4.
Ou seja, junto com o reconhecimento artístico, emergiu
uma demanda gigantesca de atributos fiscais e legais que
desconhecíamos, específicos do ramo administrativo e que se
distanciam do cotidiano da prática artística. Como não dispúnhamos
de mão de obra característica para produção cultural em dança na
cidade de Goiânia, o deslocamento do ofício de artista para o de
produtora foi brusco, envolvendo desgaste físico e psicológico. Para
além do fazer de produtor, existe uma responsabilidade que até
então não tínhamos experimentado, a de ter um grupo de pessoas
que passaram a depender financeiramente da companhia, bem
como a própria permanência da Quasar e da qualidade de seus
trabalhos passou a depender de uma garantia mínima de receita.
165
localidade específica como o Estado de Goiás, essa condição de torna
ainda mais tensa. Nenhuma companhia ou grupo de dança brasileiro
conseguiu a garantia de estabilidade e continuidade de seu trabalho
artístico exclusivamente mediante a venda de seus espetáculos. Essa
carência de eventos para escoamento da produção cênica em dança
torna as políticas públicas voltadas à arte e cultura algo essencial
para consolidação de um campo profissional de trabalho.
Em se tratando do local onde a Quasar Cia. de Dança se
encontra, não dispúnhamos de mecanismos de financiamento
municipais ou estaduais via fundos públicos ou renúncia fiscal
até o início do presente século. Mesmo a Companhia tendo em
período que já existia legislação que previsse apoio à cultura, a
compreensão do processo burocrático que envolve contratos com o
poder público levou um tempo. A única possibilidade durante toda
a década de 1990 era pleitear aprovação de projeto por meio da Lei
Rouanet5. Nesse período, conseguimos apenas uma vez captar junto
à iniciativa privada, em parceria com a já extinta Brasil Telecom,
que durou de 1998 a 2004.
No entanto, mesmo o Ministério da Cultura tendo distribuído
a cartilha apregoando que é a parceria entre iniciativa privada e
produção cultural que “faz do investimento em cultura um bom
166
negócio”6, o ditame sobre o que deve ou não receber o repasse
dos tributos ficou a cargo das empresas e de seus interesses.
O reconhecimento da lacuna gerada por essa dinâmica de
funcionamento no principal mecanismo de incentivo à cultura no
Brasil do período, é denunciado há certo tempo pelo consultor de
patrocínio empresarial Yacoff Sarkovas. Para ele:
167
Nesse meio tempo, surgiram mecanismos locais e regionais
de fomento à cultura, mas todos via renúncia fiscal e com tetos
baixíssimos. Trata-se da Lei Municipal de Incentivo à Cultura de
Goiânia7 e da Lei Estadual de Incentivo à Cultura de Goiás, conhecida
como Lei Goyazes.8 A primeira apresentou como teto orçamentário
para o ano de 2014 o valor de R$ 60.000,00; já na segunda, o
máximo aprovado foi de R$ 250.000,00. Os valores apresentados
demonstram quanto o investimento em cultura no Estado de Goiás
se apresenta incipiente. Somadas as duas quantias, presumindo
que conseguíssemos aprovar ambos os projetos e captar na íntegra
os valores, não seriam suficientes para os custos que envolvem a
existência da Quasar Cia. de Dança.
Diante dessa condição, em diferentes ocasiões, quando não
suprimos nossas despesas com os ganhos obtidos da venda de
nossos espetáculos, recorremos a empréstimos bancários para que
o trabalho não se esvaia de um ano para outro. Essa instabilidade
e a ausência de uma política pública para arte e cultura no Brasil
promovem insegurança na carreira artística, tendo em vista que se
cria uma falsa esperança de que existem recursos sendo aplicados na
área de forma coesa. Tenho esperança e acredito que esses recursos
existem, embora ainda sejam insuficientes. O que não se viabilizou
foi o uso coerente de como esse dinheiro é aplicado, devido à falta
168
de uma política pública de continuidade e uma oscilação com a
alteração de gestores públicos que assumem as pastas. Assim,
A partir dos anos de 1980, com a criação e o uso das leis de incentivo
à cultura, verificamos uma mudança significativa do mercado
cultural no Brasil. Na medida em que as verbas de incentivos
começaram a ser distribuídas, iniciou-se um plano de concorrência,
e com este, uma procura pela especialização e qualificação. (BELING,
2004/2005, p. 86)
NECESSIDADE DO DIÁLOGO
NA CONSTRUÇÃO DE UMA POLÍTICA PARA DANÇA
169
Conselho Estadual de Cultura de Goiás (2008-2010), pude perceber
o deficit nessas instâncias acerca do objeto dança e as necessidades
básicas do setor, não apenas da Quasar Cia. de Dança, mas da dança
em sua totalidade.
O modelo de estruturação na maquinaria pública que
vem sendo esboçado desde a década de 1990 necessita para seu
funcionamento gestores e sociedade civil organizada e ciente de
suas obrigações. Trata-se da tentativa, claro que lenta e gradual, de
reduzir decisões centralizadas, em que o gestor sozinho define o que
e como deve ser realizado o investimento em cultura nas diferentes
esferas. Por isso a criação dos conselhos e órgãos colegiados para
auxiliar o gestor público nesse processo, pois quem melhor que os
próprios artistas e fazedores da cultura para saber onde e como a
verba pública deve ser aplicada?
Esse cenário exige uma sociedade civil que detenha
conhecimentos de sua área, mas necessita também de vontade
política nessa comunidade. Ou seja, vivemos um momento em que é
necessário aos profissionais da dança não apenas concorrerem aos
editais, mas comporem as bancas de elaboração, revisão e avaliação
desses editais. Somente assim poderemos num futuro próximo
diminuir as incoerências presentes nesse mecanismo e apresentar
propostas para a gestão pública. Não podemos esperar de um gestor
que entenda de cultura e arte, quiçá de dança, esse papel cabe a nós,
diretamente envolvidos e interessados na mudança no formato do
emprego da verba pública.
Fazer-se presente em conselhos e órgãos colegiados de dança
nos possibilita apresentar ao poder público nossas preocupações,
170
depoimentos pautados na prática do dia a dia que fazem qualquer
teoria ou proposta se tornar sempre inatual. “É necessário
compreender esse processo histórico e o caráter da participação do
Estado nessa fase globalizada do capital e seu papel e interferência
na conquista da participação da sociedade no campo da cultura.”
(CARVALHO, 2009, p. 20) Pois, como fazemos parte de uma área de
trabalho que ainda levanta seus pilares, temos a condição de explicar
sempre aos não iniciados quais são nossas demandas de artistas que
sobrevivem de forma independente e para que possamos, também,
compreender até onde o poder público pode nos auxiliar.
Antes dos mecanismos de fomento via leis de renúncia fiscal,
o apoio que conseguíamos via poder público era ínfimo, limitando-
se à impressão de cartazes, programas, banners ou isenção da taxa
de ocupação do teatro. E numa dinâmica de balcão, tendo que bater
na porta das secretarias municipais e estaduais em busca de algum
auxílio financeiro. Temos que apresentar propostas de subvenção,
isenções de impostos, assim como acontece em outras áreas
de trabalho como educação, agricultura, pecuária ou indústria
automobilística. Ora, se entendemos a cultura e arte como vetor
da economia, por que não criar mecanismos que incentivem sua
produção, circulação e consumo?
171
sentido, a Lei Rouanet é a que apresenta maiores empecilhos para
captação. Mesmo atuando há mais de vinte anos como produtora,
e a Quasar tendo quase três décadas de trabalho consolidado no
campo da dança, não existe uma garantia de que obteremos interesse
das grandes empresas. Existem canais, percursos para conseguir
as parcerias que não passam somente pelo crivo específico da
qualidade e do mérito das propostas. Apesar de grande parte
das empresas trabalhar com o conceito de marketing cultural de
forma lícita, há casos de apadrinhamento, de proximidade familiar
com diretores e o alto escalão dessas empresas, que encurtam o
caminho até a conquista da parceria.
Há empresas por nós contatadas, às quais enviamos portfólio,
vídeos e delas sequer recebemos retorno sobre o interesse ou não
pelo nosso trabalho. Essa não garantia de parcerias com a iniciativa
privada nos moveu a buscar outras formas de assegurar a existência
da Quasar, sendo a principal a venda de espetáculos. Para tanto,
além de termos de garantir um produto de qualidade artística,
temos que fazer um trabalho de garimpo para descobrir eventos e
festivais que acontecerão em nível nacional e internacional naquele
ano e em que localidades. Depois, enviar o máximo de material
possível para que o programador ou curador do evento entenda o
que estamos oferecendo, pois, muitas vezes, não assistiram ainda
ao espetáculo ao vivo.
Assim, concomitante à elaboração de projetos para
mecanismos municipais, estaduais e federais, temos uma agenda de
circulação que é garantida via contratação direta. Isso envolve uma
logística gigantesca e uma dinâmica previsão de possibilidades.
172
Dificilmente conseguimos nos manter com um único edital, e essa
condição nos faz estilhaçar os custos em projetos diversos, pois as
verbas destinadas por cada edital são baixas. Desse modo, cada vez
mais os editais reivindicam que façamos mais coisas com menos
verba, o que nos obriga a formular outras ações para garantir a
existência de uma, que nos interessa.
Por vezes, planejamos uma ação que necessita de uma verba
“x”, mas um edital contempla metade desse valor. Daí, entramos
numa situação de aposta, acreditando que o projeto terá aprovação
em outro edital para complementar a renda necessária, e muitas
vezes isso não acontece, tendo a Companhia que se endividar para
cobrir os gastos do projeto. Loteria, acredito que esta palavra define
bem a condição de existência de uma companhia profissional hoje
na localidade onde nos encontramos. Desse modo, quando não
conseguimos cobrir nossas despesas com leis de incentivo mediante
a renúncia fiscal ou da venda de espetáculos, concorremos em
editais menores que disponibilizam verba pública diretamente pelo
mecanismo de fundo, como o Fundo de Arte e Cultura do Estado
de Goiás recém-implementado e o Prêmio Klauss Vianna de Dança,
gerenciado pela Coordenação de Dança da Fundação Nacional das
Artes (FUNARTE).
Outro fator que agrava e encarece a manutenção de uma
companhia profissional do porte da Quasar é a expectativa
permanente pelo novo, pela estreia. Isto é, não são apenas os editais
que fazem exigências que muitas vezes atropelam o processo e o
tempo necessários para o amadurecimento de um trabalho artístico,
vários festivais específicos de dança trabalham nessa dinâmica.
173
Essa expectativa pela exclusividade, de apresentar sempre
um trabalho novo, impossibilita à Companhia dar continuidade e
maturidade aos trabalhos, tendo em vista que, um trabalho cênico
que se apresenta em determinado num festival, no ano seguinte
a curadoria dificilmente se interessará em contratar o mesmo
trabalho novamente, mesmo que o número de pessoas que tenham
assistido seja irrisório, quando comparado ao número de habitantes
daquela cidade. Em alguns casos, exige-se que o trabalho não
apenas nunca tenha sido apresentado no festival, como na cidade
em que se realizará o evento. Essa lógica reproduz uma realidade
em que os espetáculos de dança não se destinam ao grande público,
mas sim a um pequeno grupo de pessoas, que não querem mais ver
o que já viram.
Se pensarmos na quantidade de pessoas que não assistiu
aos espetáculos da Quasar, mesmo em Goiânia, temos sempre
um público potencial. É por isso que realizamos uma média
de dez a quinze apresentações por ano em Goiânia, sempre
mesclando trabalhos novos com anteriores, dispondo de casa
cheia. O processo de montagem de um novo espetáculo envolve
um desgaste gigantesco, tanto de recursos e tempo quanto do
trabalho artístico de ter de adequar-se a esse calendário anual,
pois nem sempre uma obra consegue ficar pronta nesse intervalo,
provocando um esgotamento de verbas e possibilidades estéticas.
Isso posto, não basta reivindicar do poder público que compreenda
as especificidades do campo da dança, quando pessoas, artistas,
curadores, programadores replicam modos similares de produção
e contratação dos serviços e produtos.
174
De todo modo, acredito que não há como culpar ou condenar
o cenário atual da dança e as possibilidades de sustentabilidade
de carreira artística, sem ressaltar que é necessário mudar o
pensamento dos gestores públicos e responsáveis pelas pastas de
equipamentos culturais. É preciso ampliar as políticas públicas para
que possamos implementar políticas de temporadas prolongadas,
subsidiando ou minimizando custos de locação, equipando
adequadamente os teatros e divulgando projetos de temporada.
Sem continuidade e longevidade dos trabalhos, fica cada vez mais
difícil a manutenção do trabalho profissional.
REFERÊNCIAS
175
“SOBRE COMO SÃO AS COISAS”:
UMA ABORDAGEM POÉTICA SOBRE O ARTISTA E
GESTOR CULTURAL CLAYTON LEME
177
colegas e amigos, nos últimos dois anos, e que abarcam a importância
da Educação na vida cotidiana das pessoas. Não chega a conclusões
porque a vida em si mesma se encerrou para ele. Mas aponta
caminhos para a continuidade das ideias por ele vivenciadas e por
meio de alguns de seus projetos, para que, ao invés de envelhecer,
como dizia ele, as pessoas possam se transformar.
178
INTRODUÇÃO
179
habilidade em articular as motivações de cada participante para
questões mais prementes da dança e as que norteavam a política de
integração desta coordenação.
No período, entre 2005 e 2009, Clayton Leme atuou na
cocriação (2005) e na manutenção do Fórum de Dança de Curitiba,
uma organização da sociedade civil, de porte pequeno, porém que
expandiu nacionalmente sua atuação incluindo representações
nesta esfera federal, por meio de suas contribuições. Durante a
realização do 1º evento do Fórum de Dança de Curitiba, em 2006,
Clayton Leme mediou debates e foi cocurador elaborando, também,
as dinâmicas das atividades.
Sua atuação sempre englobou a estruturação das ideias, a
elaboração dos modos de participação e a escolha dos conceitos
que embasavam suas ações e produções, porque tomava em
consideração os componentes e as relações entre estes de
codependência quando organizava fosse um evento, um curso ou
uma coreografia. Um exemplo desse pensamento simultâneo, ou
melhor, integrado, foi o lançamento do termo “Ideia-Ação”, como
slogan do Dia Internacional da Dança, em 2009, quando o Fórum
promoveu 24 horas de ações na cidade de Curitiba. Na camiseta
confeccionada para essa data, o desenho de uma cabeça humana com
os cachos de cabelo “desvairados” era criação do próprio Clayton,
que em outras vezes produziria o registro final da atividade, como
o vídeo feito em coprodução com Zeca Fernandes, após o I Fórum
de Dança de Curitiba ou a curadoria, no segundo encontro, entre
outros exemplos.
180
Desse modo, quando Clayton propunha o círculo como o
formato para os debates e as mediações, era uma consequência do
modo como esse artista e gestor estabelecia relações com as pessoas
horizontalizando o espaço para o convívio e para o estabelecimento
dessas relações, sem se deixar impressionar por qualquer outra
informação que não fosse a selecionada para o debate, naquele
momento. Isso não ocorria apenas porque seria um formato bacana,
e sim, porque era de sua natureza e compreensão o tratamento do
outro, sem subjugar ou desconsiderar cada indivíduo, contexto,
realidade e(ou) tipo de conhecimento.
Na dinâmica de conversas em círculo, entre Bboys e artistas
das Danças Urbanas e do Break Dance propostas no Teatro Cleon
Jacques, em Curitiba, em 2006, Clayton desenhava um formato
acolhedor para o debate sobre temáticas, por vezes, espinhosas
que procuravam, por exemplo, colocar em xeque as certezas e
definições construídas por estes estilos de dança. Esse foi um
exemplo de mediação de sucesso, no sentido que promoveu o
debate, permitiu o acaloramento das discussões, porém, sem perder
de vista um ambiente propício para desdobrar ações e discussões.
A metodologia do artista subsidiava este tipo de desenvolvimento
de debates, muitas vezes, difíceis. Clayton mediou essa atividade
entre inúmeras outras que requeriam a habilidade de direcionar e
ponderar os conflitos sem reduzir a problemática das discussões.
Outras de suas habilidades eram a de leitura política sobre
cada contexto e momento político; a capacidade de lidar de modo
lúcido com os desafios (sempre constantes na administração
pública) e com a diversidade que era encontrada nas regionais da
181
cidade e em outros espaços onde atuou, a exemplo da Secretaria
de Cultura de Votorantim. Do próprio Clayton Leme sobre o
Planejamento e as estratégias de ação para a Secretaria de Cultura,
em 2010:
182
os mais céticos a efetivá-la como prática e legislação, foi um dos
maiores desafios para Clayton Leme, nos três anos em que assumiu
o cargo de secretário de cultura. Naturalmente esse não foi o único
embate. Muitos se sucederam na tentativa de ampliar os espaços de
participação social, para arrancar privilégios ou para implementar
projetos educacionais.
183
de conteúdo e quem compartilha. É em torno do saber que as
pessoas se colocam, especialmente em torno das pessoas que
produzem saber. E um saber é um olhar, um conceito, uma
interpretação. Diante do turbilhão de informações, diante da
crise de valores que vivemos, as pessoas estão em busca de um
modo de ver, de uma perspectiva.
184
Em resumo, não queremos dizer que a TAZ é um fim em si mesmo,
substituindo todas as outras formas de organização, táticas,
objetivos. Nós a recomendamos porque ela pode fornecer a qualidade
do enlevamento associado ao levante sem necessariamente levar à
violência e ao martírio. A TAZ é uma espécie de rebelião que não
confronta o Estado diretamente, uma operação de guerrilha que
libera uma área (de terra, de tempo, de imaginação) e se dissolve
para se re-fazer em outro lugar e outro momento, antes que o
Estado possa esmagá-la.
185
temporal, estavam, para Clayton Leme, entrecruzados por uma
possibilidade cristalina de se compreender a vida como processo
de transformação e de produção de sentido a partir das mudanças
na compreensão das pessoas. Segue uma reflexão crítica de
Clayton Leme sobre um momento em que se deparou com esta
possibilidade de transformação para si mesmo:
186
O incômodo que Clayton aponta vinha sendo sistematizado
por um estudo sobre Escola e Educação tendo em vista que
acreditava que a Cultura e a Educação eram os meios de
transformação do mundo. Assim como a Cultura não era vista
por ele pelo viés do entretenimento ou evento e sim, como um
modo de vida, como costumes, e como forma potencializadora
de mudança, a Escola deveria se constituir no espaço de
apreendência conectado com a sociedade e corresponsável pelo
desenvolvimento cognitivo dos alunos. Esse desenvolvimento
cognitivo deveria empoderar as relações humanas e a sensação
de pertencimento das pessoas.
Portanto, questionar o modelo de escola que, segundo Mosé
(2013), ainda se organiza por séries, fragmentando os saberes
em conteúdos isolados e onde as aulas são anunciadas por sinal
como os de apito de fábrica, era uma das ações que Clayton vinha
tomando incluindo a oferta de modelos distintos, por meio de
cursos orientados de outra forma. A possibilidade de selecionar,
escolher, como mencionava Clayton, e o formato das escolas,
conforme Mosé, estavam imbricados de modo a reproduzir
modelos similares a presídios ao invés de espaços democráticos
preocupados com a estruturação da cidadania, com a produção de
conhecimentos, com a ampliação do debate, com imaginário para
desenvolver a criação.
Clayton Leme criou, então, a “Diversa – Escola do Movimento”,
como um conceito em ação para que pudesse desenvolver ideias e
foi assim que elaborou o Programa e curso “Samba Le Lê – Corpo,
Dança e Cultura da Infância”, que se organiza do seguinte modo:
187
Temas e abordagens do Curso
Unidade Áreas de atuação
01) Arte 01 módulo:
Processos de Criação para Infância
O Corpo e a Infância
Dança e Infância
Jogos e Brincadeiras Infantis
188
de lei municipal de cultura. Clayton Leme travou embate ao redigir
no Programa para a Lei Municipal de Cultura de Votorantim que
um dos objetivos deveria ser a produção de felicidade. Não é difícil
imaginar a resistência que encontrou e encontraria em espaços de
gestão pública como a Câmara dos Vereadores ou mesmo no âmbito
da prefeitura. A ideia partiu de sua pesquisa feita no site de Tião
Rocha, educador respeitado por todo País e internacionalmente.
Tião Rocha propõe a produção de felicidade como uma das metas a
serem alcançadas na educação e a inclui em processos de avaliação
que envolvem pais, estudantes e professores.
Partindo dessa premissa de Tião Rocha em âmbito
educacional, Clayton Leme assumiu tal objetivo para a elaboração
de um programa para a Cultura de Votorantim, quando se deparou
com outro ponto nodal, usualmente relacionado a um dos maiores
desafios pelo poder público, mas que para este gestor significava
um ponto importante da gestão: a participação social. E ao entender
como um desafio importante e que deveria ser encarado pelo gestor,
ao invés de escamoteado por qualquer gestão, organizou este tema
por dimensões:
189
Compreendendo a Cultura como área-chave para pensar a
cidade em sentido mais amplo, Clayton se dedicou com a equipe
da secretaria de Cultura de Votorantim a diagnosticar os pontos
problemáticos da cidade, criando um diagnóstico a partir da
seguinte pergunta: “Qual o maior problema da Cultura na cidade de
Votorantim?” Desse modo foram levantados os seguintes problemas,
que ele considerava como desafios:
190
14- Pouco envolvimento da cidade com as ações culturais locais;
191
inicialmente pela vivência da equipe em uma imersão de três
dias, direcionada por Neide Aparecida da Silva. E a pergunta
gerenciadora das dinâmicas foi “Como eu quero que a Cultura seja
lembrada daqui a 10 anos na cidade?”. As respostas levantadas pela
equipe foram:
6- Que todo esse nosso trabalho deu muito certo e ainda existe;
192
13- Ações culturais voltadas para a população com envolvimento
total da sociedade;
193
importância de suas ações e ideias e de seu comportamento
humano, social e político que difundimos, nesta oportunidade, um
pouco do tanto que este trabalhador ofereceu à Dança, à Cultura e
à Educação no País.
REFERÊNCIAS
Documentos:
Sites:
194
DANÇA E POLÍTICA
Relatos
DESLOCAMENTOS DE UM ARTISTA PRODUTOR
Kleber Damaso
197
de fim de ano. Sim, o tempo permitiu mensurar com outros olhos
o valor de tantos esforços. E, sem dúvidas, a espera pelas aparições
fumegantes e farsescas à “la conga” no cassino do velho guerreiro
foram decisivas na escolha de trabalhar com o movimento (oh! i
like you dancing every day). Aqui, a necessidade de esvaziar/abrir /
transformar/ conquistar o espaço já indiciavam força produtiva. E o
quão próxima a produção é da demolição.
Esse mesmo impulso de mover autorizava cabular as aulas
de desenho técnico para espiar ensaios pela fechadura. A atmosfera
dos ensaios, especialmente minutos antes de uma apresentação,
era muito mais sedutora e excitante. Ser aplaudido ou admirado
nem se compara à integridade que a informalidade dos ensaios
pode transpirar. A integridade de quem não admite dissociar o
trabalho do prazer. Beuys teria dito algo sobre como a integridade
de uma ação ou atuação é muito mais importante para a arte,
para a educação e para a sociedade do que o status social ou as
imagens pessoais sustentadas em sociedade. O trabalho pode ser
uma realização libertadora, fonte de prazer e cheia de vontades.
A dança tem essa coisa simples e cara de ser pura vontade. Do
desprendimento e autonomia de eleger o corpo, em sua pequenez e
vastidão, com suas fragilidades e imperfeições, como única – ou, ao
menos, primeira – condição de realização do trabalho.
198
199
Nessa, aos dezesseis, abandonava o curso técnico de
edificações para ensinar um grupo de cegos a dançar. Com a garantia
de receber o suficiente para financiar outras trilhas sonoras. Junto
às tomadas de decisão, abraçava a imprecisão e a necessidade
de inventar os modos. Mesmo antes de ler sobre a premissa
benjaminiana de não alimentar os aparelhos produtivos sem antes
modificá-los, perseguia a forte intuição que levava ao confronto
com os modos de fazer. A figura do produtor, quando muito, era uma
exclusividade do cenário musical. Até hoje são escassos os espaços
de formação profissional voltados para produção cultural e artística,
no sentido mais amplo. Havia duas opções, já que o atrevimento e
a curiosidade me lançavam no campo das experiências (mesmo as
contraindicadas): esperar que um raio (patrocinador) escolhesse
cair na minha cabeça ou criar as condições e os meios de produzir
e existir no campo das artes. O olhar do bailarino precisou então
negociar com o de coreógrafo, professor, diretor, assistente,
dramaturgo, pesquisador e crítico. O que implicou transitar por
diferentes áreas do saber e conhecer, ainda que superficialmente,
sobre o trabalho do iluminador, do sonoplasta, do cenógrafo, do
figurinista, maquiador, fotógrafo, videomaker, faxineiro, bilheteiro,
fisioterapeuta, massagista, e, por consequência, com o aumento
das lesões físico-financeiras, das figuras do gestor, administrador,
captador, marqueteiro, contador e o raio que continuam a exigir do
profissional das artes.
Isso também pela empáfia de reivindicar meus direitos à
atividade criativa. De não me satisfazer em ser um mero executor /
reprodutor das coreografias alheias, ou de criticar, aprendê-las muitas
200
vezes de forma solitária, mecânica e asséptica, copiando repertórios
registrados em vídeo. De também querer assinar pelos movimentos
que investigava, já que investigar era muito mais divertido do que
repetir. E antes, de poder me posicionar e comunicar pela via da arte,
ainda que de maneira cambiante, indecisa e até constrangedora (por
que não?) como o próprio ser humano.
Depois de reencontrar dois fantasmas alemães na academia,
Benjamin e Beuys, às vezes discordantes, mas com quem procuro
manter o diálogo, foi possível articular em pensamentos a
importância em deslocar/ transitar pelas diversas etapas de uma
cadeia produtiva, sobre o risco da impessoalidade, alienação e
homogeneização dos resultados de qualquer processo de produção.
Descobri nas leituras de Benjamin que a especialização técnica
exacerbada e o desmembramento generalizado das etapas de
produção inviabilizam a percepção do conjunto de um resultado e
dificultam mensurar a importância do empenho e investimento de
cada trabalhador numa realização. A invisibilidade das realizações
diluídas pela fragmentação e falta de compreensão da totalidade
dos mecanismos de produção reforça a condição de consumidor
e de não produtor. Desconectar as etapas de produção intensifica
a indiferença, a automatização e o que Benjamin denomina como
processo de coisificação da ação humana: “A peça entra no raio de
ação do operário, independente de sua vontade. E escapa dele da
mesma forma arbitrária.” (BENJAMIN, 2011, p.125). Ao contrário
do que acontece na atividade criativa, nesse caso supracitado
são os meios de produção que se apropriam da força humana de
trabalho e da motricidade condicionada, repetitiva e uniforme do
201
trabalhador. Nessa altura não me satisfazia mais ser a “peça coisa”
dos coreógrafos.
Cada um a sua maneira, Benjamin e Beuys contribuíram para
baixar a bola da tal estabilidade econômica, para deslocar o homem
e o poder econômico do centro das atenções e elevar a importância
da produção cultural e da atividade criativa no campo social. Isso
ajudou a reavaliar o lugar e o valor da arte, ou mesmo entender que o
conceito de trabalho é maior que essa corrida desenfreada contra o
tempo pelo aumento da capacidade individual de consumo. De certa
forma, contribuíram também para não me sentir tão alienígena ao
dizer que troquei a engenharia pela arte do movimento. Trabalhar
não é produzir exclusivamente capital. Rever o papel e o lugar da
arte talvez seja a questão-chave deste texto, como alcançar alguns
dos descompassos das atuais políticas culturais que logo mais
serão tratados.
Rever e reavaliar inclusive o conceito de técnica, que não
está mais dado, descolado ou anteriormente estabelecido diante
das pulsões do criar / fazer. Que tem mais a ver com a destituição
dos modelos, bem ou malsucedidos, a favor da experimentação
e da implosão dos limiares da arte. Implodir as convenções para
atingir as estruturas de poder da própria arte. O indivíduo e as
artes eram, aos olhos de Beuys, capazes de ser e fazer algo que não
seja o instituído, mas que implica irromper não só as fronteiras
discursivas, mas também as fronteiras formais e atravessar os
territórios convencionados do seu poder e exercício. Que chato e
enfadonho seria não flertar com as artes visuais, o teatro, o cinema
só por um dia ter escolhido a dança como profissão. Por outro lado,
202
tal ângulo de observação impeliu o abandono radical do próprio
conceito de modelo a favor de uma compreensão menos engavetada
dos contornos da arte.
Nas Passagens, Benjamin empresta um conceito curioso
de Focillon sobre a técnica como poética da ação e meio das
metamorfoses. Produzir arte não é apenas seguir a cartilha e
percorrer o caminho das pedras, como escutava frequentemente
em palestras e oficinas de elaboração de projetos culturais
para captação de recursos. Envolve esforços outros e constante
atualização. A falta de esclarecimento do produtor acerca de sua
própria circunstância abastece um sistema que se torna a cada dia
mais vulnerável. No lugar de um enfrentamento competitivo com as
descobertas tecnológicas nos parâmetros vigentes da sociedade de
consumo, Benjamin sugere a aplicação, o estudo e, principalmente, o
confronto a partir do conhecimento. O confronto pelo conhecimento
é o caminho mais direto para que não se alimente um aparelho
produtivo sem antes modificá-lo.
Daí a proposta de horizontalizar as esferas da produção em
estratégias de ações e resistência como o Programa de Residências
Transestéticas – Conexão Samambaia. Na expectativa de que cada
artista sinta-se a vontade e em condições para exercitar seu trabalho
da melhor forma, sem outros objetivos que possam deturpar a
qualidade da sua experiência. No caso do Conexão, tornou-se
uma postura ética e estética duvidar e evitar o desmembramento
fordista das cadeias produtivas a favor da alternância, da errância
e da rotatividade. Ampliar perspectivas, estimular o olhar crítico
e reflexivo por meio da experiência nas diversas etapas e funções
203
de qualquer circuito de produção, para ascender a motivação
e não estigmatizar a potência criativa numa divisão estática e
automática do trabalho, de tarefas e funções. A autoconsciência
crítica da posição do artista na cadeia produtiva é a única forma
de liberar os modos de produção contra a tendenciosidade passiva.
De modo muito parecido, ao confrontar todos os indícios do
conservadorismo tecnocrático, o estado de ação beuysiano ganha
força num ativismo social, político e artístico incomparáveis.
Beuys defendeu inclusive a substituição das macropolíticas pela
autogestão e pela autodeterminação, num processo que conduz à
liberação do trabalho pela valorização das capacidades humanas:
“O homem hoje tem […] a possibilidade de modificar toda sua
natureza – tornando-a revolucionária – e até sua própria essência.
Estou de acordo com a transformação do conceito de herói no de
homem ativo” (BEUYS in KLÜSER, 2006, p. 179, tradução do autor).
Ao redimensionar o papel da criatividade na ação humana,
Beuys buscava ao mesmo tempo ampliar o conceito de arte, ciência
e de uma antropologia que ultrapassasse seus agenciamentos
para além do pequeno umbigo humano. Razoável e prática, essa
antropologia estaria comprometida em esclarecer ao mundo
que seu capital não é o dinheiro, mas a aptidão humana para a
criatividade e assim garantir a liberdade e a autodeterminação
em todos os ambientes de trabalho e da atividade produtiva. A
criatividade, cada vez mais, se afirmava para Beuys como a única
alternativa de estabelecer novas condições de convivência social.
Ela é a composteira que produz o húmus de conceitos sobre o qual
se pode realmente criar novas formas de vida, a principal função das
204
artes plásticas e também das não plásticas. Em entrevista concedida
em agosto de 1969 ao ativista nova-iorquino, historiador de arte,
editor e curador alternativo – Willoughby Sharp (1936/2008),
Beuys expõe a radicalidade do seu pensamento:
205
marcada pelas experiências da Guerra e da aniquilação dos sentidos
no projeto moderno.
O ativismo como estado de ação no processo de politização
da arte talvez seja um dos componentes primordiais para pensar
a implosão da fruição contemplativa do formalismo estético para
a performatividade experiencial da arte contemporânea, e que
reforça a atualidade das discussões benjaminianas sobre o papel da
arte, como sinaliza Seligmann:
206
do artista/produtor a responsabilidade de tomar decisões, de
fazer escolhas a favor de causas que, ao mesmo tempo em que
são estéticas, são também políticas. Não no sentido de estetizar a
política, mas de não se restringir às experiências individuais sem
visar à reestruturação de certos institutos e instituições.
Já o conceito de escultura social necessariamente incompleto
e inacabável, presente na retórica beuysiana, implica lógica e
radicalmente a observação dos atravessamentos da obra individual
ou da própria individuação. Beuys defendeu a possibilidade de fazer
algo infiltrando (infiltrado? Ou infiltrando algo/infiltrando-se?) nas
instituições, dentro ou fora delas, para produzir e fomentar práticas
e ações antiautoritárias. As transformações profundas, que escapam
da imediatez das interpretações, encontram seu lugar numa revisão
dos processos, na duração que caminha na contramão da frivolidade
das produções mercadológicas. Na busca de encontrar o conceito que
antecede o surgimento da forma escultural, Beuys demonstra que a
consciência da ação criativa está na feitura. É a própria feitura que se
constitui como espaço de manifestação e transformação da arte.
Benjamin se rebela contra a tendência dos decretos,
da rigidez e do isolamento. Beuys acusa as normatizações, as
correntes, tudo aquilo que se institui como estética dentro de uma
volumetria fechada. Benjamin alerta aos perigos de permanecer
solidário a uma causa somente ao nível de suas convicções e não
na qualidade ativa de produtor. Alerta também para a necessidade
de observar o que conduz à concepção do intelectual como um tipo
definido por suas opiniões, disposições, e não por sua posição no
processo produtivo. Ou da observação imediata de conceitos que
207
são cunhados sem levar em conta a urgência de tomar uma posição
inteligente no e sobre o processo produtivo.
208
políticas da área. A exemplo da participação permanente no Fórum
de Dança de Goiânia e da passagem fulminante pela Comissão de
Projetos Culturais da Secretaria Municipal de Cultura.
Com a sorte e o azar dos que trilharam sua trajetória
artística concomitante ao desenvolvimento da política cultural de
concursos e editais, desde muito cedo passei a argumentar sobre
os motivos que incitavam a dança, assim como a descrever os
procedimentos de composição coreográfica. Nem tanto por uma
pretensão autoritária. Essa era uma exigência para existir e ocupar
minimamente os circuitos de criação, produção e difusão. Inclusive
buscava nas relações uma forma de quebrar a solidão e monotonia
dessa função. Daí considerar primordial que o artista ao menos
interfira e acompanhe de dentro a concepção e elaboração dos
projetos que se dispõe a executar. De antemão desacredito e rejeito
as fórmulas que distanciam o artista das prospecções que mais
tarde irão definir as condições ou sua própria maneira de trabalhar.
Falo da enxurrada de projetos lançados à sorte de especialistas
em replicar modelos anteriormente aprovados e que anulam a
autonomia e a singularização dos processos criativos.
A figura do elaborador de projetos culturais decorre da
tentativa de regulamentação, mas também de burocratização
das políticas e dos mecanismos de financiamento, passíveis de
desastres ainda mais comprometedores aos artistas desavisados,
uma vez que a aprovação implica procedimentos muito mais
engessados de execução e operacionalização dos recursos. Como
o elaborador de projetos assegura seu benefício no ato de criação
deles, seu distanciamento das atividades de realização acaba por
209
se tornar uma verdadeira armadilha em que um grande número
de proponentes cai. Na expectativa de melhorarem suas condições
de trabalho, ingenuamente passam a ser tratados como infratores,
inadimplentes, com dívidas acumuladas e, por consequência,
excluídos de outros processos seletivos.
O engessamento e a burocratização dos marcos que
regularizam a distribuição e utilização de recursos na produção
cultural são frutos de uma gama de equívocos que vão da
marginalidade histórica da atividade artística à falta de compreensão
das funções e obrigações do gestor cultural. A começar pela ideia
perversa de que o artista só pode receber o equivalente ao
investimento material em produtos e resultados que ignoram o
recurso humano, ou mesmo a devida retribuição pelo trabalho
realizado. O profissional da arte é o único que presta contas e
esclarecimentos sobre a aplicação de seus recursos antes e sem
garantia de recebê-los; durante a utilização de tais recursos em
detrimento das oscilações e do dinamismo inerente às relações de
troca e de mercado; e após a realização de seu trabalho, restando a
impressão de que o que menos importa é qualidade dos resultados.
Pouco se discute sobre as atribuições técnicas, estéticas, históricas
e conceituais da arte.
O gestor cultural transforma-se, então, numa espécie de
policial com a missão de vigiar os erros e acertos do artista – essa
criança incapaz de gerenciar os frutos colhidos pelo seu próprio
trabalho. Quando não acontece de o gestor cultural se ver como
autoridade na incumbência de definir e decidir sobre o que é bom
ou ruim no campo geral das artes. Ele agora é o curador nato,
210
eleito e escolhido. Independente de seus conhecimentos e estudos
específicos na área, ou dos caminhos que o levaram a ocupar essa
posição, que em sua maioria são cargos de confiança, que atendem,
sobretudo, a interesses e negociações políticas.
A incomunicabilidade e supremacia da figura do gestor diante
daqueles que se dedicam à produção cultural desembocam nesse
equívoco ainda maior – o de inverter sua função de gerir e promover
pela de eleger, legitimar tendências e trocar favores. Como se o
papel de um curador fosse restrito a atribuir um selo que autoriza
a viabilidade e o consumo de determinada produção, esquecendo
que a atividade curatorial carece de estudos especializados,
de uma constituição coletiva, de isonomia para assegurar uma
representatividade no mínimo diversa. Nossa tradição de indicar
e instituir os cargos comissionados, de confiança, pelo prestígio
e favorecimento de relações endógenas (intrainstitucionais),
acaba por atravessar os interesses coletivos e enfraquecer a força
representativa desses cargos.
Nos mecanismos de financiamento por isenção fiscal, surge
a figura do captador, que intermedeia as relações com as empresas
privadas e que geram situações explícitas de propina e corrupção,
destituindo o poder público no repasse dos recursos e a validação
dos processos de seleção, inviabilizando projetos já aprovados. As
esferas públicas municipais, estaduais e federais deveriam criar
delegacias setorizadas para promover o diálogo contínuo, direto
e mais eficiente entre o gestor e a classe interessada. Não adianta
ter o gestor sem o produtor, capaz de trazer uma compreensão
mais profunda do fazer. Do pesquisador que possa atualizar os
211
dados, os índices, as pendências e os avanços. Ou do educador,
único capaz de modificar substancialmente nossos modos de
perceber e relacionar culturalmente.
Olhando de dentro, a máquina estatal é uma máquina pesada,
lenta, obsoleta e enferrujada. Muitas vezes pautada em políticas que
autopromovem e retroalimentam seus gestores. É perceptível um
excesso de valorização da funcionalidade e dos fatores econômicos
atrelados à produção cultural e pouco avanço no sentido de
reconhecer e promover os valores da cultura em si mesma. Por sua
capacidade de, por um lado, transformar e, por outro, atualizar a
memória, as tradições e, sobretudo, o bem-estar social.
As políticas culturais não podem ser reduzidas nem ter como
principal parâmetro o alcance publicitário. A partir do momento
em que as esferas políticas descobriram o poder de formação
pública da ação cultural, seu prestígio e visibilidade, desencadeou-
se uma crescente deturpação e corrupção dos valores e práticas
culturais. Desde então, a contabilização e publicização estão
sempre à frente da qualidade das ações públicas culturais, numa
busca constante de realizar eventos megalomaníacos que desviam
os investimentos de políticas estruturantes, duráveis, e que não
contemplam os reais interesses da sociedade civil. E, do outro
lado, falta interesse, acuidade, acompanhamento e fiscalização
por parte da mesma sociedade. Esse processo de alienação começa
no ensino fundamental, na subserviência ao poder das classes
políticas e é estendido pela ausência de debate e engajamento nos
cursos de arte.
São poucos agentes e produtores com conhecimento de
área que têm estômago, disposição e consciência coletiva para
212
ocupar cargos de gestão. Poucos artistas conseguem desprender-
se de seus interesses individuais para cuidar e levantar causas
coletivas. Quando não são corrompidos pelo desejo de acumular
e se manter no poder. Nesse sentido sou adepto das ponderações
de Pal Pelbart, quando defende o direito à deserção como premissa
para a salubridade mental nos exercícios de ativismo da e pela arte.
Entrar e sair das instituições políticas são dinâmicas de grandezas
correspondentes, relevantes na mesma proporção, ao menos em se
tratando de manter ou alcançar um discernimento mínimo sobre
as implicações e distorções entre as instâncias públicas e privadas.
Falta comprometimento na ocupação dos espaços de gestão e
entendimento da importância da rotatividade na mobilização e
diversificação dos agenciamentos políticos.
O favorecimento de determinada área ou linguagem por
afinidade ou interesse particular de artistas gestores desvela
uma imaturidade e falta de compreensão que ferem o princípio
democrático da gestão pública, e seu objetivo anterior, que é o de
garantir a diversidade e pluralidade das expressões e manifestações
culturais. Novamente estamos submetidos à lei ignorante e perversa
da oferta e da procura. Se um “verdurão” só tem tomate, quem perde
não é o produtor de abóbora, mas principalmente a população
que em pouco tempo ficará subnutrida, pobre em nutrientes e
experiências gastronômicas. Um bom administrador público vai
olhar com mais cautela as pendências e carências do produtor de
abóboras e não dificultar ou acusá-lo de incapacidade produtiva.
Isso, claro, sem comprometer o bom andamento da produção do
tomate. A política pública para a cultura não pode ser o coro dos
213
contentes ou dos descontentes, e deve manter a idoneidade para
além de interesses e organizações partidárias.
Outro exemplo é a inexistência de uma pasta para a
manutenção dos espaços e equipamentos culturais, que implica a
descontinuidade de seus programas, o amadorismo e principalmente
a irregularidade da produção e da participação pública, o que é ainda
pior. Por que sempre reformar e não aprimorar? Essa inconstância
nas programações favorece que tipo de prática? As licitações são
mais lucrativas para quem? A cerimônia de lançamento de um
espaço novo ou reformado é mais importante do que o programa
de ações culturais junto à comunidade? Essa distorção de valores
reflete o quanto continuamos socialmente medíocres, com hábitos
medíocres e inconstantes. Por isso preferimos investir na esvaziada
e compulsiva cultura de shopping centers, na cultura insalubre e
depredadora de sentar e embebedar-se nos botecos, ou mesmo na
decrepitude do ostracismo urbano a viver uma experiência estética
ou a avançar nossa subjetividade nos desafios de cultivar e apreciar
arte contemporânea.
Ainda sobre o cenário local, infelizmente nossa sociedade
continua iludida com o enriquecimento ambicioso e efêmero
da produtividade do setor primário e secundário, por vezes
“semiextrativista” e insustentável em longo prazo, sem avaliar os
índices históricos de uma crise sobre o conceito de produtividade
humana, que apontam a cultura e a ciência (como produção de
conhecimento), como as principais alternativas socioeconômicas.
214
A PORQUARIA DE SER ARTISTA DE DANÇA
Luciana Ribeiro
Klauss Vianna1
215
artista da dança, e isso se deu em um lugar particular muito público
inventado por mim em 2000 que se chama ¿por quá? grupo de dança.
216
esta era referência estética e já muito acima do meu caminho.
Foi a teoria que me lançou e me encorajou a adentrar a dança. E
a Educação Física também, em especial a sua crise. Quando ela
questionou a sua própria importância, particularmente na educação,
levantou reflexões consistentes e críticas em relação ao corpo e
ao movimento – padrões, imperativos, hierarquias, hegemonias –
que possibilitaram e ainda possibilitam uma dança solta, passível
de resultados ora frágeis, ora ousados, ora os dois. Esse universo
de perguntas, de crueza, o embate feito com a realidade, tudo isso
não me deixou ficar na dança ideal, me fez encontrar a dança. Real.
Dancei. Dança estreita, dança crua, dança debilitada, dança burra.
Queria mais.
A formação acadêmica me deu respaldo quanto à titulação
superior e principalmente me forneceu uma formação humanista e
crítica, apresentando-me e me provocando quanto às concepções de
corpo, de movimento e do mover para o ser humano. E isso me fez
ir atrás de contextos de dança mais questionadores, abertos, livres.
E assim eu mergulhei em cursos, oficinas, palestras e atividades
realizadas em festivais e encontros de dança em várias cidades
do Brasil. Assim eu (me) encontrei Adilson Nascimento, Dudude
Herrmann, Sônia Mota, Gisela Rocha, Tica Lemos, Giovane Aguiar,
Isabel Marques, Ciane Fernandes. Mas eu queria mais e queria
aqui, queria para cá. Então eu criei o ¿por quá? grupo experimental
de dança. Sim, em 2000, ele se apresentava como experimental.
Então a dança me tomou. De lá pra cá não parei mais, de dançar, de
teorizar, de dançar. Dance, pense, dance, pense, dance!2
217
O GRUPO QUE CRIOU A LUCIANA
218
vanguarda demais, não estabelecendo relação com o
momento histórico vivido, do dançarino, do espectador.
Na ausência da experimentação contextualizada, da
investigação e da criação, os espetáculos resultam
monótonos e alheios – para todos os envolvidos.
219
isso, os objetivos se voltavam mais para dentro do que para fora:
inserir trabalhos artísticos na Faculdade de Educação Física,
oportunizar estudantes a vivenciar uma experiência sensível e a ter
acesso a este universo e o enfrentamento das contradições reais do
contexto local. Assim, o grupo sempre foi heterogêneo, de corpos,
de experiências corporais diversas, de experiências em dança e de
experiências sensíveis. Este sempre foi o seu maior desafio que,
com o tempo, foi se transformando em sua maior potência.
Para lidar com essas questões desafiadoras a que o próprio
grupo se propôs e na tentativa de ser coerente e consistente, o ¿por
quá? caminhou em direção a concepções muito claras, específicas
e propositivas de corpo, mundo, arte e dança. Corpo como sujeito
constituído de/no mundo, incompleto e singular. Compreensão da
arte e da dança como dimensão estético-sensível que se configura
como transbordamento da dimensão prático-utilitária da vida.
Apropriação e produção da existência humana – corpo/sujeito/
mundo/arte/dança, a partir de sua relação/compreensão concreta,
material e histórica com a realidade/vida. Nessa perspectiva crítico-
social, a dança/arte ganha sentidos complexos e contraditórios
que precisam ser compreendidos tanto na particularidade dos
contextos sociais quanto na universalidade desta dimensão
estética. A produção em dança do ¿por quá? parte do conhecimento
e enfrentamento das possibilidades de existência, apropriação,
significação, reflexão, criação, transformação e perpetuação da
dança no decorrer da história da humanidade em embate com seus
próprios desejos de existir. A busca histórico-crítica por respostas
sobre como a dança foi sendo construída – o quê dela ou qual
220
parcela de sua produção foi legitimada e o porquê disso – rompe
com as hierarquias geralmente existentes no seu universo.
Assim, o trabalho do grupo parte do reconhecimento da
dança existente no cotidiano das pessoas problematizando sua
vivência – valoração social, seu formato e reconhecimento cultural –
e os possíveis desdobramentos disso. O ¿por quá? busca uma
antropologia revolucionária da dança se referenciando em filósofos
marxistas e na psicanálise para tentar romper com o desejo bruto e
a razão descorporificada. Perseguir os nossos objetivos de produzir
e existir como dança na fonte chamada corpo, nas suas necessidade
e capacidades de produção e de existência, rompendo com o eu
idêntico e se abrindo ao mundo socialmente compartilhado. Nessa
perspectiva, os desejos e as necessidades de cada UM são pesados
ao lado dos do OUTRO e é dessa maneira que somos levados por um
corpo criativo diretamente às questões aparentemente abstratas
da razão, e esta não emudece o chamado inconveniente do CORPO
e sim, responde aos seus interesses concretos.
Tanto o acreditar em corpos sujeitos, e considerar que
dança é um fenômeno artístico-cultural pertencente a todas as
pessoas, quanto a transitoriedade e a particularidade corporal dos
dançarinos provocaram o grupo a construir maneiras de existência
e processos de criação que definiram seu perfil e sua dança: a
não necessidade de experiência formal em dança, ou melhor, o
reconhecimento de outras experiências em dança acompanhada
de seus processos de aprendizado e de vivência; o acolhimento a
experiências sensíveis diversas para além dança como porta de
entrada e também como saberes outros de corpo; lidar de forma
afirmativa e propositiva com a heterogeneidade corporal, tanto
221
físico-anatômica quanto de vivências; considerar as múltiplas
possibilidades de técnicas e processos de criação e a importância
das escolhas para a produção artística e de cena; a atenção ao
desejo de querer participar e ser dança e a compreensão de que
isso é uma construção; responsabilidade com o público que temos,
com o público que queremos, para quem dançamos e para que
dançamos; e, por último, o que envolve a possibilidade democrática
de experimentar ser artista da dança e o que compreende (querer –
poder – saber) ser de fato artista da dança – para si, em Goiânia, no
Brasil, e para o outro.
Em relação à gestão, o grupo também foi trilhando um
caminho particular entendendo que a conquista de uma autonomia
celebrativa de dança perpassa por, além do olhar questionador
contínuo, responsabilizar-se por um contexto que torne esta dança
viável. Dessa forma, os integrantes sempre foram chamados a
construir a existência do grupo, identificando todas as demandas
necessárias para isso, desde a criação das obras de dança até tudo
o que envolve a produção delas. Isso fez com que os integrantes se
sentissem donos do seu trabalho, da dança e do grupo, tornando-se
porquarianos e dando vida longa a ele. Mesmo quando a direção se
ausentou em determinados momentos, os integrantes porquarianos
decidiram continuar com o grupo, de alguma forma. No ano em que
o ¿por quá? completou 10 anos de existência lançou um miniedital
interno que objetivou oportunizar a seus dançarinos-pesquisadores
conceber, dirigir e executar uma obra de dança. O projeto
contemplado, de autoria de Lu Celestino, foi produzido e conduzido
de maneira colaborativa com outros artistas que integraram seu
processo com suas presenças sensíveis e propositivas.
222
Em 2011 o grupo se desvincula inteiramente da Universidade
e se lança como grupo independente, sob direção geral de Luciana
Ribeiro e composto por artistas de dança vinculados diretamente ao
contexto educacional e de produção em artes, apontando para uma
direção cada vez mais profissional e autônoma. Para o ¿por quá? o
ser artista da dança perpassa o saber, o ensinar, o criar, o produzir,
o falar, o pesquisar. E assim optou por seguir um caminho próprio,
com uma dança de linguagem simples que transita entre o popular
e o contemporâneo. Seu próprio nome é um questionamento
lúdico e transgressor feito à arte, gerando uma dança insurgente,
curiosa, investigativa e leve. Pesquisa atualmente ações artísticas
mais abertas e intervenções urbanas com forte teor na cultura pop.
Mantém uma estrutura e rotina consolidadas, inclusive integrando
a casAcorpO como um de seus grupos artísticos residentes. A
casAcorpO é um espaço que promove o encontro entre artistas e
a interação cultural com a cidade e lá também o ¿por quá? realiza
aulas, ensaios, laboratórios, pesquisas e outras ações artísticas
compondo, com outros artistas e produtores, a cena de dança
e arte local. Toda esta conquista de espaços, tanto o subjetivo de
arte quanto o objetivo de paredes, tablado e cozinha-estar, além
do reconhecimento como grupo consolidado da cena da dança
de Goiânia fortalecem desejos de continuidade, robustecimento e
conquista de novas possibilidades, cada vez com mais maturidade e
consistência. Aprofundar e sofisticar ideias interessantes e intensas
fazendo-as surgir em estéticas, formatos e espaços outros. Ampliar
públicos, provocar e transformar realidades.
Nestes quinze anos de existência, mais de cinquenta pessoas
já participaram do ¿por quá?, umas só esbarrando na dança, outras
223
tendo a experiência no grupo como geradora de novos pensamentos
de mundo, e outras existindo persistentemente e consistentemente
na dança, em outras, ou aqui. Ver o trabalho sustentado e refletido
no trabalho do outro demonstra que a dança participa e interfere
na construção do conhecimento a partir de conexões filosóficas
de pensamento e intervenção social. Foi isso que o ¿por quá?
construiu. Não foi uma vivência isolada de dança. Dança que
provoca, gera conexões consigo, com o outro, com a própria dança
e com a realidade social. O ¿por quá? se colocou na cidade como
um espaço de vivência e reflexão da dança de forma consistente,
persistente, íntegra, respeitosa e generosa. Aceita e enfrenta suas
contradições, apresentando conflitos e admitindo fragilidades,
sempre na perspectiva de conclamar que a vivência artística da
dança não é para poucos e que o desejo por ela é também algo que
precisa ser alimentado, transformado e ampliado.
Hoje quem integra o grupo tem mais de dez anos de vivência
nele; não estão no grupo, são o grupo. No ¿por quá? experimentam-
se as vidas/artes para relacioná-las, (re)cortá-las com o mundo e
transformar: vidas e mundo... começando tudo de novo, tudo com
o novo, voltando ao igual, mas sempre diferente. Temos que os
trabalhos em dança que partem da sua realidade e a relacionam
com o todo, com o mundo, conseguem se sobrepor ao pequeno e se
destacar nas danças da humanidade. Pelo menos é este o exercício
dialético, material e contraditório de ser deste grupo: a porquaria
de ser artista de dança.
Manoel de Barros
224
VIDA VERSUS SOBREVIVÊNCIA NA CULTURA
Leonardo Taques
225
Para compreender e possibilitar escolhas coerentes com
o meu desenvolvimento artístico, aproximei-me das políticas
públicas culturais. Com esse gesto a minha produção artística se
transformou – não que isso tenha possibilitado mais tranquilidade
financeira ou melhores condições na produção e existência
da minha arte – e ao mesmo tempo passei a colaborar com o
fortalecimento da classe artística, com vistas ao aprimoramento
da relação com o poder público vigente.
Para o artista cidadão, exercer seus direitos torna-se também
mais um ato de resistência manifestada pela continuidade de sua
atuação, principalmente na relação com o poder público. O gestor
da administração pública tem inúmeras possibilidades e maneiras
de estabelecer políticas culturais para sociedade, que podem ser
entendidas, segundo Coelho (2004, p. 293):
226
que ela aconteça. Aqui é oportuno lembrar o que diz Katz (2013,
caderno 2, c3), “A produção artística está sempre atada às condições
que regulam a sua possibilidade de existência.”
Entre essas possibilidades encontram-se os ambientes de
produção, que guardadas algumas características locais, organizam-
se de maneira geral com certas similaridades. Particularmente
minha escolha foi a de não recuar com minha arte em função do
ambiente, seja ele mais ou menos favorável, pois é certo que o
ambiente de Curitiba influencia, assim como venho influenciando e
agindo para sua transformação.
ESCOLHA E INICIAÇÃO
227
dedicação eram retribuídos com a apreciação de uma plateia nem
sempre tão calorosa.
Integrei, assim, o “Conjunto de Canto e Dança JUNAK”1, durante
cinco anos. E ali vivenciei algum tipo de organização de movimento
e contatos com o poder público, prefeitura e governo do Estado,
que colaborava em diversas atividades culturais, como o Festival
Folclórico de Etnias do Paraná, evento que rememora a presença
e importância de inúmeras etnias na formação cultural desta
cidade. Nesse processo de formação, destaco Urszula Sajda, à época
coordenadora, coreógrafa e professora. Grande estimuladora, ela
sinalizou com uma pergunta para uma possível escolha acadêmica:
“Você sabe que aqui em Curitiba tem curso superior em dança
na FAP2? À época outra professora, Sandra Ruthes, me convidou
para fazer aulas de dança de salão na escola “8 tempos”, que ela
acabara de inaugurar. Pensei: “dançar a dois pode se interessante”.
Até então eu dançava no folclore, nas festas de garagem e nas ditas
“boatinhas”, nome dado as bailes direcionados ao público menor de
idade, promovidos e realizados pela ala jovem de grandes clubes da
cidade, comuns no início dos anos noventa.
Em síntese, a dança de salão e a dança folclórica constituíam
a minha realidade e experiência corpórea. Ao não ser aprovado
no primeiro vestibular, assumi a responsabilidade de superar
as dificuldades financeiras e de gênero para abraçar a dança
228
como profissão. Naquele momento, já estagiava dando aulas
remuneradas de dança de salão, algumas apresentações pagas, mas
essas atividades eram insuficientes para obter autonomia e custear
a aquisição e o acesso ao conhecimento.
Duas figuras seriam muito importantes nesse contexto.
Jean Varde – bailarino argentino radicado no Brasil, professor
de muitas gerações de bailarinas e bailarinos de Curitiba – abriu
sua escola para que nesse ano eu fizesse aulas de balé clássico,
flamenco, danças populares, dança moderna. O empenho rendeu
uma experiência no exterior em parceria como o poder público
de Buenos Aires, Argentina, que ofereceu hospedagem, transporte
local, além do Teatro do Centro Cultural General San Martin para
três noites de apresentações da Cia. de Dança Jean Varde. Paguei
apenas a passagem aérea. Walmir Secchi, professor e proprietário
de uma das mais antigas escolas de dança de salão da cidade, me
proporcionou o primeiro trabalho remunerado na área, com o
qual pude pagar minha viagem a Buenos Aires, além de aulas
preparatórias para o vestibular, no qual fui aprovado. A partir daí
as escolhas mudaram.
Meu viver da dança inclui o tango desde 1998. E aqui devo
lembrar especialmente do meu professor e amigo Marco Toniasso.
Além de compartilhar seu conhecimento, ele me possibilitou
inúmeras oportunidades de trabalho com a dança. Juntos
produzimos bailes (milongas), apresentações, periódico mensal
sobre atividades culturais, recitais e eventos relacionados ao tango.
Aliás, o tango me fez retomar a experiência como ator e colaborou
para aguçar minha percepção quanto à possibilidade de atuar na
área da licenciatura, produção, técnica e como bailarino.
229
A convite do diretor Edson Bueno, encarreguei-me da
preparação corporal do elenco e também fiz parte dele na peça
teatral “Tangos Portas do Céu”3; participei do grupo de teatro
“Ambulatório” no trabalho de texto de Luci Colin e direção de Gerson
“Avesso”4. Esses trabalhos colaboraram para que eu integrasse o
elenco da Cia. Ojála, de Buenos Aires, na obra “Hombre Vertente”5.
Como bailarino participei da audição na “Tesserá Cia. de
Dança”6, que proporcionava uma bolsa. Aprovado, deixei outros
trabalhos para estar inteiramente dedicado e empenhado a viver
da dança. Profissionalizei-me como Artista/Bailarino participando
da banca do SATED-PR (Sindicato dos Artistas e Técnicos em
Espetáculos de Diversão do Estado do Paraná), movido pelas
oportunidades, principalmente em editais públicos, que exigem o
DRT7 na área de atuação.
Meu trabalho com a dança de salão continuou como
bailarino no Estúdio de Artes & Cia do diretor Neno Meirelles,
responsável pelos primeiros espetáculos de dança de salão em
Curitiba, que sem nenhum tipo de verba conseguiu a parceria do
230
município para algumas apresentações em um teatro público, nos
espetáculos “Cabaré” e “Casa dos Sonhos”, ambos com a Dança de
salão como linguagem.
Participei do 4º Encontro Internacional de Dança
Contemporânea – ‘CONESUL’ em Porto Alegre-RS, como criador-
intérprete, tendo contato com inúmeros artistas de vários
países. Em uma iniciativa do município de Joinville-SC, como
bailarino do espetáculo “Compassos de Tango”8, com dança
contemporânea, integrei como criador-intérprete “Violência
Violada”9 acrescentando muito em meu desenvolvimento. Como
artista bolsista residente no Curso de Dança contemporânea
Investigativa10, experiência marcante pela convivência e pelos
conteúdos compartilhados com vários artistas e estudiosos,
enriqueci minha performance, dança e vida.
Dos convites fora de Curitiba, destaco um projeto
público-privado chamado “Público Dança” (2007/2008) “Ideias
transitórias para espaços solúveis”, em Votorantim-SP, com
inúmeros artistas brasileiros e estrangeiros, que durante duas
semanas permaneceram juntos desenvolvendo o pensar a dança
e os processos criativos, bem como o trabalho como coreógrafo-
bailarino de “Estações de Piazzolla”11 e a participação no “Baila
8 Espetáculo de Tango realizado em 2011 pelo Studio dois pra lá dois pra
cá, patrocinado pela Fundação Cultual de Joinville, Simdec e Prefeitura de Joinville.
9 Projeto contemplado com o Prêmio Funarte-Petrobras de fomento à
dança em 2006.
10 Curso de Dança contemporânea Investigativa
231
Floripa”12, Festival de Dança de Joinville13, Prêmio Desterro14,
ambos em Santa Catarina. Igualmente, participar em um dos
maiores e mais importantes festivais folclóricos, “Miedzynarodowy
Festywal Zespów Polonijnych”15, na Polônia, como coreógrafo
e bailarino do “Grupo Folclórico Polonês do Paraná Wisla” me
possibilitou uma experiência transformadora como pessoa e
como profissional.
Com algumas dessas experiências, percebi a possibilidade de
também organizar e produzir eventos culturais. Voltei ao SATED-
PR para me profissionalizar como Técnico em Espetáculos de
Diversões/Diretor de Produção. Viabilizando atuação nesta área,
fui assistente de produção na competição classificatória Brasil
do Campeonato Mundial de Baile de Tango16 com o governo de
Buenos Aires e a Intertango Producciones. Para a companhia
particular Trira Cia. de dança, a convite, produzi dois espetáculos,
“Sépia” e “Humus”. “Quando Tudo Cresceu”, espetáculo do Coletivo
Brincante; ‘1º Fazendo Folclore’, iniciativa privado-pública de
formação e com apoio da secretaria de Turismo de Curitiba; Curso
de Qualificação Profissional em Tango Dança17; projetos esses que
15
Festival internacional de Grupos Poloneses 2008 organizado pelo
Ministério da Cultura polonês.
16 Pré-classificatória
em Tango salão e Tango cenário Brasil para o Mundial
de Tango, que acontece anualmente em agosto na cidade de Buenos Aires Argentina.
17 Curso de Qualificação Profissional em Tango Dança
232
me proporcionaram novos conhecimentos e experiências como
produtor cultural.
Na licenciatura, minha relação com o poder público se
estreitou quando fui estagiário da Fundação Cultural de Curitiba,
na então criada Coordenação de Dança do município, da qual junto
com a colega estagiária Silvia Nogueira Benetor, sob a coordenação
de Marila Vellozo e a colaboração de Gladis Tripadalli, participei
de maneira intensa e com muita alegria. Na ocasião tivemos a
oportunidade de elaborar um mapeamento da dança nas nove
regionais de Curitiba, realizando encontros com profissionais,
amadores, grupos de dança, alunos, apoiadores e a comunidade em
geral de cada localidade. Diante de uma demanda espontânea, surge
o “Dança Cidade”18, que teve inúmeras ações em prol da dança no
município, culminando no I Fórum de Dança de Curitiba19.
Como professor, além de ter sido professor da secretaria de
Educação do Estado do Paraná, colaborei com o evento promovido
pela prefeitura de São Francisco do Sul- SC lecionando dança na III
Semana de Santa Catarina. Outro trabalho se deu junto ao extinto
coletivo de produções em dança “Quadra Pessoas e Ideias”, em
parceria com o município, atuando como professor com grupos
de crianças e adultos. Simultaneamente, fui convidado pelo
233
Grupo Folclórico de Danças Giuseppe Garibaldi20, do município
de Carazinho-RS, a coordenar o grupo ao lado de Carla Toniasso,
assim atuei como preparador corporal e coreógrafo na produção
de eventos e espetáculos, que resultaram depois de um ano no 1º
Intercâmbio Ítalo-Brasileiro RS-PR, projeto privado-público que não
teve continuidade, principalmente pela falta de interesse da gestão
seguinte. Na licenciatura, novas oportunidades surgiram, como a
participação na I Mostra de Dança de Pato-Branco-PR, realizada
pelo departamento de cultura do município. A cidade realizou
a mostra com apresentações e oficinas relacionadas à dança,
nas quais tive a satisfação de ministrar a oficina Reflexões Sobre
Composição Coreográfica junto com o meu saudoso amigo, parceiro
de luta e arte, Clayton Leme21. Em Pato Branco-PR, ministrei aulas
de composição coreográfica na 25ª edição do Festival de Dança de
Cascavel, criado e realizado pela municipalidade.
Das diferentes áreas do conhecimento em que atuei menciono
as peculiaridades do FERA (Festival de Arte da Rede Estudantil),
projeto já extinto do governo do Estado do Paraná. De grande
importância na formação de uma geração de artistas, com duração
de uma semana, o projeto estava repleto de oficinas, apresentações,
mesas de discussões e muita interação como a comunidade, por não
separar a educação da cultura e por também agregar arte à ciência.
20
Grupo de dança italiana, integrante da Associação Italiana Giuseppe
Garibaldi, iniciado como atividades de dança em escolas públicas como parceria
da Municipalidade.
21
Artista da Dança formado pela UNESPAR – FAP, diretor e criador do
“Coletivo Brincante”, pesquisador e estudioso do universo infantil, estimulador da
Arte e da cultura. Grande amigo e parceiro, falecido em 2014.
234
Hoje posso dizer que todas as áreas e experiências
proporcionaram e continuam a proporcionar grandes transformações.
Para artistas autônomos como eu, o processo de constante busca
pelo aperfeiçoamento e a disponibilidade para as novas experiências
são partes fundamentais e constantes para o desenvolvimento.
AMBIENTE/SOBREVIVÊNCIA
235
mudem. Precisar ou não do incentivo, previsto na Constituição
(COSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, 1988) –
“Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos
culturais e acesso às fontes de cultura nacional, e apoiará e
incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”–,
de maneira nenhuma impedirá sua continuidade, porque sua força
está na resistência.
Fiscalizar, reivindicar e colaborar para o aperfeiçoamento e
aumento dos investimentos na área é uma luta constante. Nesse
processo, no qual cada indivíduo tem seu exclusivo ponto de vista,
foram e são inúmeros os embates com o poder público, muitas vezes
sobre o entendimento, a importância e até sobre o convencimento
da necessidade de mais verba e maior apoio para área da cultura.
Sobreviver da dança? Viver da dança? Não. Estar vivo, ela
me faz!
REFERÊNCIAS
Site
236
QUANDO UMA BAILARINA SE DESCOBRE ARTISTA,
QUANDO UMA ARTISTA SE DESCOBRE CORPO E POR
CONSEQUÊNCIA CORPO POLÍTICO E DANÇANTE
Loana Campos
MINHA COMPOSIÇÃO –
PERMANENTE CONSTRUÇÃO PELO ENTORNO
237
Tive a oportunidade de me aproximar de professores/artistas
que participavam de movimentos e manifestações em diversas
instâncias e com eles pude entender o contexto histórico, debater
em aulas práticas e teóricas o corpo que dança e que é político, me
entender como parte de um macro e me ver como ser social dentro
de um ambiente.
Em 2006, comecei a acompanhar a programação da Casa
Hoffmann – centro de estudos do movimento (espaço da área
de Dança da Fundação Cultural de Curitiba). Ano em que muda
a gestão da Coordenação do espaço e Marila Vellozo a assume.
Ela, juntamente com artistas locais, alunos de dança e agentes
culturais, passa a propor reuniões e, então, se forma uma espécie
de grupo de estudos, gerando um ambiente de reflexão permanente
sobre participação, formulação e representatividade em políticas
culturais. Em poucos meses esses encontros transformam-se em
Fórum de Dança de Curitiba, e nele pude estar perto de grandes
parceiros como Clayton Leme, Bruna Spoladore, Peter Abudi,
Rosemeri Rocha, Gladis Tridapali, Leonardo Taques, Emerson
Camargo, Yiuki Doi entre outros. Esse Fórum, para mim, é o grande
marco para a dança dentro de um ambiente político na cidade de
Curitiba nos últimos 10 anos, e o ambiente que me constituiu como
corpo dançante político e que me instiga a um exercício permanente
de autonomia, representatividade e corresponsabilidade.
238
posicionamento é uma condição para estar em um ambiente e iniciar
qualquer diálogo. É desse lugar que surge a necessidade de assumir
uma autonomia. Entendendo aqui autonomia como a capacidade de
o ser humano gerir e expor um posicionamento próprio.
Perceber que qualquer decisão que tem a ver com verba
pública está muito mais próxima de nós do que se imagina. Quando
começamos a participar de encontros em que pautas são votadas
e nos damos conta de que temos o direito e dever de participar
diretamente dessas decisões. Descobrir a possibilidade da voz
e do voto é descobrir a sociedade civil, a força e o poder de uma
organização social, seja ela artística, estudantil, ou de qualquer
cunho social.
Sobre representatividade: entender a importância de nos
organizamos democraticamente por meio de votações e elegermos
representantes desde o “macro” – como eleger um presidente da
República – até o “micro” – como eleger um representante de dança
para mediar os passos da área dentro de sua cidade. Olhar para
isso é dar-se conta que a palavra representatividade tem a ver com
(para não repetir a expressão: condiz com) um coletivo, um grupo
de pessoas.
Sobre Corresponsabilide: ao tomar para si uma decisão em
conjunto, uma votação ou mesmo um posicionamento (por meio da
fala ou não), é impossível desvincular-se de uma responsabilidade
sobre tal ação. A responsabilidade está em nós a partir do
momento em que vivemos em uma sociedade. Ao contrário do
que muitos pensam, o fato de decidir não se envolver já é um
ato político. (Arendt, H. 1999). A importância da importância
239
de representar, a importância de estar junto, a importância de
posicionar-se, nos inclui em decisões sociais a todo o momento.
A ideia de corresponsabilidade nos proporciona a sensação de
compartilhamento e empoderamento dos caminhos tomados
individualmente e coletivamente.
Depois de dar o primeiro passo não há como voltar atrás: ao
entrar em contato com tais informações e sensações, tomar para
si a relação de correponsabilidade que travamos com o outro, não
vejo a possibilidade de negar e não me envolver nos ambientes/
caminhos das políticas públicas na dança, em alguns momentos
mais ativa na militância, em outros, um pouco mais distante, mas
acredito que uma vez militante sempre militante.
Seguir uma(s) referência(s) até desenvolver um posicionamento
próprio – uma construção constante: Um dos grandes desafios é o de
encontrar (o quê?) no próprio posicionamento e no posicionamento
do outro. Fiquei muito tempo participando de reuniões sem me
posicionar diretamente, pois entender minimamente a lógica de
um ambiente político, como de qualquer ambiente em que se chega,
requer um tempo. Um tempo para se aproximar do vocabulário,
das pautas, dos grupos. Reconheço aí um processo em que estive
seguindo o posicionamento dos pares que me eram próximos e no
exercício da prática poderia sim continuar próxima deles; entretanto,
a diferenciação de um posicionamento que é meu e do que é do grupo
vai se esclarecendo e me empoderando cada vez mais. Acredito que
se reconhecer no outro e(ou) com o outro é um dos maiores desafios
da vida em sociedade.
240
ENTENDIMENTO SOBRE PARCERIAS
DENTRO DE UM AMBIENTE “POLÍTICO” – COLETIVIDADE
241
intensidade é preciso continuidade na militância; ao escutá-lo, percebo
que a palavra desistência não pode existir em um vocabulário de
luta. O exercício é: manutenção do envolvimento e da energia que se
dispõe para tal, reconhecer e lidar com angústias e expectativas que
são inegáveis e acreditar do pensamento em conjunto.
Atualmente meu objetivo/desafio como militante da dança e
das políticas culturais está em exercitar a quantidade de energia
de que disponho em cada ação, em cada ambiente a fim de buscar
aprofundamento e qualidade em cada posicionamento que resolvo
tomar, possibilitando uma continuidade e persistência, duas
palavras-chave para qualquer luta social.
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representantes de todas as regiões do país, a fim de acompanhar
e colaborar com as ações do Ministério da Cultura e formulações
de políticas culturais para a área no Colegiado Nacional de
Políticas Culturais.
SOBRE O AGORA
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persistência foi o que levou a descobrirmos esses espaços onde a
sociedade civil tem voz. Lugares que não são divulgados em grande
escala e que precisam ser abertos para artistas, produtores, público
e a toda a sociedade civil. Existe um trabalho maior em cima desse
tema nos últimos anos. Entretanto, ainda não podemos considerar
que o debate político e o entendimento de corresponsabilidade
estejam presentes na rotina dos artistas, estudantes, produtores,
públicos e todos que consomem ou produzem arte em nosso país.
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OS AUTORES
Luciana Ribeiro
Artista e militante da dança. Criadora e diretora do ¿por quá? grupo de
dança. Fundadora e gestora da casAcorpO em Goiânia/GO. Professora e
pesquisadora no Instituto Federal de Goiás/Campus Aparecida de Goiânia,
onde atua na Licenciatura em Dança e no Ensino Técnico integrado ao
Médio. Doutora em História pela Universidade Federal de Goiás. Contato:
cianaribeiro@gmail.com
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Leonardo Taques
Profissional da dança, formado pela UNESPAR/FAP-PR, cursando
especialização na Universidade Tuiuti-PR. Atuante como professor,
pesquisador do Tango Dança, produtor e artista na área cultural. Contato:
ljtaques@gmail.com
Loa Campos
Graduada em bacharelado no Curso de Dança da Faculdade de Artes do
Paraná em 2009, atua como Produtora Cultural na cidade de Curitiba nas
áreas de dança, teatro, música e literatura. Vice- Presidente da Contacto
Associação Cultural, desenvolve pesquisa na área de políticas culturais,
atuando também em organizações como Fórum de Dança de Curitiba,
Frente Acorda Cultura Curitiba e Colegiado Setorial de Dança (2012-
2014). Contato: loaproduções@gmail.com
Marcella Souza
Advogada atuante na área de Cultura e Terceiro Setor. Pós-graduanda em
Gestão de Projetos Culturais pela USP. Bailarina e professora de dança,
integrante da Cia Flor de Lótus em Curitiba. Produtora cultural. Conselheira
da área da Dança no CONSEC – Conselho Estadual de Cultura do Paraná
(biênio 2012/2014). Conselheira do Fórum de Dança de Curitiba. Contato:
marsouzadv@hotmail.com.
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Marila Vellozo
Artista e professora no curso de Dança do Campus II da UNESPAR, em
Curitiba. Doutora em Artes Cênicas pela UFBA e Bacharel e Licenciada
em Dança. Cocriadora do Fórum de Dança de Curitiba. Contato:
memovimento@gmail.com
Rafael Guarato
Docente do curso de Dança da Universidade Federal de Goiás. Possui
licenciatura e bacharelado em História pela Universidade Federal de
Uberlândia, mestrado em História Social pela mesma instituição e cursa
doutorado em História Cultural pela Universidade Federal de Santa
Catarina. Autor do livro: “Dança de rua: corpos para além do movimento”
(Edufu, 2008). Email: rafael_guarato@yahoo.com.br
Valéria Figueiredo
Professora Adjunta da Universidade Federal de Goiás. Atua nos cursos
de Dança e Teatro da UFG. Coordena Pibid dança, é editora de seção da
Revista Pensar a Prática e Artes da Cena da UFG. Doutora em Educação
pela Faculdade de Educação da Unicamp, membro do núcleo de pesquisa
interdisciplinar e experimental em Artes da Cena – NUPIAC/FEFD.
Membro do Fórum de Dança de Goiânia.
Vera Bicalho
Graduada em Psicologia pela PUC-GO é Fundadora, Diretora Geral
e produtora da Quasar Companhia de Dança, militante da dança,
Conselheira de Cultura da Secretaria Municipal de Cultura de Goiânia do
biênio 2014/2015 email: bicalhovera@gmail.com
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Este livro foi composto em Cambria e
impresso em papel Pólen Soft 80g/m2.
Capa em papel Cartão Supremo duodesign 250g/m2.
Tiragem: 2.000 exemplares.